Introdução
A reabilitação cardíaca (RC) constitui-se como uma intervenção multidisciplinar essencial para a recuperação de pessoas que sofram episódios cardíacos agudos, como o enfarte do miocárdio (Anderson et al., 2016). Contudo, o carácter algo restritivo e exigente dos programas de reabilitação convencionais e a falta de programas de intervenção personalizados e de dispositivos ergonómicos aumentam as taxas de desistência (Mikkelsen et al., 2014). O desenvolvimento de tecnologias inovadoras e dispositivos de assistência é prática corrente, sendo a inclusão dos profissionais de enfermagem nestes processos crucial para o alcançar de soluções eficazes (Castner et al., 2016).
Este estudo visa avaliar e comparar a usabilidade de dois protótipos de um dispositivo de reabilitação inovador para doentes pós enfarte. Pretende ainda melhorar os protótipos do dispositivo Ablefit, avaliando a sua usabilidade do ponto de vista dos enfermeiros de reabilitação, contribuindo para a sua constituição como dispositivos de assistência eficientes e seguros, e respondendo aos desafios colocados pela investigação em curso nesta área.
Enquadramento
A Sociedade Europeia de Cardiologia (Thygesen et al., 2019) definiu recentemente o enfarte agudo do miocárdio (EAM) como a morte da célula miocárdica devido a isquemia prolongada, resultando num fornecimento insuficiente de oxigénio para os músculos.
O EAM e as alterações fisiológicas que ocorrem em simultâneo provocam cansaço, dispneia e perda de força muscular nas pessoas vítimas desta doença, limitando-lhes assim as atividades de vida diária (AVDM; Lopes et al., 2018). A inclusão em programas de RC é recomendada, uma vez que estes são intervenções multidisciplinares complexas com benefícios específicos para as pessoas pós EAM (Michelsen et al., 2020). O exercício físico é um dos elementos e intervenções centrais da RC, que, de acordo com Price et al. (2020), deve ser indicado para patologias como a angina estável ou o EAM.
Neste contexto, a aplicação de intervenções assistidas por dispositivos médicos tem demonstrado resultados significativos na recuperação da função motora (Phyo et al., 2016). Para pessoas acamadas com força muscular reduzida, como durante a primeira fase da RC, alguns programas “convencionais” (como deambulação progressiva ou treinos de transferências e resistência) podem revelar-se demasiado exigentes, como observado no estudo de Resurrección et al. (2019), onde se relataram elevadas taxas de desistência. Assim, é crucial investigar e estudar intervenções mais eficazes e motivadoras para os utilizadores. A utilização de tecnologia num programa de reabilitação tem-se revelado altamente benéfica devido ao seu potencial de atratividade e eficácia. Os enfermeiros desempenham um papel vital no desenvolvimento de novos dispositivos, particularmente na elaboração de conceitos e construção de protótipos (Castner et al., 2016), devido à sua perícia e proximidade aos problemas da vida real.
A Unidade de Investigação em Ciências da Saúde: Enfermagem (UICISA: E) da Escola Superior de Enfermagem de Coimbra (ESEnfC) e o Instituto Superior de Engenharia de Coimbra (ISEC) desenvolveram o dispositivo Ablefit. O dispositivo tem uma patente nacional aprovada para a reabilitação de pessoas acamadas. Foram desenvolvidos os protótipos Alfa e Beta para o dispositivo Ablefit. O protótipo Alfa inclui um cicloergómetro para membros inferiores. O protótipo Beta não possui esta característica, mas tem vários elásticos com resistência progressiva e um sistema de biofeedback em tempo real. O primeiro é multimodal, sendo fácil de montar e transportar, permitindo a mobilização de membros superiores e inferiores através de um elástico único, mas sem variação de resistência. O segundo protótipo possui vários elásticos com diferentes níveis de resistência, estando ligado a um computador, que avalia outros parâmetros de exercício, tais como o tempo e a intensidade.
