Introdução
O envelhecimento demográfico nos Países da Comunidade Europeia constitui uma realidade, no qual Portugal não está alheio. Para o ano de 2019, o Instituto Nacional de Estatística (INE, 2020) apontava para Portugal um índice de envelhecimento de 163,2, atribuindo como causas o acentuado envelhecimento demográfico nas últimas décadas, a baixa natalidade e o incremento da longevidade. O grupo dos mais idosos (idade igual ou superior a 85 anos) tem sofrido um incremento, representando 14,1% da população com 65 ou mais anos (INE, 2020).
Viver com qualidade constitui uma premissa desejável de qualquer ser humano. O envelhecimento é um processo universal, individual e heterogéneo, responsável por alterações biopsicossociais, sendo influenciado por uma multiplicidade de fatores, e como refere Jacob (2019), trata-se de “um processo gradual e pessoal, que cada indivíduo experiencia de forma diferente e única” (p. 144).
Ser-se idoso não representa necessariamente “ser doente”. Contudo é conhecida a associação entre as idades mais avançadas e a presença de um maior número de patologias, essencialmente de cariz crónico, tais como a hipertensão arterial, o colesterol elevado, a diabetes, entre outras (Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge [INSA], 2019). Estas não concorrem isoladamente sobre a perceção do individuo quanto à sua qualidade de vida (QdV), pois tal como nos define a Organização Mundial de Saúde (OMS), a mesma pode ser entendida como a “perceção do indivíduo sobre a sua posição na vida, dentro do contexto dos sistemas de cultura e valores nos quais está inserido e em relação aos seus objetivos, expetativas, padrões e preocupações” (OMS, 1997, p. 1). Para Botelho (2019), a perceção do próprio relativamente à sua QdV tem “uma abordagem classificativa sobreponível ao da autoavaliação da sua saúde, não existindo necessariamente coincidência nessas duas apreciações” (p.180), sendo que, a esse respeito, comumente se encontra a QdV cotada num patamar mais elevado que a saúde.
Fruto do envelhecimento demográfico, e impulsionado pela OMS, a procura por um instrumento de avaliação da perceção da QdV adequado à população idosa, mereceu a atenção por parte de vários investigadores, visando obter-se um instrumento o mais fiável possível e de fácil aplicabilidade. Os instrumentos que avaliam a QdV nas populações, constituem ferramentas importantes que podem auxiliar o planeamento de ações interventivas, ao nível das políticas de saúde, políticas sociais, de educação, de trabalho, entre outras. O presente estudo pretendeu avaliar a QdV de uma amostra de idosos não institucionalizados, residentes numa região insular de Portugal, bem como analisar a existência de diferenças significativas por variáveis sociodemográficas e clínicas, recorrendo-se a dois instrumentos já validados para a população portuguesa, um genérico e um específico.
Enquadramento
Para Canavarro (2010), o interesse generalizado em torno da temática da QdV, deve-se em grande parte à multidimensionalidade do conceito, que facilita a abordagem do mesmo objeto de estudo por disciplinas muito distintas, bem como ao seu poder heurístico, responsável por um incremento exponencial da quantidade de investigações na área. A autora salienta ainda o seu valor pragmático, visível nas suas distintas aplicações práticas, no âmbito da avaliação e intervenção clínicas, bem como na tomada de decisões políticas em saúde.
