Introdução
No final de 2019, foram registados na cidade de Wuhan, China, os primeiros casos de pneumonia por uma nova estirpe de coronavírus, conhecida como Síndrome Respiratória Aguda Grave-Coronavírus 2 (SARS-CoV-2) e responsável pela patologia Coronavirus Disease 2019 (COVID-19; Costa et al., 2022).
O número de casos da COVID-19 foi aumentando rapidamente, por vários países, incluindo o Brasil, e a World Health Organization (WHO), declarou a situação como uma pandemia global em março de 2020 (WHO, 2020). No Brasil, foram registados 25.620.209 casos de COVID-19 e 628.067 mortes até abril de 2022 (Ministério da Saúde, 2022).
No Brasil, cerca de 61.127 profissionais de enfermagem testaram positivo a COVID-19 e cerca de 872 morreram, até abril de 2022 (Conselho Federal de Enfermagem, 2022). Um estudo realizado na região norte do país, em 2021, identificou que a taxa de mortalidade entre os profissionais de saúde infetados pela COVID-19 foi de 0,6% (Campos & Leitão, 2021). Ressalta-se que o Brasil foi um dos países com o maior número de mortos entre os profissionais de saúde e a área da enfermagem foi a mais afetada.
Dado o elevado número de casos, a COVID-19 teve impacto direto nos serviços de saúde, atingindo os profissionais que trabalhavam na linha de frente da luta contra a pandemia (Souza & Souza, 2020), cuja maioria era da categoria da enfermagem, devido aos cuidados prestados diretamente aos doentes, expondo-os ao risco de contaminação pelo coronavírus.
Neste contexto, inúmeros profissionais de saúde ficaram doentes pela COVID-19, o que demonstrou a importância da utilização de medidas de proteção para reduzir e prevenir novas infeções, bem como oferecer segurança no trabalho aos profissionais de saúde (Castro et al., 2021). Por conseguinte, a adesão dos profissionais de saúde a medidas de proteção influencia a diminuição do risco de exposição à SARS-CoV-2, e o seu uso adequado minimiza as hipóteses de doença (Ashinyo et al., 2020). No Brasil, no período crítico da pandemia, nos serviços de saúde, houve falta de recursos e de equipamentos de proteção individual (EPI), o que contribuiu para aumentar o risco de contaminação dos profissionais de saúde.
Deste modo, objetiva-se analisar o uso de medidas de proteção por profissionais de saúde contra COVID-19 num complexo hospitalar numa capital brasileira.
Enquadramento
De acordo com Hartmann et al. (2021), durante a pandemia de COVID-19, os profissionais de saúde não só apresentavam o risco de adoecer, mas também de transmitir a infeção para pacientes, colegas de trabalho, familiares e à população em geral, sendo estas possibilidades reduzidas com a utilização de medidas de proteção, a fim de garantir a qualidade de vida no trabalho e nos cuidados prestados.
Salienta-se que as medidas de proteção são conhecidas como todas as formas de proteção e segurança da saúde dos trabalhadores, que devem ser disponibilizadas pelos serviços de saúde (Agência Nacional de Vigilância Sanitária, 2020a). Entre eles estão os equipamentos de proteção individual (EPIs), que incluem: luvas, óculos ou protetores faciais, máscaras, chapéus, pés e aventais, que devem ser utilizados durante as atividades de trabalho envolvendo contacto direto com pacientes suspeitos de COVID-19. Com a utilização destes equipamentos é necessário higienizar as mãos e, se possível, implementar equipamentos de proteção coletiva (EPC) como: sistemas de pressão negativa, entre outros (Agência Nacional de Vigilância Sanitária, 2020b).
Um estudo internacional conduzido por Ashinyo et al. (2020), investigou o nível de exposição e risco de infeção pelo vírus COVID-19 entre profissionais de saúde, e observou-se que, entre os 408 participantes, 80,4% foram expostos ao SARS-CoV-2. No entanto, apesar do elevado nível de exposição ao vírus, apenas 14% dos participantes apresentavam maior risco de infeção, o que representava que outros profissionais de saúde faziam uso adequado de diferentes medidas de proteção.