Este estudo visa avaliar e comparar a usabilidade de ambos os protótipos para a reabilitação de pessoas em situação de pós-EAM. De acordo com a Organização Internacional de Normalização (International Organization for Standardization - ISO, 2018), a usabilidade pode ser definida como a eficácia, eficiência e satisfação com que determinados utilizadores atingem objetivos determinados em contextos específicos. Neste sentido, este estudo utilizou o Modelo de Aceitação de Tecnologia (Technology Acceptance Model - TAM) como referência conceptual e concentrou-se nas dimensões de usabilidade pretendidas. Este modelo procura explicar e prever a intenção dos utilizadores de usar uma tecnologia com base na perceção da utilidade e facilidade de utilização (Sagnier et al., 2020).
Questões de investigação
Qual é a usabilidade e ergonomia dos protótipos Alfa e Beta do dispositivo Ablefit para doentes pós EAM? De que forma podem os protótipos ser comparados?
Metodologia
Foi realizado um estudo observacional quantitativo com enfermeiro/as de reabilitação que trabalham em Portugal. Os profissionais de enfermagem foram selecionados utilizando a técnica de amostragem exponencial “bola de neve”.
Os critérios para inclusão no estudo exigiam que o participante fosse enfermeiro/a com pelo menos uma pós-licenciatura de especialização em enfermagem de reabilitação (enfermeiro/a especialista em enfermagem de reabilitação) e que tivesse pelo menos três anos de experiência clínica como enfermeiro/a (não necessariamente como especialista em enfermagem de reabilitação). Foram excluídos os enfermeiros de cuidados gerais e os profissionais que tiveram contacto prévio com o dispositivo em estudo (quer teórico, por conhecerem o conceito subjacente, quer prático, por o terem experimentado).
Antes de assinarem os formulários de consentimento informado, os indivíduos considerados elegíveis para este estudo receberam todas as informações necessárias sobre o seu objetivo, os procedimentos inerentes à investigação, e o carácter voluntário da sua participação.
A versão portuguesa da System Usability Scale (SUS; Martins et al., 2015), originalmente desenvolvida por John Brooke em 1996, foi utilizada na avaliação da usabilidade. A SUS avalia três componentes essenciais da usabilidade - a eficiência, a eficácia e a satisfação - ao mesmo tempo que permite fazer uma avaliação subjetiva (qualitativa). Este instrumento foi selecionado na medida em que é considerado fácil de preencher, pode ser utilizado em pequenas amostras com resultados fiáveis, e possui validade de construto, distinguindo eficazmente entre sistemas com perceção de usabilidade e sistemas sem perceção de usabilidade.
Inicialmente, o instrumento foi concebido exclusivamente para avaliar a perceção de facilidade de utilização. No entanto, alguns autores (Martins et al., 2015) consideram-no uma medida global de usabilidade que pode ser dividida em duas subescalas: usabilidade (itens 1, 2, 3, 5, 6, 7, 8, 9) e aprendizagem (itens 4 e 10).
A SUS foi validada para a população portuguesa em 2015 por Martins et al. (2015) num estudo com 32 participantes, que resultou em 10 itens considerados equivalentes à SUS original. Devido à percentagem de concordância (76,67%) entre os participantes sobre a usabilidade/ não usabilidade do sistema em estudo, os autores concluíram que a versão portuguesa da SUS é capaz de fazer esta distinção de forma eficaz.
O instrumento é composto por dez itens, pontuados de 1 a 5 pontos numa escala de Likert, que vai de discordo totalmente a concordo totalmente. Os itens que compõem o instrumento são os seguintes: 1 - “Acho que gostaria de utilizar este produto com frequência.”; 2 - “Considerei o produto mais complexo do que necessário”; 3 - “Achei o produto fácil de utilizar”; 4 - “Acho que necessitaria de ajuda de um técnico para conseguir utilizar este produto.”; 5 - “Considerei que as várias funcionalidades deste produto estavam bem integradas”; 6 - “Achei que este produto tinha muitas inconsistências”; 7 - “Suponho que a maioria das pessoas aprenderia a utilizar rapidamente este produto.”; 8 - “Considerei o produto muito complicado de utilizar.”; 9 - “Senti-me muito confiante a utilizar este produto”; 10 - “Tive que aprender muito antes de conseguir lidar com este produto”.
