Introdução
A necessidade de internamento prolongado em Serviço de Medicina Intensiva (SMI), está associada a fraqueza neuromuscular como resultado adverso para a pessoa, também denominada de fraqueza muscular adquirida em Unidade de Cuidados Intensivos (FMAUCI). A pessoa diagnosticada com FMAUCI apresenta comprometimento funcional grave que pode persistir ao longo do tempo, inclusivamente por anos. No entanto, a literatura científica afirma a existência de uma relação positiva com a reabilitação e a mobilização precoce (Eggmann et al., 2016). Na verdade, só recentemente é que se procurou perceber quais as consequências que o internamento em SMI acarreta na vida da pessoa, pois sobreviver a uma doença crítica é o início de uma jornada variável para a recuperação caracterizada, entre outras dificuldades, por FMAUCI, perda de energia, ansiedade, depressão, fenómenos de stress pós-traumático e declínio cognitivo (Gruther et al., 2017). A recuperação da doença é individual e poucos estudos conseguiram demonstrar uma relação próxima entre as características da doença aguda e o impacte a longo prazo (National Institute for Health and Care Excellence [NICE], 2020).
Portugal tem condições ímpares quando comparado com outros países, uma vez que os enfermeiros especialistas em enfermagem de reabilitação estão presentes na maioria dos SMI e fazem parte integrante da equipa multidisciplinar (Schoeller et al., 2018).
Face ao exposto o objetivo desta investigação é analisar os resultados em saúde na pessoa em situação crítica com diagnóstico de fraqueza muscular adquirida, sensíveis à intervenção de enfermagem de reabilitação.
Enquadramento
Com o aumento da esperança média de vida estima-se que haja um aumento de pessoas com um maior número de comorbilidades e, consequentemente, com necessidade de mais tempo sob tecnologia de suporte vital (Hashem et al., 2016).
A FMAUCI é um problema comum na pessoa internada em SMI, e pode dever-se a distúrbios neuromusculares primários como o síndrome de Guillian Barré, Miastenia Gravis, entre outros. No entanto, estes diagnósticos representam apenas cerca de 0,5% das admissões, sendo a mesma desencadeada como evento secundário quando a pessoa se encontra em situação crítica, não tendo etiologia plausível além da doença crítica e dos tratamentos coadjuvantes (Vanhorebeek et al., 2020). Caracteriza-se por ser tipicamente generalizada, simétrica e afeta os músculos, tanto dos membros (mais proximal do que distal) como respiratórios, enquanto que os músculos faciais e oculares são poupados (Piva et al., 2019). A Medical Research Council (MRC) Scale for Muscle Strength proporciona uma estimativa global da função motora, apontando para FMAUCI clinicamente relevante quando abaixo de 48 valores e fraqueza muscular grave quando abaixo de 36 (Vanhorebeek et al., 2020).
A prevalência da FMAUCI varia amplamente com a população estudada, os fatores de risco presentes na pessoa, o momento da avaliação, o estado funcional geral da pessoa, onde frequentemente é descurada a fragilidade relacionada à idade (Piva et al., 2019). Os fatores de risco identificados podem ser agrupados em fatores de risco não modificáveis, que englobam a gravidade da doença, scores de gravidade de doença elevados, sepsis, falência múltipla de órgãos, lactato sérico elevado, ventilação mecânica prolongada, tempo de internamento em SMI, com maior propensão de atingimento no sexo feminino e na população mais idosa. Os fatores de risco que podem ser modificáveis incluem a hiperglicemia, a administração de nutrição parentérica, terapêutica vasodilatadora, corticoterapia, bloqueadores neuromusculares em infusão com corticoides por um período temporal superior a 48 horas, antibioterapia como os aminoglicosídeos e a vancomicina e sedação prolongada que provoca imobilização (Vanhorebeek et al., 2020).
Em ambiente de SMI o diagnóstico de FMAUCI está associado a piores resultados em saúde na pessoa em situação crítica, estando associada a um aumento do tempo de ventilação mecânica invasiva (VMI), dificuldades no desmame ventilatório com necessidade de reintubação ou traqueostomia, traduzindo-se num aumento de tempo de sedação, maior incidência de delirium, aumento do tempo de internamento em SMI e hospitalar, acréscimo dos custos hospitalares, aumento da mortalidade, diminuição do nível de independência funcional da pessoa e incapacidade de realização das atividades de vida diárias (Eggmann et al., 2016, Vanhorebeek et al., 2020). A perda de massa muscular inicia-se na primeira semana de doença crítica, não existindo nenhum tipo de tratamento específico, sendo a reabilitação precoce sugerida como benéfica (Hashem et al., 2016), sendo esta preconizada até às 72 horas após a admissão da pessoa em SMI e baseada em processos e critérios de segurança (Nydahl et al., 2018).