Estes dados confirmam a importância da intensificação das medidas de proteção nos serviços de saúde, de forma a diminuir o risco de contaminação dos profissionais de saúde por este agente infeccioso (Oliveira et al., 2021).
É essencial que os profissionais de saúde conheçam a pertinência das medidas de proteção e as realizem adequadamente. Para isso, os serviços de saúde devem oferecer educação em serviço, de forma a minimizar as barreiras que possam interferir com a adesão a medidas de proteção e afetar a segurança dos profissionais no combate ao COVID-19 (Carvalho et al., 2019) e outros agentes infecciosos que possam causar doenças entre os profissionais de saúde.
Questão de investigação
Qual é a associação entre as medidas de proteção utilizadas por profissionais de saúde e a ocorrência de COVID-19?
Metodologia
Trata-se de um estudo transversal, descritivo, quantitativo e analítico, desenvolvido num complexo hospitalar universitário (CHU) de uma capital do sul do Brasil.
Os participantes da investigação foram compostos por profissionais de saúde que trabalharam na linha da frente da luta contra o COVID-19, nomeadamente: auxiliares ou técnicos(as) de enfermagem, enfermeiros(as), fisioterapeutas e médicos(as). Os critérios de inclusão foram: ser auxiliar ou técnico(a) de enfermagem, enfermeiro(a), fisioterapeuta e médico(a) durante pelo menos 3 meses, com mais de 18 anos, trabalhar ou ter trabalhado numa unidade com cuidados diretos ao doente com desconfiança ou com confirmação da COVID-19. E, como critério de exclusão, foi definido: profissionais de saúde não encontrados no período de recolha de dados devido a licenças médicas, licença de maternidade ou férias.
Relativamente ao número de profissionais dos setores de serviço à COVID-19, de acordo com informação do CHU, trabalharam 806 profissionais nestes setores. O número sugerido por cálculo amostral foi de 250 profissionais de saúde. Devido às condições críticas, impostas pela pandemia da COVID-19, na capital em que o estudo foi conduzido, a amostragem utilizada foi não intencional e não probabilística, com a técnica denominada bola de neve, resultando num total de 104 profissionais de saúde.
A recolha de dados decorreu no formato online, entre maio e agosto de 2021, em que o primeiro contacto com os profissionais de saúde foi a divulgação da investigação, através de notícias internas publicadas pelo jornalonlineda instituição ou por e-mail institucional, conduzida pela Gerência de Ensino e Investigação da instituição.
Foi disponibilizado o Formulário de Consentimento Gratuito e Informado (TCLE) através dos Formulários Google. A recolha de dados foi realizada com a utilização de uma entrevista estruturada, gravada, com horário e recurso tecnológico, definidos em conjunto com o participante. Nesta fase, utilizou-se um questionário, adaptado pelos investigadores, denominado Avaliação de medidas de proteção entre profissionais de saúde no combate ao COVID-19, que se baseou no instrumento da OMS Avaliação de risco à exposição dos profissionais de saúde no contexto do COVID-19. As adaptações consistiram em novas perguntas referentes ao perfil sócio-ocupacional e histórico-ocupacional. Visto a urgência de pesquisas na área, as investigadoras optaram por utilizar o instrumento da OMS traduzido pelo português, uma vez que a tradução e validação de instrumentos requerem tempo e poderiam comprometer os resultados.
O questionário é composto por 41 perguntas, subdivididas em 10 itens sobre o perfil sócio-ocupacional,19 relacionados com a história ocupacional e 12 questões dirigidas a medidas de COVID-19. As opções de resposta são apresentadas em múltiplas opções e escala de Likert, com diferentes graus de frequência (sempre, como recomendado, na maioria das vezes, ocasionalmente, raramente ou nunca).
Após este passo, os dados foram organizados e analisados no Microsoft Excel® 2016, mais tarde exportado para o ambiente R (R Core Team, 2021). Foram consideradas as variáveis do perfil sócio-ocupacional para a caracterização da população. Nas variáveis correspondentes à história profissional, exposição do profissional, doença por COVID-19 e medidas de proteção para o COVID-19, verificou-se se houve associação entre a ocorrência de COVID-19 e a utilização às medidas de proteção.
