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Revista de Enfermagem Referência

versão impressa ISSN 0874-0283versão On-line ISSN 2182-2883

Rev. Enf. Ref. vol.serVI no.2 Coimbra dez. 2023  Epub 06-Jun-2023

https://doi.org/10.12707/rvi22022 

ARTIGO DE INVESTIGAÇÃO (ORIGINAL)

Estilos de vida dos estudantes do ensino superior: Contributos para a promoção da saúde

Higher education students’ lifestyles: Contributions to health promotion

Estilos de vida de los estudiantes de educación superior: Contribuciones a la promoción de la salud

Maria Margarida Silva Vieira Ferreira1  2 
http://orcid.org/0000-0003-2232-7314

José Manuel Santos2  3 
http://orcid.org/0000-0003-3201-3394

Francisco Sampaio2  3 
http://orcid.org/0000-0002-9245-256X

Maria Teresa Moreira2  3 
http://orcid.org/0000-0002-2554-697X

Assunção Nogueira4  5 
http://orcid.org/0000-0001-5693-242X

Manuela Guerra2  3 
http://orcid.org/0000-0002-0682-695X

Irma Brito6 
http://orcid.org/0000-0002-8825-4923

1 Escola Superior de Saúde Jean Piaget de Vila Nova de Gaia, Porto, Portugal

2 NursID - Innovation & Development in Nursing, Centro de Investigação em Tecnologias e Serviços de Saúde (CINTESIS@RISE), Porto, Portugal

3 Escola Superior de Saúde Fernando Pessoa, Porto, Portugal

4 Cooperativa de Ensino Superior Politécnico e Universitário (CESPU), Instituto Politécnico de Saúde do Norte (IPSN), Porto, Portugal

5 Instituto de Investigação e Formação Avançada em Ciências Tecnologias da Saúde (IINFACTS), Gandra, Portugal

6 Unidade de Investigação em Ciências da Saúde: Enfermagem (UICISA: E), Escola Superior de Enfermagem de Coimbra (ESEnfC), Coimbra, Portugal


Resumo

Enquadramento:

A transição para o ensino superior representa um período de mudança em que o jovem se depara com novas vivências, com implicações no seu estilo de vida.

Objetivo:

Identificar os domínios dos Estilos de vida dos estudantes do ensino superior que necessitam de intervenção.

Metodologia:

Estudo descritivo-correlacional, transversal, com uma amostra de 522 estudantes do ensino superior. Questionário de Estilos de Vida Fantástico. Análise estatística em IBM SPSS Statistics 25.0.

Resultados:

Mediana de idade 22 anos, 78,4% sexo feminino. Dos 522 estudantes, 17,8% excesso peso; 6,3 % obesidade; 14.4% portadores de doença crónica; 35,6% apresentaram Estilos de Vida Muito Bom e 20,1% Estilos de Vida Bom. Destacou-se pela negativa Comportamentos Saúde e Sexual (x-= 8,97/24), Trabalho/Tipo Personalidade (x-= 6,82/12). Há diferenças significativas no score global do questionário (U = 19785,00; p < 0,05) para estudantes as mulheres com melhor Estilo de Vida (x-= 89,16; DP = 12,75); e em função Ano do curso (H = 18,80; p < 0,01).

Conclusão:

A avaliação dos Estilos de Vida permitiu caraterizar os focos de intervenção e orientar intervenções de promoção da saúde.

Palavras-chave: estilo de vida; estudantes; universidade; promoção da saúde

Abstract

Background:

The transition to higher education is a period of change during which students have new experiences that influence their lifestyles.

Objective:

To identify the domains of higher education students’ lifestyles that require intervention.

Methodology:

This cross-sectional descriptive correlational study was conducted with 522 higher education students. The Fantastic Lifestyle Assessment questionnaire was used, and statistical analysis was conducted using the IBM SPSS Statistics software - version 25.0.

Results:

The study participants had a median age of 22, and 78.4% were women. Of the 522 students in the sample, 17.8% were overweight and 6.3% were obese, 14.4% were diagnosed with a chronic disease, 35.6% had Very Good lifestyles, and 20.1% had Good lifestyles. The domains Health and sexual behavior (x-= 8.97/24) and Work/type of personality (x-= 6.82/12) obtained negative scores. Significant differences were found in the questionnaire’s total score (U =19785.00; p < 0.05) when considering the variables Gender, with female students having better lifestyles (x-= 89.16; SD = 12.75) and Course year (H = 18.80; p < 0.01).

Conclusion:

Assessing higher education students’ lifestyles offers the possibility to describe the intervention foci and guide the health promotion interventions.