Questão de investigação
Quais os resultados em saúde sensíveis à intervenção de enfermagem de reabilitação na pessoa em situação crítica com o diagnóstico de fraqueza muscular adquirida?
Metodologia
Foi realizado um estudo quasi-experimental, tendo como contexto um SMI do norte de Portugal. A amostra foi constituída por 80 pessoas, 40 das quais pertencentes ao grupo de controlo (GC) e 40 incluídas no grupo experimental (GE), recorrendo-se a uma amostragem não probabilística por conveniência. Foram definidos os seguintes critérios de inclusão para os grupos: i) idade maior ou igual a 18 anos; ii) internamento em SMI; iii) presença de tubo endotraqueal (TET), ou traqueostomia; iv) presença de VMI por um período ≥ 72h v) diagnóstico de FMAUCI. Por outro lado, estabeleceram-se os seguintes critérios de exclusão: i) presença de fratura da coluna instável ou das extremidades que impossibilitem a mobilização; ii) indicação de limitação de esforço terapêutico (LET); iii) pessoas com critérios para doação de órgãos; iv) pessoas com diagnóstico principal de doença neuromuscular e SARS COV 2 positivo.
Os grupos receberam o mesmo padrão de cuidados de enfermagem de reabilitação, que diferiu em quantidade e frequência consoante o intervalo temporal. O primeiro período temporal foi compreendido entre 1 de outubro de 2018 a 31 de março de 2019, e a intervenção à pessoa por enfermagem de reabilitação era prestada uma vez por dia, de segunda-feira a sexta-feira, correspondendo, neste estudo, ao GC. O grupo experimental, corresponde à segunda fase, com intervalo temporal compreendido entre 1 de outubro de 2021 a 31 de março de 2022, onde o programa de intervenção de enfermagem de reabilitação era realizado duas vezes por dia de segunda-feira a domingo. Considerou-se o mesmo período do ano com o objetivo de controlar o efeito sazonal no que respeita aos diagnósticos clínicos passíveis de causar falência respiratória. O programa de intervenção de enfermagem de reabilitação consistiu em avaliação inicial até às 72 horas pelo enfermeiro especialista, tratando-se de um programa individualizado com metas especificas mediante o diagnóstico da pessoa, tendo uma duração média de uma hora, com progressão de exercícios passivos no leito, para exercícios ativos fora do leito, realizados tendo por base os seguintes princípios: i) nível de consciência, ii) dispositivos ventilatórios, iii) parâmetros de VMI, iv) perfil hemodinâmico, v) tubos e linhas necessárias para o tratamento em SMI. Foram alocados um número de casos equivalentes no GC e no GE, com uma distribuição semelhante nas variáveis: categoria diagnóstica, indicadores de gravidade e carga de trabalho em enfermagem. Os indicadores de gravidade foram mensurados com recurso aos instrumentos Acute Physiology And Chronic Health Evaluation Score II (APACHE II) (Knaus et al., 1981) e Simplified Acute Physiology Score II (SAPS II) (Le Gall et al., 1984), ambos validados para a população portuguesa por Moreno e Morais (1997). No que diz respeito à carga de trabalho em enfermagem, foi avaliado mediante o instrumento Therapeutic Intervention Scoring System-28 (TISS-28; Cullen et al., 1974), igualmente validado para a população portuguesa por Moreno e Morais (1997).
Em ambos os grupos foram analisadas as seguintes variáveis de caracterização: sociodemográficas (idade e sexo), caraterização clínica (categoria diagnóstica), fatores de risco prévio (hipertensão arterial, obesidade, dislipidemia, alcoolismo, doença pulmonar obstrutiva crónica (DPOC), doença osteoarticular degenerativa (DOAD), diabetes mellitus (DM) e tabagismo), índice de gravidade às 24 horas, índice de disfunção orgânica Sequential Organ Failure Assessment (SOFA), avaliado na admissão e alta, e validado num estudo multicêntrico na Europa, onde se incluíram 40 unidades de 16 países, nomeadamente de Portugal (Vincent et al., 1998), nível de Richmond Agitation-Sedation Scale (RASS; Ely et al., 2003), traduzida para a língua portuguesa (Nassar Junior et al., 2008), presença de delirium, número de dias de sedação, número de dias em VMI, número de dias de internamento em SMI e número de dias de internamento hospitalar.