Os dados foram analisados através de estatísticas descritivas, com distribuição simples e absoluta de frequência e pelos testes Qui-Quadrado, Exato de Fisher. O Odds Ratio (OR), foi usado como medida de associação, com intervalo de confiança de 95% (p < 0,05), apresentado sob forma de tabelas, com a colaboração de um profissional estatístico.
Na investigação, os aspetos éticos foram rigorosamente seguidos, com direito ao anonimato e com aprovação do Comitê de Ética da investigação do Complexo Hospitalar Universitário, de acordo com o número de parecer 4.685.713 e CAAE: 37962720.5.0000.0096.
Resultados
Participaram no estudo um total de 104 profissionais de saúde, dos quais 57,7% (n = 60) eram enfermeiros; 84,6% (n = 88) do sexo feminino. A idade média dos participantes era de 35,8 anos e 42,3% (n = 44) tinham entre 30 a 39 anos. No que diz respeito à raça, 58,7% (n = 61) eram caucasianos, 77,9% (n = 81) concluíram o ensino superior completo; 75% (n = 78) deslocavam-se para trabalhar com o seu próprio transporte; e 83,7% (n = 87) não apresentavam comorbilidades.
Para caracterizar o perfil sócio-ocupacional dos participantes relacionados com a contaminação por COVID-19, foi feita uma comparação entre os que testaram positivo a COVID-19 e os negativos, correspondendo a 38,5% (n = 40) e a 61,5% (n = 64), respetivamente. Os grupos etários dos 30 aos 39 anos e dos 40 aos 49 anos, com 31,8% (n = 14) e 46,7% (n = 14) dos mesmos, com uma média de idade de 36,2 anos, foram os mais predominantes entre os profissionais de saúde que tiveram COVID-19.
No que diz respeito à ocupação, 38,3% (n = 23) dos enfermeiros, testaram positivo; entre os médicos participantes, nenhum deu positivo (Tabela 1).
Perfil sócio ocupacional | COVID-19 positivo n= 40 n (%)* | COVID-19 negativo n= 64 n (%)* | p-valor | OR [IC 95 %] |
Faixa etária 18 a 29 30 a 39 40 a 49 50 a 59 | 7 (31,8) 14 (31,8) 14 (46,7) 5 (62,5) | 15 (68,2) 30 (68,2) 16 (53,3) 3 (37,5) | - 1 0,281 0,129 | Ref. 1 [0,33-3] 1,87 [0,59-5,91] 3,57 [0,66-19,34] |
Sexo Masculino Feminino | 9 (56,2) 31 (35,2) | 7 (43,8) 57 (64,8) | - 0,112 | Ref. 0,42 [0,14-1,25] |
Raça/Cor Caucasiano Africano Parda | 23 (37,7) 5 (45,5) 12 (37,5) | 38 (62,3) 6 (54,5) 20 (62,5) | - 0,627 0,985 | Ref. 1,38 [0,38-5,03] 0,99 [0,41-2,4] |
Escolaridade Ensino Médio Ensino Superior | 10 (43,5) 30 (37) | 13 (56,5) 51 (63) | - 0,575 | Ref. 0,76 [0,3-1,96] |
Número de pessoas que residentes no mesmo agregado familiar Nenhuma Uma Duas Três ou mais | 8 (36,4) 8 (27,6) 8 (28,6) 16 (64) | 14 (63,6) 21 (72,4) 20 (71,4) 9 (36) | - 0,503 0,558 0,059 | Ref. 0,67 [0,2-2,19] 0,7 [0,21-2,31] 3,11 [0,94-10,25] |
Meio de transporte para deslocações para o trabalho Uber Transporte Público A pé Transporte Próprio | 3 (42,9) 5 (55,6) 2 (20) 30 (38,5) | 4 (57,1) 4 (44,4) 8 (80) 48 (61,5) | - 0,614 0,309 0,819 | Ref. 1,67 [0,23-12,22] 0,33 [0,04-2,87] 0,83 [0,17-3,99] |
Comorbidades Não Sim | 31 (35,6) 9 (52,9) | 56 (64,4) 8 (47,1) | - 0,18 | Ref. 2,03 [0,71-5,8] |
Profissão/ocupação Enfermeiro (a) Técnico (a) ou auxiliar de enfermagem Fisioterapeuta Médico (a) | 23 (38,3) 16 (50) 1 (33,30) (0,0) | 37 (61,7) 16 (50) 2 (66,7) 9 (100) | - 0,281 0,862 0,023 | Ref. 1,61 [0,68-3,83] 0,8 [0,07-9,38] - |
Nota. OR = Odds Ratio; IC = Intervalo de confiança; Ref. = Referência; n e % = Frequência absoluta e relativa.
