Introdução
Desde 2003, a Organização Mundial da Saúde (OMS) alerta para a necessidade de melhorias na atenção às condições crónicas em crianças e adolescentes, reforçando a magnitude da problemática. Ainda assim, faltam guidelines a respeito das características destas condições e das necessidades de cuidados reabilitacionais em saúde e bem-estar. Essa realidade tem dificultado o planeamento das ações, a organização dos serviços de assistência em saúde, e a qualificação de profissionais para o cuidado integral a estas crianças e às suas famílias (Ichikawa et al., 2018; Nóbrega et al., 2017).
A mudança no perfil epidemiológico de morbidade infantil evidenciado pelo aumento das condições crónicas e a necessidade de reorientação dos modelos assistenciais dos serviços de saúde, para atendimento a este público e das suas famílias, é uma realidade mundial (Ichikawa et al., 2018; Nóbrega et al., 2017). Isto porque as condições crónicas não se restringem à doença crónica, mas podem ser determinadas por causas biológicas múltiplas e não biológicas, produzindo perdas de funcionalidades o que exige cuidados contínuo e mudanças nos modos de vida (Nóbrega et al., 2017). Além das repercussões para a própria criança, há evidências de que condição crónica infantil provoca mudanças nos papéis e no funcionamento familiar, em função da sobrecarga, principalmente materna e do cuidador principal, do sofrimento mental, do aumento das necessidades por cuidados e por assistência de serviços de saúde. Aliado a isso, identificam-se a presença de despesas adicionais com tratamentos e terapias, redução de atividades de lazer e autocuidado, conflitos familiares e conjugais mediante as situações de constante tensão (Mendes 2022; Robinson, 2017). Esse conjunto de fatores poderá contribuir para uma experiência familiar disfuncional, que gera ainda mais sofrimento e ruturas.
Para enfrentar este problema, a equipa de Enfermagem tem um papel fundamental no cuidado às crianças, dos seus familiares e cuidador principal, buscando apresentar um plano de cuidados que oriente e apoie este grupo na identificação de recursos, de potencialidades do sistema familiar e no reconhecimento e aceitação das limitações que podem estar presentes (Vaz et al., 2018).
Assim, partimos da premissa que o modo como o cuidador decide sobre o cuidado à criança e o realiza, pode repercutir no funcionamento familiar, favorecendo ou comprometendo o cuidado das crianças.
Considerando o exposto, compreendemos que estudar em profundidade os aspetos relacionados com a gestão familiar, no contexto da condição crónica na infância, poderá contribuir para a sustentação de boas práticas profissionais, principalmente de enfermagem, atentas às necessidades deste grupo, considerando o suporte mais oportuno à sua adaptação. Identificar as mudanças no estilo de gestão no decorrer dos cuidados às crianças sustenta práticas de apoio aos esforços das famílias em incorporar uma gestão positiva da condição crónica nas suas vidas, o que justifica a realização desta pesquisa.
O objetivo deste estudo foi analisar a gestão familiar em situações que envolvem as condições crónicas na infância, à luz do Family Management Style Framework, na perspetiva do cuidador principal.
Enquadramento
A condição crónica infantil pode provocar uma crise que atinge diretamente o cuidador principal, bem como toda a família, comprometendo o seu funcionamento (Ichikawa et al., 2018; Vaz et al., 2018; Silva et al., 2020). Esta reestruturação do modo de vida possui implicações na saúde física e mental dos integrantes deste sistema (Vaz et al., 2018).
Para estudar e intervir no funcionamento familiar, o enfermeiro precisa compreender como acontece a comunicação e os papéis dos integrantes da família, como se configura a parentalidade, o gerenciamento das adversidades e necessidades as tomadas de decisões e como as pessoas da família exercitam a resiliência, a autonomia e o autocuidado (Herzer, 2010). O funcionamento familiar tem se mostrado um poderoso determinante da qualidade de vida e bem-estar de crianças com condições crónicas e, neste sentido, relações adaptativas e ajustamento parental são identificados como desfechos positivos. Em contrapartida, as perturbações na vida familiar têm sido associadas a sobrecarga do cuidador principal, problemas emocionais e de comportamento e dificuldades de adesão aos cuidados em saúde e terapias (Ichikawa et al., 2018; Mendes et al., 2022; Robinson, 2017).