Na década de 90, segundo Pereira et al. (2011), um grupo de peritos da OMS concentrou-se em construir um instrumento fiável para a avaliação da QdV, que ultrapassasse as barreiras transculturais. Surgiu a escala de autoavaliação WHOQOL-100, constituída por 100 questões, integrando vários domínios, tais como o físico, o psicológico, o nível de independência, as relações sociais, o ambiente e os aspetos espirituais/religião/crenças pessoais. Posteriormente, criada a partir desta escala, baseada nas questões com melhor desempenho psicométrico, surge uma escala mais curta, constituída por apenas 26 questões, denominada de WHOQOL-BREF. Adaptada a partir destas duas escalas, seguiu-se outra versão, com a finalidade de favorecer a participação e preenchimento, denominada de EUROHIS-QOL-8, constituída apenas por 8 questões, sendo que cada dois itens representam um dos quatro domínios (físico, psicológico, das relações sociais e ambiente). Todos estes instrumentos avaliam a QdV de forma genérica. Em 1999, inicia-se o desenvolvimento de um instrumento específico para a avaliação da QdV em adultos idosos, denominado de WHOQOL-OLD (World Health Organization Quality of Life - Older Adults Module), constituído por 24 itens, integrando 6 facetas (funcionamento sensorial; autonomia; atividades passadas, presente e futuras; participação social; morte e morrer; intimidade). A adaptação e validação desta escala para a população idosa portuguesa acrescentou 4 itens referentes a uma nova faceta, denominada de família/vida familiar (Vilar et al., 2014; Vilar, 2015; Vilar et al., 2016).
No estudo efetuado por Vilar et al. (2015), em que se procurou analisar a influência e respetiva magnitude do efeito das variáveis sociodemográficas e de perceção subjetiva de saúde na variabilidade dos resultados de QdV, envolvendo uma amostra de 921 pessoas idosas, recrutada em Portugal continental, tendo como referência os parâmetros do WHOQOL-OLD, constatou-se que os idosos que se percecionaram como saudáveis, os que eram casados, bem como os que possuíam níveis de escolaridade mais elevados, foram os que reportaram melhores pontuações. Nesse estudo, obtiveram-se diferenças significativas com um efeito médio-alto aquando da variável “perceção subjetiva da saúde”, e com efeito médio aquando da variável “nível de educação” e “estado civil”. Ermel et al. (2017), tendo por base um estudo em que se procurou avaliar a perceção da QdV dos idosos de Portugal e Brasil, no qual utilizaram a WHOQOL-OLD, verificaram que ambos os grupos percecionaram positivamente a sua qualidade de vida. Os autores verificaram ainda que, por parte do grupo de idosos de Portugal, a faceta “família/vida familiar” foi a que apresentou maior pontuação (74,05, numa classificação de 0-100), enquanto a faceta “Morte e morrer” foi a que apresentou a menor (52,55). Por parte do grupo de idosos do Brasil a faceta “Morte e Morrer” foi a que apresentou maior pontuação (75,37), enquanto a faceta “autonomia” foi a que apresentou a menor (58,66). Aguiar et al. (2019), num estudo efetuado no Brasil, no âmbito da avaliação da capacidade funcional e QdV do Idoso residente na comunidade, no qual utilizaram a WHOQOL-OLD, constataram que a pontuação média mais elevada foi obtida na faceta “funcionamento sensorial” e a menor na faceta “autonomia”. Verificaram ainda que a idade e o sexo estavam associados a capacidade funcional e a QdV do idoso.
Questão de investigação/hipóteses
Qual a perceção da QdV de uma amostra de idosos não institucionalizados e a sua dissemelhança por variáveis sociodemográficas e clínicas?
Existem diferenças significativas entre a perceção da QdV dos idosos e o sexo; (ii) Existem diferenças significativas entre a perceção da QdV dos idosos e a faixa etária; (iii) Existem diferenças significativas entre a perceção da QdV dos idosos e o nível de escolaridade; (iv) Existem diferenças significativas entre a perceção da QdV dos idosos e o estado civil; (v) Existem diferenças significativas entre a perceção da QdV dos idosos e a presença ou não de patologia(s).