* A % de fator de risco avaliado, soma de 100% em relação ao total das linhas horizontais.
Relativamente ao histórico profissional dos participantes, no que diz respeito à contaminação pela COVID-19, por sector de atividade, 72,2% (n = 26; p = 0,032) de profissionais de saúde que trabalharam noutros locais de atividade, estes são muito variados: Centro Operativo, centro obstétrico, cuidados com a pele, imagens, maternidade, neurologia, pediatria e quimioterapia, testados negativos para este agente infecioso.
No que diz respeito à exposição dos profissionais de saúde a doentes com COVID-19, 62,5% (n = 5) dos participantes que relataram estar parcialmente seguros no local de trabalho em relação ao cenário pandémico, contraíram o vírus e apresentaram maior risco para COVID-19 (OR = 2,08 [0,3-14,55]). Quanto aos profissionais de saúde que realizaram o procedimento de produção de aerossóis, 36,7% (n = 33) testaram positivo.
Sobre as medidas de proteção efetuadas pelo estabelecimento de saúde, durante a pandemia da COVID-19, 66,7% (n = 60; p = 0,006) dos profissionais de saúde que testaram negativo, reportaram ter participado de sessões de capacitação referentes à pandemia, oferecidas no seu local de trabalho e apresentaram menor risco de contaminação (OR: 0,2 [0,06-0,69]).
No que concerne à oferta variável de EPI, 59,2% (n = 58) dos profissionais de saúde que testaram negativo indicaram a disponibilidade e uso dos equipamentos no seu local de trabalho (p = 0,05; Tabela 2).
Ações tomadas | COVID-19 positivo n= 40 n (%)* | COVID-19 negativo n= 64 n (%)* | p-valor | OR [IC 95%] |
Capacitação Não Sim | 10 (71,4) 30 (33,3) | 4 (28,6) 60 (66,7) | - 0,006 | Ref. 0,2 [0,06-0,69] |
Promoveu distanciamento dos pacientes Não Sim | 15 (42,9) 25 (36,2) | 20 (57,1) 44 (63,8) | - 0,512 | Ref. 0,76 [0,33-1,74] |
Promoveu distanciamento dos funcionários Não Sim | 15 (46,9) 25 (34,7) | 17 (53,1) 47 (65,3) | - 0,24 | Ref. 0,6 [0,26-1,41] |
Garantiu higienização das mãos Não Sim | 1 (25) 39 (39) | 3 (75) 61 (61) | - 0,573 | Ref. 1,92 [0,19-19,1] |
Promoveu assepsia com álcool gel Não Sim | 0 (0) 40 (38,8) | 1 (100) 63 (61,2) | - 0,427 | Ref. - |
Forneceu EPI Não Sim | 0 (0) 40 (40,8) | 6 (100) 58 (59,2) | - 0,05 | Ref. - |
Nota. OR = Odds Ratio; IC = Intervalo de confiança; Ref. = Referência; EPI = Equipamento de Proteção Individual; n e % = Frequência absoluta e relativa.
* A % de fator de risco avaliado, soma de 100% em relação ao total das linhas horizontais.
