Introdução
Monitorizar a qualidade da assistência prestada aos pacientes é uma responsabilidade atribuída a todos os profissionais da saúde, dentre eles os enfermeiros (Gomes et al., 2020). Esta ação é imperativa em todas as áreas, sobretudo em setores como as unidades de terapia intensiva (UTIs), onde os pacientes se encontram continuamente expostos a risco elevado de serem acometidos por eventos adversos no decorrer do elevado número de intervenções invasivas (Roque et al., 2016).
A qualidade do atendimento prestado é influenciada pela interação existente entre a estrutura, os processos de trabalho e os resultados alcançados (Gomes et al., 2020), condições que impactam diretamente a segurança dos pacientes.
Os resultados alcançados com os pacientes podem ser monitorizados a partir da implementação e registo das etapas do processo de enfermagem (PE; Estevam et al., 2016). Em resposta aos cuidados executados pela equipa de enfermagem, através do acompanhamento das mudanças ocorridas nos diagnósticos de enfermagem (Neto et al., 2020), é possível verificar a efetividade das intervenções realizadas e instituir estratégias de melhorias contínuas com foco na excelência do atendimento prestado (Seiffert et al., 2020).
A aplicação das etapas do PE exige do enfermeiro a utilização de pensamento crítico na identificação das necessidades apresentadas pelos pacientes, no estabelecimento de resultados esperados e na determinação dos cuidados necessários (Domingos et al., 2019).
A implementação do PE, especialmente quando se utiliza um software desenhado para a documentação da avaliação do paciente, com dados clínicos mapeados a diagnósticos de enfermagem (DE) e prescrições de cuidados, onde o enfermeiro é estimulado a empregar habilidades de raciocínio clínico e pensamento crítico, favorece o cálculo de taxas de prevalência e incidência dos diagnósticos de enfermagem, de efetividade diagnóstica do risco, da taxa de efetividade na prevenção de complicações e da taxa de efetividade na modificação do estado dos DE reais (Tannure & Chianca, 2016).
O cálculo destas taxas permite a análise da efetividade dos enfermeiros em predizer riscos aos quais os pacientes se encontram expostos, em determinar ações capazes de evitar que uma necessidade potencial se torne real, bem como de solucionar problemas já existentes. Deste modo, a partir da análise dessas taxas, pode-se demonstrar a contribuição dos enfermeiros nos resultados alcançados com os pacientes (Estevam et al., 2016), ou seja, resultados sensíveis à prática de enfermagem (RSPE).
Os RSPE são definidos como mudanças desejadas ou indesejadas que ocorrem no estado de saúde dos indivíduos em relação às intervenções de enfermagem (Porcel-Gálvez, 2019). A monitorização dos RSPE favorece a implementação de ciclos de melhoria, com foco na segurança dos pacientes (Porcel-Gálvez, 2019). Estes RSPE precisam de ser calculados e avaliados continuamente e softwares desenvolvidos com essa finalidade podem facilitar tanto o lançamento dos dados como o seu processamento para que análises sejam realizadas.
Deste modo, o objetivo deste estudo foi analisar indicadores de resultados obtidos a partir da implementação do processo de enfermagem com pacientes críticos.
Enquadramento
A qualidade da assistência em saúde deve ser garantida a todos os indivíduos e a avaliação e monitorização da estrutura, dos processos e dos resultados assistenciais propostos por Donabedian são apontados como estratégias que permitem a sua mensuração e verificação do desempenho dos profissionais (Berwick & Fox, 2016).
A avaliação da estrutura tornou-se necessária uma vez que recursos físicos, materiais, orçamentários e humanos podem impactar a qualidade do atendimento prestado. Por sua vez, processos implementados nos serviços, como diretrizes e fluxos, também interferem na qualidade da assistência. Já os indicadores de resultados demonstram os efeitos obtidos com os cuidados implementados, ou seja, as alterações no estado de saúde, no comportamento, no conhecimento, bem como na satisfação da população atendida (Donabedian, 2003).
Para o International Council of Nurses (ICN), um resultado de enfermagem demonstra mudanças ocorridas nos DE em resposta às intervenções realizadas por essa categoria profissional (Neto et al., 2020). Com o avanço na padronização das linguagens de enfermagem, dentre elas a de diagnósticos (Azevedo & Cruz, 2021) é possível avaliar indicadores obtidos a partir da sua monitorização (Estevam et al., 2016).
