Introdução
O envelhecimento da população tem aumentado significativamente nas últimas décadas e contribuído para o aumento da prevalência de quedas domésticas, atingindo negativamente toda a sociedade com graves consequências pessoais, familiares e sociais. Perante esta realidade, que se estima agravar nos próximos anos, urge a necessidade de uma intervenção multiprofissional na prevenção destes acidentes (Instituto Nacional de Estatística [INE], 2020).
Os acidentes domésticos e lazer (ADL) tem sido uma preocupação das organizações nacionais e internacionais, que através de sistemas de vigilância e registo de dados recolhidos nos serviços de urgência hospitalar, tem vindo a monitorizar este fenómeno em constante crescimento (Direção-Geral da Saúde [DGS], 2012).
Em Portugal, no período de 2013-2015, foram registados 26681 acidentes domésticos, associados principalmente ao evento de queda, sendo a maior prevalência a faixa etária acima dos 75 anos, estando de acordo com a realidade europeia quanto ao tipo de lesão mais frequente neste tipo de acidente (Alves et al., 2017).
Perante a dimensão deste problema, desenvolveu-se um estudo observacional dirigido a pessoas idosas com mais de 65 anos, integrado no projeto institucional Anos de Vida: CSI (Casa segura para idosos), no âmbito do Programa Nacional de Prevenção de Acidentes - Projeto COM MAIS CUIDADO, que pretende a promoção da autonomia e independência da pessoa idosa, com o intuito de conseguir, de forma segura, ganhos em anos de vida com independência (DGS, 2012).
Com este estudo pretende-se avaliar a prevalência e caraterizar os acidentes domésticos em pessoas idosas clientes das unidades funcionais de um centro de saúde (CS) da região centro, Portugal.
Enquadramento
O envelhecimento da população é um fenómeno mundial de cariz emergente, com repercussões a nível económico, social e da prestação de cuidados de saúde.
Portugal mantém a tendência de envelhecimento demográfico, tendo-se verificando um aumento da idade mediana da população residente de 43,5 para 45,5 anos, entre 2014 e 2019, e o índice de envelhecimento aumentou 30%, situando-se em 2017 numa taxa de 152,3% (INE, 2020).
Apesar das melhorias socioeconómicas observadas nas últimas décadas, os acidentes domésticos, de lazer e de trabalho continuam a ser uma importante causa de mortalidade, morbilidade e incapacidade. Os acidentes mortais são o rosto mais observável do fenómeno. Contudo, por cada indivíduo que perde a vida num acidente, existe um número bastante superior com incapacidade temporária ou permanente, originando muitas perdas humanas, sociais e ainda de produtividade. Como exemplo, no intervalo entre 2008-2010, sucederam-se na União Europeia mais de 233 000 mortes por acidente, sendo que 42% destas foram devido a ADL. Estes acidentes também motivaram um aumento relevante de hospitalizações e de dias de internamento nesse período (DGS, 2012).
Neste contexto, foram criados a nível nacional sistemas de vigilância e registo de acidentes domésticos, atualmente denominado EVITA - Epidemiologia e Vigilância dos Traumatismos e Acidentes, baseados na recolha de dados em amostras de serviços de urgência do Serviço Nacional de Saúde (SNS), apresentando ao longo dos anos, relatórios com resultados cada vez mais rigorosos, mas sempre muito preocupantes e demonstrativos do seu crescimento e respetivas repercussões (Alves et al., 2017, 2019).
No âmbito do Programa Nacional de Prevenção de Acidentes, foi criado em 2012, numa parceria entre a DGS e a Fundação MAPFRE, o Projeto COM MAIS CUIDADO, de prevenção dos acidentes doméstico com pessoas idosas, para implementação de ações eficazes de prevenção de quedas, com especial atenção na melhoria da autonomia e da mobilidade, com ganhos a nível da saúde individual e coletiva (DGS, 2012).
O número de vítimas que sofreram um ADL com necessidade de recorrer ao serviço de urgência tem vindo a aumentar nos últimos anos e, em 2019, foram registados 195 400 portugueses com um ADL, sendo o domicílio o local onde ocorre com maior frequência (45%). Este ADL é mais comum no grupo etário acima dos 65 anos (29%) e no género feminino (65%). Entre os diversos ADLs, a queda é a fonte de lesão mais reiterado no surgimento desta tipologia de acidente, sendo a percentagem superior nas mulheres (74%), comparativamente com os homens (62%). A distribuição dos distintos mecanismos de lesão altera-se com a idade. De fato, embora exista em todos os grupos etários alta proporção (superior a 49%) de acidentes por queda, destaca-se o grupo etário dos 65 e mais anos (88%; Alves et al., 2019).