Estudos que se dedicam a analisar como os cuidadores principais realizam a gestão de situações adversas, envolvendo o adoecimento de um dos membros da família, têm contribuído para sinalizar ações a serem adotadas, pelos profissionais de saúde, acerca do cuidado e como tornar o processo mais gerenciável e menos sofrido para o cuidador (Ichikawa et al., 2018; Gesteira et al., 2020; Oliveira et al., 2018).
Questões de investigação
Como se apresenta, na perspetiva do cuidador principal, a gestão familiar em situações que envolvem a criança com condições crónicas?; Quais os estilos de gestão familiar da condição crónica infantil, na perspetiva do cuidador principal?
Metodologia
Estudo qualitativo realizado à luz do referencial teórico e metodológico do Family Management Style Framework (FMSF; Knafl & Deatrick, 2006).
Adotámos o modelo FMSF, uma representação conceptual que permite analisar a resposta familiar à condição crónica de uma criança, incorporando os pontos de vista doa membros individualmente, o que sinaliza os padrões gerais de resposta a situações de adversidade (Knafl & Deatrick, 2006). Este modelo, elaborado no final dos anos 1980, por investigadores norte-americanos (Knafl & Deatrick, 1990; Knalf & Deatrick, 2003; Knafl & Deatrick, 2006; Knalf et al., 2012; Knafl et al., 2021), tem sido adotado em pesquisas de diferentes países, permitindo compreender as respostas das famílias frente às exigências da condição crónica da criança, evidenciando como as famílias foram impactadas e como são as suas trajetórias de ajustamento (Knafl & Deatrick, 1990; Knalf & Deatrick, 2003; Knafl & Deatrick, 2006; Knalf et al., 2012; Knafl et al., 2021). As dimensões consideradas para análises a partir do referencial FMSF adotado nesta investigação são três: Definição da situação (as formas em que a condição da criança é vista pela família, mentalidade de gestão e mutualidade dos pais), Comportamentos de gestão (metas parentais, estratégias e comportamentos ligados ao cuidado de uma criança com doença crónica) e as Consequências percebidas (resultados reais ou esperados da família, da criança e da doença que moldam comportamentos de gestão; Knafl et al., 2012; Knafl et al., 2013).
A investigação foi realizada numa instituição de saúde filantrópica, que presta cuidados à pessoa com deficiência múltipla e intelectual, de um município do estado de Minas Gerais. A instituição é uma organização social sem fins lucrativos, fundada em 1970, e atualmente, presta serviços de assistência à saúde e social à criança com condições crónicas e família. O atendimento ambulatorial prestado é classificado como serviço de especialidade e conta com uma equipa multiprofissional. Os participantes convidados foram os cuidadores principais de crianças até 10 anos de idade, em condições de saúde crónicas, previamente diagnosticadas na colheita de dados, e que utilizavam os serviços oferecidos pela instituição. Cuidadores com compromisso cognitivo não foram convidados para a investigação pois poderiam apresentar dificuldades para responder às perguntas.
A colheita de dados ocorreu de maio a julho de 2021, de forma remota, considerando a recomendação, à época, de distanciamento social para controlo da pandemia de COVID-19. Apesar das limitações que uma colheita de dados remota pode trazer para investigações qualitativas, ficou evidente que esta modalidade de recolha dos dados possui como aspetos favoráveis: maior privacidade dos participantes que estavam em casa, maior flexibilidade de horários para realização das entrevistas, redução com despesas de deslocação dos participantes e investigadores e oportunidade do participante apresentar ideias de forma livre sem inibições com a presença de aparelhos para gravações (Lobe et al., 2020).
Para viabilizar a colheita de dados remota foi providenciada uma conta comercial, um chip específico para a pesquisa, com o qual foi realizado o contato telefónico com os participantes, por meio de aplicativo WhatsApp®. Os contactos das famílias foram fornecidos pela instituição na qual a pesquisa foi realizada. Em seguida, foram enviados convites a todas as famílias usuárias da instituição, totalizando 279 convites para participação na investigação, e após aceitação de participação, enviámos o termo de consentimento l e informado pela aplicação, mantendo o contato para esclarecimentos das dúvidas e agendamento da colheita de dados. Neste momento, os participantes poderiam escolher entre as modalidades de mensagens de áudio, de texto ou chamada telefónica pela aplicação para participação nas entrevistas. Após o envio do convite, 77 cuidadores manifestaram interesse. Desses, participaram respondendo ao guião 38 cuidadores familiares.