Keywords: lifestyle; students; university; health promotion

Resumen

Marco contextual:

La transición a la enseñanza superior representa un periodo de cambio en el que los jóvenes se enfrentan a nuevas experiencias con implicaciones para su estilo de vida.

Objetivo:

Identificar los dominios de los estilos de vida de los estudiantes de enseñanza superior que necesitan intervención.

Metodología:

Estudio descriptivo-correlacional, transversal, muestra de 522 estudiantes de enseñanza superior. Cuestionario de estilos de vida Fantástico. Análisis estadístico en IBM SPSS Statistics 25.0.

Resultados:

Mediana de edad de 22 años, el 78,4% del sexo femenino. De los 522 estudiantes, el 17,8% con exceso de peso; el 6,3 % con obesidad; el 14.4% con una enfermedad crónica; el 35,6% presentó estilos de vida muy bueno, y el 20,1% estilos de vida bueno. Salud y comportamento sexual destacó negativamente (x-= 8,97/24), Trabajo/Tipo Personalidad (x-= 6,82/12). Existen diferencias significativas en la puntuación global del cuestionario (U = 19785,00; p < 0,05) para estudantes mujeres con un mejor estilo de vida (x-= 89,16; DP = 12,75) y dependiendo del año del curso (H = 18,80; p < 0,01).

Conclusión:

La evaluación de estilos de vida permitió caracterizar los focos de intervención y orientar las intervenciones de promoción de la salud.

Palabras clave: estilo de vida; estudiantes;universidad; promoción de la salud

Introdução

Envolvendo os diferentes aspetos das atitudes, valores e oportunidades de vida das pessoas (Brito et al., 2016), os estilos de vida (EV) são caracterizados por comportamentos modificáveis que impactam profundamente a saúde das pessoas. Os EV são considerados um dos principais determinantes das doenças crônicas não transmissíveis (DCNT), juntamente com outros fatores, como a genética, o ambiente e as condições socioeconômicas (Direção-Geral da Saúde [DGS], 2017). As DCNTs são doenças de longa duração e progressão lenta, como doenças cardiovasculares, diabetes, câncer e doenças respiratórias crônicas, que são responsáveis por grande parte da morbidade e mortalidade em todo o mundo. EV´s são definidos como formas de agir, pensar e sentir dos indivíduos, constituindo a espinha dorsal da vida e ação humana e o estímulo para a construção e promoção da saúde e do bem-estar (Morais et al., 2019). Segundo a World Health Organization (WHO; 2018), a maioria dos jovens tem um bom nível de saúde, contudo a mortalidade e morbilidade entre os mesmos apresentam ainda valores preocupantes, evidenciando-se a necessidade de reduzir o risco para a saúde.

A transição para o ensino superior constitui um momento de viragem marcante na história dos estudantes (Luna et al., 2018), uma transição que implica a vivência de múltiplas mudanças e a necessária conciliação de motivações e interesses pessoais com novos contextos de vida, ao nível familiar, social e escolar (Guimarães et al., 2017). Os EV dos estudantes do ensino superior assumem uma maior especificidade nesta etapa da vida decorrente da sua relação com diversos fatores, nomeadamente individuais, socioambientais e culturais, adotando caraterísticas muito especificas, tendo maior capacidade de decisão e autonomia sobre a sua forma de viver (Morais et al., 2019). Práticas como alimentação inadequada, sedentarismo, hábitos de consumo de álcool, tabaco e substâncias psicoativas, relações sexuais desprotegidas, acidentes, envolvimento em discussões e exposição a danos físicos são comuns, contribuindo significativamente para perdas na saúde individual, aumento das doenças crónicas e deficiente desempenho académico (Guimarães et al., 2017).

Constituindo os EV um dos principais determinantes da saúde, em particular quando perspetivados em termos de prevenção (Silva et al., 2014; Silva et al., 2015), e sendo os estudantes do ensino superior, pela formação diversificada que procuram, futuros profissionais em diferentes áreas e, eventualmente, decisores políticos com capacidade para influenciar os determinantes sociais da saúde (Morais et al., 2019), urge conhecer cada vez melhor a realidade para que seja possível desenvolver estratégias que visem a promoção de EV saudável.

Enquadramento

Considerando a influência do EV na saúde das pessoas, este constitui uma constante inquietação devido ao impacto na morbilidade, bem-estar, qualidade de vida e mortalidade. Considera-se grupos vulneráveis os estudantes universitários, cujas condutas adquiridas nesta fase de transição de vida se podem estender para outras etapas da vida (Brito, 2018).