Devido ao contexto da Pandemia de Covid-19, os questionários foram preenchidos sem que os participantes experimentassem os protótipos. Assim, foi necessário adaptar a versão portuguesa do instrumento, reescrevendo os itens 9 e 10 da seguinte forma: 9 - “Sentir-me-ia muito confiante ao usar este produto” e 10 - “Teria de aprender muito antes de poder lidar com este produto.” Assim, e tendo em conta as subescalas mencionadas, considerou-se que a utilização da escala no contexto descrito permitiria avaliar a usabilidade e o potencial de aprendizagem do dispositivo.
Os dados sociodemográficos dos participantes foram recolhidos utilizando um questionário elaborado pela equipa de investigação e inserido na plataforma Google Forms, juntamente com a SUS. Antes de contactar os participantes, a equipa de investigação gravou dois vídeos demonstrando o funcionamento de cada protótipo. Estes vídeos foram compilados num único vídeo de 6 minutos com a demonstração global de cada protótipo acompanhada por uma explicação áudio.
Os participantes foram convidados a fazer parte da investigação através de um e-mail, que incluía o formulário de consentimento informado. Os participantes foram recrutados entre maio e junho de 2020.
Após a equipa de investigação receber a aceitação do convite para a participação no estudo e o formulário de consentimento informado assinado, foi enviado um e-mail com um Doodle a cada participante para que estes pudessem escolher uma das três sessões de grupo focal, que ocorreram em julho de 2020. Cada sessão começou com a breve apresentação da agenda aos participantes, seguida do vídeo demonstrando o funcionamento de cada protótipo. Em seguida, o link para o Google Forms foi enviado aos participantes através do chat da sessão realizada através de Zoom. Cada sessão teve uma duração média de uma hora.
As estratégias em caso de desistência de participantes consistiam em recolher o motivo da desistência, independentemente da fase do estudo e informações recolhidas, as quais foram eliminadas da base de dados, à qual apenas o investigador principal tinha acesso.
Sendo responsável pela avaliação ética deste estudo, o Comité de Ética da UICISA: E deu-lhe um parecer favorável (P671-05/2020).
A análise estatística e o tratamento de dados foram realizados utilizando o programa Statistical Package for the Social Sciences (SPSS), versão 25, e estatística descritiva e inferencial (teste t-Student). O teste t-Student para amostras independentes foi realizado para avaliar as diferenças entre os valores médios das pontuações dos protótipos. As diferenças entre médias cujo valor p do teste foi inferior ou igual a 0,05 foram consideradas estatisticamente significativas.
Foi realizada uma análise fatorial exploratória (AFE) para examinar as dimensões das pontuações dos participantes. Dado que alguns itens se apresentavam invertidos e de forma que uma pontuação mais elevada correspondesse a uma apreciação mais positiva, fez-se a inversão dos itens negativos (2, 4, 6, 8, 10). Para analisar até que ponto os dados revelavam uma distribuição normal, foram realizados os testes de normalidade Kolmogorov-Smirnov (KG) e Shapiro-Wilk (SW).
Resultados
Foram realizadas três grupos focais com um total de 16 profissionais de enfermagem, dos quais 68,8% (11) eram homens e 31,3% (5) mulheres, com uma idade média de 31,38 anos (DP = 7,63). Quanto às habilitações académicas, além de serem especialistas em enfermagem de reabilitação, 25% (4) dos participantes possuíam uma pós-graduação, 31,3% (5) um mestrado, 18,8% (3) um doutoramento, e 6,3% (1) um pós-doutoramento. Foi registado um total de 3 (18,75%) respostas em falta no campo das habilitações académicas, provavelmente devido a um erro no questionário utilizado para recolher os dados. No entanto, estas faltas não apresentaram qualquer prejuízo para os resultados do estudo. A maioria dos participantes, 75% (12), trabalhava em instituições hospitalares públicas, e os restantes 25% (4) estavam na área do ensino superior, nomeadamente em escolas de enfermagem. Os participantes dos hospitais públicos trabalhavam em diferentes unidades/serviços, nomeadamente cuidados intensivos, gastroenterologia, pediatria, oncologia médica, medicina interna, reabilitação física e medicina, e cirurgia cardiotorácica. Dos 16 enfermeiro/as, 25% (4) estavam no seu local de trabalho atual há 5 anos ou menos, 12,5% (2) entre 6 e 10 anos, 37,5% (6) entre 11 e 20 anos, e 25% (4) há mais de 20 anos. Considerando o tempo de experiência profissional enquanto enfermeiro/as, 56,3% (9) trabalhavam há mais de 20 anos. Como enfermeiros especialistas em reabilitação, 37,5% (6) tinham uma experiência profissional entre 11 e 20 anos.