A Ordem dos Enfermeiros de Portugal (OEP) publicou um conjunto de indicadores de enfermagem, para diferentes níveis de atenção, dentre eles as taxas de prevalência e incidência diagnóstica, as taxas de efetividade diagnóstica de risco e de prevenção de complicações, além da taxa de modificações positivas no estado dos diagnósticos de enfermagem reais (Leite, 2016).
Esses indicadores podem nortear processos de tomada de decisões mais efetivos, logo precisam de ser monitorizados na prática profissional.
Questão de investigação
Que indicadores de resultados sensíveis à prática de enfermagem foram obtidos após a implementação do processo de enfermagem com pacientes críticos?
Metodologia
Trata-se de um estudo de coorte prospetivo, realizado numa UTI pós-operatória de um hospital filantrópico de uma capital brasileira, com 12 boxes destinados a atendimentos clínicos de utentes do sistema único de saúde (SUS).
A população do estudo foram os pacientes críticos admitidos em quatro boxes pré-determinados para a realização do estudo. A seleção destes boxes deu-se por estes serem destinados para a admissão de pacientes submetidos a cirurgias de maior complexidade.
Os critérios de inclusão estabelecidos para o estudo foram: ser admitido nos boxes destinados ao estudo, ter mais de 18 anos, consentir ou ter o consentimento para participar no estudo, fornecido por familiar ou responsável. Foram excluídos os pacientes que não preenchiam os critérios de inclusão e aqueles que tiveram alta ou que acabaram por falecer antes da primeira colheita de dados.
A amostra de conveniência foi constituída por 109 pacientes, acompanhados no período compreendido entre 01/07/2015 e 01/12/2015, desde o seu internamento até à alta, transferência de unidade ou óbito.
Todos os registos dos pacientes referentes a anamnese e exame físico, DE, planeamento, implementação e avaliação da assistência de enfermagem foram feitos exclusivamente pela equipa de investigadores, constituída por três enfermeiros e quatro estudantes de enfermagem, utilizando um software denominado sistema de informação com o processo de enfermagem em terapia intensiva (SIPETi; Tannure & Chianca, 2016).
A equipa de investigadores foi submetida a uma formação na qual elaboravam, com o auxílio do SIPETi, diagnósticos e prescrições de enfermagem, sendo considerados aptos a realizarem a colheita de dados, por terem obtido um índice de concordância acima de 80% na priorização dos diagnósticos e determinação de cuidados para solucioná-los.
A escolha pelo SIPETi ocorreu por ser um software cujo banco de dados é alimentado com algoritmos capazes de calcular indicadores de saúde obtidos a partir do processo de enfermagem. Nele constam mapeamentos de características definidoras e fatores de risco constantes nos módulos de anamnese e de exame físico, com probabilidades diagnósticas estabelecidas na NANDA-Internacional (NANDA-I) e mapeamentos dos DE com prescrições de enfermagem elaboradas a partir de atividades constantes na Nursing Interventions Classification (NIC; Tannure & Chianca, 2016).
Os sujeitos do estudo eram examinados diariamente pelos investigadores que lançavam as suas informações no SIPETI e identificavam, com o auxílio do software, diagnósticos e prescrições de enfermagem. Após discussão dos cuidados com os enfermeiros da UTI, as ações prescritas eram implementadas pelos profissionais da unidade e acompanhadas pela equipa de investigadores.
A partir dos dados lançados no SIPETi, taxas de prevalência e incidência diagnóstica, de efetividade diagnóstica do risco, de efetividade na prevenção de complicações e de modificações positivas no estado dos DE reais, foram automaticamente calculadas pelo software. Mas, para fins deste estudo, só foram consideradas as taxas referentes aos diagnósticos identificados em pelo menos 50% dos pacientes da amostra.
É importante destacar que, no cálculo da taxa de incidência, foi considerado novo caso de um determinado diagnóstico aquele identificado após a primeira avaliação do paciente. Já na determinação da taxa de efetividade diagnóstica do risco, foi considerado como risco prévio aquele documentado pelo menos 24 horas antes do problema real ser observado.