O evento de quedas nos idosos assume-se como um dos principais tópicos de discussão de saúde publica, pelas repercussões físicas, sociais e económicas que acarreta. Após o evento de queda, o idoso pode sofrer inúmeras consequências, como perda de mobilidade, medo de cair novamente, isolamento social, necessidade de internamento hospitalar, entre muitas outras.
Segundo Oliveira et al. (2018), a queda é um fenómeno complexo, de etiologia e interação dinâmica multifatorial, devendo ser considerados na avaliação do risco de queda.
Os fatores de risco para eventos de queda entre as pessoas com mais de 65 anos são referidos por diversos autores, sendo classificados em intrínsecos e extrínsecos (Sousa et al., 2016). A multiplicidade de fatores de risco é enorme, embora a maioria seja de caraterísticas biofisiológicas. Nesta dimensão, e face a um maior número de fatores presentes, o risco de queda e a consequente lesão aumentam (Oliveira et al., 2018).
Alguns estudos recentes neste âmbito, como um realizado por Oliveira et al. (2018), que identificou mais de um fator de risco de queda em cada dimensão, numa amostra de 31 idosos. Os autores observaram diminuição da velocidade de marcha, avaliado através do teste Timed up and go (TUG), onde valores acima de 12,6 segundos devem ser considerados alto risco de queda, e pouca confiança na realização das atividades/medo de cair, avaliado pela Falls Efficacy Scale (FES), versão portuguesa. Os autores observaram ainda polimedicação e não adoção de comportamentos de segurança pelos idosos.
Num estudo realizado por Costa (2019), com uma amostra de 369 idosos, dos quais 34,5% apresentavam risco de queda, a autora observou que 33,9% das pessoas, admitiu ter caído, pelo menos uma vez, nos 12 últimos meses, sobretudo: dentro de casa (58,4%); caminhando (50,4%); por “escorregão” (33,6%); e por “tropeção” (32,8%); com uma média de 5,71 dias incapacitados na realização das atividades de vida diária (AVDs). Das quedas, 53,6% resultaram em lesão, 37,3% em feridas traumáticas e 23,9% em fraturas, sendo as zonas do corpo com maior prevalência os membros superiores (43,8%). Das 33,9% de pessoas que sofreram pelo menos uma queda nos últimos 12 meses, 77,6% necessitarem de recorrer aos serviços de saúde. Observou-se ainda uma correlação entre o risco de queda e a idade (p = 0,000), sendo superior nos mais idosos. A realização de intervenções individuais, à família e à comunidade, com recurso a parcerias comunitárias, alicerçadas no planeamento em saúde com o intuito da prevenção de quedas são consideradas fundamentais.
Segundo a Registered Nurses’ Asssociation of Ontario (2017), a prevenção de quedas em idosos passa por programas que incluam 3 fases essenciais: identificação de fatores de risco para quedas, diminuição de incidência de quedas e diminuição de incidência de lesões por queda.
De acordo com Sousa et al. (2017), entre outras estratégias, os programas de Intervenção devem incluir programa de exercício físico, dirigido a fatores intrínsecos, nomeadamente as dimensões músculo-esquelética e condicionamento (por exemplo: exercício físico geral, treino de força , treino de resistência, exercícios específicos - dança, Tai Chi), equilíbrio (treino de equilíbrio, plataforma vibratória), marcha, exercícios combinados (flexibilidade, equilíbrio e resistência), medicação (gestão e ajuste da polimedicação, ajuste da medicação psicotrópica, suplementos de vitamina D) e encaminhamento para outros profissionais (rastreio visual, consulta de cardiologia, consulta de podologia…).
Em termos de fatores de risco extrínsecos de queda, nomeadamente os do meio envolvente, Chamusca (2019), num estudo com uma amostra de 661 idosos, refere que os participantes relataram não terem obtido informação acerca da disposição do mobiliário na casa (13,8%), uso de tapete antiderrapante na banheiro/polibã (11,4%) e uso de dispositivos de segurança na casa de banho (12,8%). O autor reconhece existir carência de informação por parte dos idosos relativa a medidas preventivas, bem como, acerca da necessidade de reajustar as suas casas, e de uma ponderação sobre a correta implementação e posterior efetividade de medidas preventivas de quedas.