Igualmente foram analisadas as variáveis: transferência (leito/cadeira) e o nível de independência funcional na transferência (leito/cadeira) em ambos os grupos, mensurada através da utilização do instrumento Medida de Independência Funcional (MIF) publicado pelo Data Management Service of the Uniform Data System for Medical Rehabilitation and the Center for Functional Assessment Research (1986), avaliando-se mais detalhadamente a subescala mobilidade/transferência e a força muscular, avaliada com recurso ao instrumento MRC Scale for Muscle Strength (Medical Research Council, 1943), aplicada bilateralmente a 6 grupos musculares. As variáveis nível de independência funcional na transferência (leito/cadeira) e força muscular, foram avaliadas nas 24 horas após suspensão da sedação e aquando da alta. O diagnóstico de FMAUCI foi determinado através do instrumento MRC Scale for Muscle Strength, avaliada duas vezes com intervalo de 24 horas e com uma pontuação inferior a 48 pontos.
Foram respeitados os princípios éticos da autonomia, beneficência, não maleficência e justiça, de forma a serem salvaguardados os direitos dos participantes ao longo do decorrer do processo de investigação. Na sua operacionalização foi elaborado um consentimento informado, livre e esclarecido para a pessoa em situação crítica internada no SMI. Em pessoas em situação crítica, com nível de consciência alterado, com critérios de inclusão no estudo, e na ausência de um represente legal, permaneceu o consentimento presumido. O presente estudo obteve um parecer positivo da Comissão de Ética do Hospital onde foi realizado (parecer n.º 882 de 17 de março de 2022). Foi solicitada autorização aos autores das traduções e/ou validações para a população portuguesa de todos os instrumentos utilizados.
Os dados foram codificados, inseridos e analisados, de forma a garantir e respeitar o anonimato dos participantes, no software informático IBM SPSS® Statistics, versão 25.0. Recorreu-se à estatística descritiva, através do cálculo da frequência absoluta e relativa para as variáveis em estudo. Para a análise inferencial foram utilizados os seguintes teste: teste t de Student , teste de Mann-Whitney, teste de Qui-Quadrado de Pearson ((2) e o teste exato de Fisher. Em toda a análise dos dados, considerou-se como nível de significância p < 0,05 ou intervalo de confiança de 95%.
Resultados
A caracterização sociodemográfica dos participantes do estudo foi efetuada quanto à variável Sexo e à variável Idade. Relativamente à variável Idade, a média foi de 68,7 anos (DP = 11) no GC e 71,7 anos (DP = 9,9) no GE. No sentido de se verificar se os grupos têm idênticas distribuições de idade, procedeu-se ao teste t-Student para amostras independentes (Tabela 1). Não se constataram diferenças estatisticamente significativas para se afirmar que a média de idade do GC é diferente da média de idade do GE (p = 0,204), pelo que não se rejeita a hipótese nula, concluindo-se que não existe diferença significativa em relação à idade entre o GE e o GC.
Variável | Grupos | M ± DP | p |
---|---|---|---|
Idade | GC | 68,7±11 | 0,204 |
GE | 71,7±9,9 |
Nota. GC = Grupo de controlo; GE = Grupo experimental; M = Média; DP = Desvio-padrão, p = Probabilidade de significância.
Quanto à variável Sexo, verificou-se que, em ambos os grupos, a maioria dos participantes pertence ao sexo masculino (60%, n = 24 no GE e 60%, n = 24 no GC), não rejeitando a hipótese, de acordo com o teste estatístico Qui-quadrado ((2), que na distribuição da variável Sexo não existe diferença estatisticamente significativa entre o GC e GE (p = 1,00), como se consta na Tabela 2.
Variável | Categoria | GC | GE | Desvio padrão | Valor do teste χ 2 | gl | p | |||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
n | % | n | % | GC | GE | |||||||
Sexo | Masculino | 24 | 60 | 24 | 60 | 1 | -1 | 0,000 | 1 | 1,00 | ||
Feminino | 16 | 40 | 16 | 40 | -1 | 1 |
Nota. GC = Grupo de controlo; GE = Grupo experimental; n = Frequência absoluta; % = Frequência relativa; (2 = Qui-quadrado; gl = Graus de liberdade; p = Probabilidade de significância.