Metodologia
Desenhou-se um estudo observacional analítico, transversal, de natureza quantitativa. Pretendeu-se avaliar a perceção da QdV numa amostra de idosos não institucionalizados a residir numa região insular de Portugal. Definiram-se como critérios de inclusão: residir numa das freguesias do concelho; possuir idade igual ou superior a 65 anos; não possuir défice cognitivo; não estar institucionalizado. Para avaliar o défice cognitivo utilizou-se o Mini Exame do Estado Mental de Folstein, Folstein e McHugh, escala publicada em 1975, traduzida e adaptada para a população portuguesa por Guerreiro et al. (1994). Os valores de corte foram atualizados por Morgado et al. (2009). Recorrendo-se à técnica de amostragem não probabilística, por conveniência, e uma vez aplicados os critérios de inclusão, obteve-se uma amostra final de 250 idosos.
A perceção da QdV constitui a variável dependente. As variáveis sociodemográficas e clínicas correspondem às variáveis independentes. Para avaliar a perceção da QdV serão utilizadas as escalas EUROHIS-QOL-8 e WHOQOL-OLD.
A EUROHIS-QOL-8 foi traduzida e adaptada para a população portuguesa por Pereira et al. (2011), sendo constituída por oito questões em que as repostas são dadas num formato Likert (de um a cinco pontos). O resultado é um índice global que varia entre 8 a 40 pontos, calculado a partir da soma dos oito itens, sendo que os valores mais elevados correspondem a uma melhor perceção da QdV. As pontuações globais foram posteriormente convertidas numa escala de 0 a 100 pontos.
A WHOQOL-OLD foi adaptada e validada para a população portuguesa por Vilar et al. (2014), é constituída por 28 itens cujas respostas são do tipo Likert (de um a cinco pontos). Esta escala contempla sete facetas cada uma com quatro itens: Funcionamento Sensorial; Autonomia; Atividades Passadas, Presentes e Futuras; Participação Social; Morte e Morrer; Intimidade; e Família/Vida Familiar. Para cada faceta procede-se à soma das respostas dadas nos quatro itens, obtendo-se assim valores entre 4 e 20 pontos, sendo que valores mais elevados traduzem uma melhor perceção da QdV. Os itens formulados na negativa foram reconvertidos. Esta escala contempla uma pontuação global resultante da soma das respostas aos 28 itens, obtendo-se, portanto, uma variação entre 28 e 140 pontos. As pontuações finais de cada faceta e o global foram convertidos numa escala de 0 a 100 pontos percentuais.
Foi solicitado um parecer ético do estudo à comissão de ética da Unidade de Investigação em Ciências da Saúde - Enfermagem (UICISA: E) da Escola Superior de Enfermagem de Coimbra, que mereceu aprovação do mesmo (Parecer Nº408-03/2017). Foi ainda solicitado autorização aos autores que validaram para Portugal as escalas respeitantes à avaliação da QdV, nomeadamente a EUROHIS-QOL-8 e a WHOQOL-OLD, tendo merecido resposta positiva de ambos. Após apresentação pública da importância e dos objetivos do estudo, os idosos não institucionalizados, recrutados porta-a-porta na comunidade, que aceitaram de livre vontade participar no mesmo assinaram um consentimento informado, sendo informados que o poderiam abandonar em qualquer momento, sem necessidade de reportar qualquer justificação. Foram assegurados o anonimato e a confidencialidade dos dados recolhidos.
Recolhidos os dados, procedeu-se à construção da base de dados utilizando-se o IBM SPSS Statistics, versão 21. Os dados foram tratados e analisados recorrendo-se à estatística descritiva e inferencial. Calcularam-se frequências absolutas e relativas, medidas de tendência central (média, moda e mediana) e medidas de dispersão (desvio padrão). Para analisar a existência de dissemelhança entre as variáveis, utilizaram-se testes para comparação de médias, quando verificados os pressupostos para a utilização dos testes paramétricos, nomeadamente, a aplicação do teste paramétrico t-Student para duas amostras independentes. Quando não cumpridos os pressupostos, utilizou-se em alternativa o teste não paramétrico de Mann-Whitney. Para três ou mais amostras independentes recorreu-se também à aplicação de um teste não paramétrico, o teste de KruskalWallis, dado não existir uma distribuição normal nos diversos grupos independentes em análise. Em todos os testes de hipóteses realizados, o nível de significância adotado foi de 5% para a tomada de decisões. Para a avaliação da consistência interna das escalas (EUROHIS-QOL-8 e WHOQOL-OLD) recorreu-se ao cálculo do alpha de Cronbach.
