Introdução
O burnout relacionado com o trabalho, em ambientes caracterizados por uma intensa atividade interpessoal, mereceu o enfoque em muitas investigações, uma vez que se constitui como uma preocupação para várias organizações, que procuram implementar medidas para a sua redução. As suas consequências podem ser muito graves, quer para os trabalhadores, quer para as instituições, e seus clientes. São descritos na literatura alguns exemplos: a deterioração da qualidade dos cuidados ou dos serviços prestados; a disfunção pessoal; o absentismo; o aumento do consumo de álcool e drogas; os problemas conjugais e familiares (Maslach et al., 2018).O serviço de urgência constitui uma das áreas hospitalares com maior afluência, onde o acesso é irrestrito, com crescente procura de cuidados de saúde, elevado grau de complexidade de assistência e imprevisibilidade, requerendo por parte dos profissionais de saúde, uma capacidade acrescida de integração em ambientes dinâmicos, em multitarefa, em constante alteração, com múltiplas exigências e pressões (Brazão et al., 2016).
A crise pandémica decorrente do vírus SARS-CoV-2 contribuiu para a exposição do papel fundamental dos profissionais de saúde, no alívio do sofrimento e no salvamento de vidas (Silva et al., 2021). Contudo tratando-se de uma emergência de saúde pública, as instituições de saúde sofreram um aumento de pressão na prestação de serviços, atingindo todos os profissionais de saúde e consequentemente um risco acrescido destes desenvolverem o burnout (Oliveira, 2021). Kimura et al. (2021), tendo por base uma revisão integrativa acerca das consequências do burnout em profissionais de enfermagem, salientam que a pandemia da COVID-19 foi responsável por amplificar o número de casos de burnout neste grupo profissional. Este estudo procurou identificar o nível de burnout percecionado pelos enfermeiros do serviço de urgência médico-cirúrgica (SUMC) após a pandemia COVID-19, bem como, analisar a relação entre as pontuações médias das dimensões do burnout e as variáveis sociodemográficas e profissionais.
Enquadramento
Na década de setenta, o psiquiatra Herbert Freudenberger, aquando da sua atividade profissional, foi um dos pioneiros a abordar o burnout, entendido como uma falha, desgaste ou exaustão, decorrente das exigências excessivas de energia, força ou recursos (Freudenberger, 1974). Este autor explorou e descreveu os sinais físicos e comportamentais associados ao mesmo, considerando os primeiros de fácil deteção, como a sensação de exaustão e fadiga, as cefaleias frequentes, as perturbações gastrointestinais, a insónia e a dificuldade respiratória, verificando-se uma envolvência em demasia do somático com as funções corporais. Quanto aos sinais comportamentais, são exemplo, a irritação fácil, o choro fácil, o sentimento de raiva, entre outros (Freudenberger, 1974).
A abordagem do burnout como um risco profissional mereceu a atenção de Maslach e Jackson (1981), numa perspetiva multifatorial, concebendo uma escala para avaliar a mesma, denominada Maslach Burnout Inventory (MBI), para aplicação em profissionais de serviços humanos. Da sua análise resultaram três subescalas que mereceram uma avaliação das suas propriedades psicométricas. O burnout consiste numa síndrome psicológica, caracterizada por uma exaustão emocional, despersonalização e uma reduzida realização pessoal, decorrente do exercício de uma atividade profissional, com implicações ao nível individual e organizacional (Maslach et al., 1996). A exaustão emocional caracteriza-se pela redução ou ausência de energia, redução do entusiasmo, acompanhada por um sentimento de esgotamento dos recursos emocionais. A despersonalização reporta-se a uma resposta insensível e impessoal do profissional (atitude cínica, desumana) para com quem recebe os seus serviços ou cuidados. A diminuição da realização profissional é caracterizada por uma tendência de autoavaliação de forma negativa por parte do trabalhador, manifestada por um sentimento de infelicidade, de insatisfação para com o próprio e em relação ao desempenho com os seus clientes. Gradualmente foram desenvolvidas novas versões do MBI, com base nos distintos grupos profissionais/contextos (Maslach et al., 1996; Maslach et al., 2018).
A Organização Mundial da Saúde integra a síndrome de burnout naClassificação Internacional de Doenças, 11ª revisão(CID-11), reconhecendo-a como doença ocupacional (World Health Organization, 2022). Para além do burnout impactar de forma negativa na qualidade dos cuidados ao paciente (Moss et al., 2016), também acompanha o individuo para contextos sociofamiliares (Rodrigues, 2018).