Para conhecer melhor as características sociodemográficas das famílias, adotámos um questionário, produzido pelas autoras que possuía questões abertas e fechadas, baseado no Critério de Classificação Económica Brasil (CCEB) da Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa. Posteriormente, os cuidadores responderam a perguntas elaboradas, a partir do FMSF, contendo 25 questões abertas, sobre a visão da família em relação à condição crónica da criança, e apesar da participação na investigação ser do cuidador principal, as perguntas consideravam no seu conteúdo dimensões que permitiram referenciar a família como um todo.
O processo de colheita de dados realizou-se individualmente, a partir de horário agendado com os participantes, respeitando a sua disponibilidade, e os investigadores ficavam conectados o tempo todo da entrevista para esclarecimento de dúvidas sobre as perguntas ou investigação. Cada entrevista durou em média 27 minutos, aproximadamente.
Não foram realizadas novas entrevistas semiestruturadas quando identificámos a saturação teórica dos dados, ou seja, quando o corpo textual dos dados respondia à pergunta de investigação e aos objetivos do estudo (Nascimento et al., 2018). Para identificar a saturação, os dados foram analisados de forma simultânea com a colheita, assim durante o processo de codificação dos dados observou-se, na 38ª entrevista que já existiam dados suficientes para atingir o objetivo proposto na pesquisa. Neste momento, interrompemos novas entrevistas.
Todos os dados, mensagens de texto e áudios, foram transcritos na íntegra para arquivos do aplicativo Microsoft Word, permitindo uma organização das respostas e ainda a codificação da identidade das participantes (F seguido do número sequencial da entrevista, exemplo: F1, F2, e assim por diante) para garantia do anonimato. As transcrições foram realizadas seguidamente às entrevistas com cada participante e após isso as mensagens dos investigadores e dos participantes, contidas nos aplicativos, foram excluídas após transcrições e validação de conteúdo pelos participantes.
Os dados colhidos foram submetidos à Análise Temática do tipo Dedutiva (Braun & Clarke, 2021), e a partir do - FMSF a codificação dos dados foi realizada considerando os seguintes códigos e subcódigos, definidos a priori a partir do referencial FMSF: a definição da situação (identidade da criança, visão da condição, mentalidade de gestão, mutualidade parental); os comportamentos de gestão (filosofia parental, abordagem de gestão) e consequências percebidas (foco familiar, visão do futuro; Knafl & Deatrick, 1990; Knafl et al., 2012). Adotámos também códigos com os estilos de gestão familiar, a saber: família ajustada, família em adaptação, família em luta, família em conflito e família em espera (Knafl & Deatrick, 2003; Mendes-Castillo et al., 2012).
A codificação foi inicialmente aplicada aos dados por dois investigadores de forma independente e, posteriormente, analisada pelo investigador mais experiente. Após alinhamento e esclarecimento das discordâncias, foi feita nova ronda e codificação com nova entrevista, que novamente sinalizou a necessidade de alinhamentos e esclarecimentos concetuais. Na terceira ronda de codificação, o investigador mais experiente identificou congruências em relação aos processos de codificação, o que permitiu que cada investigador pudesse dar sequência ao processo de codificação. Todo o processo de codificação foi feito utilizando o aplicativo Microsoft Excel, para organização dos dados. Durante o processo de análise, as dúvidas que surgiram eram resolvidas em conjunto entre os investigadores.
A pesquisa foi aprovada pelo Comité de Ética da instituição proponente conforme Parecer 4.538.366. Previamente às entrevistas e à aplicação dos questionários sociodemográficos, os participantes concederam autorização para participação mediante assinatura do termo de consentimento informado e Esclarecido.