Resultados
Caracterização sociodemográfica e clínica da amostra
A amostra é constituída por 250 idosos, sendo a maioria do sexo feminino (n =185; 74,0%). A faixa etária predominante é a dos 65 a 69 anos (n = 86; 34,4%) seguindo-se a dos 70 a 74 anos (n = 6 8; 27,2%). A média de idades da amostra situa-se nos 73,60±7,215 anos. Quanto ao estado civil verifica-se que 44,4% (n = 111) da amostra são casados e 43,6% (n = 109) são viúvos. Em menor percentagem surgem os solteiros (9,6%) e os divorciados (2,4%). A maioria da amostra possui como habilitações literárias o 1.º ciclo (n = 161; 64,4%), seguindo-se o 2.º ciclo (n = 50; 20,0%). Verifica-se que 11,2% da amostra não possui qualquer nível de escolaridade. Estes resultados são apresentados na Tabela 1.
Variáveis | n | % | |
---|---|---|---|
Sexo | Feminino | 185 | 74,0 |
Masculino | 65 | 26,0 | |
Faixa etária | 65 a 69 anos | 86 | 34,4 |
70 a 74 anos | 68 | 27,2 | |
75 a 79 anos | 45 | 18,0 | |
80 a 84 anos | 25 | 10,0 | |
85 ou mais anos | 26 | 10,4 | |
M ( DP = 73,60 ( 7,215 | |||
Estado Civil | Solteiro | 24 | 9,6 |
Casado | 111 | 44,4 | |
Divorciado | 6 | 2,4 | |
Viúvo | 109 | 43,6 | |
Nível de escolaridade | Sem escolaridade | 28 | 11,2 |
1.º ciclo | 161 | 64,4 | |
2.º ciclo | 50 | 20,0 | |
3.º ciclo | 6 | 2,4 | |
Ensino Secundário | 3 | 1,2 | |
Ensino Superior | 2 | 0,8 | |
Presença de Patologia(s)? | Sim Não | 226 24 | 90,4 9,6 |
Total | 250 | 100,0 |
Nota. M = Média; DP = Desvio-padrão
As doenças mais prevalentes que sobressaíram foram, por ordem decrescente: a hipertensão (56,8%), o colesterol elevado (46%), a diabetes (42,0%), os problemas cardíacos (14,8%) e a osteoporose (14,4%), entre outras. No que concerne ao número de medicamentos que tomavam nas 24h, obteve-se uma variação entre 1 e 24, sendo a moda 6 medicamentos por dia. A média observada foi de aproximadamente 6,49 medicamentos por dia (desvio padrão de 3,92). A maioria dos idosos medicados insere-se na categoria de Polimedicado, pois consomem 5 ou mais fármacos (68,1%).
Avaliação da QdV
Tendo por base a avaliação da consistência interna das escalas utilizadas, obteve-se um alpha de Cronbach de 0,89 para a EUROHIS-QOL-8 e 0,88 para o global da WHOQOL-OLD, valores que traduzem uma consistência interna boa.
Na Tabela 2 apresenta-se o valor mínimo e máximo, a moda, a mediana, a média e o desvio-padrão da QdV percecionada pela nossa amostra, avaliada quer pela escala EUROHIS-QOL-8, quer pela escala WHOQOL-OLD.