Foi realizada uma análise das dimensões teóricas de usabilidade da SUS, apresentando-se os valores na forma de Média (M) + Desvio Padrão (DP).
Tendo em conta as questões relativas ao Protótipo Alfa (Tabela 1), os itens P2 - “Considerei o produto mais complexo do que necessário.” (M = 1.88 + 0.96), P6 - “Achei que este produto tinha muitas inconsistências.” (M = 1.94 + 0.68) e P8 - “Considerei o produto muito complicado de utilizar.” (M = 1.44 + 0.63) apresentaram valores médios mais baixos. Por outro lado, os itens P3 - “Achei o produto fácil de utilizar.” (M = 4.31 + 1.01) e P7 - “Suponho que a maioria das pessoas aprenderia a utilizar rapidamente este produto.” (M = 4.50 + 0.52) apresentaram valores médios elevados. O item P7 - “Suponho que a maioria das pessoas aprenderia a utilizar rapidamente este produto.” registou um nível de variabilidade baixo (M = 4.50 + 0.52), enquanto os itens P3 - “Achei o produto fácil de utilizar.” (M = 4.31 + 1.01) e P4 - “Acho que necessitaria de ajuda de um técnico para conseguir utilizar este produto.” (M = 1.69 + 1.08) apresentaram níveis de variabilidade mais elevados.
Analisando as respostas sobre o Protótipo Beta (Tabela 2), os itens P2 - “Considerei o produto mais complexo do que necessário” (M = 1.81 + 0.83), P6 - “Achei que este produto tinha muitas inconsistências” (M = 1.81 + 0.75) e P8 - “Considerei o produto muito complicado de utilizar” (M = 1.56 + 0.73) apresentaram valores médios mais baixos. Os itens P3 - “Achei o produto fácil de utilizar” (M = 4.38 + 0.81) e P7 - “Suponho que a maioria das pessoas aprenderia a utilizar rapidamente este produto” (M = 4.50 + 0.52) registaram valores médios mais altos.
O item P7 - “Suponho que a maioria das pessoas aprenderia a utilizar rapidamente este produto” (M = 4.50 + 0.52) apresentou um nível de variabilidade das respostas baixo, enquanto os itens P1 - “Acho que gostaria de utilizar este produto com frequência” (M = 4.13 + 0.96) e P10 - “Teria de aprender muito antes de poder lidar com este produto” (M = 2.06 + 1.06) registaram níveis de variabilidade altos.
O Alfa de Cronbach foi determinado para avaliar a consistência interna das dimensões teóricas da SUS, tendo sido obtida uma pontuação de 0,85 para a dimensão “Usabilidade” e 0,18 para a dimensão “Aprendizagem”. Tendo em conta que a segunda dimensão não apresentou valores aceitáveis, foram realizadas uma AFE e uma Análise de Componentes Principais (Tabela 3).
Itens | D1 | D2 | D3 | h 2 | M | DP |
P10 (i) Tive que aprender muito antes de conseguir lidar com este produto. | 0,91 | 0,84 | 4,00 | 0,98 | ||
P5 - Considerei que as várias funcionalidades deste produto estavam bem integradas. | 0,79 | 0,66 | 3,88 | 0,83 | ||
P6 (i) - Achei que este produto tinha muitas inconsistências. | 0,71 | 0,35 | 0,63 | 4,13 | 0,71 | |
P4 (i) - Acho que necessitaria de ajuda de um técnico para conseguir utilizar este produto. | 0,93 | 0,87 | 4,34 | 1,00 | ||
P1 - Acho que gostaria de utilizar este produto com frequência. | 0,42 | 0,65 | 0,38 | 0,74 | 4,03 | 0,90 |
P8 (i) - Considerei o produto muito complicado de utilizar. | 0,43 | 0,64 | 0,63 | 4,50 | 0,67 | |
P9 - Sentir-me-ia muito confiante ao usar este produto. | 0,53 | 0,62 | 0,70 | 4,25 | 0,72 | |
P3 - Achei o produto fácil de utilizar. | 0,47 | 0,57 | 0,47 | 0,76 | 4,34 | 0,90 |
P7 - Suponho que a maioria das pessoas aprenderia a utilizar rapidamente este produto. | 0,96 | 0,92 | 4,50 | 0,51 | ||
P2 (i) - Considerei o produto mais complexo do que necessário. | 0,48 | 0,67 | 0,68 | 4,16 | 0,88 |
Nota. Método de rotação = Varimax com Normalização Kaiser; (i) = Itens invertidos; D1 = Dimensão 1; D2 = Dimensão 2; D3 = Dimensão 3; h2 = Comunalidades; M = Média; DP = Desvio-padrão
A matriz gerada pela AFE revelou três dimensões passíveis de interpretação com cargas fatoriais superiores a 0,56, diferentes das dimensões teóricas da SUS.
