Introdução
A saúde do trabalhador é um tema que visa compreender o processo saúde/doença em articulação com a relação entre indivíduo e trabalho. O desenvolvimento produtivo da humanidade e o avanço da medicina preventiva permitiu uma nova maneira de apreender a relação trabalho-saúde a partir da apropriação do conceito processo de trabalho como instrumento de análise que possibilita reformular conceções antes simplificadas, para uma realidade complexa que considera a dimensão social e histórica do trabalho e do binómio saúde/doença, a fim de intervir no mundo do trabalho através de práticas de atenção à saúde dos trabalhadores (Gomes et al., 2018).
O trabalho está diretamente relacionado com as situações vivenciadas durante a jornada laboral. O ser humano precisa, dentro da sua atividade laboral, exercer a sua criatividade dentro do trabalho, bem como encontrar um significado para o mesmo. Neste sentido, a estrutura organizacional do trabalho não deve impor sobre os trabalhadores regras rígidas e inflexíveis, pois quando as normas institucionais são de um rigor intransigente podem promover paralisação/bloqueio do trabalhador, o que gera, a longo prazo, insatisfação e adoecimento mental através de conflitos, tensões, stresses e sofrimento (Dejours & Abdoucheli, 2011; Trevisan et al., 2010).
A satisfação profissional é compreendida como sendo o resultado da avaliação do profissional sobre o valor ou equidade da experiência laboral e, portanto, explicada como um fenómeno complexo, onde múltiplos fatores causais relacionados com o ambiente de trabalho, a supervisão e a gestão, podem satisfazer as necessidades e as condições de trabalho dos prestadores de serviço (Liu et al., 2016).
A experiência profissional pode ser responsável tanto por satisfação como insatisfação no ambiente de trabalho. Estes sentimentos não diferem na profissão de enfermagem, tendo em conta estudos como o Cordeiro et al. (2019) que evidenciam que os profissionais de enfermagem estão satisfeitos com o seu desempenho no trabalho e com o sentimento de ajuda aos outros, no entanto, no que diz respeito ao desgaste físico e emocional, esses profissionais referem insatisfação.
Estudar a satisfação no ambiente de trabalho procura atender à necessidade de adotar estratégias e medidas que visem combater agentes stressores nesse ambiente, especialmente da enfermagem, em que a própria atividade laboral é marcada pelo confronto rotineiro com o sofrimento humano que, por si só, já é fator para adoecimento do trabalhador. Compreender os fatores relacionados com a satisfação/insatisfação no trabalho podem minimizar o adoecimento, reduzir o absenteísmo e promover a qualidade da assistência.
Neste sentido, este estudo teve como objetivo analisar a satisfação no trabalho de profissionais de enfermagem que atuam em setores de clínica médica e cirúrgica de uma unidade hospitalar.
Enquadramento
A experiência da atuação profissional pode ser vivenciada por forma a gerar a perceção de que o trabalho é fonte de prazer ou sofrimento. O bem-estar dos trabalhadores de saúde torna-se interessante devido à sua influência na qualidade do serviço. É relatada a associação entre o bem-estar psicológico do empregado e a performance no trabalho (de Simone et al., 2018).
A satisfação no trabalho dos profissionais de enfermagem é uma preocupação devido ao seu potencial impacto na qualidade e segurança do cuidado ao paciente (Dejours & Abdoucheli, 2011; Lu et al., 2019).
Nesta direção, importa ressaltar o quanto o tema merece destaque, pois a intenção de permanecer no trabalho é diretamente proporcional à satisfação profissional (Yarbrough et al., 2017). Em contrapartida, a insatisfação profissional aumenta os índices de rotatividade institucional (Lu et al., 2019; Masum et al., 2016).
Da mesma maneira, Dejours e Abdoucheli (2011) constatam que quando há insatisfação do trabalhador com uma das variáveis laborais, tais como o ambiente de trabalho, a supervisão e a gestão, existe a possibilidade de implicações na saúde física e mental do profissional, podendo haver sofrimento laboral. Corroborando esse entendimento, Dorigan e Guirardello (2017) apontam que a satisfação profissional influencia na intenção de permanecer no trabalho e reflete na qualidade e segurança da assistência em enfermagem (Farman et al., 2017).