Ferreira et al. (2015) destacam a importância de se descortinarem as fontes de tensão no trabalho, para se poder intervir na prevenção, como por exemplo, ao nível dos sistemas de trabalho, horários, tempo livre, atividades extratrabalho, entre outros. Costa (2021), numa revisão sistemática da literatura acerca dos fatores potenciadores de burnout em profissionais de saúde durante a pandemia, que trabalhavam na linha da frente em contexto hospitalar, identificou como categorias principais: fatores de risco individuais, laborais, organizacionais e sociais.
Na literatura científica, são comuns os estudos que evidenciam a presença de burnout como um fenómeno global, como o constatado no estudo efetuado por Borges et al. (2021), quando procurou identificar e comparar os níveis de burnout entre enfermeiros portugueses, espanhóis e brasileiros. Nogueira (2016), numa investigação quantitativa, envolvendo uma amostra de 37 enfermeiros a exercerem funções num SUMC da região norte de Portugal, no qual se utilizou o MBI, constatou que a maioria da amostra se enquadrava num nível elevado na dimensão exaustão emocional. Num estudo efetuado por Oliveira (2021), em tempos de pandemia, respeitante a uma amostra de 795 enfermeiros e 151 médicos, integrando instituições de saúde de Portugal Continental e Regiões Autónomas dos Açores e Madeira, relativamente às três dimensões, e tendo por base estudos anteriores, verificou-se um incremento considerável da dimensão exaustão emocional, um aumento na dimensão despersonalização e uma diminuição da realização pessoal.
Questões de investigação
(I) Qual o nível de burnout percecionado pelos enfermeiros do SUMC de uma Unidade Local de Saúde da região norte de Portugal após a pandemia COVID-19?; (II) Qual a relação entre as pontuações médias das dimensões do burnout e as variáveis sociodemográficas e profissionais?
Metodologia
Estudo descritivo, correlacional e transversal, de cariz quantitativo. A população reporta-se aos enfermeiros que prestam cuidados no SUMC de uma Unidade Local de Saúde da região norte de Portugal. Numa população de 79 enfermeiros, recorrendo a uma amostragem não probabilística por conveniência, obteve-se em julho de 2022 uma amostra constituída por 39 enfermeiros. Consideraram-se como critérios de inclusão para o estudo: a) exercer funções num SUMC da região em estudo; b) exercer funções no SUMC em tempo igual ou superior a um ano. Para a recolha da informação recorreu-se a um Instrumento de Recolha de Dados (IRD) - questionário de autopreenchimento, constituído por duas secções. A primeira referente às variáveis independentes - sociodemográficas e profissionais: sexo; faixa etária; estado civil; existência de filhos; habilitações literárias; possuir uma especialização no âmbito da enfermagem; tempo de exercício profissional como enfermeiro; tempo de exercício profissional como enfermeiro no SU; categoria profissional; vinculo profissional; tipo de horário de trabalho; horas de trabalho por dia; acumulação de emprego; perceção acerca da satisfação no local de trabalho; opinião acerca do incremento do cansaço/exaustão com a pandemia. A segunda secção, diz respeito à variável dependente - burnout experienciado, no qual para o avaliar recorreu-se ao Maslach Burnout Inventory-Human Services Survey - MBI-HSS (Maslach et al., 1996). A versão utilizada foi MB-HSS. Esta versão é constituída por 22 itens ordinais, avaliados por meio de uma escala Likert de 0 (nunca) a 6 (todos os dias). Esta escala integra as três dimensões do burnout: exaustão emocional (nove itens); descrença/despersonalização (cinco itens) e realização pessoal (oito itens). Pontuações mais elevadas na dimensão exaustão emocional e na dimensão despersonalização, e pontuações mais baixas na dimensão realização pessoal, refletem valores mais elevados no nível de burnout. Para calcular o score global de burnout, os itens da subescala realização pessoal foram invertidos. No cálculo de todos os scores considerou-se a média de todos os itens relacionados. No estudo de Marôco et al. (2016) efetuou-se uma tradução e adaptação transcultural para Portugal e Brasil do MBI-HSS. Neste estudo a classificação em níveis seguiu a utilizada por Marôco et al. (2016), em que: o nível “sem burnout/burnout reduzido” corresponde a um score inferior a 2, o nível “burnout moderado” corresponde a um score no intervalo [2,3[, e o “burnout elevado” corresponde a um score maior ou igual a 3. Classificação utilizada também no estudo de Borges et al. (2021). A analise dos resultados contemplou a avaliação obtida em cada uma das três subescalas (dimensões), tendo em consideração as pontuações médias obtidas.