No ensino superior a maioria dos estudantes modificam o seu EV e tal poderá dever-se ao afastamento do contexto familiar e ao aumento das responsabilidades e da autonomia para fazer as suas próprias escolhas (Marques, 2017). Para Silva et al. (2014), Silva (2017) e Ferreira et al. (2017), os estudantes vivenciam, com a transição para o ensino superior, várias alterações ao nível do percurso escolar e laboral e noutras dimensões da vida menos conhecidas de um ponto de vista científico. As instituições de ensino superior são um contexto de novas realidades, suscetíveis de reconfigurar os seus círculos sociais, familiares, económicos e culturais, quadros de referência e hábitos de vida. Então, no que se refere ao EV do jovem universitário, este encontra-se perante o risco de adotar comportamentos pouco saudáveis, o que poderá trazer repercussões na sua saúde (Luna et al., 2018).

Neste contexto, foi sentida a necessidade de efetuar uma revisão preliminar da literatura acerca dos estudos sobre EV dos estudantes do ensino superior e que utilizaram o questionário Estilo de Vida Fantástico.

Um estudo realizado por Silva (2017), com 707 estudantes do ensino superior na área da saúde da região Centro de Portugal, sendo 84,0% do sexo feminino, com uma média de idades de 19,1 anos, indicou um EV dos estudantes classificado, em média, como Muito Bom. Nenhum participante apresentou scores abaixo de 46 pontos, 4,1% obtiveram uma classificação de Regular, 13,3% uma classificação de Bom, 61,4% de Muito Bom e 21,2% de Excelente.

Um estudo realizado por Marques (2017), que abrangeu 479 estudantes de uma Instituição de Ensino superior do Interior de Portugal, com média de idade de 22,8 anos (69,3% do sexo feminino e 30,7% do sexo masculino), no qual foi utilizado o questionário de Estilo de Vida Fantástico, concluiu-se que os estudantes apresentavam melhores resultados ao nível dos domínios Família e Amigos, Introspeção, Comportamentos de Saúde e Vida Sexual e Outros Comportamentos. Os resultados apontaram para um EV dos estudantes classificado como Muito Bom. Os estudantes com melhor EV eram os mais jovens, pertencentes ao sexo feminino, casados ou em união de facto, que não tinham mudado de residência para frequentar o ensino superior, que coabitavam com colegas, família, amigos ou namorada(o), pertencentes a agregados familiares com maiores rendimentos, que frequentavam o curso de mestrado, que frequentavam cursos na área da saúde, desporto e educação/comunicação, dos 1º e 3º anos, e que apresentavam valor de Índice de Massa Corporal (IMC) normal.

Finalmente, Morais et al. (2019) realizou um estudo com 291 estudantes do ensino superior, sendo 80,8% do sexo feminino, com média de idades de 22,7 anos. A maioria dos estudantes não trabalhava (67,0%) e mantinha-se na sua residência habitual (55,7%). Os resultados obtidos através do questionário apresentavam tendencialmente um EV classificado como Muito Bom (52,2%). As áreas do EV mais comprometidas incluíam os domínios Trabalho/Tipo de Personalidade, Atividade Física e Associativismo, Nutrição e Sono e Stress, com piores resultados para os estudantes do sexo feminino. Também identificaram nos respondentes do sexo masculino uma área comprometida: Comportamento de Saúde e Sexual. Na análise da influência do sexo nos EV dos estudantes, encontraram diferenças estatisticamente significativas relativamente aos domínios Família/Amigos, Tabaco, Álcool e Droga e Comportamento Sexual, com os estudantes do sexo feminino a obterem maior pontuação e os do sexo masculino a obterem maior pontuação nos domínios Atividade física/Associativismo e Introspeção. Globalmente, apresentaram um EV classificado como Muito Bom.

Os EV entendidos como determinantes da saúde assumem uma relevância acrescida pois são comportamentos com influência direta na saúde das pessoas, mas suscetíveis de serem modificados. Por isso torna-se necessário apostar na prevenção, com a adoção de estratégias educativas e informativas que contribuam para a promoção de estilos de vida saudável. Neste sentido, é necessário atuar sobre fatores modificáveis, reduzindo os comportamentos de risco com impacto nas doenças crónicas (Ministério da Saúde, 2018).

Um dos eixos estratégicos do Plano Nacional de Saúde são as políticas saudáveis, onde a intervenção na promoção da saúde contempla ações multidisciplinares reduzindo os fatores de risco, nomeadamente: tabagismo; obesidade; ausência de atividade física; e abuso de álcool e drogas. Desta forma, fortalecemos a vigilância epidemiológica de todos os condicionantes que possam comprometer a saúde dos estudantes (DGS, 2015).