Ante o exposto, fica evidente que a satisfação no trabalho torna-se um indicador imprescindível na procura pela qualidade assistencial, sendo, portanto, um processo ativo responsável por influenciar a organização laboral e a vida social dos trabalhadores (de Simone et al., 2018).
Importa destacar que, diante da complexidade do processo de trabalho da enfermagem, são necessárias reflexões acerca das grandes possibilidades que geram insatisfação, uma vez que a profissão exige ao trabalhador lidar com o sofrimento alheio, sendo isto uma difícil atribuição. Por outro lado, quando há na profissão possibilidade de amenizar a angústia do outro, isso traduz-se em realização e satisfação. Deste modo, as manifestações destes sentimentos podem repercutir-se na qualidade da assistência prestada e na própria saúde do indivíduo. Ademais, pode apresentar uma forte influência sobre a satisfação profissional (Dejours & Abdoucheli, 2011).
Portanto, é essencial a análise da satisfação destes profissionais com o ambiente de trabalho, uma vez que os resultados do estudo podem fornecer subsídios que possibilitem aos gestores e trabalhadores desenvolverem ações voltadas para a satisfação profissional da equipa que, por sua vez, poderá influenciar positivamente a qualidade do cuidado (Vannuchi et al., 2016).
Questão de investigação
Qual o nível de satisfação dos enfermeiros e técnicos de enfermagem que atuam em diversos setores das unidades de clínica médica e de clínica cirúrgica do hospital?
Metodologia
Estudo de abordagem quantitativa, transversal e analítica que avaliou 149 profissionais de enfermagem, sendo 23 enfermeiros e 126 técnicos em enfermagem, dos setores clínicos e cirúrgicos de um hospital privado da cidade de Recife, capital do Estado de Pernambuco, Brasil. A colheita de dados ocorreu entre abril e maio de 2019.
As pesquisadoras planearam realizar um estudo do tipo censo nessa instituição. Considerando todos os profissionais de enfermagem da unidade hospitalar, a população corresponde a 561 profissionais de enfermagem. Contudo, ao considerar apenas os profissionais de enfermagem das clínicas médica e cirúrgica, os critérios de inclusão e a possibilidade de perdas, realizou-se um cálculo amostral com uma população total de 211 indivíduos que trabalham nas unidades de clínica médica e clínica cirúrgica do hospital participante do estudo. No cálculo considerou-se uma proporção de 50% de satisfação no trabalho - visto não ter sido encontrada na literatura a proporção desta variável dependente para utilizar como proporção basal -, um erro amostral de 5% e um nível de confiança de 95% (p = 0,05). A partir deste cálculo, identificou-se a necessidade de 137 indivíduos para uma amostra significativa, desta forma, para a colheita de dados foi considerado um acréscimo de 10% para evitar que a amostra fosse insuficiente para a análise inferencial em caso de perdas.
Foram incluídos no estudo, enfermeiros e técnicos de enfermagem que atuavam na clínica médica e cirúrgica por um período superior a 6 meses. Foram excluídos aqueles profissionais em gozo de férias, licença ou outro benefício e os que estavam em processo de demissão.
Utilizaram-se dois instrumentos de colheita de dados: um questionário de levantamento de dados sociodemográficos e laborais e a Escala de Satisfação no Trabalho (EST), criada por Siqueira (2008) e validada por Barbosa et al. (2016).
Foi aplicado o questionário de levantamento de dados sociodemográficos e laborais para caracterização dos participantes do estudo, como também para abordar alguns pontos que influenciam os aspetos da satisfação no trabalho.
Em seguida, foi aplicada a EST, criada por Siqueira (2008), composta de 25 itens e validada, em 2016, por Barbosa et al., que verificaram as propriedades psicométricas da escala e realizaram a análise da consistência interna e análise fatorial exploratória. A versão final da escala foi composta por 20 itens, dispostos em cinco dimensões relacionadas: satisfação com os colegas, satisfação com o salário, satisfação com a chefia, satisfação com a natureza do trabalho e satisfação com as promoções.