No que diz respeito ao acesso às medidas de proteção adotadas pelos participantes para evitar a infeção pela COVID-19, na utilização de protetores faciais ou óculos, 100% (n = 7) dos profissionais reportaram a utilização ocasional 100% (n = 7), em comparação com aqueles que usam sempre, conforme recomendado, apresentaram diferenças significativas (p = 0,038), como evidenciado na Tabela 3.
Relativamente à utilização de EPI em procedimentos geradores de aerossóis, 37,5% (n = 36) dos profissionais que realizam a ação sempre, conforme recomendado, tiveram menor risco e testaram negativo para COVID-19 (OR: 1,67 [0,39-7,08]).
No que diz respeito ao desempenho dos cinco momentos de higienização das mãos, 83,3% (n = 10) dos entrevistados mencionaram realizar a ação na maior parte do tempo em vez de sempre, testaram positivo para COVID-19 (p < 0,001; OR: 10,89 [2,24-53,03]; Tabela 3).
Medidas de proteção | COVID-19 positivo n= 40 n (%)* | COVID-19 negativo n= 64 n (%)* | p-valor | OR [IC 95%] |
Uso de luvas simples no atendimento de um paciente COVID-19 Sempre, conforme recomendado Na maioria das vezes Ocasionalmente Raramente | 28 (41,8) 9 (31) 2 (33,3) 1 (50) | 39 (58,2) 20 (69) 4 (66,7) 1 (50) | - 0,32 0,687 0,817 | Ref. 0,63 [0,25-1,58] 0,7 [0,12-4,07] 1,39 [0,08-23,23] |
Uso de protetor facial ou óculos de proteção no atendimento de um paciente COVID-19 Sempre, conforme recomendado Na maioria das vezes Ocasionalmente Raramente | 26 (39,4) 13 (48,1) 0 (0) 1 (25) | 40 (60,6) 14 (51,9) 7 (100) 3 (75) | - 0,437 0,038 0,566 | Ref 1,43 [0,58-3,52] - 0,51 [0,05-5,2] |
Uso de avental descartável no atendimento de um paciente com COVID-19 Sempre, conforme recomendado Na maioria das vezes Ocasionalmente Raramente | 31 (42,5) 6 (37,5) 2 (15,4) 1 (50) | 42 (57,5) 10 (62,5) 11 (84,6) 1 (50) | - 0,715 0,064 0,832 | Ref. 0,81 [0,27-2,48] 0,25 [0,05-1,19] 1,35 [0,08-22,51] |
Remoção e substituição de EPI Sempre, conforme recomendado Na maioria das vezes | 36 (36,7) 4 (66,7) | 62 (63,3) 2 (33,3) | - 0,143 | Ref. 3,44 [0,6-19,75] |
Dificuldade para fazer o uso dos EPIs Sempre, conforme recomendado Na maioria das vezes Ocasionalmente Raramente Nunca | 12 (38,7) 15 (33,3) 6 (50) 5 (38,5) 2 (66,7) | 19 (61,3) 30 (66,7) 6 (50) 8 (61,5) 1 (33,3) | - 0,63 0,5 0,988 0,347 | Ref. 0,79 [0,31-2,05] 1,58 [0,41-6,06] 0,99 [0,26-3,74] 3,17 [0,26-38,84] |
Realização dos cinco momentos de higienização das mãos no atendimento do paciente Sempre, conforme recomendado Na maioria das vezes Ocasionalmente | 28 (31,5) 10 (83,3) 2 (66,7) | 61 (68,5) 2 (16,7) 1 (33,3) | - <0,001 0,2 | Ref. 10,89 [2,24-53,03] 4,36 [0,38-50,08] |
Durante os procedimentos de geração de aerossóis em um Paciente COVID-19, você usou EPI? Sempre, conforme recomendado Na maioria das vezes | 36 (37,5) 4 (50) | 60 (62,5) 4 (50) | - 0,485 | Ref. 1,67 [0,39-7,08] |
Nota. OR = Odds Ratio; IC = Intervalo de confiança; Ref. = Referência; EPI = Equipamento de Proteção Individual; n e % = Frequência absoluta e relativa;
* A % de fator de risco avaliado, soma de 100% em relação ao total das linhas horizontais.