Azevedo (2015) preconiza intervenções dirigidas à remoção de objetos perigosos, com participação ativa do idoso na avaliação do meio, para se perceber o impacto social e físico que os elementos do meio têm. Sugere ainda modificações que facilitem as atividades diárias do idoso, nomeadamente: eliminação de tapetes, uso de calçado apropriado e seguro (ex: chinelos ou sapatos de salto alto), nivelamento de superfícies de circulação, evitar o uso de escadas e usar barras e suportes de apoio em locais estratégicos.
Com o aumento da população idosa, evitar que os adultos mais velhos caiam é um desafio cada vez maior para as equipas de saúde. Para Enderlin et al. (2015), o número de quedas e a gravidade das lesões podem ser diminuídos identificando, removendo e/ou modificando vários fatores de risco e implementando intervenções de redução de risco. Os enfermeiros que cuidam dessa população encontram-se numa posição fulcral para selecionar, educar e intervir para melhores resultados, e utilizar as informações e recursos existentes, em colaboração com outros profissionais de saúde para otimizar a segurança numa população que envelhece.
Para Powell-Cope et al. (2018), os enfermeiros desempenham um papel importante em ajudar os idosos e os seus cuidadores a compreender a importância das modificações nas suas casas para prevenir quedas. Os mesmos autores, referem que como alguns idosos têm relutância às mudanças em suas casas, as consequências potencialmente graves de uma queda devem ser enfatizadas e a ajuda de cuidadores, familiares e amigos deve ser solicitada.
Questões de Investigação
Qual a prevalência e as caraterísticas de acidentes domésticos e de lazer nos últimos 12 meses de pessoas idosas com mais de 65 anos?
Existe associação entre as variáveis sociodemográficas (idade, sexo, área de residência, estado civil, escolaridade) e o número de acidentes domésticos (quedas, queimaduras, intoxicações, asfixia)?
Existe associação entre as variáveis sociodemográficas (idade, sexo, área de residência, estado civil, escolaridade) o TUG e o FES?
Existe associação entre o número de acidentes domésticos o TUG e o FES?
Metodologia
Estudo observacional, transversal, e descritivo-correlacional, integrado num projeto de maior dimensão e em articulação com outros programas desenvolvidos numa Unidade de Cuidados na Comunidade (UCC) de um CS da região centro, Portugal.
A população do presente estudo constituiu-se por pessoas com mais de 65 anos, que residem em contexto familiar, no município e área de abrangência do referido CS, que se deslocaram para consulta médica no período entre outubro e dezembro de 2020. A amostra selecionada é não probabilística, por conveniência, e constituída por todos os clientes que cumpriram com os critérios de exclusão/inclusão, e se disponibilizaram a participar voluntariamente no estudo no referido período.
Critérios de inclusão: clientes do CS, com mais de 65 anos, com capacidade funcional para se deslocarem realizar os testes, avaliada através da capacidade de realizarem o TUG, demonstrada no local, e capacidade cognitiva para responderem aos questionários, que apresentassem uma pontuação ≥ 15 pontos na Mini Mental State Examination (MMSE). Critérios de exclusão: idosos com dependência total na mobilidade (incapazes de efetuar marcha) e os que se deslocam em cadeira de rodas.
O formulário de recolha de dados incluiu questionários recomendados pela DGS (2012): questões sociodemográficas, caraterização do risco individual de acidente doméstico (CRIAD), TUG, Avaliação do risco de queda em doentes polimedicados (ARQDP) e Versão Portuguesa da FES (Melo, 2011). Foi realizado um pré teste ao formulário de recolha de dados, com a participação de 10 clientes, com as caraterísticas da amostra do estudo, antes de se iniciar o processo de recolha de dados, não tendo sido manifestado dificuldades no preenchimento do mesmo, nem necessidade de qualquer ajuste.
Foram considerados e respeitados os direitos fundamentais relativos aos seres humanos, definidos pelos códigos de ética, tendo-se obtido a aprovação da comissão de ética da Unidade de Investigação em Ciências da Saúde: Enfermagem (UICISA: E), Unidade Diferenciada da Escola Superior de Enfermagem de Coimbra (parecer nº 804/08-2021). O consentimento informado foi apresentado e assinado por todos os participantes.