A EST pode ser respondida individual ou coletivamente através de uma escala do tipo Likert de 7 pontos (1 = totalmente insatisfeito; 2 = muito insatisfeito; 3 = insatisfeito; 4 = indiferente; 5 = satisfeito; 6 = muito satisfeito; 7 = totalmente satisfeito). A análise dos resultados da escala dá-se através do valor médio de cada dimensão (soma dos valores assinalados pelos respondentes em cada item dividido pelo número de itens em cada uma das cinco dimensões). Para um score global da EST, somam-se os escores de cada dimensão e o resultado encontrado é dividido por cinco (o resultado deve necessariamente estar entre 1 e 7; Siqueira, 2008).
Em termos interpretativos, quanto maior o valor médio, maior será o grau de contentamento ou satisfação com aquela dimensão. Os valores entre 5 e 7 tendem a indicar satisfação; valores entre 1 e 3,9 tendem a indicar insatisfação e aqueles entre 4 e 4,9 expressam um estado de indiferença - nem satisfeito, nem insatisfeito. (Siqueira, 2008).
Para a colheita dos dados, os participantes foram convidados e direcionados para uma sala privativa para responder aos instrumentos, a fim de reduzir os vieses. Os participantes responderam ao questionário sociodemográfico e laboral, seguido da EST, levando em média 20 minutos para responder aos questionários.
Foi construído um banco de dados no programa Excel e realizada a validação, com dupla digitação. Em seguida, o banco foi exportado para o software IBM SPSS Statistics, versão 19.0, onde foi realizada a análise.
As variáveis sociodemográficas e laborais foram submetidas a estatística descritiva simples com os valores absoluto e percentual de cada variável do questionário. Para descrever a satisfação de acordo com as características sociodemográficas e laborais foram construídas as tabelas de contingência e aplicado o teste (2 para independência e considerou-se como nível de significância 5% (p = 0,05).
Antes da aplicação dos instrumentos de colheita, os participantes da pesquisa receberam orientação quanto aos objetivos, justificativas, benefícios e riscos da pesquisa. Em seguida, assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) sendo assegurado o sigilo dos dados pelas pesquisadoras. O estudo recebeu a anuência institucional do local da pesquisa e obteve aprovação pelo Comissão de Ética em Pesquisa sob a CAAE 02854318.4.0000.5192 e parecer número 3.075.791.
Resultados
Foi identificado que a maioria dos profissionais de enfermagem são do sexo feminino, totalizando 82,2% (n = 120) da amostra. No que se refere ao estado civil, 59,3% (n = 89) referiram ser casados, seguido de 28,7% (n = 43) de solteiros e quando questionados sobre o número de filhos, verificou-se que a maioria dos enfermeiros 47,8% (n = 11) não possuem filhos e entre os técnicos de enfermagem a maior parte 35,2% (n = 44) tem apenas um filho.
Relativamente à renda mensal em salário mínimo, dos enfermeiros 45,5% (n = 10) recebem dois a três salários mínimos e 55,2,7% (n = 69) dos técnicos de enfermagem apresentaram uma renda entre um a dois salários mínimos.
No que diz respeito à categoria profissional, 84,6% (n = 126) são técnicos de enfermagem. Quanto à especialização, entre os técnicos de enfermagem, a maioria 85,2% (n = 104) afirmou não ter nenhuma especialização. No entanto, entre os enfermeiros, 82,6% (n = 19) possuem especialização.
Dentre os profissionais com especialização, 66,4% (n = 93) afirmaram atuar na área. Em relação ao setor que trabalha, a predominância foi de profissionais da clínica médica, sendo 77,2% (n = 115) da amostra estudada. Referente ao turno de trabalho, a maioria dos enfermeiros trabalha à noite (56,5%; n = 13), já dentre os técnicos de enfermagem a maioria trabalha durante o dia (58,1%; n = 72).