Discussão
Nesta pesquisa, dos 104 profissionais de saúde que participaram, é possível referir que a maioria eram enfermeiros, uma vez que são a classe profissional em maior número no Brasil. Durante a pandemia, os enfermeiros foram dos mais afetados, precisamente porque prestaram cuidados diretos ao doente infetado durante todo o período de internamento.
No entanto, outros profissionais de saúde também testaram positivo. Destaca-se a importância da implementação de medidas de proteção para a segurança dos profissionais de saúde. Num estudo transversal realizado com 408 profissionais de saúde, verificou-se que os enfermeiros foram os mais infetados pela COVID-19 (39,5%), seguidos pelos médicos (6,9%; Ashinyo et al., 2020). Os profissionais de saúde foram expostos a condições de trabalho precárias devido à falta de recursos humanos e de recursos, o que influencia o elevado risco de contaminação.
Relativamente ao sexo, 84,6% eram do sexo feminino, corroborando as conclusões de um estudo brasileiro, no qual, entre os profissionais de saúde que trabalham na pandemia, 80,5% eram mulheres (Oliveira et al., 2021). Assim, o destaque do género feminino no combate à pandemia é evidenciado também numa revisão feita por Morgan et al. (2022), uma vez que as profissões de saúde têm predominância das mulheres.
Na associação de perfil sócio-ocupacional com a contaminação pela COVID-19, identificou-se que a idade média entre os profissionais de saúde que testaram positivo era de 36,2 anos. De forma semelhante, um estudo realizado na Europa, obteve a idade média dos profissionais de saúde afetados pela COVID-19 de 43 anos (Piapan et al., 2022). Estes resultados mostram que a maioria dos profissionais de saúde da pandemia eram jovens. Note-se que, no Brasil, os profissionais de saúde com doenças crónicas não transmissíveis, como: hipertensão, diabetes mellitus, obesidade, asma e mais de 65 anos foram retirados das atividades de trabalho presenciais.
Estes dados reiteram que os profissionais de saúde da linha de frente da luta pandémica são jovens adultos, sugerindo que estão no início da sua atividade profissional. No Brasil, houve um incentivo para a conclusão de licenciaturas médicas e de enfermagem com redução da carga horária nos últimos anos de formação (Mata et al., 2021), para reforçar a força de trabalho dos jovens na luta contra a pandemia.
Outro dado foi que os profissionais de saúde partilharam a residência com pelo menos uma pessoa. A literatura refere este fator como um dos responsáveis pelo aumento da insegurança dos profissionais de saúde, devido à possível contaminação e transmissão às suas famílias, contribuindo para um elevado nível de stress e ansiedade (Paes et al., 2021), o que resultou numa preocupação com a saúde mental dos profissionais de saúde.
Neste estudo, observou-se que 38,5% dos profissionais de saúde tinham ou tiveram COVID-19, sugerindo que as medidas de proteção podem não ter sido utilizadas adequadamente, quer devido à sobrecarga de trabalho, quer pela falta de recursos humanos ou materiais, resultando em contaminação.
Outro resultado obtido foi nos profissionais de saúde que realizaram procedimentos de produção de aerossóis, dos quais 36,7% testaram positivo. Sabe-se que os procedimentos geradores de aerossóis contribuem para a disseminação do SARS-CoV-2, sendo um risco para os profissionais de saúde que trabalham em unidades de cuidados intensivos (UCI). Esta constatação confirma-se, com base em dados da literatura, que referem que os profissionais de saúde que realizaram procedimentos geradores de aerossóis apresentaram um risco 23,8 vezes maior de exposição à infeção (Ashinyo et al., 2020). Esta informação confirma a importância da utilização adequada de medidas de proteção no ambiente de trabalho dos profissionais de saúde e de condições de trabalho seguras.
No que diz respeito às medidas de proteção para COVID-19, os profissionais de saúde que participaram em formação em ambiente hospitalar, especificamente acerca da pandemia, tinham uma menor probabilidade de contaminação.