Resultados
No presente estudo foi possível perceber que a utilização do FMSF possibilitou a compreensão estruturada de como se apresenta a experiência de gestão familiar em situações envolvendo crianças com condições crónicas na perspetiva do cuidador principal. Assim, considerando os estilos de gestão familiar foi possível identificar os padrões de respostas às demandas e as suas repercussões. Na Figura 1 representamos, esquematicamente e de sintética, estas evidências de acordo com o referencial teórico Family Management Style Framework - FMSF, seus códigos e subcódigos (Definição da Situação - Identidade da Criança, Visão da Condição, Mentalidade de Gestão e Mutualidade Parental; Comportamentos de Gestão - Filosofia Parental e Abordagem de Gestão; e Consequências Percebidas - Foco Familiar e Visão de Futuro).
Entre os 38 participantes, 36 eram mães, uma era avó/responsável legal e uma era irmã/responsável legal. Nenhuma delas escolheu a modalidade de chamada telefónica pela aplicação; as 38 entrevistas ocorreram na modalidade de mensagem de texto, onde os participantes da pesquisa tiveram preferência por responder a entrevista por mensagens digitadas, e quatro deles enviaram áudios curtos, de aproximadamente 58 segundos, durante a colheita, seja para explicar melhor as suas respostas, seja para perguntar algo específico sobre alguma questão do questionário.
Relativamente à caracterização das crianças, das 38, 24 do sexo masculino e 14 do sexo feminino e apresentavam as seguintes condições crónicas: autismo (n = 14; 36,8%), atraso no desenvolvimento (n = 7; 18,4%), lesões cerebrais (n = 3; 7,9%), Síndrome de Down (n = 3; 7,9%), epilepsia (n = 2; 5,7%) e outras condições (n = 9; 23,3%).
Sobre a idade dos participantes, 30 (78,9%) tinham entre 20 e 40 anos, sete (18,4%) entre 40 a 50 anos, e uma (2,6%) tinha mais de 50 anos. Sobre a escolaridade identificámos: analfabetismo/ensino fundamental incompleto - duas (5,3%); ensino fundamental completo - 15 (39,5%); ensino médio completo - 15 (39,5%); e ensino superior completo - seis (15,7%).
A condição ocupacional dos cuidadores principais no momento da entrevista eram: do lar (63,1%), professora (7,9%), vendedora (5,7%) e nove possuem ocupações diversas, como operador de telemarketing, psicóloga, manicure, pedagoga, advogada, funcionária pública, instrutora de condução, cabeleireira e técnica de enfermagem (23,3%). Considerando o rendimento do agregado familiar, 31(81,6%) famílias auferem até dois salários mínimos/mensais, cinco (13,2%) de dois a quatro salários mínimos/mensais e duas (5,2%) recebem de quatro a 10 salários mínimos/mensais.
Os resultados das entrevistas semiestruturadas serão apresentados no formato de tabela, contendo o código com uma síntese e os enunciados, ou seja, excertos das entrevistas para cada um dos subcódigos.
Na Tabela 1 são apresentamos resultados acerca dos códigos Definição da situação, Comportamentos de gestão e Consequências percebidas e os respetivos subcódigos Identidade da Criança, Visão da Condição, Mentalidade de gestão e Mutualidade parental; Filosofia parental e Abordagem de gestão; Foco familiar e Visão de Futuro, exemplificando as evidências sobre a perspetiva dos cuidados sobre a gestão das famílias das crianças com condições crónicas no cenário investigado.
A análise dos dados permitiu identificar cinco estilos de gestão no cenário de pesquisa, acerca dos componentes do referencial teórico FMSF: família ajustada, família em adaptação, família lutando, família em conflito e a família em espera. Estes estilos e os dados que permitiram identificá-los estão dispostos na Tabela 2.