Optou-se por realizar o estudo numa instituição de ensino superior do Norte do país, objetivando caracterizar os EV dos estudantes e identificar os domínios dos EV que necessitam de intervenção.

Questão de investigação

Quais os domínios dos EV dos estudantes do Ensino superior da região Norte de Portugal que necessitam de intervenção?

Metodologia

Estudo descritivo-correlacional e transversal. A recolha de dados ocorreu durante o mês de setembro de 2019, após aprovação do estudo por parte da Comissão de Ética da Universidade Fernando Pessoa (UFP-13.02.2019) e conduzido de acordo com as diretrizes da Declaração de Helsínquia.

A amostra deste estudo foi constituída pelos estudantes matriculados em várias instituições do ensino superior da região Norte de Portugal. No contexto do presente estudo, a região Norte deve ser entendida como aquela que compreende as sub-regiões do Alto Minho, Alto Tâmega, Área Metropolitana do Porto, Ave, Cávado, Douro, Tâmega e Sousa, e Terras de Trás-os-Montes. Para a seleção da amostra recorreu-se a uma técnica de amostragem não probabilística em bola de neve. O instrumento de recolha de dados foi enviado a alguns estudantes selecionados a partir da lista de contactos dos investigadores, tendo-lhes sido posteriormente requerida a sua participação e posterior envio do instrumento a outros estudantes do ensino superior da sua lista de contactos.

A recolha de dados foi realizada com um instrumento de autorrelato elaborado no Google Forms, tendo sido enviado o link para os participantes selecionados. A primeira página do instrumento era composta pela explicação dos objetivos do estudo, sendo que o participante apenas poderia avançar para as questões caso selecionasse a opção “Declaro ter lido e compreendido o objeto e objetivos do presente estudo, e concordo em participar no mesmo”.

O instrumento de recolha de dados era composto por três partes: a) caracterização sociodemográfica; b) caracterização clínica; e c) questionário Estilo de Vida Fantástico de Silva et al. (2014), para avaliação dos estilos de vida dos estudantes.

A caracterização sociodemográfica visava a recolha de dados relativamente a: sexo; idade; estado civil; nacionalidade; instituição de ensino; ciclo de estudos; curso que frequenta; ano curricular do curso; e mudança de residência aquando do ingresso no ensino superior. A caracterização clínica visava a recolha de dados relativamente às variáveis presença de doença crónica, especificação da doença e Índice de Massa Corporal (IMC). A origem da palavra Fantástico vem do acrónimo FANTASTICO, que representa as letras das designações dos 10 domínios (em língua portuguesa) pelos quais estão distribuídos os 30 itens: “F - Família e amigos” (valor mínimo: 0; valor máximo: 8); “A - Atividade física/associativismo” (valor mínimo: 0; valor máximo: 12); “N - Nutrição” (valor mínimo: 0; valor máximo: 12); “T - Tabaco” (valor mínimo: 0; valor máximo: 8); “A - Álcool e outras drogas” (valor mínimo: 0; valor máximo: 24); “S - Sono e stress” (valor mínimo: 0; valor máximo: 12); “T - Trabalho/tipo de personalidade” (valor mínimo: 0; valor máximo: 12); “I - Introspeção” (valor mínimo: 0; valor máximo 12); “C - Comportamento de saúde e sexual” (valor mínimo: 0; valor máximo: 12); “O - Outros comportamentos” (valor mínimo: 0; valor máximo: 8). Apresenta-se com 10 domínios, cuja função é realizar a avaliação dos comportamentos positivos, intermédios ou negativos face ao estilo de vida. Segundo os referidos autores, os 30 itens do questionário apresentam três opções de resposta, com um valor numérico de 0, 1 ou 2 pontos. O somatório dos pontos obtidos nos 10 domínios é multiplicado por dois (sendo que os valores mínimos e máximos supramencionados para cada domínio já resultam dessa multiplicação), estabelecendo um valor que permite quantificar e categorizar o estilo de vida: Excelente (de 103 a 120); Muito Bom (de 85 a 102); Bom (de 73 a 84); Regular (de 47 a 72); Necessita Melhorar (de 0 a 46). Quanto menor for a pontuação obtida, maior será a necessidade de mudança comportamental. De uma forma geral, os resultados podem ser interpretados da seguinte forma: Excelente indica que o estilo de vida exercerá uma elevada influência sobre a saúde; Muito Bom indica que o estilo de vida exercerá uma adequada influência para a saúde; Bom indica que o estilo de vida trará muitos benefícios para a saúde; Regular significa que o estilo de vida proporciona algum benefício para a saúde, porém apresenta alguns riscos; Necessita melhorar indica que o estilo de vida apresenta muitos fatores de risco (Silva et al., 2014). Os dados também podem ser analisados por item, selecionando as opções assinaladas com 0, comportamento pouco saudável, e 1 comportamento a melhorar. Esta análise permite a identificação dos focos para intervenção.