Após adquirida autorização à empresa (Mind Garden, Inc) detentora de copyright do instrumento a utilizar, submeteu-se o protocolo de estudo à instituição onde os enfermeiros desempenhavam funções, que reencaminhou para a sua Comissão de Ética, tendo ambos autorizado o processo de recolha de dados (parecer nº47/2022). Assegurou-se a livre participação, a confidencialidade, o anonimato, integrando-se no IRD um pedido de aceitação - consentimento informado.
Visando a caracterização da amostra sociodemográfica e profissional recorreu-se à estatística descritiva - valores de frequência, aquando de variáveis de natureza qualitativa, e da análise da média (M) e desvio padrão (DP), valores máximos e mínimos, aquando de variáveis de natureza quantitativa. Utilizou-se o coeficiente do Alpha de Cronbach para avaliar a consistência interna da escala MBI-HSS, tendo por base as suas três dimensões.
A existência de diferenças estatisticamente significativas entre as pontuações médias em cada uma das três dimensões e as respetivas variáveis independentes, foram avaliadas através de testes paramétricos e não paramétricos. Utilizou-se o teste t-student para comparação de médias entre dois grupos independentes. Quando não cumpridos os pressupostos, utilizou-se o teste Mann-Whitney. Aquando de variáveis constituídas por três ou mais grupos, para comparação de médias, recorreu-se ao teste one-way ANOVA. Quando não cumpridos os pressupostos, utilizou-se o teste Kruskal-Wallis. O pressuposto não cumprido ocorreu ao nível da normalidade dos dados. Para a tomada de decisão quanto à significância dos resultados, adotou-se o nível de significância de 0,05. Para as análises estatísticas recorreu-se ao software IBM SPSS Statistics for Windows (Version 24.0. Armonk, NY: IBM Corp.).
Resultados
Na Tabela 1, apresentam-se as características sociodemográficas da amostra. A amostra é maioritariamente do sexo feminino (n = 33; 84,6%), com uma idade média de 41,44 ± 6,19 anos, grande parte em conjugalidade (82,1% casado/união de facto) e com filhos (76,9%). Relativamente às habilitações literárias, 61,5% (n = 24) possui a licenciatura e 38,5% o mestrado. A maioria da amostra (n = 22; 56,4%) possui uma especialidade em enfermagem.
Variáveis sociodemográficas | n | % | |
---|---|---|---|
Sexo | Feminino | 33 | 84,6 |
Masculino | 6 | 15,4 | |
Faixa etária | Até 40 anos | 19 | 48,7 |
Mais de 40 anos | 20 | 51,3 | |
Min = 31; Max = 56; M ( DP = 41,44 ( 6,19 | |||
Estado civil | Solteiro | 5 | 12,8 |
Casado/União de facto | 32 | 82,1 | |
Divorciado | 1 | 2,6 | |
Viúvo | 1 | 2,6 | |
Existência de filhos | Não | 9 | 23,1 |
Sim | 30 | 76,9 | |
Habilitações literárias | Licenciatura | 24 | 61,5 |
Mestrado | 15 | 38,5 | |
Possuir uma especialização no âmbito da enfermagem | Não | 17 | 43,6 |
Sim | 22 | 56,4 | |
Total | 39 | 100% |
Nota. n = Número de indivíduos da amostra; Min = Mínimo; Max = Máximo; M = Média; DP = Desvio-padrão.
As caraterísticas profissionais dos enfermeiros são apresentadas na Tabela 2. Constata-se que 48,7% (n = 19) da amostra exerce a profissão há mais de 15 anos, sendo o tempo médio de 16,72 ± 6,81 anos. O tempo médio de exercício profissional no SU dos enfermeiros inquiridos é de 11,41 ± 8,20 anos. A maioria (n = 27; 69,2%) são enfermeiros generalistas, 87,2% (n = 34) da amostra possui um vínculo efetivo/permanente com a entidade patronal, 82,1% (n = 32) faz apenas horário rotativo, 89,7% (n = 35) possui um horário de 12h diárias, e 38,5% (n = 15) acumula a atividade profissional no SU com outro emprego. Relativamente à satisfação no local de trabalho, 46,2% (n = 18) enquadra-se na categoria satisfeitos/totalmente satisfeitos e 20,5% (n = 8) na categoria insatisfeitos/totalmente insatisfeitos. Destaca-se que 89,7% (n = 35) da amostra refere um aumento do cansaço/exaustão decorrente da pandemia.