Família Ajustada | Enunciados |
---|---|
Neste estilo, os cuidadores veem a criança como qualquer outra e percebem a condição crónica como uma fatalidade que aconteceu, mas que a vida deve continuar apesar disso. | “Não sei descrever porque para mim ele é normal como qualquer outra criança ele faz tudo que os meninos daqui de perto faz, nem parece que ele tem condições crónicas.” (F04) “Graças a Deus, temos conseguido cumprir com todas as agendas, recebemos muito apoio e ajuda do nosso filho mais velho, pais e irmãos.” (F35) |
Família em Adaptação | Enunciados |
O cuidador demonstra um esforço para incorporar os cuidados com a criança às rotinas da família, significando que essa também tem a normalização e ajustamento como temas principais, mas percebe sua situação de forma ainda negativa. | “Para mim é como se eu tivesse que nascer e evoluir de novo.” (F01) |
Família em luta | Enunciados |
Este estilo é caracterizado por dificuldades. O cuidador e membros da família sustenta uma visão pessimista de sua situação. | “Incomodada. Emocional muito abalado. Até hoje.” (F03) “Depois do nascimento que eu descobri. É muita responsabilidade, é 24 horas por conta, às vezes não tenho tempo nem de ir ao banheiro sossegada.” (F06) “O pai. Ele não entende ainda até hoje o que é. Assustado.” (F22) |
Família em Conflito | Enunciados |
Neste estilo, o cuidador percebe a criança como portadora de uma condição muito grave, e como um problema muito sério, ameaçador à vida e à qualidade de vida da criança e família. Sentem-se, frequentemente, sobrecarregados e consideram o cuidado à criança como algo muito pesado. | “Difícil, porque tinha várias expectativas e fui percebendo que ela não fazia o que as outras crianças faziam, me frustrei.” (F05 - Mãe) “É mais difícil para o meu marido. Sinto ainda resistente em alguns aspetos.” (F02 - Mãe) |
Família em Espera | Enunciados |
O sentimento de que a vida está suspensa, em pausa. Cuidador e familiares neste estilo, vêem a criança como alguém que necessita de cuidados especiais e que tem sua qualidade de vida seriamente comprometida por causa da condição crónica. | “A falta de acompanhamento profissional para ele. Mas eu não tenho coragem de tomar iniciativa.” (F29) “A família não aceita e o G. está sem tratamento, porque eles não aceitam.” (F29) |
Discussão
A análise, a partir do referencial FMSF, sinaliza que a definição da situação (Knafl & Deatrick, 1990; Knafl et al., 2012) é caracterizada pela identidade de uma criança diferente, que inicialmente é vista com foco na sua condição de anormalidade ou doença e comparações destas com outras crianças fazem parte da experiência vivida.
A análise revelou que a visão da situação (Knafl & Deatrick, 1990; Knafl et al., 2012) é definida como difícil e sofrida, mas também há crenças e expectativas de melhoras e desenvolvimento da criança. Identificámos ainda, a partir da Mentalidade de gestão (Knafl & Deatrick, 1990; Knafl et al., 2012), que há um planeamento das mudanças a serem realizadas, para o atendimento das necessidades da criança e neste processo a mutualidade entre os pais (Knafl & Deatrick, 1990; Knafl et al., 2012) revelou em algumas situações, uma visão compartilhada e, em outras, uma visão discrepante sobre a criança.
Nas situações que envolvem o diagnóstico da criança com condição crónica, o cuidador principal e a família habitualmente passam, inicialmente, por um sofrimento mental e apresentam dificuldades em lidar com o desconhecido, o novo e o diferente. Os cuidadores participantes desta investigação ao receberem o diagnóstico de condição crónica da criança, têm sentimentos de medo, negação, sacrifício e culpa, caracterizando o modo como eles percebem o momento de descoberta da situação.
Pesquisas sinalizam que quando o cuidador recebe a notícia do diagnóstico e do possível prognóstico da condição crónica da criança, o mesmo vivencia a tristeza e o desespero. Essa revelação constitui-se um episódio de forte impacto emocional, e consequentemente, de ansiedade e medo, devido à impreparação para lidar com a nova condição e medo do desconhecido. Evidenciam-se reações de negação e perda de controle da situação (Gesteira et al., 2020; Vaz, et al., 2018).
Dos comportamentos de gestão (Knafl & Deatrick, 1990; Knafl et al., 2012) encontrados nesta investigação, identificámos uma abordagem caracterizada por atitudes de organizações e reorganizações quootidianas da rotina e de acreditar no potencial da criança. A filosofia parental (Knafl & Deatrick, 1990; Knafl et al., 2012) evidenciou que a família identifica que a criança exige cuidados contínuos e a prioridade, na maioria das situações, é a melhoria da saúde e o desenvolvimento da criança. Portanto, inferimos que há uma avaliação dos cuidadores sobre o quanto eles e as crianças têm desenvolvido uma rotina e estratégias para gerir a condição crónica e inseri-la no seu dia a dia, compatível com as dimensões de filosofia sobre a parentalidade e abordagem de gestão que constituem o FMSF.