A análise estatística dos dados foi realizada com recurso ao software IBM SPSS Statistics, versão 25.0. As caraterísticas sociodemográficas e clínicas da amostra foram analisadas quanto à frequência e percentagens para as variáveis qualitativas e quanto às medidas de tendência central (mediana) e de dispersão (desvio-padrão) para as variáveis quantitativas. Para análise estatística inferencial procedeu-se à avaliação da normalidade das distribuições (teste de Kolmogorov-Smirnov). Em função dos resultados, e dado que todas as variáveis do questionário Estilo de Vida Fantástico não apresentaram distribuições normais, recorreu-se à estatística inferencial por via do teste de Mann-Whitney, de Kruskal-Wallis ou do coeficiente de correlação de Spearman. Foi definido um nível de significância estatística de 0,05.

Resultados

A amostra foi constituída por 522 estudantes. A mediana da idade dos participantes foi de 22 anos (considerou-se a mediana ao invés da média devido à existência de respostas que se assumem como outliers). A caraterização sociodemográfica e clínica dos participantes encontra-se apresentada na Tabela 1.

Tabela 1: Caraterização sociodemográfica e clínica dos participantes 

Nota. % = Percentagem; n = Tamanho da amostra; IMC = Índice de Massa Corporal; CESPU = Cooperativa de Ensino Superior Politécnico e Universitário; ISAVE = Instituto Superior de Saúde.

Dos resultados totais relativos à qualidade dos estilos de vida dos estudantes (obtidos tendo por base o score total do questionário Estilo de Vida Fantástico) verifica-se que 22,0% não respondeu à totalidade das questões. Dos que responderam, 11,3% estão no nível Excelente, 35,6% no nível Muito Bom e 0,5% reportam um nível muito baixo.

De entre as dimensões do questionário Estilo de Vida Fantástico, destacou-se pela negativa a dimensão Trabalho/Tipo de Personalidade (média = 6,82; desvio-padrão = 2,79; num máximo de 12; Tabela 2).

Tabela 2: Resultados decorrentes da aplicação do questionário Estilo de Vida Fantástico 

Nota. DP = Desvio-padrão.

Identificou-se uma correlação positiva fraca estatisticamente significativa entre a idade e a dimensão “Comportamento de Saúde e Sexual” (rs = 0,13; p < 0,01), bem como uma correlação negativa fraca estatisticamente significativa entre a idade e a dimensão Outros Comportamentos (rs = -0,10; p < 0,05).

Foram ainda encontradas diferenças estatisticamente significativas, em função do sexo, nas variáveis Família e Amigos, Nutrição, Tabaco, Álcool e Outras Drogas, Sono/Stress, Comportamento de Saúde e Sexual e score total do questionário Estilo de Vida Fantástico (p < 0,05). Assim, em quase todos os domínios do questionário Estilo de Vida Fantástico os scores médios das estudantes do sexo feminino foram superiores aos dos estudantes do sexo masculino. A única exceção verificou-se no domínio Sono/Stress, no qual os estudantes do sexo masculino apresentaram um score médio superior.

Finalmente, foram também encontradas diferenças estatisticamente significativas, em função do ciclo de estudos, na variável Tabaco (U = 9397,00; p < 0,01). Relativamente a este domínio do questionário Estilo de Vida Fantástico, os estudantes de Mestrado apresentaram um score médio superior ao dos estudantes de Licenciatura.

Analisando cada um dos itens (Figura 1), observa-se que há substancial prevalência de comportamentos com potencial de lesar a saúde na área da saúde mental, do consumo de álcool, tabaco e outras drogas (sobretudo medicamentos não receitados), da alimentação e exercício físico. De notar que 48% dos inquiridos referiu que quase nunca realizou exames periódicos de avaliação do estado de saúde.

No que concerne ao score total do questionário Estilo de Vida Fantástico, os resultados obtidos pelas mulheres (média = 89,06; desvio-padrão = 12,94) foram superiores aos obtidos pelos homens (média = 83,80; desvio-padrão = 17,00).