O tratamento estatístico dos dados ocorreu com o recurso Statistical Package for the Social Sciences (SPSS), versão 25.0. Recorreu-se a testes de estatística descritiva, nomeadamente as variáveis contínuas com tabelas de frequências (absolutas e relativas), medidas de tendência central como a média, medidas de dispersão ou variabilidade como o desvio padrão, e o valor mínimo e máximo correspondentes. Na análise inferencial, para testes de associação aplicou-se o coeficiente de correlação de Spearman (r s) para variáveis ordinais/intervalares. Assumiu-se o valor de p < 0,05 como valor crítico de significância dos resultados dos testes.
Resultados
A amostra do estudo é constituída por 139 pessoas idosas, 34 (24,5%) idosos do sexo masculino e 105 (75,5%) do sexo feminino, com uma média de idade de 78,88 anos (DP = 7,86), dos quais a maioria com mais de 80 anos (n = 61; 43,9%). A maioria reside em área urbana (n = 82; 59%), são viúvos (n = 69; 49,6%), apresentam uma escolaridade entre 1-4 anos (n = 88; 63,3%), vivem em casal (n = 61; 43,9%), não cuidam de ninguém (n = 126; 90,6%), entre os que cuidam de alguém é da esposa/marido (n = 9; 6,5%), não tem cuidador informal (n = 112; 79,9%), e dos que tem cuidador informal, a maioria é a(o) filha(o) (n = 19; 13,7%; Tabela 1).
Variável | n | % | Variável | n | % |
---|---|---|---|---|---|
Idade (anos) | Com quem vive | ||||
65-74 | 42 | 30,2 | Casal | 61 | 43,9 |
75-84 | 55 | 39,6 | Família alargada | 27 | 19,4 |
≥ 85 | 42 | 30,2 | Sozinho | 37 | 26,6 |
Sexo | Outro | 14 | 10,1 | ||
Feminino | 105 | 75,5 | Cuida de alguém | ||
Masculino | 34 | 24,5 | Sim | 13 | 9,4 |
Área residencial | Não | 126 | 90,6 | ||
Rural | 57 | 41,0 | De quem cuida | ||
Urbano | 82 | 59,0 | Filha/o | 1 | 0,7 |
Estado civil | Sogra/o | 1 | 0,7 | ||
Solteiro | 1 | 0,7 | Esposa/Marido | 9 | 6,5 |
Casado/União | 65 | 46,7 | Outros | 2 | 1,4 |
Viúvo | 69 | 49,6 | Cuidador informal | ||
Divorciado/Separados | 4 | 2,9 | Sim | 27 | 19,4 |
Escolaridade | Não | 112 | 79,9 | ||
Não tem | 17 | 12,2 | Quem cuida | ||
1-4 anos | 88 | 63,3 | Filha/o | 19 | 13,7 |
5-12 anos | 24 | 17,3 | Esposa/Marido | 5 | 3,6 |
> 12 anos | 10 | 7,1 | Sobrinho | 1 | 0,7 |
Outros | 2 | 1,4 |
Em termos de ADLs nos últimos 12 meses, as quedas são os acidentes mais referidos, com uma prevalência de 45,3% (n = 63), surgindo depois as queimaduras, com 6 idosos (4,7%) a referirem 1 episódio, e 4 (2,7%) a referirem 2 episódios, 1 intoxicação medicamentosa, e 1 choque elétrico.
Relativamente às quedas, os participantes referiram maioritariamente um episódio de queda (n = 43; 30,9%), dentro de casa (n = 46; 33,09%), na sequência de escorregamento (n = 43; 33,09%), 24,6% (n = 24) tornaram-se dependentes nas AVDs devido à queda, e apenas 10,07% (n = 14) sofreram fratura (Tabela 2).