No que se refere à taxa de efetividade na prevenção de complicações, o número de casos de pacientes que desenvolveu o problema real foi identificado a partir da identificação dos DE reais e da descrição de evidências que apontassem para a ocorrência do problema, a saber: para risco de infeção - febre, leucocitose e prescrição de novos antibióticos após admissão na UTI; para risco de integridade da pele prejudicada - integridade da pele prejudicada e/ou integridade da tissular prejudicada e desenvolvimento de lesão cutânea na UTI; para risco de trauma vascular - hematoma, equimose, relato de dor e infiltração no sítio de inserção do cateter; para risco de sangramento - ocorrência de sangramento; para risco de desequilíbrio na temperatura corporal - hipotermia, hipertermia e termorregulação ineficaz; para risco de solidão - isolamento social; para risco de religiosidade prejudicada - religiosidade prejudicada; para risco de glicemia instável - glicemia abaixo de 80mg/dl e acima de 180 mg/dl, correção glicémica com administração de glicose hipertónica ou de insulina e para risco de quedas - a ocorrência de quedas.
Os investigadores registavam se os DEs identificados estavam mantidos, desconsiderados ou resolvidos e, a partir destas informações, foi possível monitorizar ações de enfermagem prescritas para cada diagnóstico e gerar as taxas de efetividade na prevenção de complicações e de modificações positivas no estado de cada DE.
O estudo foi aprovado pela Comissão de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Minas Gerais (CAAE 44836115.4.0000.5149).
Resultados
Entre os 109 pacientes incluídos no estudo, 64 (58,7%) eram do sexo masculino e 45 (41,3%) do sexo feminino. A faixa etária dos pacientes variou entre 18 e 97 anos, média de idade de 64 e mediana de 63 anos. O tempo de internamento variou entre 1 e 52 dias, média de 5,2 dias e mediana de 3 dias de internamento. Relativamente ao desfecho, 100 pacientes (91,7%) receberam alta da UTI e 9 (8,3%) acabaram por falecer.
Foram formulados, em média, 21 DE por paciente, sendo utilizados 101 diferentes títulos diagnósticos (TD) constantes no sistema, dos quais 14 (13,9%) foram identificados em pelo menos 50% dos pacientes. Para estes, foram calculadas as taxas de prevalência e incidência, apresentadas na Tabela 1.
Diagnósticos de enfermagem | Casos com o DE (N) | Tx de prevalência (%) | Casos novos com o DE (N) | Tx de incidência (%) |
---|---|---|---|---|
Risco de infeção | 109 | 100 | 1 | 0,9 |
Déficit no autocuidado para banho | 108 | 99,1 | 1 | 0,9 |
Risco de integridade da pele prejudicada | 108 | 99,1 | 1 | 0,9 |
Risco de trauma vascular | 106 | 97,2 | 1 | 0,9 |
Processos familiares interrompidos | 101 | 92,7 | 6 | 5,5 |
Risco de sangramento | 95 | 87,2 | 6 | 5,5 |
Risco de desequilíbrio na temperatura corporal | 82 | 75,2 | 37 | 33,9 |
Hipotermia | 76 | 69,7 | 18 | 16,5 |
Risco de solidão | 74 | 67,9 | 12 | 11,0 |
Integridade tissular prejudicada | 73 | 67 | 10 | 9,2 |
Nutrição desequilibrada: menor do que as necessidade corporais | 66 | 60,6 | 12 | 11,0 |
Risco de religiosidade prejudicada | 63 | 57,8 | 10 | 9,2 |
Risco de glicemia instável | 61 | 56 | 9 | 8,3 |
Risco de quedas | 59 | 54,1 | 12 | 11,0 |
Nota. Tx = taxa; DE = diagnósticos de enfermagem; N = número.
Dos 14 DE analisados no estudo, nove (64,3%) eram de risco. Para estes foi possível obter a taxa de efetividade diagnóstica do risco de desenvolvimento do problema (Tabela 2) e a taxa de efetividade na prevenção de complicações (Tabela 3).
Diagnósticos de enfermagem | Desenvolveu problema real (N) | Desenvolveu problema real com risco prévio documentado (N) | Tx de efetividade diagnóstica do risco (%) |
---|---|---|---|
Risco de infecção | 06 | 06 | 100 |
Risco de integridade da pele prejudicada | 32 | 31 | 96,9 |
Risco de trauma vascular | 20 | 20 | 100 |
Risco de sangramento | 08 | 08 | 100 |
Risco de desequilíbrio na temperatura corporal | 65 | 62 | 95,4 |
Risco de religiosidade prejudicada | 01 | 01 | 100 |
Risco de glicemia instável | 97 | 60 | 61,9 |
Risco de quedas | 00 | 00 | - |
Risco de solidão | 04 | 03 | 75 |
Nota. Tx = taxa; N = número.