No que concerne ao score total do questionário Estilo de Vida Fantástico foram encontradas diferenças estatisticamente muito significativas entre os estudantes do 1º e do 4º ano (U = 2979,00; p < 0,01), com os estudantes do 4º ano a apresentarem um melhor estilo de vida (média = 93,26; desvio-padrão = 13,41) relativamente aos do 1º ano (média = 87,03; desvio-padrão = 14,48).

Foram encontradas diferenças estatisticamente significativas, em função de ter ou não doença crónica, nas dimensões Nutrição (U = 11766,00; p < 0,01) e Trabalho/Tipo de Personalidade (U = 13847,50; p < 0,05). Assim, os estudantes que não apresentavam doenças crónicas tendiam a apresentar scores médios superiores nestes dois domínios do questionário Estilo de Vida Fantástico. Finalmente, o IMC apresentou correlações negativas estatisticamente significativas com as dimensões Família e Amigos, Nutrição, Trabalho/Tipo de Personalidade, Introspeção e score total do questionário Estilo de Vida Fantástico. Porém, todas estas correlações eram fracas, exceto aquela que se verificou com a dimensão Nutrição (rs = -0,39; p < 0,01).

Figura 1: Prevalência percentual de comportamentos menos saudáveis [0 e 1] do questionário Estilo de Vida Fantástico 

Discussão

Esta investigação pretendeu avaliar os EV em estudantes do ensino superior e compreender a relação entre o perfil de EV e as caraterísticas sociodemográficas e de saúde dos estudantes.

A amostra foi constituída por 522 estudantes de diferentes instituições de ensino superior, maioritariamente a frequentar uma Licenciatura (60,7%). Destes, 41,3% são de cursos da área da Saúde, dos quais 31,8% a frequentar a Licenciatura em Enfermagem. Dados consentâneos com os encontrados no estudo de Silva et al. (2014), o qual afirma que os cursos da área da Saúde são os mais representativos.

Os participantes apresentam uma mediana de idade de 22 anos, de ambos os sexos (78,4%% do sexo feminino). A feminização do ensino superior, encontrada nos estudos de Brito et al. (2016), revelou-se similarmente uma realidade neste estudo.

Apuramos também, que 32% dos estudantes asseveraram ter mudado de residência para frequentar o ensino superior. O facto de parte destes jovens ficarem deslocados da sua família e da comunidade habitual, juntamente com a adaptação ao ensino superior, promove mudanças drásticas na rotina diária, nas práticas quotidianas e possibilita aos jovens a integração em novos círculos sociais, adoção de novos valores de referência, uma margem de ação e decisão sobre si próprio, não conseguindo por vezes manter o equilíbrio desejável de um EV saudável (Luna et al., 2018).

Em relação ao EV, observou-se que 115 estudantes não responderam à totalidade dos itens do questionário, mas foi substancial a prevalência de comportamentos com potencial para terem impacto negativo na saúde dos estudantes. Da análise das respostas que pontuavam em “0” ou “1” detetou-se que 48% dos inquiridos quase nunca realiza exames periódicos de avaliação de estado de saúde. Também se verificaram prevalências superiores a 20% nas áreas de saúde mental, do consumo de álcool, tabaco e outras drogas (sobretudo medicamentos não receitados), da alimentação e exercício físico. Estes resultados coincidem com outros estudos feitos em diversas instituições de ensino superior em 2017 (Brito, 2018). De notar que este questionário possui o potencial de obter informação sobre o resultado das eventuais intervenções, ou seja, constituir-se como indicador de avaliação de eventuais intervenções de mudança comportamental.

Tendo por base o cálculo do Índice de Massa Corporal (IMC), constatou-se que 70,3% evidenciaram peso normal. De salientar que 17,8% dos inquiridos exibiam valores de excesso de peso e 6,3% apresentavam obesidade classe 1, 2 e 3. Do total de inquiridos, 14,4% são portadores de doença crónica. O IMC apresentou correlações negativas estatisticamente significativas com as dimensões Família e Amigos, Nutrição, Trabalho/Tipo de Personalidade, Introspeção e do score total do questionário Estilo de Vida Fantástico. Porém, todas estas correlações eram fracas, exceto aquela que se verificou com a dimensão Nutrição (rs = -0,39; p < 0,01).

De acordo com a DGS (2017), mais de metade da população portuguesa apresenta excesso de peso, o que está diretamente relacionado com o aumento das doenças cardiovasculares e o aumento da diabetes. A ingestão de uma alimentação inadequada encontra-se na raiz da obesidade e é das principais dimensões a atender na promoção da saúde a este grupo populacional.