Neste estudo ficou evidente que os cuidadores principais, mães na sua maioria, assumem grande parte dos cuidados das crianças, o que determinou uma mudança na sua vida, e a figura paterna, geralmente, colabora menos com os cuidados. Percebemos, ainda, a presença contínua de demais familiares, normalmente amigos e vizinhos, para o suporte ao cuidado à criança.
É preciso reconhecer a sobrecarga da mulher, enquanto mãe, cuidadora, profissional, bem como a alteração dos papéis familiares que precisam mudar dependendo das necessidades de cuidados requeridos pela criança. Tem sido evidente que a maioria das mães precisam abandonar o seu trabalho, adaptar as tarefas domésticas de acordo com o cuidado à criança com condição crónica e realizar adequações nos seus horários e de todo ambiente familiar (Braga et al., 2021; Lebert-Charron et al., 2018).
Os resultados desta pesquisa sinalizam que as estratégias utilizadas pelos cuidadores podem ser assertivas ou não para a gestão familiar e para melhor qualidade de vida, estando diretamente relacionadas com a sociedade/ambiente (Ichikawa et al., 2018). Para alcance dessa meta, os cuidadores informais necessitam de construir o seu próprio significado da condição crónica, como também expandir os conhecimentos e comportamentos relacionados às experiências de convivência com a nova condição (Ichikawa et al., 2018).
Como consequências percebidas (Knafl & Deatrick, 1990; Knafl et al., 2012) pelos cuidadores, sobre a condição crónica da criança, identificamos expectativas, esperança e também inseguranças sobre o futuro. Aliado a isso, o foco familiar é, na maioria das vezes, voltado para o desenvolvimento da criança ao longo do tempo, bem como a aquisição de sua independência e, neste caso, identificamos a satisfação com a forma como o gerenciamento da condição crónica foi incorporada na vida familiar.
Notou-se com os resultados desta investigação que há uma quebra na projeção de sonhos e expectativas de uma criança saudável na família. Gradativamente, o cuidador compreende a condição crónica e aprende a conviver com a mesma, assim podendo resignar-se, dando continuidade à vida pessoal de cada membro e à vida familiar, onde os sentimentos de alegria, ânimo e força para viver e cuidar emergem. Para alguns, a busca por informações acerca da condição crónica da criança torna-se um recurso necessário para conhecê-la, habilitando-se para o cuidado (Ichikawa et al., 2018).
Considera-se por funcionalidade familiar, o modo como o cuidador articula as suas funções essenciais de forma adequada à identidade dos componentes familiares, e de acordo com a realidade que prevalece no seu meio social. Tem sido apontado na literatura que a condição crónica na infância afeta a participação social, a escolaridade, a prática desportiva, o lazer, o relacionamento com os membros da família, as relações grupais e interpessoais e também o status financeiro (Braga et al., 2021; Vaz et al., 2018). A criança com condição crónica e a sua família sofrem um processo de adaptação, assim cada um vivencia esse processo de forma diferente. O que acaba instituindo mudanças em nas suas vidas, propiciando a criação de novas estratégias para adaptações para nova situação (Lebert-Charron et al., 2018; Vaz et al., 2018).
Os resultados da presente investigação apontam que o cuidado a longo prazo e a transição desse cuidado na adolescência e fase adulta é um fator importante, pois constitui uma das preocupações dos cuidadores e das famílias em relação ao futuro da criança com condição crónica. Para tanto, é preciso reconhecer que, para um cuidado integral, deve-se considerar as necessidades da criança e, a partir da rede de cuidados onde ela está inserida, pensar em metas de melhorias de curto, médio e longo prazo, definir quais serão os responsáveis e por quais ações ao longo do tempo (Vaz et al., 2018).