Mínimo | Máximo | Moda | Mediana | Média ± DP | |
---|---|---|---|---|---|
EUROHIS-QOL-8 | 10 | 40 | 32 | 30 | 29,50±5,74 |
(0-100 pontos) | 6 | 100 | 75 | 68,75 | 67,19±17,95 |
WHOQOL-OLD (0-100 pontos) | |||||
FS | 6,30 | 100,00 | 93,80 | 87,50 | 77,08±21,47 |
A | 6,30 | 100,00 | 100,00 | 75,00 | 74,87±20,80 |
APPF | 0,00 | 100,00 | 62,50 | 62,50 | 63,55±19,53 |
PS | 0,00 | 100,00 | 100,00 | 68,80 | 69,64±21,96 |
MM | 0,00 | 100,00 | 25,00 | 43,80 | 45,29±31,54 |
I | 0,00 | 100,00 | 100,00 | 62,50 | 62,09±32,31 |
F | 0,00 | 100,00 | 100,00 | 81,30 | 79,99±21,99 |
Global | 25,90 | 100,00 | 62,50 | 67,90 | 67,49±15,46 |
Nota. DP = Desvio-padrão; FS = Funcionamento sensorial; A = Autonomia; APPF = Atividades passadas, presentes e futuras; PS = Participação social; MM = Morte e Morrer; I = Intimidade; F = Família/Vida familiar.
Na EUROHIS-QOL-8 registaram-se valores entre 10 e 40 pontos, com uma média 29,50 (± 5,74) pontos. Procedeu-se ainda à conversão para uma escala de 0 a 100 pontos, correspondendo a um valor médio de 67,19 (± 17,95).
No global da escala WHOQOL-OLD, recalculado de 0 a 100 pontos, obtiveram-se pontuações entre 25,90 e os 100 pontos, com uma média de 67,49 (± 15,46) pontos.
Relativamente às facetas da escala, em temos médios, foi na faceta “Morte e Morrer” onde se registaram as pontuações mais baixas (45,29 ± 31,54), sendo a única faceta onde se registou um valor inferior ao ponto médio. Nas facetas “Intimidade” e “Atividades passadas, presentes e futuras” a média é ligeiramente superior a 60 pontos. Os idosos revelaram melhor perceção da QdV nas facetas “Funcionamento sensorial” e “Família/Vida familiar”, com pontuações médias a ultrapassar os 75 pontos.
Avaliação da QdV com as variáveis independentes
Visando a avaliação da QdV através da EUROHISQOL-8, em função das variáveis independentes, apresentam-se na Tabela 3 os resultados obtidos. Verificam-se valores estatisticamente significativos entre a QdV por: sexo (p = 0,010); nível de escolaridade (p = 0,023); estado civil (p = 0,007); presença ou não de patologias (p = 0,002). Face a estes resultados podemos afirmar que o grupo dos idosos do sexo masculino, o grupo dos idosos com o 2.º ciclo ou mais habilitações, os casados, e o grupo dos idosos sem doença, são os que possuem melhores pontuações no índice médio da QdV e nas respetivas medianas.
Variáveis | EUROHIS-QOL-8 | Teste estatístico | Valor-p | |||
---|---|---|---|---|---|---|
Média | DP | Mediana | ||||
Sexo | Feminino | 65,46 | 17,98 | 68,8 | t-Student | 0,010 |
Masculino | 72,12 | 17,07 | 71,9 | |||
Faixa etária | 65 a 69 anos 70 a 74 anos 75 a 79 anos 80 a 84 anos 85 ou mais | 69,08 66,50 64,31 66,50 68,39 | 19,26 15,48 18,85 20,58 15,57 | 71,9 68,8 65,6 71,9 64,1 | Kruskal-Wallis | 0,614 |
Escolaridade | Sem escolaridade | 63,62 | 22,02 | 64,1 | Kruskal-Wallis | 0,023 |
1.º ciclo | 65,94 | 16,98 | 68,8 | |||
2.º ciclo ou mais | 72,13 | 17,75 | 75,0 | |||
Estado civil | Solteiro | 66,28 | 16,94 | 65,6 71,9 64,1 62,5 | Kruskal-Wallis | 0,007 |
Casado | 71,42 | 17,62 | ||||
Divorciado | 58,85 | 20,96 | ||||
Viúvo | 63,53 | 17,58 | ||||
Presença de Patologia(s) | Sim | 66,12 | 17,83 | 68,8 | Mann-Whitney | 0,002 |
Não | 77,21 | 16,16 | 75,0 |
Nota. DP = Desvio-padrão; p = significância estatística.