Variáveis profissionais | n | % | |
---|---|---|---|
Tempo de exercício profissional como enfermeiro | Até 15 anos | 20 | 51,3 |
Mais de 15 anos | 19 | 48,7 | |
Min = 6; Max = 30; M ( DP = 16,72 ( 6,81 | |||
Tempo de exercício profissional como enfermeiro no serviço de urgência | Até 10 anos | 22 | 56,4 |
Mais de 10 anos | 17 | 43,6 | |
Min = 1; Max = 30; M ( DP = 11,41 ( 8,20 | |||
Categoria Profissional | Enfermeiro Generalista | 27 | 69,2 |
Enfermeiro Especialista | 12 | 30,8 | |
Vínculo Profissional | Efetivo/Permanente | 34 | 87,2 |
Contrato/Termo | 5 | 12,8 | |
Horário de Trabalho | Horário rotativo | 32 | 82,1 |
Horário fixo | 1 | 2,6 | |
Horário misto | 6 | 15,4 | |
Horas de trabalho por dia | 8 horas | 4 | 10,3 |
12 horas | 35 | 89,7 | |
Acumulação de emprego | Não | 24 | 61,5 |
Sim | 15 | 38,5 | |
Satisfação no local de trabalho | Totalmente insatisfeito | 2 | 5,1 |
Insatisfeito | 6 | 15,4 | |
Nem insatisfeito, nem satisfeito | 13 | 33,3 | |
Satisfeito | 15 | 38,5 | |
Totalmente satisfeito | 3 | 7,7 | |
Aumento do cansaço/exaustão com a pandemia | Não | 4 | 10,3 |
Sim | 35 | 89,7 | |
Total | 39 | 100% |
Nota. n = Número de indivíduos da amostra; Min = Mínimo; Max = Máximo; M = Média; DP = Desvio-padrão.
Na Tabela 3, apresentam-se os coeficientes de consistência interna da escala Maslach Burnout Inventory obtidos para o estudo desenvolvido e os do estudo original (Maslach et al., 1996), assim como para o estudo realizado por Nogueira (2016) que envolveu uma amostra portuguesa de enfermeiros de um SUMC da região norte de Portugal. No presente estudo obtiveram-se valores de alpha de cronbach mais elevados em todas as dimensões, comparativamente ao estudo de Nogueira (2016), e mais elevados nas dimensões exaustão emocional e realização pessoal, comparativamente aos valores obtidos no estudo original.
Dimensões | Alpha (α) de Cronbach | ||
---|---|---|---|
Maslach et al. (1996) | (Nogueira, 2016) | Presente estudo | |
Exaustão emocional (EE) | 0,90 | 0,884 | 0,920 |
Despersonalização (D) | 0,79 | 0,729 | 0,731 |
Realização pessoal (RP) | 0,71 | 0,505 | 0,898 |
Nota. Min = Mínimo; Max = Máximo; M = Média; DP = Desvio-padrão.
Na Tabela 4, apresenta-se o valor mínimo e máximo, a média e o desvio padrão, respeitante às três dimensões da escala MBI-HSS e para o seu score global. Segue-se na figura 1 a distribuição da amostra por níveis de burnout em valores relativos.
Na dimensão exaustão emocional os profissionais de saúde inquiridos apresentam uma pontuação média de burnout de 2,60 ± 1,35. Na despersonalização a pontuação média é de 1,73 ± 1,21 e na realização pessoal (com dados invertidos) é de 2,10 ± 1,25. A pontuação média do score global é de 2,21 ± 0,98 (Tabela 4).
A maioria dos inquiridos (n = 20; 51,3%) encontra-se no nível “sem burnout/burnout reduzido”. De salientar que 20,5% da amostra (n = 8) encontra-se num nível de “burnout elevado”. Tendo por base a distribuição da amostra por níveis em cada dimensão, é na exaustão emocional que se constata uma percentagem mais elevada (35,9%) no nível “burnout elevado”. Em sentido contrário, é na dimensão despersonalização que se constata uma maior percentagem da amostra (56,4%) no nível mais reduzido (Figura 1).