Foram também encontradas diferenças estatisticamente significativas, em função de ter ou não doença crónica, nas dimensões Nutrição (U = 11766,00; p < 0,01) e Trabalho/Tipo de Personalidade (U = 13847,50; p < 0,05). De acordo com a WHO (2018), os comportamentos de risco representam cerca de 86% das mortes prematuras, tendo por base etiológica um conjunto de fatores relacionados com os EV e com as opções individuais ao longo da vida. Os dados obtidos nesta investigação estão em concordância com a DGS (2015), a qual alude para a importância da obtenção de ganhos em saúde pela adoção de EV saudável, apresentando-se estes como uma oportunidade de influenciar positivamente a saúde sobretudo no que diz respeito às doenças crónicas não transmissíveis.

Atendendo à classificação dos EV proposta por Silva et al. (2014), foi possível classificar o EV dos estudantes em função dos seus comportamentos. Apurámos que a maioria dos inquiridos obtiveram pontuações que permitem classificá-los como tendo um EV Muito Bom (35,6%), seguidos de 20,1% que revelaram um EV Bom, enquanto apenas 11,3% evidencia um EV Excelente e 10,5% um EV Regular. Em contradição com o estudo de Tassini et al. (2017) o qual obteve uma classificação geral de Regular e nenhum participante apresentou pontuação na categoria Muito Bom e Excelente.

No que concerne ao score total do questionário Estilo de Vida Fantástico foram encontradas diferenças estatisticamente muito significativas entre os estudantes do 1º e do 4º ano (U = 2979,00; p < 0,01), com os estudantes do 4º ano a apresentarem um melhor estilo de vida (média = 93,26; desvio-padrão = 13,41) do que os do 1º ano (média = 87,03; desvio-padrão = 14,48). O nível educacional nos estudantes da área da Saúde é um fator elementar na aquisição e transmissão de conhecimentos sobre estilos de vida saudável. Os resultados do estudo indicam que os estudantes do 4º ano da licenciatura perspetivam estilos de vida mais saudáveis do que os estudantes no primeiro ano, indo ao encontro do preconizado pela DGS (2015). Num estudo realizado por Costa et al. (2016) sobre a caracterização dos padrões do consumo do álcool em estudantes da universidade de Aveiro, constatou-se que a frequência do consumo de álcool diminui ao longo dos três anos de licenciatura, dados que podem ser explicados devido aos estudantes utilizarem o álcool como um mecanismo de desinibição e integração, o que pode justificar um valor superior no primeiro ano de licenciatura. Resultados no entanto divergentes com o estudo desenvolvido por Brito et al. (2016), o qual refere que o tempo de permanência na Licenciatura teve influência sobre o EV dos universitários, sendo o EV global pouco saudável, com valores que se agravam desde o ingresso até ao fim da Licenciatura.

O estudo revela ainda uma média geral baixa ao nível da dimensão Trabalho/Tipo de Personalidade (6,82). Identificou-se também uma correlação negativa fraca estatisticamente significativa entre a Idade e a dimensão Outros Comportamentos (rs = -0,10; p < 0,05). Quanto à dimensão Trabalho e tipo de personalidade, Canova-Barrios (2017) menciona que pouco mais da metade dos estudantes referiram sentirem-se felizes ou satisfeitos com a sua atividade diária.

Ao nível das dimensões Sexo versus Família e Amigos, Nutrição, Tabaco, Álcool e Outras Drogas, Sono/Stress, Comportamento de Saúde e Sexual e score total do questionário Estilo de Vida Fantástico, verificaram-se diferenças estatisticamente significativas (p < 0,05). No que respeita ao score total do questionário Estilo de Vida Fantástico, os resultados obtidos pelas mulheres (média = 89,06) foram superiores aos obtidos pelos homens (média = 83,80). Estes resultados são discordantes com os de um estudo realizado por Montenegro e Ruiz (2019), que afirma não se verificarem diferenças percentuais significativas na relação entre sexo e EV. No entanto, Lara et al. (2018) menciona que as mulheres apresentam um EV mais saudável do que os homens, salientando a importância de educar para a saúde em ambiente universitário, ainda mais que para educar os doentes é essencial estarmos convictos do papel primordial do EV na manutenção de uma boa saúde.

Na dimensão Tabaco, Álcool e Outras Drogas, um estudo semelhante em estudantes universitários evidencia um alto consumo de álcool e baixo consumo de substâncias e de bebidas estimulantes como café, refrigerantes ou semelhantes. Alude ainda, um aumento pouco significativo na prevalência de consumo de tabaco (Luna et al., 2018). No nosso estudo foram encontradas diferenças estatisticamente significativas, em função do ciclo de estudos, na variável Tabaco (p < 0,01), onde os estudantes de Mestrado apresentaram um score médio superior ao dos estudantes de Licenciatura. Apesar das várias pesquisas neste âmbito, não foram encontrados estudos que corroborem ou contradigam estes resultados.