Diagnósticos de enfermagem | Casos com o risco de complicação (N) | Casos com risco de complicação não desenvolvida e com ação prescrita (N) | Tx de efetividade na prevenção de complicações (%) |
---|---|---|---|
Risco de infecção | 109 | 103 | 94,5 |
Risco de integridade da pele prejudicada | 108 | 91 | 84,3 |
Risco de trauma vascular | 106 | 80 | 75,5 |
Risco de sangramento | 95 | 87 | 91,6 |
Risco de desequilíbrio na temperatura corporal | 82 | 46 | 56,1 |
Risco de solidão | 74 | 70 | 94,6 |
Risco de religiosidade prejudicada | 63 | 62 | 98,4 |
Risco de glicemia instável | 61 | 36 | 59,0 |
Risco de quedas | 59 | 59 | 100 |
Nota. Tx = taxa; N = número.
Dos 14 DE analisados, cinco (35,7%) eram diagnósticos com foco no problema e para eles foi calculada a taxa de modificações positivas no estado dos DE reais (Tabela 4).
Diagnósticos de enfermagem | Diagnóstico presente (N) | Resolução do diagnostico x intervenção implementada (N) | Tx de modificações positivas no diagnóstico real (%) |
---|---|---|---|
Déficit no autocuidado para banho | 108 | 25 | 23,1 |
Processos familiares interrompidos | 101 | 12 | 11,9 |
Hipotermia | 76 | 71 | 93,4 |
Integridade tissular prejudicada | 73 | 00 | 00 |
Nutrição desequilibrada: menos que as necessidades corporais. | 66 | 53 | 80,3 |
Nota. Tx = taxa; N = número.
Houve modificação positiva no estado do diagnóstico de enfermagem real (diagnóstico com foco no problema) quando pelo menos uma ação de enfermagem foi prescrita para o diagnóstico e este foi considerado resolvido pelos investigadores que avaliavam os pacientes diariamente.
Discussão
Observa-se que dos DE identificados, os mais prevalentes (acima de 90%) foram: risco de infeção (100%), déficit no autocuidado para banho (99,1%), risco de integridade da pele prejudicada (99,1%), risco de trauma vascular (97,2%), e processos familiares interrompidos (92,7%).
Atribui-se a elevada prevalência do diagnóstico risco de infecção ao ambiente das UTI’s, onde há um elevado número de patógenos e de procedimentos invasivos aos quais os pacientes críticos são expostos (Estevam et al., 2016).
Verifica-se também que pacientes submetidos a procedimentos cirúrgicos apresentam, muitas vezes, restrição na mobilidade, especialmente no período de pós-operatório imediato. Além disso, esses pacientes podem apresentar prejuízo na sensibilidade decorrente do uso de anestésicos. Estes fatores relacionam-se com o déficit no autocuidado para banho e risco de integridade da pele prejudicada (Silva et al., 2016). É importante destacar que o uso de dispositivos invasivos também limita alguns movimentos e potencializa o risco da pele ser lesionada pela sua fixação (Braga et al., 2018).
Pacientes em estado crítico podem precisar de receber infusão de soro, expansores plasmáticos, eletrólitos, hemoderivados e medicamentos intravenosos. Para tanto, precisam de ter um vaso sanguíneo puncionado e, em consequência disso, apresentam risco de trauma vascular (Braga et al., 2018).
Outra condição vivenciada por pacientes em estado crítico é a ausência da família nas UTIs, o que gera sofrimento causado pela separação do binómio família-paciente (Barreto et al., 2020), condição que demonstra processos familiares interrompidos. E, uma vez que a mudança na relação familiar se mantém mesmo após a alta da UTI, visto que o paciente ainda permanecerá na unidade de internamento, considera-se ser este o motivo para que a taxa de mudança no estado deste DE real tenha sido de apenas 11,4%.
Os resultados apontam ainda que os enfermeiros foram 100% efetivos em prever o risco de infeção e o risco de trauma vascular e que a taxa de efetividade diagnóstica do risco foi de 96,9% para o risco de integridade da pele prejudicada. Porém, a taxa de efetividade na prevenção de complicações relacionadas com estes DE, foi superior a 90% apenas para o diagnóstico de enfermagem de risco de infeção. Para os diagnósticos risco de integridade da pele prejudicada e risco de trauma vascular, a referida taxa foi de 84,3% e 75,5%, respetivamente.