A caracterização clínica da amostra em estudo foi elaborada quanto às variáveis: Categoria diagnóstica, Fatores de risco prévio, Nível de RASS, Presença de delirium, índices de gravidade/disfunção orgânica/carga de enfermagem no cuidado direto à pessoa em situação crítica e Número de dias de internamento hospitalar. Pela análise da Tabela 3 podemos confirmar que não existem diferenças estatisticamente significativas entre os grupos quanto à distribuição da Categoria diagnóstica, sendo a Categoria médica a mais representativa da amostra (GC = 77,5%; GE = 62,5%). No que respeita a Fatores de risco prévio, não há diferenças significativas para a maioria dos riscos, evidenciando-se a prevalência da HTA e dislipidemia, presentes em cerca de metade da amostra total. No que concerne ao nível de RASS e Presença de delirium 24 horas após a retirada da sedação e à alta do SMI não se observam diferenças estatisticamente significativas.
Variáveis | Categoria | GC | GE | |||
---|---|---|---|---|---|---|
n | % | n | % | p | ||
Categoria diagnóstica | Médica | 31 | 77,5% | 25 | 62,5% | 0,222 |
Cirúrgica urgente | 6 | 15,0% | 11 | 27,5% | ||
Cirúrgica programada | 3 | 7,5% | 4 | 10,0% | ||
Fatores de risco prévio | HTA | 24 | 60,0% | 28 | 70,0% | 0,482 |
Obesidade | 6 | 15,0% | 10 | 25,0% | 0,402 | |
Dislipidemia | 18 | 45,0% | 21 | 52,5% | 0,327 | |
Alcoolismo | 7 | 17,5% | 2 | 5,0% | 0,154 | |
DOAD | 9 | 22,5% | 7 | 17,5% | 0,781 | |
DM | 18 | 45,0% | 11 | 27,5% | 0,165 | |
Tabagismo | 8 | 20,0% | - | - | 0,005 | |
DPOC | 7 | 17,5% | 5 | 12,5% | 0,755 | |
RASS (24h00 após suspensão da sedação) | -2 (sedação leve) | 1 | 2,5% | 1 | 2,5% | 0,129 |
-1 (sonolento) | 17 | 42,5% | 21 | 52,5% | ||
0 (alerta e calmo) | 17 | 42,5% | 17 | 42,5% | ||
+1 (inquieto) | 5 | 12,5% | 1 | 2,5% | ||
RASS (alta do SMI) | 0 (alerta e calmo) | 38 | 95,0% | 38 | 95,0% | 1 |
+1 (inquieto) | 2 | 5,0% | 2 | 5,0% | ||
Presença de Delirium ( 24h00 após suspensão da sedação) | 21 | 52,5% | 17 | 42,5% | 0,502 | |
Presença de Delirium ( alta do SMI) | 6 | 15,0% | 3 | 7,5% | 0,481 |
Nota. GC = Grupo de controlo; GE = Grupo experimental; n = Frequência absoluta; % = Frequência relativa; HTA = Hipertensão arterial; DOAD = Doença osteoarticular degenerativa; DM = Diabetes mellitus; DPOC = Doença pulmonar obstrutiva crónica; RASS = Richmond Agitation Sedation Scale; SMI = Serviço de medicina intensiva; p = Probabilidade de significância.
Na Tabela 4 apresenta-se os índices de gravidade (APACHE II, SAPS II), disfunção orgânica (SOFA), carga de enfermagem no cuidado direto à pessoa em situação crítica (TISS-28) e o número de dias de internamento hospitalar, constatando-se não haver diferenças estatisticamente significativas nas medidas.
Variáveis | GC M ± DP | GE M ± DP | p |
APACHE II | 23,8 ± 9,3 | 19,5 ± 6,8 | 0,070 |
SAPS II | 49,5 ± 12,9 | 45,9 ± 12,3 | 0,793 |
SOFA (admissão) | 9,5 ± 4,7 | 8,4 ± 3,3 | 0,251 |
SOFA (alta) | 3,4 ± 2,3 | 2,4 ± 1,3 | 0,186 |
TISS-28 (admissão) | 38,5 ± 4,7 | 37,2 ± 5,5 | 0,253 |
Número de dias de internamento hospitalar | 36,2 ± 20,1 | 30,2 ± 13,5 | 0,274 |
Nota. GC = Grupo de controlo; GE = Grupo experimental; M = Média; DP = Desvio-padrão; p = Probabilidade de significância; APACHE II = Acute Physiology and Chronic Health Evaluation II; SAPS II = Simplified Acute Physiology Score II; SOFA = Sequential Organ Failure Assessment; TISS-28 = Therapeutic Intervention Scoring System-28.