No que tange a faltas ao trabalho por doenças, 70% (n = 105) referiram que em algum momento já faltaram ao emprego por estar doente. Quando questionados sobre a escolha da área profissional, 97,3% (n = 146) confirmaram que atuam por escolha.
Quanto às suas relações laborais, a maioria (33,3%; n = 50) relatou que têm sempre autonomia durante as atividades de trabalho, o que é bastante exigido no ambiente laboral (29,9%; n = 44) ao ser obrigado a lidar com imprevistos. Foi relatado por esses profissionais que, frequentemente ou sempre, (58,6%; n = 88) as tarefas apresentam pressão com prazo para cumprimento. A maioria também observa que sempre as normas são rígidas (47,3%; n = 71).
Conforme a Tabela 1, a maioria dos profissionais de enfermagem (enfermeiros e técnicos de enfermagem) demonstrou satisfação com as dimensões Satisfação com os colegas (65,3%; n = 98) e Satisfação com a chefia (65,3%; n = 98).
Dimensões da EST | Classificação de Risco | |||||
Insatisfação | Indiferença | Satisfação | ||||
n | % | n | % | n | % | |
Satisfação com os colegas | 13 | 8,7 | 39 | 26,0 | 98 | 65,3 |
Satisfação com o salário | 132 | 89,2 | 12 | 8,1 | 4 | 2,7 |
Satisfação com a chefia | 39 | 26,2 | 29 | 19,5 | 81 | 54,4 |
Satisfação com a natureza do trabalho | 47 | 32,0 | 52 | 35,4 | 48 | 32,7 |
Satisfação com as promoções | 82 | 61,2 | 37 | 27,6 | 15 | 11,2 |
No entanto, 89,2% (n = 132) referiram insatisfação com a dimensão intitulada Satisfação com o salário e 61,2% (n = 82) com a dimensão intitulada Satisfação com as promoções. Em relação à dimensão Satisfação com a natureza do trabalho, 35,4% (n = 52) mostraram-se indiferentes.
Conforme a Tabela 2, nota-se que 67% (n = 99) dos profissionais de enfermagem estavam indiferentes ou insatisfeitos com a com a natureza do trabalho. Destes, a maioria encontrava-se entre a faixa etária de 30 a 40 anos.
Dimensão | Idades (%) | p | |||
---|---|---|---|---|---|
20 a 30 anos | 30 a 40 anos | 40 a 50 anos | > 50 anos | ||
Colega | |||||
Insatisfação (n = 13) | 23,08 | 38,46 | 15,38 | 23,08 | 0,301 |
Indiferença (n = 39) | 28,21 | 53,85 | 10,26 | 7,69 | |
Satisfação (n = 98) | 26,53 | 44,90 | 22,45 | 6,12 | |
Salário | |||||
Insatisfação (n = 132) | 28,03 | 47,73 | 16,67 | 7,58 | 0,523 |
Indiferença (n = 12) | 16,67 | 41,67 | 33,33 | 8,33 | |
Satisfação (n = 4) | 25,00 | 25,00 | 50,00 | 0,00 | |
Chefia | |||||
Insatisfação (n = 39) | 41,03 | 38,46 | 12,82 | 7,69 | 0,253 |
Indiferença (n = 29) | 20,69 | 58,62 | 17,24 | 3,45 | |
Satisfação (n = 81) | 22,22 | 45,68 | 22,22 | 9,88 | |
Natureza | |||||
Insatisfação (n = 47) | 42,55 | 44,68 | 4,26 | 8,51 | 0,001 |
Indiferença (n = 52) | 21,15 | 55,77 | 15,38 | 7,69 | |
Satisfação (n = 48) | 18,75 | 35,42 | 37,50 | 8,33 | |
Promoção | |||||
Insatisfação (n = 82) | 32,93 | 46,34 | 15,85 | 4,88 | 0,064 |
Indiferença (n = 37) | 24,32 | 37,84 | 21,62 | 16,22 | |
Satisfação (n =15) | 13,33 | 46,67 | 40,00 | 0,00 |
No que diz respeito à associação entre as variáveis sociodemográficas e as dimensões da EST, associação significativa foi encontrada na dimensão Satisfação com a chefia e o tempo de exercício no cargo dos profissionais de enfermagem. Nota-se que 54% (n = 75) dos profissionais de enfermagem estavam satisfeitos com a dimensão Satisfação com a chefia, e deste percentual, a maiorias dos profissionais de enfermagem atuam na unidade hospitalar entre 5 a 10 anos. A Tabela 3 apresenta a associação dos domínios da escala EST com o tempo de cargo dos profissionais.