Um estudo realizado em Wuhan (China), identificou que os profissionais de saúde que receberam formação sobre medidas de proteção, formas adequadas de utilização, entre outras questões relevantes, apresentaram uma redução nas taxas de contaminação (Liu et al., 2020). A aplicação da prática da formação contínua nos serviços de saúde, é uma iniciativa que tem resultados positivos na saúde e segurança no trabalho e na qualidade dos cuidados prestados.
No que diz respeito à oferta de EPI, 59,2% dos profissionais que testaram negativo afirmaram que estavam disponíveis no local de trabalho. No entanto, alguns destes profissionais também adquiriram a infeção, o que sugere que existe a possibilidade de uso inadequado de algumas das medidas de proteção.
De acordo com estudo de Morgan et al. (2022), alguns dos fatores que contribuem para um uso não efetivo de medidas de proteção são, por exemplo, a dificuldade em encontrar EPI do tamanho adequado e a falta de informações sobre a utilização correta destes materiais, resultando em maiores probabilidades de contaminação.
Um estudo realizado no Brasil, mostrou que apenas 15,6% dos profissionais de saúde se consideravam seguros com a utilização de EPI durante a pandemia, o que aumenta as hipóteses de infeção (Oliveira et al., 2021). O risco de contaminação também pode ser influenciado por condições precárias e sobrecarga de trabalho, o que coloca o profissional de saúde numa situação de vulnerabilidade.
Especificamente no que diz respeito ao acesso às medidas de proteção adotadas pelos participantes nos serviços de saúde, no que diz respeito à utilização de EPI nos procedimentos geradores de aerossóis, 37,5% dos profissionais que sempre utilizaram, como recomendado, testaram negativo, o que reforça a importância da utilização de EPI.
Para os cinco momentos de higienização das mãos, 83,3% dos profissionais que reportaram o desempenho na maior parte do tempo, em vez de sempre, como recomendado, apresentaram um teste positivo. Assefa et al. (2021), observou que, do total de 96 profissionais de saúde, 93,8% estavam conscientes da importância da higiene das mãos e 76% tinham boas práticas de higiene durante os cuidados prestados aos doentes. Note-se que a higiene das mãos é necessária não só para prevenir a infecão por COVID-19, mas também para minimizar a contaminação de outras infeções e problemas de saúde.
Entre as limitações desta investigação, destaca-se a técnica da amostragem não intencional e não probabilística e o tamanho da amostra, consequência das condições pandémicas, as quais não permitiram alcançar o número sugerido por cálculo amostral.
Conclusão
Concluiu-se que os resultados alcançados responderam ao objetivo de analisar o uso de medidas de proteção por profissionais de saúde contra COVID-19 e confirmou a questão de associação entre a adesão as medidas de proteção pelos profissionais de saúde e a ocorrência de COVID-19.
Entre as conclusões desta investigação, observou-se que as medidas de proteção, que incluem medidas individuais, coletivas e organizacionais, utilizadas por profissionais de saúde, que apresentaram maior adesão e contribuíram para garantir a segurança aos profissionais de saúde contra a exposição ao COVID-19 e outras doenças de agentes infeciosos foram: a participação de profissionais de saúde na formação oferecida pelos serviços hospitalares, a utilização correta e o fornecimento de EPI, especialmente nos procedimentos geradores de aerossóis, e a realização da higienização das mãos.
Deste modo, afirma-se que a implementação das medidas de proteção e o seu apoio permitem reduzir a exposição dos profissionais de saúde a riscos de contaminação, correspondendo a um menor número de casos de COVID-19. No entanto, é pertinente salientar que, embora estas medidas sejam conhecidas há décadas, continua a existir resistência na sua utilização. Por isso, é importante investir na educação contínua no serviço, melhorando o apoio dos profissionais de saúde a medidas de proteção.
Destaca-se a relevância desta investigação para os profissionais de saúde, prevendo-se que os resultados obtidos ajudem na prática profissional, reforcem a necessidade de utilização de medidas de proteção nos serviços de saúde e apoiem o desenvolvimento de futuras investigações sobre a adesão as medidas de proteção à saúde do trabalhador.