Com a Tabela 5 podemos analisar os resultados em saúde sensíveis à intervenção de enfermagem de reabilitação na pessoa em situação crítica com FMAUCI.
Quanto à variável transferência (leito/cadeira), verificou-se que a maioria dos constituintes da amostra que realizaram transferência (leito/cadeira) pertence ao GE (87,5% vs. 37,5% no GC), havendo, de acordo com o teste Qui-quadrado ((2), diferenças estatisticamente significativas entre os grupos (p = 0,000). No que respeita à variável nível de independência funcional na transferência (leito/cadeira), avaliada através do instrumento MIF, mais detalhadamente a subescala mobilidade/transferência às 24 horas após a suspensão da sedação verificou-se que o GE apresenta menos incidência de ajuda total (80% vs. 100% no GC), havendo, de acordo com o teste estatístico Qui-quadrado ((2), diferenças entre os grupos (p = 0,005) e na avaliação do nível de independência funcional na transferência (leito/cadeira) na alta do SMI verificou-se que o GE apresenta menos incidência de ajuda total (7,5% vs. 60% no GC), mais ajuda máxima (50% vs. 35% no GC), mais ajuda moderada (30% vs. 5% no GC), assim como ajuda mínima (5%) e supervisão (7,5%), sendo registadas diferenças estatisticamente significativas entre os grupos (p = 0,000).
Variável | Categoria | GC (%) | GE (%) | Desvio-padrão | χ 2 / F | p | |
---|---|---|---|---|---|---|---|
Transferência (leito/cadeira) | Sim | 37,5 | 87,5 | 4,6 | 21,3 | 0,000 | |
Nível de independência funcional na transferência (leito/cadeira) (24h00 após suspensão da sedação) | Ajuda total | 100 | 80 | 3,0 | 8,89 | 0,005 | |
Ajuda máxima | - | 20 | 3,0 | ||||
Nível de independência funcional na transferência (leito/cadeira) (alta do SMI) | Ajuda total | 60,0 | 7,5 | 5,0 | 30,2 F | 0,000 | |
Ajuda máxima | 35,0 | 50,0 | 1,4 | ||||
Ajuda moderada | 5,0 | 30,0 | 2,9 | ||||
Ajuda mínima | - | 5,0 | 1,4 | ||||
Supervisão | - | 7,5 | 1,8 |
Nota. GC = Grupo de controlo; GE = Grupo experimental; (2 = Qui-quadrado; F = Teste de Fisher; p = Probabilidade de significância; SMI = Serviço de medicina intensiva
Pela análise da Tabela 6, podemos analisar as evidências que o GE apresenta uma média de TISS-28 inferior (16,9 vs. 26,9 no GC), constataram-se diferenças estatisticamente significativas (p = 0,000). Relativamente ao número de dias em VMI é registada uma diferença estatisticamente significativa (11,9 dias no GC vs. 8,3 dias no GE; p = 0,00). No que respeita ao número de dias de sedação, verificou-se que o GE tem uma média de dias de sedação inferior (7,4 dias no GE vs.11,8 dias no GC; p = 0,000). A força muscular à data de alta do SMI tende a ser maior no GE (40,8 no GE vs. 35,4 no GC; p = 0,002). O tempo de internamento tende a ser mais longo no GC, sendo evidenciadas diferenças estatisticamente significativas nesta variável (20,4 dias no GC vs. 12,3 dias no GE; p = 0,000).
Variável | Grupos | M ± DP | t /U | p |
---|---|---|---|---|
TISS-28 (alta do SMI) | GC | 26,9±5,3 | 7,4 | 0,000 |
GE | 16,9±6,3 | |||
Dias em VMI | GC | 11,9±4,1 | 424,0 U | 0,000 |
GE | 8,3±5,2 | |||
Dias de sedação | GC | 11,8±4,1 | 4,2 | 0,000 |
GE | 7,4±4,9 | |||
Força muscular | GC | 35,4±8,3 | -3,187 | 0,002 |
GE | 40,8±6,7 | |||
Dias de internamento no SMI | GC | 20,4±10,3 | 3,8 | 0,000 |
GE | 12,3±9,0 |
Nota. GC = Grupo de controlo; GE = Grupo experimental; M = média; DP = Desvio-padrão; t = t-test; U =Teste U de Mann-Whitney; p = Probabilidade de significância; TISS-28 = Therapeutic Intervention Scoring System-28; SMI = Serviço de medicina intensiva; VMI = Ventilação mecânica invasiva.