Dimensão | Tempo de exercício no cargo (%) | p | ||||
---|---|---|---|---|---|---|
0 a 5 anos | 5 a 10 anos | 10 a 15 anos | 15 a 20 anos | > 20 anos | ||
Colega | ||||||
Insatisfação (n = 11) | 36,36 | 27,27 | 9,09 | 18,18 | 9,09 | 0,899 |
Indiferença (n = 36) | 41,67 | 38,89 | 2,78 | 8,33 | 8,33 | |
Satisfação (n = 94) | 31,91 | 38,30 | 8,51 | 9,57 | 11,70 | |
Salário | ||||||
Insatisfação (n = 124) | 35,48 | 36,29 | 7,26 | 10,48 | 10,48 | 0,913 |
Indiferença (n = 12) | 16,67 | 50,00 | 8,33 | 8,33 | 16,67 | |
Satisfação (n = 4) | 50,00 | 50,00 | 0,00 | 0,00 | 0,00 | |
Chefia | ||||||
Insatisfação (n = 36) | 55,56 | 22,22 | 0,00 | 16,67 | 5,56 | 0,021 |
Indiferença (n = 29) | 27,59 | 48,28 | 10,34 | 6,90 | 6,90 | |
Satisfação (n = 75) | 26,67 | 41,33 | 9,33 | 8,00 | 14,67 | |
Natureza | ||||||
Insatisfação (n = 43) | 51,16 | 34,88 | 4,65 | 4,65 | 4,65 | 0,028 |
Indiferença (n = 48) | 35,42 | 41,67 | 2,08 | 10,42 | 10,42 | |
Satisfação (n = 47) | 19,15 | 36,17 | 12,77 | 14,89 | 17,02 | |
Promoção | ||||||
Insatisfação (n = 78) | 37,18 | 38,46 | 6,41 | 7,69 | 10,26 | 0,144 |
Indiferença (n = 34) | 26,47 | 38,24 | 0,00 | 20,59 | 14,71 | |
Satisfação (n = 15) | 33,33 | 33,33 | 20,00 | 6,67 | 6,67 |
Discussão
Considerando que a insatisfação no trabalho pode acarretar potenciais prejuízos para a saúde do trabalhador, a temática investigada foi a (in)satisfação dos profissionais de enfermagem da clínica médica e cirúrgica. Também reflete sobre os fatores que influenciam as condições de trabalho e as relações interpessoais no ambiente de trabalho usando a EST (de Simone et al., 2018; Wisniewski et al., 2015). Foram analisadas as cinco dimensões que perfazem a EST: Satisfação com os colegas, Satisfação com o salário, Satisfação com a chefia, Satisfação com a natureza do trabalho e Satisfação com as promoções.
A dimensão Satisfação com os colegas reflete o contentamento com a colaboração, amizade, confiança e o relacionamento entre os colegas de trabalho, foi identificado que essa dimensão obteve uma avaliação satisfatória, visto que os participantes apontaram estar satisfeitos em todos os itens desta dimensão da escala. Os fatores que mais contribuíram positivamente para esta dimensão foram a “maneira como me relaciono com os meus colegas e a quantidade de amigos que tenho entre os meus colegas”. Estes resultados corroboram com Oliveira et al. (2019) que identificou que o fator que promoveu maior satisfação profissional entre os membros da equipa de enfermagem está ligado ao bom relacionamento com a equipa.