Variável | M | DP | n | % |
---|---|---|---|---|
Número de quedas | 0,73 | 1,11 | ||
Quedas nos últimos 12 meses | ||||
Sim | 63 | 45,3 | ||
Não | 76 | 54,7 | ||
Número de quedas nos últimos 12 meses | ||||
1 queda | 43 | 30,9 | ||
2-3 quedas | 17 | 12,3 | ||
> 3 quedas | 3 | 2,1 | ||
Onde caiu | ||||
Dentro de casa | 46 | 33,1 | ||
À entrada ou no quintal | 3 | 2,2 | ||
Fora de casa no exterior | 10 | 7,20 | ||
Fora de casa, num espaço fechado | 4 | 2,9 | ||
Como caiu | ||||
Escorreguei | 43 | 33,1 | ||
Tropecei | 11 | 2,15 | ||
Perdi os sentidos | 3 | 2,2 | ||
Tive uma tontura | 3 | 2,2 | ||
Senti uma fraqueza nas pernas | 3 | 2,2 | ||
Consequências da queda | ||||
Impossibilitado de realizar tarefas do dia-a-dia | 34 | 24,6 | ||
Tive uma lesão ligeira | 7 | 5,0 | ||
Tive uma fratura | 14 | 10,1 | ||
Não teve importância | 8 | 5,7 |
Observámos também que as mulheres (n = 38; 74%), as pessoas que vivem em contexto urbano (n = 28; 66,6%) e o grupo etário com idade 75-84 anos (n = 63; 45,3%), são os participantes com maior prevalência de quedas nos últimos 12 meses.
Entre as doenças pré-existentes, e em termos de frequências absolutas, as doenças cardiovasculares são as mais referidas (hipertensão, n = 22), seguido das doenças músculo-esqueléticas e osteoarticulares (artroses, n = 15), doença metabólica (diabetes, n = 9), e alterações dos sentidos, nomeadamente a diminuição da acuidade visual (cataratas, n = 10).
Na avaliação pelo TUG, verificámos que a maioria da amostra são independentes em transferências básicas (n = 81; 58,3%). No entanto, é de referir que 20 pessoas idosas (14,4%) apresentam mobilidade reduzida e 13 (9,4%) são dependentes em muitas AVDs e na mobilidade.
Relativamente à avaliação do risco de queda em doentes polimedicados, observámos que tendo em conta o maior número de respostas negativas (7 em 11), a probabilidade de queda da nossa amostra não é elevada. Salientamos que a maior percentagem de respostas positivas (> 50%) foram os itens 2, 3, 6 e 9. Ou seja, a maioria toma diariamente quatro ou mais medicamentos (n = 90; 64,7%), tem dificuldade em andar ou em estar de pé (n = 79; 56,8%), já se sentiu inseguro nos seus próprios pés, fraco ou tonto (n = 86; 61,9%) e, habitualmente, faz exercício menos que dois dias por semana (n = 76; 54,7%).
Relativamente ao medo de cair, a FES apresenta um valor global elevado (80,28). Estes resultados revelam uma confiança dos idosos na realização da maioria das tarefas quotidianas. No entanto, devemos salientar as tarefas em que referiram menor confiança, foram chegar a armários altos (M = 7,13; DP = 3,01) e fazer pequenas compras (M = 7,37; DP = 3,40). A tarefa com maior confiança foi andar dentro de casa (M = 8,83; DP = 2,14).
Na tabela 3 apresentamos as relações significativas entre variáveis observadas: associações baixas, mas significativas, uma delas negativa, entre o número de quedas, o TUG (r S = 0,287; p < 0,01) e Medo de Cair FES (r S: -0,283; p < 0,01). Estes resultados sugerem que mais acidentes nos últimos 12 meses/maior número de quedas estão associadas a maior dependência nas AVDs e na mobilidade, a maior medo de cair na realização das mesmas. Observámos também relações baixas entre a idade e valores mais elevados do TUG (r S = 0,329; p < 0,001) e do FES (r S: - 0,328; p < 0,001). Estes resultados sugerem que maior idade está relacionado a maior risco de queda (TUG) e menos confiança na realização de dez tarefas fáceis, relacionadas com as AVDs (FES).
Discussão
A distribuição da nossa amostra em termos de sexo e idade é semelhante ao contexto nacional, em que a população idosa é maioritariamente composta por mulheres, e em que a esperança de vida à nascença foi estimada em 80,80 anos, sendo 77,78 anos para os homens e 83,43 anos para as mulheres no período 2016-2018 (INE, 2020). Mais de metade apresenta uma escolaridade entre 1-4 anos (63,3%), e 12,2% não possui qualquer tipo de escolaridade, o que é comum neste grupo etário (INE, 2020), e poderá ser explicado pela falta de alfabetização que ocorreu no passado.