Escala MBI-HSS (dimensões e global) | Min - Max | M | DP |
Exaustão emocional | 0,33-5,56 | 2,60 | 1,35 |
Despersonalização | 0,00-5,00 | 1,73 | 1,21 |
Realização pessoal | 0,13-5,00 | 2,10 | 1,25 |
Total (22 itens) | 0,55-4,41 | 2,22 | 0,98 |
Nota. Min = Mínimo; Max = Máximo; M = Média; DP = Desvio-padrão.
Na Tabela 5, apresentam-se as pontuações médias nas várias dimensões da escala MBI-HSS, bem como os respetivos valores de significância estatística, relativos às variáveis sociodemográficas. O sexo feminino apresenta uma pontuação média mais elevada em todas as dimensões. As diferenças observadas são estatisticamente significativas para as dimensões: exaustão emocional (p = 0,000) e realização pessoal (p = 0,022).
Para as restantes variáveis sociodemográficas, não se descortinam diferenças estatisticamente significativas nas três dimensões, contudo tendo por base as suas pontuações médias, verifica-se que: os enfermeiros que se inserem na classe até aos 40 anos, os enfermeiros com mais habilitações literárias (mestrado), são os que apresentam valores mais elevados nas dimensões exaustão emocional e despersonalização; os enfermeiros que possuem filhos são os que apresentam pontuações mais elevados nas dimensões exaustão emocional e realização pessoal. Os enfermeiros sem cônjuge (solteiros, divorciados e viúvos) e os detentores de uma especialização na área de enfermagem são os que apresentam pontuações mais elevadas em todas as dimensões.
Variáveis | Exaustão emocional | Despersonalização | Realização pessoal | |||||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
M | DP | Valor-p | M | DP | Valor-p | M | DP | Valor-p | ||||
Sexo | ||||||||||||
Feminino | 2,81 | 1,35 | 0,000 | 1,88 | 1,22 | 0,068 | 2,30 | 1,23 | 0,022 | |||
Masculino | 1,43 | 0,47 | 0,90 | 0,87 | 1,04 | 0,74 | ||||||
Faixa etária | ||||||||||||
Até 40 anos | 2,66 | 1,31 | 0,792 | 1,80 | 1,29 | 0,724 | 1,84 | 0,98 | 0,177* | |||
( 40 anos | 2,54 | 1,41 | 1,66 | 1,16 | 2,36 | 1,44 | ||||||
Estado Civil | ||||||||||||
Com cônjuge | 2,56 | 1,39 | 0,723 | 1,64 | 1,07 | 0,557* | 2,02 | 1,21 | 0,359 | |||
Sem cônjuge | 2,76 | 1,23 | 2,14 | 1,78 | 2,50 | 1,46 | ||||||
Existência de filhos | ||||||||||||
Não | 2,52 | 1,30 | 0,848 | 1,82 | 1,49 | 0,933* | 1,85 | 1,03 | 0,492 | |||
Sim | 2,62 | 1,38 | 1,70 | 1,14 | 2,18 | 1,31 | ||||||
Habilitações literárias | ||||||||||||
Licenciatura | 2,54 | 1,28 | 0,737 | 1,63 | 1,41 | 0,208* | 2,24 | 1,26 | 0,393 | |||
Mestrado | 2,69 | 1,48 | 1,89 | 0,83 | 1,88 | 1,24 | ||||||
Possuir uma especialização no âmbito da enfermagem | ||||||||||||
Não (n=17) | 2,32 | 1,27 | 0,267 | 1,45 | 1,40 | 0,071* | 1,85 | 1,17 | 0,264 | |||
Sim (n=22) | 2,81 | 1,39 | 1,95 | 1,03 | 2,30 | 1,30 |
Nota. M = Média; DP = Desvio-padrão; * teste Mann-Whitney; Valor-p = Significância estatística.
Na Tabela 6, apresentam-se as pontuações médias nas várias dimensões da escala MBI-HSS, com valores de significância estatística, relativos às variáveis profissionais. Em termos médios, o burnout é mais elevado em todas as dimensões da escala MBI-HSS, nos enfermeiros que exercem a sua atividade profissional há mais de 15 anos, nos enfermeiros que exercem funções no SU há mais de 10 anos, nos enfermeiros especialistas, nos enfermeiros que não acumulam outros empregos, nos enfermeiros que não fazem apenas horário rotativo (fixo, misto), contudo não se encontraram diferenças estatisticamente significativas na sua relação. Quanto ao vínculo profissional, as pontuações são mais elevadas nos indivíduos com vínculo efetivo na dimensão exaustão emocional e na despersonalização, e menores para a dimensão realização pessoal, resultados sem relação estatisticamente significativa. Relativamente às horas de trabalho por dia, os indivíduos com 12 horas diárias apresentam pontuações mais elevadas na dimensão exaustão emocional e na dimensão despersonalização, resultados com significância estatística.