A Satisfação com o salário espelha o quão o profissional está satisfeito em relação ao salário que recebe, comparado com o quanto trabalha, com a sua competência profissional, com o seu custo de vida e com os seus esforços exercidos na realização do trabalho. Nesta dimensão, os participantes mostraram-se insatisfeitos com a remuneração recebida. Os cinco itens da dimensão supracitada foram avaliados como insatisfatórios e, dentre estes, os que mais obtiveram pontuação negativa foram: “salário comparado com o custo de vida”; “salário comparado com o quanto trabalho”; e “salário comparado a minha capacidade profissional”.
No Brasil e na Arábia Saudita, Teruya et al. (2019) e Alharbi et al. (2016) também constataram que os profissionais de enfermagem se mostraram insatisfeitos com recompensas, remuneração, benefícios, condições operacionais e promoções, enquanto na Turquia, a insatisfação foi atribuída à recompensa, remuneração e benefícios (Masum et al., 2016).
A insatisfação em relação ao salário pode repercutir-se na necessidade de mais de um emprego para esses profissionais, o que pode implicar em sobrecarga física e emocional e, consequentemente, interferir negativamente na qualidade de vida dos mesmos. Neste sentido, outros estudos apontam que tanto os benefícios quanto a remuneração são os fatores que mais influenciam a satisfação dos profissionais de enfermagem (Brayer et al., 2017; Zhang et al., 2014).
Importa destacar que a insatisfação em relação ao salário expressada pelos profissionais do estudo possa ter relação com o período de colheita de dados, uma vez que durante o ano de 2019, a instituição passou por uma modificação cultural, que impactou nas verbas salariais dos colaboradores devido a um pacote de benefícios (plano de saúde) oferecido aos profissionais.
Assim, as ponderações devem ser no sentido de encontrar estratégias institucionais de remuneração consideradas como questões centrais, capazes de valorizar a equipa de enfermagem, uma vez que, tradicionalmente, melhora a experiência do paciente, a saúde da população. No entanto, a atenção aos prestadores de serviços é muitas vezes relegada para segundo plano ante a urgência de prestar cuidados e responder a necessidades externas (Appelbaum et al., 2019).
No que diz respeito à Satisfação com a chefia, a dimensão foi avaliada como satisfatória e todos os itens da dimensão foram avaliados satisfatoriamente. Isto quer dizer que a equipa de enfermagem evidenciou como positivo as relações da chefia com os profissionais, pontuando que tanto o entendimento entre eles e o chefe, quanto a maneira como o chefe os trata e a capacidade profissional do chefe são itens que contribuem para a satisfação laboral na instituição.
Os itens que apresentaram as maiores médias nesta dimensão, contribuindo positivamente para a satisfação da equipa no trabalho, foram a “capacidade profissional do meu chefe” e “o entendimento entre mim e meu chefe”. Esses achados demonstram contentamento em relação à organização e à capacidade profissional do chefe, assim como existe o interesse e entendimento do chefe em relação aos seus subordinados.
O presente estudo apresentou resultados semelhantes aos da literatura, uma vez que os trabalhadores se encontram satisfeitos com a supervisão, com as relações entre eles e com a natureza do trabalho. Nota-se que um chefe justo e um bom relacionamento entre os pares e os seus superiores no ambiente laboral refletem em satisfação. No entanto, em relação à liberdade de expressão com a chefia, os apontamentos dos profissionais foram expressos como críticos (Teruya et al., 2019).
No que se refere à Satisfação com a natureza do trabalho, a dimensão foi validada como indiferente. Esse construto reflete o interesse despertado pelas tarefas, a capacidade do trabalho de absorver o profissional e a variedade de tarefas que o trabalhador realiza. Os itens contribuíram de forma positiva para esses resultados foram: “a variedade das tarefas que faço”, “o grau de interesse que as minhas tarefas despertam” e “a oportunidade de fazer o tipo de trabalho que faço”. No entanto, a dimensão que pontuou negativamente foi a “capacidade do meu trabalho em me absorver”.
Em outro estudo foi constatado que todos os profissionais participantes apresentam diversas insatisfações relacionadas com a valorização profissional, estrutura e organização do serviço e falta de materiais (Oliveira et al., 2019).