No que concerne à QdV avaliada pela WHOQOL-OLD global, os valores de prova obtidos nos testes foram os que se apresentam na Tabela 4. Nesta é possível observar que existe uma dissemelhança significativa entre a QdV e: o sexo (p = 0,016), o nível de escolaridade (p = 0,012); e o estado civil (p < 0,001), que nos levam a poder afirmar que o grupo dos idosos do sexo masculino, o grupo dos idosos com o 2.º ciclo ou mais habilitações, os casados, são os que possuem melhores pontuações no índice médio da QdV, bem como nas respetivas medianas.
Variáveis | WHOQOL-OLD | Teste estatístico | Valor-p | |||
---|---|---|---|---|---|---|
Média | DP | Mediana | ||||
Sexo | Feminino | 66,19 | 14,38 | 67,0 70,5 | t-Student | 0,016 |
Masculino | 71,18 | 14,14 | ||||
Faixa etária | 65 a 69 anos | 69,83 | 15,12 | 71,4 67,0 67,0 65,2 63,0 | Kruskal-Wallis | 0,126 |
70 a 74 anos | 67,73 | 13,68 | ||||
75 a 79 anos | 66,85 | 14,32 | ||||
80 a 84 anos | 62,12 | 13,69 | ||||
85 ou mais | 65,38 | 14,44 | ||||
Escolaridade | Sem escolaridade | 61,16 | 16,83 | 63,8 | Kruskal-Wallis | 0,012 |
1.º ciclo | 67,23 | 13,23 | 67,0 | |||
2.º ciclo ou mais | 71,07 | 15,53 | 73,2 | |||
Estado civil | Solteiro | 61,91 | 12,05 | 63,0 75,9 63,0 61,6 | Kruskal-Wallis | <0,001 |
Casado | 75,06 | 12,57 | ||||
Divorciado | 58,33 | 17,82 | ||||
Viúvo | 61,50 | 12,98 | ||||
Presença de Patologia(s) | Sim | 67,08 | 14,66 | 67,9 | Mann-Whitney | 0,166 |
Não | 71,32 | 11,99 | 69,2 |
Nota. DP = Desvio-padrão; p = significância estatística.
Discussão
O predomínio do sexo feminino na amostra está de acordo com os dados estimados para a população residente em Portugal, referente aos dados de 2009-2019 (INE, 2020). A maioria da amostra possuía como escolaridade o ensino básico, estando em consonância com o nível de escolaridade completo das duas últimas décadas, para o grupo das pessoas com 65 ou mais anos, referente a Portugal (Pordata, 2021). Na amostra, a hipertensão e o colesterol elevado, surgem como as patologias mais frequentes, como no estudo efetuado pelo INSA (2019).
Numa classificação de 0-100 pontos, ambas as escalas revelaram pontuações aproximadas para o global, verificando-se um índice médio de QdV acima do ponto médio (67,19 ±17,95 na EUROHIS-QOL-8 e 67,49 ± 15,46 na WHOQOL-OLD). Estes dados são corroborados pelos resultados verificados em estudos nacionais e internacionais. No estudo de Vilar et al. (2015), referente à versão portuguesa do WHOQOL-OLD, no qual foi envolvida uma amostra de 921 adultos com 60 ou mais anos, recrutada em Portugal continental, maioritariamente não institucionalizada (77,3%), encontrou-se um valor global de QdV de 92,72 (correspondendo à 66,23 ± 12,16 numa escala de 0-100). Estudos efetuados no Brasil, como o de Reis et al. (2015), no âmbito da QdV em idosos não institucionalizados, envolvendo uma amostra de 238 idosos, no qual utilizou-se a WHOQOL-OLD, os autores obtiveram de igual forma uma perceção da QdV acima do ponto médio (65,19 ± 11,82). Junior et al. (2019), tendo por base uma amostra de 106 pessoas idosas não institucionalizadas, que frequentavam um centro de convivência, obtiveram uma perceção da QdV de 66,06.