Aliado a isso, os resultados sinalizam que a capacidade de gestão dos cuidadores é menos positiva nas condições em que as crianças com condições crónicas não têm acesso aos benefícios sociais ou governamentais, aos serviços de saúde qualificados e à medicação específica ou em situações de baixa rendimento familiar. Os arranjos familiares sofrem constantes reorganizações, no que diz respeito aos gastos, à renda, ao trabalho e ás necessidades de cuidados à saúde, requerendo assim um reajuste dos rendimentos familiares, das horas de trabalho ou abdicação do mesmo, da necessidade dos apoios públicos e de cuidados de saúde especializados, ocorrendo, assim, um forte impacto financeiro nessas famílias, assim como a capacidade de gestão das mesmas (Vaz et al., 2018).
Em suma, neste contexto, o uso do Family Management Style Framework proporcionou o entendimento da experiência de gestão vivenciada pelos cuidadores informais, assim como os estilos de gestão familiar adotados por eles. Considerando esses estilos estudados, encontramos características e padrões de respostas familiares às necessidades de crianças com condições crónicas, coerentes com os cinco estilos propostos: a) família ajustada, a qual entende a condição crónica como algo normal nas suas vidas, e são confiantes nos seus papéis de gestão da mesma. Os pais apoiam-se mutualmente e o cuidado é direcionado para a normalização da vida familiar; b) família em adaptação, a qual entende a condição crónica como algo em processo de ajuste, mesmo percebendo a situação negativamente. Os pais apoiam-se mutualmente, mas há alternância com períodos de tristeza, imaginando como seria se a condição não tivesse acontecido; c) família lutando, a qual enfrenta dificuldades, caracterizada por uma visão pessimista da sua situação e união de esforços para manter os cuidados com a criança. Os pais tendem a adotar uma postura super protetora e, frequentemente, há discussões sobre a gestão; d) família em conflito, a qual não apresenta concordância entre os pais sobre os comportamentos de gestão em relação à condição crónica. A família sente-se sobrecarregada, considera o cuidado como algo difícil e que a vida nunca poderá ser normal; e) família em espera, a qual sustenta o sentimento de que a vida está em pausa e que a criança com condição crónica tem a sua qualidade de vida comprometida. Os pais podem ou não apoiar-se mutualmente e tendem a adotar postura super protetora, demonstrando comportamento reativo de gestão (Mendes-Castillo et al., 2012).
Reconhecemos que o estilo de gestão pode sofrer mudanças no decorrer do tempo, pois o cuidador principal adquire conhecimentos que desafiam as suas crenças anteriores sobre a condição crónica e dão lugar a novos valores e definições. Ademais, cada família tem sua singularidade, tendendo a manejar a condição crónica de acordo com certos padrões e comportamentos sociais, individuais e/ou culturais, e o conhecimento pode ajudar a desenvolver uma maior compreensão das necessidades dessas crianças e suas famílias.
As limitações do estudo foram em relação à pesquisa remota, que tem como fragilidade a dificuldade em estabelecer com os participantes maior proximidade e sabemos que entrevistas com outros membros da família poderiam trazer evidências adicionais e ampliaria os resultados encontrados.
Conclusão
A capacidade de gestão familiar possui especificidades diferentes para as famílias participantes e elas possuem, inclusive, estilos distintos. Identificámos que, ao longo do tempo, recursos em saúde, ações e comportamentos do cuidador principal e da família são necessários para superar as adversidades quotidianas e que as condições de maior vulnerabilidade podem dificultar o processo de adaptação às situações vivenciadas. A capacidade das famílias em manejar de forma positiva mostra-se dependente dos recursos profissionais, assistenciais e familiares, que compõem a configuração do quotidiano.
As implicações desta investigação para a prática clínica do enfermeiro sinalizam que este precisará identificar os estilos de gestão para conhecer as singularidades das famílias e propôr um cuidado centrado na criança com condição crónica, e não na doença. Isso favorecerá um olhar integral e continuado. Será preciso também identificar as necessidades da criança, do cuidador e da sua família, bem como os recursos disponíveis para o planeamento, implementação e avaliação do cuidado. Esse processo mostra-se fortalecedor da adaptabilidade, ajustamento e funcionalidade familiar e poderá colaborar com o bem-estar e funcionalidade do sistema familiar.
Recomenda-se a realização de estudos aprofundados para identificar novos estilos de gestão familiar, bem como as fragilidades e potencialidades do cuidador principal no cuidado à condição crónica infantil e estratégias de gestão familiar.