Estes resultados sugerem que, além de monitorizarem o risco de os pacientes desenvolverem trauma vascular e lesões nos ambientes de UTI’s, os enfermeiros precisam de avançar na implementação de cuidados individualizados de acordo com as especificidades de cada paciente, sobretudo porque as feridas são eventos adversos preveníveis, ocasionam dor e aumentam as hipóteses de os pacientes adquirirem infeções, o que impacta o aumento da taxa de permanência nos serviços de saúde e de óbitos.
E, uma vez que a taxa de efetividade na prevenção da complicação trauma vascular foi de 75,5%, pode-se inferir que os enfermeiros também precisam de aprimorar a gestão deste evento, o que pode ser alcançado com o aprimoramento do conhecimento técnico-científico e o desenvolvimento de habilidades associadas com a avaliação da duração do tempo de permanência e do local de inserção dos cateteres, bem como da seleção adequada do tipo e do calibre dos dispositivos utilizados, que deve estar de acordo com as características do vaso, natureza e velocidade da infusão dos fluidos (Braga et al., 2018).
No que se refere ao DE déficit no autocuidado para banho, a taxa de modificação no estado do diagnóstico também foi baixa (23,1%). Este resultado pode estar relacionado com o facto de que, mesmo no momento da alta da UTI, muitos pacientes ainda apresentam limitações decorrentes das intervenções cirúrgicas que podem torná-los dependentes, mesmo que temporariamente, para a realização de atividades do quotidiano, dentre elas o banho (Silva et al., 2016).
Para os diagnósticos de enfermagem de risco de sangramento e risco de religiosidade prejudicada, prevalentes em 95 (87,2%) e 63 (57,8%) pacientes, respetivamente, a taxa de efetividade diagnóstica do risco foi de 100% (para ambos) e a de efetividade na prevenção de complicações de 91,6% e 98,4%, respetivamente. Nestes casos, os enfermeiros foram efetivos não apenas em predizer o risco, mas também em evitar os desfechos sangramento e espiritualidade prejudicada.
No que se refere ao DE risco de solidão, prevalente em 67,9% dos casos e com incidência de 11%, apesar da taxa de efetividade diagnóstica do risco ter sido de 75%, a de efetividade na prevenção de complicações foi de 94,6%. Considera-se que este resultado foi alcançado por se tratar de uma unidade na qual familiares são estimulados a permanecer junto aos pacientes, sobretudo quando estes se encontram acordados, tristes, agitados e com o tempo de internamento prolongado. Além disso, os pacientes recebem apoio espiritual semanalmente, o que também pode estar associado à elevada taxa de efetividade na prevenção de complicação para o DE risco de religiosidade prejudicada.
Sabe-se que a solidão tem sido considerada uma condição que potencializa o desenvolvimento de transtornos mentais sobretudo na população acima de 60 anos e com depressão. É nesta fase da vida em que há maiores limitações físicas e perda de suporte social, condições potencializadas em ambientes como as UTI’s onde, muitas vezes, pacientes internados perdem o controle da sua situação de saúde e têm o convívio com familiares reduzido. Assim, enfermeiros intensivistas precisam estar atentos ao risco de pacientes críticos sentirem solidão e necessitarem de apoio espiritual (Estevam et al., 2016).
O diagnóstico mais incidente na população estudada foi o de risco de desequilíbrio na temperatura corporal (33,9%). Considera-se que a não identificação deste diagnóstico no momento da admissão tem relação com o facto de 69,7% dos pacientes terem chegado à UTI hipotérmicos. Assim, já apresentavam o problema real naquele momento, não sendo possível a formulação do diagnóstico de risco. Além disso, infere-se que os enfermeiros foram efetivos em predizer o risco após a estabilização da temperatura, uma vez que a taxa de efetividade diagnóstica do risco para este DE foi de 95,4%.
Cabe ressaltar que a taxa de efetividade na prevenção de complicação para o risco de desequilíbrio na temperatura corporal foi baixa (56,1%), o que pode ser decorrente da influência da temperatura reduzida no ambiente das UTIs e do uso de anestésicos e drogas vasoativas, o que influencia na regulação da temperatura dos pacientes (Correa et al., 2019). Mas, embora os desequilíbrios na temperatura tenham sido identificados, é importante destacar que o DE hipotermia teve uma taxa de modificação positiva no estado do DE real de 93,4%, o que demonstra que os enfermeiros implementaram cuidados capazes de resolver este problema.
Do grupo de DE analisados, os de risco de glicemia instável e risco de quedas foram os menos prevalentes (56% e 54,1%) e tiveram uma taxa de incidência de 8,3% e 11%, respetivamente.