Discussão
A FMAUCI desenvolve-se durante o internamento da pessoa em situação crítica em contexto de SMI e apresenta-se como uma complicação frequente, estando associada a elevadas taxas de morbilidade e mortalidade, com consequências a longo prazo, além da fase de hospitalização.
Este estudo com design quasi-experimental, evidencia os benefícios com a intervenção de enfermagem de reabilitação precoce, onde os participantes do GE foram alvo de intervenção de enfermagem de reabilitação duas vezes por dia, durante sete dias por semana e consequentemente foi registado um decréscimo nos dias de sedação, o que vai ao encontro aos resultados explanados no estudo controlado e aleatorizado de Eggmann et al. (2018). Foi igualmente registado uma redução dos dias em VMI e dos dias de internamento em SMI no GE, dados que vão ao encontro da revisão sistemática da literatura de Huang et al. (2021), que afirma que a reabilitação precoce pode melhorar a função pulmonar e reduzir o tempo em VMI, assim como diminuir o número de dias em SMI. Na presente investigação verifica-se ainda, que a força muscular avaliada pelo instrumento MRC Scale for Muscle Strength, é superior no GE quando comparado com o GC, e estes dados vão novamente ao encontro dos encontrados na revisão realizada por Huang et al. (2021), onde se confirma que a reabilitação precoce diminui a incidência de FMAUCI na pessoa em situação crítica em VMI, aumentado a força muscular.
No que respeita à carga de trabalho em enfermagem, avaliada através do instrumento TISS-28 à data da alta, verificou-se que a prestação de cuidados de enfermagem de reabilitação, duas vezes por dia durante sete dias por semana, permitiu diminuir o score no GE.
No que concerne às variáveis transferência (leito/cadeira) e nível de independência funcional na transferência (leito/cadeira) a última avaliada pelo instrumento MIF, podemos afirmar que o GE obteve melhores resultados e são diversos os fatores que contribuem para a imobilidade da pessoa em situação crítica, apontados pela evidência científica, como o diagnóstico, a dor, a sedação e fatores relacionados com a própria equipa de enfermagem (Huang et al., 2021; Eggmann et al., 2018;)
No que concerne ao nível de RASS e presença de delirium 24 horas após a suspensão da sedação e à alta do SMI não se observaram diferenças estatisticamente significativas, no entanto, de acordo com Lang et al. (2020) na sua revisão da literatura afirmam que a reabilitação é considerada uma estratégia importante na gestão do delirium.
As principais limitações deste estudo prendem-se com questões metodológicas, nomeadamente por ter sido utilizada uma amostragem não probabilística e de conveniência, sugere-se que a investigação seja replicada em outros SMI de outras instituições num espetro temporal mais alargado, idealmente com uma amostra maior. Por outro lado, regista-se como limitação o intervalo temporal existente entre a intervenção no GC e no GE.
Conclusão
Os cuidados de enfermagem de reabilitação à pessoa em situação crítica podem potenciar a redução da incidência da FMAUCI em SMI, o aumento da força muscular, o aumento da independência funcional e a diminuição dos dias de sedação e de VMI. São necessários programas padronizados de reabilitação precoce para a pessoa em situação crítica com diagnóstico de FMAUCI. Assim, o presente estudo corrobora estudos anteriores registando os benefícios da enfermagem de reabilitação, que com intervenção diária acrescenta qualidade e valor, quer à pessoa, quer à equipa e instituição de cuidados. Por um lado, a enfermagem de reabilitação está numa posição privilegiada, que permite implementar medidas que fomentem uma mudança cultural dentro dos SMI, garantindo que a reabilitação precoce seja adotada e implementada transversalmente e em segurança. Por outro, o envolvimento de todos os stakeholders é necessário e fundamental para o sucesso e resultados na pessoa.
A avaliação da FMAUCI deve fazer parte da avaliação diária da pessoa em situação crítica, sendo este um indicador sensível aos cuidados de enfermagem de reabilitação. Além disso, são necessários mais estudos longitudinais prospetivos que permitam perceber a etiologia da FMAUCI nos sobreviventes de doença crítica, assim como, qual o impacte da FMAUCI na qualidade de vida das pessoas.