As doenças pré-existentes mais referidas - doenças cardíacas (hipertensão), doenças músculo-esqueléticas e osteoarticulares (artrose), doença metabólica (diabetes), e alterações dos sentidos (cataratas) - enquadram-se nas cinco principais doenças causadoras de maior morbilidade entre as pessoas idosas em Portugal, nomeadamente as lombalgias/cervicalgias, doenças dos órgãos dos sentidos e diabetes (INE, 2020), e corroboram com resultados de outros estudos (Cardoso et al., 2017). Estas doenças podem predispor a alterações de equilíbrio, dependência funcional e diminuição da acuidade visual, considerados fatores de risco intrínsecos de queda (Sousa, 2016).
As quedas são claramente o ADL mais frequente na nossa amostra, com uma prevalência nos últimos 12 meses considerada elevada (45,5%), coincidindo com os registos e estudos nacionais (Alves et al., 2017; Alves et al., 2019; Cardoso et al., 2017; Costa, 2019; DGS, 2012; Oliveira et al., 2018) e com a realidade europeia (EuroSafe, 2016). Apresentam caraterísticas semelhantes em termos de idade (> 80 anos), sexo feminino, baixa escolaridade (≤ 1-4 anos), local da queda (dentro de casa), causa da queda (escorregamento), e a impossibilidade de realizar AVDs como consequência.
Apesar da maioria da amostra apresentar-se como independente em transferências básicas (n = 106; 76,3%), é de referir que 20 pessoas idosas (14,4%) apresentam mobilidade reduzida e 13 (9,4%) são dependentes em muitas AVDs e na mobilidade, ou seja, um quarto dos idosos do nosso estudo apresenta limitações na mobilidade, pressupondo algum risco de queda. Estes resultados corroboram Ferreira (2011), onde a maioria dos idosos está limitada na independência nas AVDs, e com a American Geriatrics Society (Oliveira et al., 2018), onde as pessoas que realizam o TUG acima de 12,6 segundos, devem ser consideradas com alto risco de queda. É de referir que este instrumento TUG é recomendado por diversos organismos e investigadores como uma boa opção para avaliar a mobilidade e por ser um bom preditor de risco de queda (DGS, 2012; Oliveira et al., 2018). No entanto, alguns autores alertam para algumas limitações e evitar a sua utilização isoladamente para identificar indivíduos com alto risco de quedas em contexto comunitário (Barry et al., 2014).
Relativamente à avaliação do risco de queda em doentes polimedicados, a maioria toma diariamente quatro ou mais medicamentos (n = 90; 64,7%), tem dificuldade em andar ou em estar de pé (n = 79; 56,7%), já se sentiu inseguro nos seus próprios pés, fraco ou tonto (n = 86; 61,9%) e, habitualmente, faz exercício menos de dois dias por semana (n = 76; 54,7%). A polimedicação, a dificuldade em andar/estar de pé, a sensação de insegurança, fraqueza/tonturas, e a falta de exercício físico, são considerados também fatores de risco intrínsecos por diversos autores (Oliveira et al., 2018; Sousa, 2016) e implicam uma atenção especial dos enfermeiros, em articulação com equipa interdisciplinar, incluindo os cuidadores. A deteção precoce de sinais e manifestações que necessitem de estudo mais rigoroso e encaminhamento, pode prevenir situações de maior risco de queda (Powell-Cope et al., 2018).
Relativamente ao medo de cair, a amostra apresenta um valor global elevado de confiança na realização das AVDs avaliadas (FES total = 80,28). As AVDs em que referiram menor confiança, foram chegar a armários altos, fazer pequenas compras, e a de maior confiança em andar dentro de casa. O medo de cair/falta de confiança, pode evoluir para uma ptofobia (medo fóbico de cair), sendo igualmente considerado um fator de risco intrínseco, associado a uma dificuldade percebida da realização da tarefa, e diretamente relacionada com o sentimento de risco (Oliveira et al., 2018; Sousa et al., 2016), eventualmente mais presente após um episódio de queda, o que não se verificou na nossa amostra.