Pacientes que se encontram em período de pós-operatório imediato de cirurgia costumam ser admitidos nas UTI’s com dieta suspensa e, em alguns casos, quando evoluem com instabilidade hemodinâmica ou respiratória, permanecem em jejum. Logo, apresentam risco de glicemia instável e podem apresentar nutrição desequilibrada: menor do que as necessidades corporais. Deste modo, é preciso que os enfermeiros fiquem atentos ao risco de variação nos valores glicémicos, sobretudo porque a taxa de efetividade diagnóstica do risco para este problema foi de 61,9%. Além disso, os resultados demonstram que a taxa de efetividade na prevenção da complicação (hipoglicemia ou hiperglicemia) foi de apenas 59%, o que sugere maior necessidade de atenção, sobretudo porque o reconhecimento dos fatores de risco de glicemia instável e a instituição de medidas de prevenção podem contribuir para resultados positivos no prognóstico dos pacientes, uma vez que a variação nos níveis glicémicos pode aumentar a taxa de complicações e de mortalidade (Teixeira et al., 2017).
Cabe destacar que não foi possível calcular a taxa de efetividade diagnóstica do risco de queda, já que o evento queda não ocorreu. Por este mesmo motivo a taxa de efetividade na prevenção desta complicação foi de 100%.
Relativamente ao DE integridade tissular prejudicada, a taxa de prevalência foi de 67%. Este DE foi um dos mais frequentemente identificados pelos investigadores nos pacientes, decorrente de o estudo ter sido realizado numa UTI pós-operatória e, consequentemente, ter tido como factor a ele associado o próprio procedimento cirúrgico. Como a mediana do tempo de internamento na unidade foi de 3 dias, percebe-se que estes pacientes acabaram por receber alta sem que este diagnóstico tenha sido resolvido, o que explica a taxa de modificação no estado do diagnóstico real de 0%. Alguns pacientes foram admitidos na UTI antes da realização da cirurgia, compreende-se que este seja o motivo de ter sido detetado, neste DE, uma incidência de 9,2%.
É importante destacar que os indicadores aqui identificados não eram, até então, monitorizados na UTI em questão, logo, a obtenção das referidas taxas contribuiu para a identificação de RSPE no serviço.
Sabe-se que os dados aqui colhidos representaram a realidade de um setor de um hospital, o que prejudica a sua validade externa, sendo essa uma limitação deste estudo. Sugere-se que outras investigações estabelecendo estes indicadores sejam conduzidas em outras UTIs. Verificou-se que os antecedentes pessoais, tempo de internamento, índice de gravidade, idade, dentre outros, podem impactar os resultados alcançados, pelo que novos estudos devem ser realizados para verificar a existência de associação entre estas variáveis e as taxas obtidas.
Conclusão
Foram analisadas taxas de prevalência e incidência de diagnósticos de enfermagem, efetividade diagnóstica do risco, efetividade na prevenção de complicações e modificações positivas no estado de diagnósticos identificados em pacientes críticos internados numa UTI de adultos.
A taxa de efetividade diagnóstica do risco permite uma avaliação da acurácia dos enfermeiros em predizer o risco de ocorrerem eventos adversos, o que é essencial para a adoção de medidas focadas na segurança dos pacientes, uma vez que se o problema potencial não for previamente diagnosticado, o paciente estará mais propenso ao desenvolvimento de um problema real. A taxa de efetividade na prevenção de complicações fornece subsídios para a enfermagem avaliar o quanto as ações prescritas pelos enfermeiros foram capazes de evitar a ocorrência de complicações. E a obtenção da taxa de modificações positivas no estado dos DE reais permite que a enfermagem avalie o quanto as ações prescritas são resolutivas, o que demonstra a efetividade dos cuidados implementados diante dos problemas já existentes.
Uma vez que este estudo apresenta indicadores que podem ser obtidos a partir do processo de enfermagem, almeja-se que ele possa servir como estímulo para o registo e monitorização dos DE, bem como das intervenções implementadas. Com isso, espera-se que a enfermagem possa avançar na adoção de estratégias para a obtenção de RSPE e no desenvolvimento de sistemas de informação que, como no SIPETi, tenham no seu banco de dados mapeamentos e algoritmos capazes de gerar taxas de efetividade diagnóstica e de intervenções.
Sugere-se que estudos dessa natureza possam ser realizados em outros cenários e que, a partir dos resultados obtidos, ciclos de melhorias possam ser implementados com a adoção de ações seguras e centradas nas especificidades dos pacientes.