Relativamente à satisfação no local de trabalho, os enfermeiros que se enquadram na categoria “insatisfeitos” apresentam as pontuações médias mais elevadas em todas as dimensões, enquanto os que se enquadram na categoria “satisfeitos” são os que apresentam as mais baixas. Pela aplicação do teste one-way ANOVA e do teste Kruskal-Wallis, concluiu-se que as diferenças são estatisticamente significativas e através das comparações múltiplas verificou-se que os enfermeiros que se enquadram na categoria “satisfeitos” se distinguem dos demais. Os enfermeiros que consideram que a pandemia acarretou um aumento do cansaço/exaustão, são os que apresentam pontuações médias mais elevadas em todas as dimensões, diferenças com significância estatística para as dimensões exaustão emocional e despersonalização.
Variáveis | Exaustão emocional | Despersonalização | Realização pessoal | |||||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
M | DP | Valor-p | M | DP | Valor-p | M | DP | Valor-p | ||||
Tempo de exercício profissional | ||||||||||||
Até 15 anos | 2,48 | 1,38 | 0,582 | 1,57 | 1,35 | 0,215* | 1,88 | 1,14 | 0,248 | |||
( 15 anos | 2,72 | 1,33 | 1,90 | 1,06 | 2,34 | 1,34 | ||||||
Tempo de exercício como enfermeiro no serviço de urgência | ||||||||||||
Até 10 anos | 2,37 | 1,31 | 0,236 | 1,47 | 1,29 | 0,053* | 2,09 | 1,34 | 0,948 | |||
( 10 anos | 2,89 | 1,37 | 2,06 | 1,05 | 2,12 | 1,17 | ||||||
Categoria profissional | ||||||||||||
Generalista | 2,55 | 1,37 | 0,764 | 1,73 | 1,35 | 0,614* | 1,92 | 1,09 | 0,166 | |||
Especialista | 2,69 | 1,34 | 1,73 | 0,86 | 2,52 | 1,51 | ||||||
Vínculo profissional | ||||||||||||
Efetivo/Permanente | 2,68 | 1,33 | 0,333 | 1,74 | 1,10 | 0,926 | 2,04 | 1,28 | 0,378* | |||
Contrato/Termo | 2,04 | 1,49 | 1,68 | 2,02 | 2,53 | 1,12 | ||||||
Horas de trabalho por dia | ||||||||||||
8 horas | 1,22 | 0,92 | 0,029 | 0,55 | 0,30 | 0,000 | 2,94 | 1,74 | 0,161 | |||
12 horas | 2,75 | 1,30 | 1,86 | 1,21 | 2,01 | 1,18 | ||||||
Acumulação de emprego | ||||||||||||
Não | 2,87 | 1,23 | 0,107 | 1,96 | 1,24 | 0,136 | 2,27 | 1,28 | 0,293 | |||
Sim | 2,16 | 1,45 | 1,36 | 1,11 | 1,83 | 1,19 | ||||||
Horário trabalho | ||||||||||||
Rotativo | 2,53 | 1,35 | 0,531 | 1,66 | 1,17 | 0,462* | 2,06 | 1,27 | 0,644 | |||
Outros (fixo/misto) | 2,89 | 1,40 | 2,06 | 1,45 | 2,30 | 1,22 | ||||||
Satisfação no local de trabalho | ||||||||||||
Insatisfeito | 3,46 | 1,43 | 0,004 | 2,38 | 1,06 | 0,035 | 3,31 | 1,06 | 0,001** | |||
Nem insatisfeito, nem satisfeito | 3,06 | 1,14 | 2,05 | 1,51 | 2,33 | 0,94 | ||||||
Satisfeito | 1,88 | 1,11 | 1,21 | 0,81 | 1,40 | 1,08 | ||||||
Aumento do cansaço/exaustão com a pandemia | ||||||||||||
Não | 0,94 | 0,33 | 0,008 | 0,35 | 0,34 | 0,002* | 1,66 | 1,26 | 0,458 | |||
Sim | 2,78 | 1,29 | 1,89 | 1,18 | 2,15 | 1,26 |
Nota. M = Média; DP = Desvio-padrão; * teste Mann-Whitney; ** teste Kruskal-Wallis; Valor-p = Significância estatística.