Segundo Vitorino et al. (2017), mais quedas, o género femenino, pior autoavaliação do estado de saúde e a idade, parecem estar associados ao medo de cair. Por isso, os profissionais de saúde devem estar atentos à sua presença, pois a resposta emocional do idoso à realização de determinadas tarefas e evitar com frequência algumas tarefas quotidianas, podem favorecer a imobilidade e aumentar o declínio físico associado ao envelhecimento, a limitação da capacidade física e o isolamento social, podendo comprometer a sua independência (Oliveira et al., 2018).
A introdução de intervenções para o controlo do medo, prevenção da dependência e declínio funcional, devem incluir uma avaliação adequada, exercício físico supervisionado para fortalecimento da musculatura dos membros superiores e inferiores, desenvolvimento do equilíbrio, atividades educativas em grupo, e modificação de fatores de risco (Vitorino et al., 2017).
As relações significativas encontradas entre o número de quedas, a TUG e a FES, sugerem que maior número de quedas está associado a maior dependência nas AVDs e na mobilidade, e uma menor confiança na realização das mesmas. Por outro lado, as relações significativas entre a idade e valores mais elevados do TUG e do FES, sugerem que maior idade está associado a maior risco de queda (TUG) e menos confiança na realização de dez tarefas fáceis, relacionadas com as AVDs (FES). Estas relações convergem com resultados encontrados em outros estudos, onde a maior idade, o sexo feminino, a fragilidade funcional, o local da queda, e o medo de cair, entre outros fatores, estão associados ao número de quedas (Alves et al., 2017; Cardoso et al., 2017; Costa, 2019; EuroSafe, 2016; Oliveira et al., 2018).
Uma avaliação correta dos fatores de risco intrínsecos e extrínsecos, seguida de intervenções de remoção e/ou modificação dos referidos fatores, é fundamental para a diminuição do número de quedas e da gravidade das lesões. Os enfermeiros têm uma posição privilegiada para selecionar, educar e intervir para melhores resultados, utilizando as informações e recursos existentes, em colaboração com outros profissionais de saúde e cuidadores, otimizando a segurança em uma população que envelhece (Enderlin et al., 2015; Powell-Cope et al., 2018).
Este estudo apresenta algumas limitações, nomeadamente ter-se usado um tipo de amostragem não probabilística de conveniência, devido ao facto de apenas ter sido possível colher dados no período de 3 meses. Desta forma sugere-se o desenvolvimento de um estudo mais complexo com recurso uma amostra aleatorizada de 363 utentes, tendo por base um erro amostral de 5% e um IC de 95%, para uma população de 6542 idosos inscritos.
Conclusão
Neste estudo, as quedas surgem claramente como o ADL com maior prevalência na nossa amostra, sendo a idade (> 80 anos), o género feminino, a baixa escolaridade (≤ 1-4 anos), o local da queda (dentro de casa), a causa da queda (escorregamento), e a impossibilidade de realizar AVDs como consequência, as caraterísticas mais evidentes. As associações significativas encontradas entre o número de quedas e a idade, e os resultados da TUG e FES, sugerem que maior número de quedas nos últimos 12 meses, estão relacionadas a maior dependência nas AVDs e na mobilidade, e menor confiança na realização das mesmas, e que maior idade está relacionado a maior risco de queda e menor confiança na realização de AVDs.
Estes resultados implicam uma maior atenção por parte dos enfermeiros, integrados em equipas interdisciplinares, em relação à dimensão e caraterísticas deste fenómeno, com avaliação correta, regular e sistematizada dos fatores de risco intrínsecos e extrínsecos. A identificação de idosos com maior risco de queda, seguida de implementação de diversas estratégias e intervenções de remoção e/ou modificação dos referidos fatores, pode prevenir e diminuir o número de quedas e a gravidade das lesões, e potencializar a segurança numa população cada vez mais envelhecida.
Sugere-se a realização de novos estudos de cariz longitudinal, com amostras aleatórias e representativas da população em estudo, com instrumentos de avaliação rigorosos e validados, que incluam a avaliação ambiental ao domicílio, e a avaliação de resultados das medidas implementadas, que permitam monitorizar a efetividade das mesmas e as correções e os devidos ajustes. Essas medidas devem incluir a promoção de comportamentos seguros por parte dos idosos, a melhoria do nível de segurança ambiental, a sensibilização dos profissionais de saúde, cuidadores e familiares, na abordagem dos ADLs, com maior ênfase na queda no domicílio, e a promoção da prática regular de atividade física nos idosos.