Mediante o exposto, acredita-se que a pontuação indiferente na Satisfação com a natureza do trabalho deve-se ao fato de apesar de a maioria dos itens terem expressão de satisfação pelos profissionais de enfermagem das clínicas médica e cirúrgica, o item ‘‘capacidade do meu trabalho me absorver’’ foi pontuado como insatisfatório. Os itens que pontuaram positivamente para o resultado da indiferença encontram-se: “a variedade das tarefas que faço”, “o grau de interesse que minhas tarefas me despertam” e “a oportunidade de fazer o tipo de trabalho que faço”.
No que diz respeito aos testes de associação entre as variáveis sociodemográficas e as dimensões da EST, o estudo encontrou associação significativa entre a satisfação profissional com a natureza do trabalho e o tempo no cargo dos profissionais de enfermagem. Os resultados sugerem que profissionais com pouco tempo de exercício no cargo apresentam maior insatisfação relativamente à chefia, isto porque, possivelmente, ainda não houve a construção do relacionamento interpessoal, não houve elaboração de forma de convivência. Os resultados relativos à satisfação profissional e ao tempo de serviço são divergentes aos achados de Ferreira et al. (2017) que verificaram que os enfermeiros com tempo de serviço inferior a 10 anos são os mais satisfeitos.
Ainda houve associação significativa em relação à satisfação profissional com a natureza do trabalho e faixa etária dos profissionais. Observou-se que a maioria dos profissionais que estão na faixa etária entre 30 a 40 anos expressaram, na sua maioria, insatisfação ou indiferença em relação à natureza do trabalho. A maioria dos que estão na faixa etária entre 40 a 50 anos demonstraram Satisfação em relação à natureza do tabalho.
Após análise, fica evidente que coexistem os sentimentos de insatisfação e satisfação no trabalho. Ficando claro que questões como o salário, e as promoções geram um clima de insatisfação nos profissionais de enfermagem das clínicas médica e cirúrgica. No entanto, considera-se que estes mesmos profissionais se sentem satisfeitos em relação à chefia e entre os colegas. Portanto, o presente estudo identificou que a satisfação e insatisfação no trabalho são elementos de um fenómeno que não ocorre de maneira isolada, mas que a esta dualidade são atribuídos significados dependentes da presença ou não de alguns fatores. A satisfação no trabalho dos profissionais de enfermagem tem complexidades que podem estar associadas a diferentes configurações, regiões geográficas e valores culturais que devem ser considerados (Lu et al., 2019).
Dentre as limitações do estudo está a escala adotada, pois não é instrumento direcionado especificamente para enfermagem, no entanto, ainda não existe uma escala construída e validada para essa população no Brasil. A outra limitação é o desenho do estudo que é transversal, dessa forma sugerimos a realização de estudos longitudinais que possam expressar de maneira mais consistente as associações apresentadas nesta pesquisa.
Conclusão
A satisfação no trabalho é garantida por meio do bom relacionamento com a chefia e os colegas, e considera-se que o nível de satisfação aumenta conforme o tempo de experiência do trabalhador dentro do serviço.
Esta pesquisa evidencia que o nível de satisfação dos profissionais de enfermagem, participantes do presente estudo, foi mediano, observando-se a necessidade de os gestores dos serviços de saúde empreenderem estratégias que transformem as políticas e a dinâmica organizacional, de maneira consciente sobre as necessidades, as responsabilidades e os deveres dos profissionais da classe. Inclusive, identificar e construir indicadores de qualidade que subsidiem o trabalho de enfermagem fazem parte dessas estratégias a fim de proporcionar melhores condições para a satisfação no trabalho desses profissionais. Trabalhadores satisfeitos através de políticas internas de promoção da saúde do trabalhador, refletem-se numa melhor qualidade de assistência aos usuários.
Sugere-se a realização de estudos de tradução e validação com escalas específicas, para posterior aplicação em outras pesquisas, para que, através da comparação com os resultados apresentados nesta pesquisa, seja possível evidenciar as necessidades específicas da categoria, permitindo a otimização de indicadores de satisfação e, consequentemente, melhoria na assistência em enfermagem e redução do absenteísmo.