O Alfa de Cronbach foi também determinado, revelando valores adequados de consistência interna.
A Dimensão 1 (D1) “Funcionalidade e Aprendizagem” tem três itens (P5, P6 e P10), a Dimensão 2 (D2) “Intencionalidade e Facilidade de Utilização” possui cinco itens (P1, P3, P4, P8 e P9), e a Dimensão 3 (D3) “Complexidade e Aprendizagem” contém dois itens (P2 e P7).
Quanto à consistência interna, as D1 e D2 foram consideradas adequadas (Alfa de Cronbach > 0,70). A D3 foi considerada aceitável, apesar de ter um valor de 0,63. De acordo com Taber (2018), em dimensões com dois itens, um valor de consistência interna superior a 0,60 deve ser considerado aceitável.
Assim, as três novas dimensões foram consideradas passíveis de interpretação, com valores de consistência interna adequados.
Com um valor de SW (32) = 0,94 (p = 0,07), os dados foram considerados como tendo uma distribuição normal. O teste t-Student para amostras independentes é apresentado na Tabela 4.
Dimensões Empíricas | Protótipo | N | M | DP | EPM | Sig (2-tailed) | ||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|
D1 “Funcionalidade e Aprendizagem” | Alfa | 16 | 4,000 | 0,644 | 0,161 | 1,00 | ||
Beta | 16 | 4,000 | 0,788 | 0,197 | ||||
D2 "Intencionalidade e Facilidade de Utilização" | Alfa | 16 | 4,275 | 0,726 | 0,181 | ,88 | ||
Beta | 16 | 4,312 | 0,665 | 0,166 | ||||
D3 "Complexidade e Aprendizagem" | Alfa | 16 | 4,312 | 0,680 | 0,170 | ,89 | ||
Beta | 16 | 4,343 | 0,569 | 0,142 | ||||
Kolmogorov-Smirnov a | Shapiro-Wilk | |||||||
GL | p | Statistics | GL | p | ||||
32 | 0,021 | 0,938 | 32 | 0,067 |
Nota. M = Média; DP = Desvio-Padrão; EPM = Erro Padrão da Média; a. Correção de Lilliefors; GL= Graus de Liberdade; p = significância.
Considerando a D1, os participantes atribuíram valores médios superiores ao ponto médio da escala aos protótipos Alfa (M = 4 + 0,64) e Beta (M = 4 + 0,79), indicando funcionalidade e facilidade de aprendizagem.
Atribuíram à D2 valores médios superiores à D1, com M = 4,3 + 0,73 no protótipo Alfa e M = 4,3 + 0,67 no protótipo Beta, demonstrando a facilidade de utilização e a intenção de utilizar frequentemente e com confiança.
A D3 apresentou valores médios elevados (M = 4,3 + 0,68) para o protótipo Alfa e M = 4,3 + 0,57 para o protótipo Beta, indicando velocidade e facilidade na aprendizagem, mas também algum grau de complexidade.
O teste t-Student foi analisado em relação às diferenças nas médias para determinar diferenças estatisticamente significativas.
O teste t-Student demonstrou que as diferenças observadas entre as médias da D1, D2 e D3 dos dois protótipos não eram estatisticamente significativas: D1 t (30) = 0,00 (p = 2,00); D2 t (30) = -0,15 (p = 0,88); e D3 t (29,10) = - 0,14 (p = 0,89), o que permite aceitar a hipótese nula (H0).