Discussão
No que concerne à análise psicométrica da escala, e considerando os critérios de classificação apresentados por Vilelas (2020) relativamente ao alpha de cronbach, nas subescalas exaustão emocional e realização pessoal, verificou-se respetivamente, uma consistência interna muito boa (0,920) e boa (0,898). No que concerne à dimensão despersonalização a consistência é razoável (0,731). Os coeficientes de fidelidade obtidos no estudo atual são superiores aos apresentados pelo estudo realizado por Nogueira (2016), no que respeita às três subescalas. Relativamente ao estudo original, são superiores nas subescalas exaustão emocional e realização pessoal.
Quanto à primeira questão de investigação, verificou-se que 28,2% da amostra possuía um nível de “burnout moderado” e 20,5% um nível de “burnout elevado”. Estes resultados vão ao encontro do estudo de Borges et al. (2021), no qual utilizando como IRD o MBI, em que se procurou identificar e comparar os níveis de burnout entre enfermeiros portugueses, espanhóis e brasileiros, constataram que cerca de 42% da amostra de enfermeiros apresentava níveis moderados/altos de burnout, com resultados muitos semelhantes entre os três países: Portugal - 42%, Espanha - 43%, Brasil - 42%, contudo é de referir que os enfermeiros dessa amostra trabalhavam em distintos locais/serviços e os dados foram recolhidos entre 2016 e 2017. Num estudo efetuado por Faria et al. (2019), numa amostra de 346 enfermeiros de uma região do norte de Portugal, no qual se utilizou como IRD o MBI, constataram que apenas 9,3% se encontrava num nível elevado de burnout, diferença que se pode explicar pelo facto dos dados serem referentes ao período pré-pandémico.
No presente estudo, foi na dimensão exaustão emocional que se constatou uma percentagem mais elevada da amostra (35,9%) no nível “burnout elevado”, enquanto na dimensão despersonalização foi onde se verificou uma maior percentagem da amostra (56,4%) no nível mais reduzido. No estudo de Nogueira (2016), cuja amostra era também maioritariamente do sexo feminino e pertencente à categoria dos casados, com uma idade média de cerca de 39 anos, o autor verificou que a maioria dos enfermeiros se encontrava num nível de burnout elevado para a dimensão exaustão emocional (54,05%) e num nível baixo de burnout para a dimensão realização pessoal (59,46%).
No que concerne à segunda questão de investigação, relativamente às variáveis sociodemográficas, apenas se encontraram diferenças significativas em função do sexo, no qual para as dimensões exaustão emocional (p = 0,000) e realização pessoal (p = 0,022), as enfermeiras apresentavam pontuações mais elevadas. No estudo de Oliveira (2021) encontraram-se de igual forma pontuações mais elevadas na dimensão exaustão emocional por parte do sexo feminino, contudo sem significância estatística. Nesse estudo verificou-se ainda uma significância estatística na dimensão realização pessoal, em que as pontuações médias foram ligeiramente superiores no sexo masculino, corroborando os do presente estudo, atendendo que os dados desta dimensão foram invertidos. Também Kimura et al. (2021) destacaram no seu estudo a maior prevalência do burnout no sexo feminino.
Quanto às variáveis profissionais, verificou-se nalgumas dimensões uma relação estatisticamente significativa em função das horas de trabalho diárias, da satisfação no local de trabalho, e da perceção do aumento da exaustão decorrente da pandemia. Os enfermeiros com um horário de 12 horas diárias (p = 0,029) foram os que evidenciaram pontuações médias mais elevadas na dimensão exaustão emocional. Oliveira (2021) no que concerne a esta dimensão encontrou uma significância estatística em função do tipo de contrato e do horário de trabalho, em que os que possuíam um contrato efetivo, e os que detinham um horário de 8 a 10 horas diárias, foram os que apresentaram pontuações mais elevadas. Neste estudo, quanto à dimensão despersonalização, os enfermeiros com um horário de 12 horas diárias (p = 0,000) foram os que revelaram valores médios mais elevados. No estudo de Oliveira (2021) quanto à despersonalização verificou-se que os indivíduos que possuíam um vínculo de trabalho a termo, em horário rotativo, a trabalhar mais de 10 horas diárias, e a trabalhar em emergência hospitalar, foram os que apresentaram maiores pontuações, dados estatisticamente significativos.