Desta forma, os domínios Tabaco, Álcool e Outras Drogas, carecem de ser monitorizados durante o seu percurso no ensino superior para promover ações de intervenção para a saúde, nomeadamente as intervenções breves, que atuem diretamente na prevenção do consumo destas substâncias. Estas devem incidir particularmente nos estudantes de licenciatura.

Importa enfatizar, enquanto limitação do presente estudo, que os procedimentos seguidos na constituição da amostra foram limitados quanto ao controlo dos estudantes incluídos na mesma. Esse facto limita, naturalmente, a interpretação e o potencial de generalização dos resultados, pelo que os mesmos devem ser considerados com prudência.

Durante o processo de ensino aprendizagem do estudante, a saúde escolar deve contribuir para elevar o nível de literacia em saúde, desenvolvendo capacidades de compreensão, gestão e investimento, favoráveis à promoção da saúde e adoção de estilos de vida mais saudáveis (Brito 2018; DGS, 2015a;). Neste sentido, e após diagnóstico de situação, emerge a necessidade de empoderar os jovens para a tomada de decisão face às suas opções de forma a promoverem a adoção de estilos de vida mais saudáveis, tornando-se mais responsáveis, confiantes e habilitados no desempenho dos seus papéis sociais.

Conclusão

Durante a vida universitária, vários fatores interferem na manutenção de práticas saudáveis como hábitos sedentários, padrões de sono e repouso, gestão do stress, hábitos alimentares e consumo de álcool e tabaco, fatores que coadjuvam o aparecimento de doenças crónicas, as quais têm grande impacto na morbilidade, mortalidade, bem-estar e na qualidade de vida.

Observou-se que a maioria dos estudantes percecionou os estilos de vida como Excelente, Muito bom, bom, mas existe ainda uma proporção com algum significado a sugerir a implementação de intervenções conducentes à promoção da saúde destes estudantes, sobretudo nas dimensões mais afetadas, como: saúde mental; consumo de álcool, tabaco, outras drogas e medicamentos não receitados; alimentação; e exercício físico.

Tendo em vista a identificação de relações entre as caraterísticas sociodemográficas/clínicas dos participantes e os seus EV, verificou-se que o tempo de permanência na licenciatura teve influência sobre o EV dos estudantes que participaram neste estudo. Acreditamos que devem ser desenvolvidas políticas públicas de promoção da saúde dentro dos campos universitários visando contribuir para a adoção de comportamentos mais saudáveis entre os estudantes.

Este estudo, para uma instituição de ensino superior que almeja ser um contexto salutogénico, constitui uma das primeiras etapas de um processo de mudança e transformação no âmbito do empoderamento em saúde. Os resultados desta investigação mostram a utilidade de aplicar instrumentos de automonitorização do EV e da necessidade de orientar os estudantes do ensino superior desde o momento do ingresso para comportamentos promotores de estilos de vida saudável. Urge também a disponibilização, por parte das instituições de ensino superior, de programas de intervenção, nomeadamente as intervenções breves de conscientização com o intuito de potenciar e reforçar a adoção de comportamentos salutares e reduzir os comportamentos de risco.

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Como citar este artigo:Ferreira, M. M., Santos, J. M., Sampaio, F., Moreira, M. T., Nogueira, A., Guerra, M., & Brito, I. S. (2023). Estilos de vida dos estudantes do ensino superior: Contributos para a promoção da saúde. Revista de Enfermagem Referência, 6(2), e22022. https://doi.org/10.12707/RVI22022

Recebido: 02 de Março de 2022; Aceito: 15 de Dezembro de 2022

Autor de correspondência Irma da Silva Brito E-mail: irmabrito@esenfc.pt

Conceptualização: Ferreira, M. M., Santos, J. M.

Investigação: Ferreira, M. M., Santos, J. M., Sampaio, F., Moreira, T.

Tratamento de dados: Sampaio, F., Brito, I. S., Nogueira, A.

Análise formal: Ferreira, M. M., Santos, J. M., Sampaio, F., Moreira, T., Brito, I. S.

Validação: Ferreira, M. M., Santos, J. M., Sampaio, F., Moreira, T., Nogueira, A., Guerra, M., & Brito, I. S.

Redação - revisão e edição: Ferreira, M. M., Santos, J. M., Sampaio, F., Moreira, T., Nogueira, A., Guerra, M., & Brito, I. S.

Redação - preparação do rascunho original: Ferreira, M. M., Santos, J. M.

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