Desta forma, é possível concluir que os participantes avaliaram a usabilidade de forma semelhante e altamente positiva para ambos os protótipos.
Discussão
O exercício físico constitui-se como um elemento central das intervenções dos profissionais de saúde. Nos Programas de Reabilitação Cardíaca (PRC), as tecnologias de assistência desenvolvidas atuam como catalisadores e complementos à prática profissional. Neste sentido, a American Heart Association recomenda a realização de RC após doença cardiovascular, principalmente para reduzir o risco de recidivas (Thomas et al., 2018). Claes et al. (2017) defende que a RC baseada no exercício físico favorece a recuperação após um episódio de doença cardiovascular, registando uma redução de 15% a 31% na mortalidade associada. Foi neste contexto que a equipa de investigação do presente estudo desenvolveu o dispositivo Ablefit e convidou um grupo de especialistas para avaliar a sua usabilidade.
A aplicação da SUS permitiu avaliar a usabilidade dos dois protótipos Alfa e Beta, tendo em conta as dimensões teóricas deste instrumento: -“Usabilidade e Aprendizagem”.
Relativamente ao protótipo Alfa, embora haja consenso quanto à velocidade de aprendizagem (P7: “Considerei o produto muito complicado de utilizar”; M = 4,50 + 0,52), os resultados indicam também que, do ponto de vista do utilizador, as funções do dispositivo poderão revelar-se algo complexas (P3: “Achei o produto fácil de utilizar”; M = 4,31 + 1,01 e P4: “Acho que necessitaria de ajuda de um técnico para conseguir utilizar este produto”; M = 1,69 + 1,08).
Relativamente ao protótipo Beta, é interessante observar a mesma variabilidade de resposta do protótipo Alfa no item P7 (M = 4,50 + 0,52). É também possível identificar um nível inferior de variabilidade de respostas aos itens P3 (M = 4,38 + 0,81) e P4 (M = 1,63 + 0,96), o que indica um maior consenso entre os participantes sobre a simplicidade e facilidade de utilização do protótipo Beta, quando comparado com o Alfa.
A evolução significativa na escala teórica de um protótipo para o outro é um aspeto claramente positivo do processo de desenvolvimento de um dispositivo médico, uma vez que evita a ocorrência de erros de conceção que possam limitar o desempenho do utilizador (seja este um profissional de saúde ou uma pessoa a quem se prestam cuidados) e diminuir a sua eficácia (Ribeiro et al., 2018).
Apesar das pontuações obtidas nas dimensões teóricas, a consistência interna da dimensão “Aprendizagem” não foi considerada aceitável (Alfa de Cronbach 0,18). No entanto, a AFE realizada revelou três dimensões empíricas: D1 - “Funcionalidade e Aprendizagem”; D2 - “Intencionalidade e Facilidade de Utilização”; e D3 - “Complexidade e Aprendizagem”, com valores de consistência interna (Alfa do Cronbach de 0,78; 0,87 e 0,64, respetivamente) considerados adequados.
Ao analisar as pontuações médias das dimensões empíricas, é possível determinar que os participantes avaliaram de forma significativamente favorável ambos os protótipos. Relativamente à D1, a pontuação média foi para ambos os protótipos de 4,00 valores (p = 1,00), indicando que os participantes consideraram a funcionalidade dos dispositivos e a sua aprendizagem como simples e fácil. A pontuação média para a D2 foi superior a 4,00 valores (p = 0,88), revelando que os enfermeiros utilizariam os dispositivos com frequência e sem dificuldade. A D3 revelou as melhores pontuações médias (M > 4,00; p = 0,89), indicando que todos os participantes concordavam fortemente com a simplicidade e facilidade de aprendizagem dos protótipos. As avaliações feitas pelos profissionais de saúde às três dimensões empíricas revelaram-se significativamente positivas e não apresentaram diferenças estatisticamente significativas entre os dois protótipos.
Assim, é possível concluir que nenhum protótipo é melhor do que o outro, e as diferenças mais notáveis entre ambos residem nas suas propriedades e características estruturais.
O facto de todas as dimensões terem em comum o fator de aprendizagem demonstra a necessidade de o dispositivo ser rápido e fácil de aprender. Govindarajulu et al. (2017) salientam que os dispositivos médicos requerem habitualmente formação específica e, muitas vezes, as curvas de aprendizagem podem ser longas. Assim, o desenvolvimento de um protótipo fácil de usar e rápido de aprender revela-se mais eficiente e motivador para os utilizadores.