Relativamente à perceção da satisfação no local de trabalho, esta foi a única variável profissional onde se constatou uma significância estatística nas três dimensões do burnout, no qual os enfermeiros que se consideraram satisfeitos no local de trabalho, foram os que manifestaram pontuações médias menores. Para Correia (2020) o burnout tem sido associado ao nível de satisfação profissional no local de trabalho, de forma direta. Sousa (2019) num estudo comparativo entre profissionais de saúde e outros profissionais, no âmbito do burnout, verificou que a satisfação profissional e o burnout se comportam de forma antagónica. As instituições empregadoras têm evidenciado de forma progressiva, uma maior preocupação com a satisfação dos profissionais, na medida que são determinantes para o incremento da produtividade e da qualidade de desempenho, realidade que se adequa aos ambientes hospitalares (Correia, 2020).
Os enfermeiros que responderam afirmativamente quanto ao aumento do cansaço/exaustão decorrente da pandemia, foram os que apresentaram pontuações médias mais elevadas nas três dimensões, com significância estatística para as dimensões exaustão emocional (p = 0.008) e despersonalização (p = 0.002). Relação expectável, face ao conceito que caracteriza o burnout (Maslach et al., 1996), bem como, face aos principais resultados obtidos em estudos do âmbito, em contexto pandémico, como o de Oliveira (2021).
A reduzida amostra aliada à técnica de amostragem utilizada, tornam os resultados como não representativos, não permitindo a extrapolação, contudo permitiram descortinar a realidade de um contexto específico, respeitante a um período que se encontrava já numa fase de maior controlo da pandemia, com desagravamento das restrições.
Conclusão
Este estudo visou identificar o nível de burnout percecionado pelos enfermeiros do SUMC de uma região de Portugal, bem como a sua relação com as variáveis sociodemográficas e profissionais, com base nas pontuações médias obtidas em cada dimensão da MBI-HSS. Tendo por base o nível de burnout calculado em função do score global, no qual se encontraram percentagens consideráveis de “burnout moderado” e “burnout elevado”, refletindo uma preocupação, atendendo às consequências que se podem repercutir ao nível individual e organizacional, de resto como destacado na vasta literatura científica. Quanto às dimensões, foi na exaustão emocional que se verificou a pontuação média mais elevada, enquanto na despersonalização foi onde se verificou a mais baixa. Encontrou-se ainda uma relação estatisticamente significativa nalgumas dimensões, em função do sexo, das horas de trabalho diárias, da satisfação no local de trabalho, e da perceção do aumento da exaustão decorrente da pandemia. Tendo por base os resultados, inerentes a um contexto gerador de múltiplas exigências e pressões, estratégias específicas podem ser adotadas, com verificação à posterior, visando a promoção da saúde ocupacional e o bem-estar dos profissionais de saúde, assente em ações individuais, coletivas e organizacionais, tais como: sessões educativas realizadas por profissionais credenciados que proporcionariam o empoderamento dos enfermeiros para enfrentar muitos dos problemas relacionados com o contexto de trabalho, procurando-se potencializar a sua energia e diminuir a perceção de exaustão; a opção pelo turno diário mais reduzido (de 8 horas), diminuiria o período de tempo de contacto com situações comumente desgastantes/geradoras de stress, para além de permitir maior disponibilidade de tempo diário para dedicar, quer à família, quer a si mesmo (em atividades lúdicas/recreativas, de relaxamento); entre outros. Sugere-se a continuidade da monitorização do burnout em todos os profissionais de saúde, envolvendo amostras representativas e áreas geográficas alargadas, e incluindo novas variáveis a descortinar, tais como: a carga horária semanal efetiva, integrando as horas aquando de acumulação de emprego; a carga e as condições de trabalho; os períodos de férias selecionados; o número de filhos dependentes, estratificado por grupos de idade; o número de familiares dependentes em coabitação (pais/sogros); entre outros. Pretende-se assim identificar com maior precisão as áreas de intervenção a investir, no combate e prevenção desta doença ocupacional, pretendendo-se alcançar percentagens mais elevadas do número de profissionais a integrar a categoria mais reduzida de burnout, em prol da satisfação dos próprios, dos seus clientes e respetiva organização de pertença. Níveis mais diminutos de burnout nas equipas de urgência seguramente contribuirá para a melhoria da prestação de cuidados, mais seguros e de maior qualidade. Face ao exposto, propõe-se a realização de estudos futuros que descortinem a relação entre o nível de burnout dos enfermeiros e a qualidade dos cuidados prestados.