Tendo por base as sete facetas da escala específica, a faceta “Morte e Morrer” foi a que registou pontuações abaixo do ponto médio, significando uma pior perceção da QdV neste domínio, enquanto a faceta “Família/Vida familiar” foi a que apresentou a pontuação média mais elevada (79,99). A faceta “Morte e Morrer” reporta-se às preocupações, inquietações e receios sobre a morte e morrer, podendo estar relacionado com a perceção das dificuldades de acesso aos serviços de saúde, de resto apontado também em estudos como o de Reis et al. (2015). Também no estudo efetuado por Ermel (2017), no que concerne ao grupo de idosos de Portugal, constatou-se que esta faceta foi a que obteve menor pontuação. No mesmo estudo, a faceta “Família/Vida Familiar” foi a que apresentou maior pontuação.
Ambas as escalas revelaram que os indivíduos do sexo masculino, os que possuíam como escolaridade o 2.º ciclo ou mais, e os casados, detinham pontuações mais elevadas no global, significando uma melhor perceção da QdV, resultados que vão de encontro ao estudo efetuado por Vilar et al. (2015). No âmbito da população mais idosa, a presença de patologias é uma variável importante a ter em consideração, atendendo à conhecida associação entre a presença destas e o avançar da idade, essencialmente as de cariz crónico (INSA, 2019), de resto como o comprovam inúmeros estudos. A escala específica utilizada na avaliação da perceção da QdV, não descortinou existir diferenças estatisticamente significativas em função da variável “presença ou não de patologias”, contrariamente à escala EUROHIS-QOL-8. Para Botelho (2019), nem sempre existe uma sobreposição entre a autoavaliação da saúde e a perceção da qualidade de vida. A autora destaca ainda que a doença pode cursar com um sofrimento pouco intenso ou compensado, ao qual mereceu uma perspetiva real e/ou de aceitação por parte da pessoa portadora da mesma.
Conclusão
Era objetivo da presente investigação avaliar a QdV de uma amostra de idosos não institucionalizados e analisar a sua relação com variáveis sociodemográficas e clínicas. Os resultados globais apontam para um índice de QdV acima do ponto médio. Na relação com as variáveis independentes, ambas as escalas revelaram a existência de diferenças estatisticamente significativas da QdV em função das variáveis: sexo, escolaridade e estado civil. Neste sentido, os indivíduos do sexo masculino, os que possuíam como escolaridade o 2.º ciclo ou mais, e os casados, foram os que apresentaram pontuações mais elevadas, significando uma melhor perceção da QdV. A escala WHOQOL-OLD não revelou existirem diferenças estatisticamente significativas em função da variável “presença ou não de patologias”, contrariamente à escala EUROHIS-QOL-8. A utilização de uma escala específica para a avaliação da QdV em populações mais idosas, constituída por distintas facetas (dimensões), calculada em função das demais variáveis sociodemográficas e clínicas, permite a obtenção de dados mais fidedignos e completos, visando um planeamento adequado de estratégias comunitárias por parte dos profissionais, direcionadas para o incremento da QdV. Neste sentido, seria importante introduzir em trabalhos futuros, outras variáveis de interesse, tais como o acesso aos serviços de saúde, a coabitação de gerações, entre outras. A amostra estudada reporta-se a pessoas idosas residentes numa região insular de Portugal, não institucionalizados. A escassa investigação, no que concerne à avaliação da perceção da QdV nessas regiões, constituiu uma limitação para a discussão de resultados. Integrando a escala específica WHOQOL-OLD, sugerem-se estudos longitudinais, envolvendo as populações mais idosas destas regiões e envolvendo ainda grupos institucionalizados em Estruturas Residenciais para Pessoas Idosas.