Neste sentido, o modelo conceptual TAM, que orientou os estudos de usabilidade do Ablefit, destaca o significado da perceção da utilidade (PU) e da perceção da facilidade de uso (PFU), subjacentes à importância da facilidade de aprendizagem e da simplicidade de utilização dos dispositivos (Ho et al., 2019). Os estudos desenvolvidos permitiram satisfazer estes pressupostos e reforçar a usabilidade do Ablefit.
Embora a confiança seja o principal fator de influência na adesão aos serviços mHealth, seguida pelas PU e PFU (Son et al., 2020), os participantes deste estudo concentraram-se mais na facilidade de aprendizagem e simplicidade do dispositivo.
De acordo com o modelo teórico desenvolvido por He et al. (2018), a perceção de facilidade melhora as crenças dos utilizadores finais sobre a capacidade de um dispositivo para realizar a tarefa pretendida. Por conseguinte, é fundamental criar dispositivos simples e intuitivos do ponto de vista do utilizador.
É igualmente possível concluir que todos os participantes se concentraram no conceito de aprendizagem, o que coincide com os pressupostos da SUS. No entanto, ao analisar os resultados, é interessante notar que os participantes dividiram a dimensão “Usabilidade” descrita na escala teórica em três conceitos amplos: funcionalidade, intencionalidade e complexidade, seguindo as definições da ISO anteriormente apresentadas. Assim, as principais dimensões consideradas na análise da usabilidade do dispositivo - “Funcionalidade e Aprendizagem”, “Intencionalidade e Facilidade de Aprendizagem”, e “Complexidade e Aprendizagem” - demonstraram ser significativamente consistentes com a teoria e permitiram alcançar os objetivos propostos no início desta investigação.
No entanto, este estudo apresenta algumas limitações. O número reduzido de enfermeiros da área da cardiologia que participaram no estudo pode ter empobrecido ou diminuído a variedade de sugestões para melhoria dos protótipos. A implementação deste estudo durante a Pandemia de Covid-19 também impediu os enfermeiros de experimentarem os protótipos dentro de um cenário prático de simulação o que pode ter contribuído para uma perceção mais limitada das vantagens ou desvantagens dos dispositivos. Além disso, a SUS é particularmente utilizada após os participantes experimentarem o sistema em avaliação e antes de qualquer discussão.
Este estudo beneficiou da possibilidade de comparar com sucesso dois protótipos funcionais do mesmo dispositivo, o que por sua vez permitirá a melhor compreensão do seu funcionamento e de como este poderá ser melhorado.
Conclusão
As patologias cardíacas, particularmente o EAM, constituem uma causa significativa de mortalidade, particularmente a longo prazo e na ausência de intervenções seguras e eficazes.
A aplicação de dispositivos inovadores em PRC de uma forma estruturada e planeada permite a implementação de intervenções mais eficazes. É dentro deste contexto que o presente estudo foi desenvolvido.
Ambos os protótipos do estudo demonstraram ser seguros e fáceis de utilizar, e as suas funções revelaram-se fáceis e rápidas de aprender. Os protótipos apresentaram um potencial significativo de eficácia nos contextos para os quais foram desenvolvidos. Ambos mostram elevado potencial de funcionamento, intenção e capacidade de aprendizagem, obtendo uma pontuação de usabilidade considerada aceitável para um sistema desenvolvido.
Este estudo contribuiu para o desenvolvimento de um novo dispositivo que ajudará a aumentar a motivação e os níveis de participação dos doentes cardíacos em PRC, bem como a sua recuperação funcional e desempenho de AVD.
Estudos futuros devem definir os melhores critérios de segurança e parâmetros de avaliação funcional, permitindo assim aos profissionais de saúde e doentes contribuírem para a melhoria da qualidade dos cuidados e a produção de resultados favoráveis à saúde. Após as fases iniciais de conceção e desenvolvimento dos protótipos, deve-se avançar para a fase de verificação e validação do processo de desenvolvimento do dispositivo médico, levando a cabo estudos experimentais para avaliar a sua eficácia e segurança com os doentes pós EAM.