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Revista de Enfermagem Referência

versão impressa ISSN 0874-0283versão On-line ISSN 2182-2883

Rev. Enf. Ref. vol.serVI no.2 Coimbra dez. 2023  Epub 30-Out-2023

https://doi.org/10.12707/rvi22097 

Artigo de Investigação (Original)

Acesso de familiares aos conhecimentos para cuidar em casa de criança com gastrostomia: Estudo qualitativo

Family caregivers’ access to pediatric gastrostomy home care education: A qualitative study

Acceso de los cuidadores familiares a los conocimientos sobre cómo cuidar en casa a un niño con gastrostomía: Estudio cualitativo

Juliana Rezende Montenegro Medeiros de Moraes1 
http://orcid.org/0000-0002-2234-6964

Ana Paula Lopes Pinheiro Ribeiro1 
http://orcid.org/0000-0002-3880-4165

Ivone Evangelista Cabral1 
http://orcid.org/0000-0002-1522-9516

1 Universidade Federal do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, Brasil


Resumo

Enquadramento:

Conhecimento de familiares cuidadores sobre a gestãodo cuidado de crianças com gastrostomia no processo de cuidar.

Objetivo:

Analisar o acesso de familiares cuidadores a conhecimentos sobre como cuidar de crianças com gastrostomia em casa.

Metodologia:

Aplicado a dinâmica corpo-saber do método criativo sensível, com10 familiares de lactentes e pré-escolares, em internamento. Estudo realizado entre junho e dezembro de 2019, em um hospital público do Rio de Janeiro, Brasil. Utilizou-se a análise lexical, do software Iramuteq®.

Resultados:

Cuidadores acederam a duas fontes de conhecimentos na preparação para a alta do internamento. A primeira, treino com orientações e demonstração de procedimentos do campo da ciência de enfermagem. A segunda, observação livre dos cuidados prestados pelos profissionais de saúde. Houve cuidadores que não receberam instruções, demonstrando limitação na preparação para a alta.

Conclusão:

Viver com gastrostomia mobiliza a família para cuidados seguros, dependentes de conhecimentos de enfermagem. Os enfermeiros precisam atentar para às necessidades dos familiares, na continuidade do cuidar em casa.

Palavras-chave: familiares cuidadores; criança; gastrostomia; educação em saúde; enfermeiras

Abstract

Background:

Family caregivers’ information on caring for a child’s gastrostomy at home.

Objective:

To analyze family caregivers’ access to pediatric gastrostomy home care education.

Methodology:

This study used an arts-based creative research method (Dinâmica Corpo-Saber do Método Criativo Sensível) with ten family members of hospitalized infants and preschool-aged children. The study was conducted between June and December 2019 in a public hospital in Rio de Janeiro, Brazil. Lexical analysis was performed using the IRAMUTEQ® software.

Results:

Family caregivers had access to two sources of information to prepare for their children’s hospital discharge. The first was the education received through nurses’ guidance and demonstration of procedures. The second was the caregivers’ observation of health professionals’ care delivery to their children. Some family caregivers received no guidance, showing limitations in discharge preparation.

Conclusion:

Families of children fed via gastrotomy tube must be mobilized to deliver safe care based on nursing knowledge. Nurses must consider family members’ needs regarding the continuity of care at home.

Keywords: caregivers; child; gastrostomy; health education; nurses

Resumen

Marco contextual:

Conocimiento de los cuidadores familiares sobre la gestión de los cuidados de los niños con gastrostomía en el proceso de asistencia.

Objetivo:

Analizar el acceso de los cuidadores familiares a los conocimientos sobre cómo cuidar a los niños con gastrostomía en casa.

Metodología:

Aplicada la dinámica cuerpo-conocimiento del método creativo sensible, con 10 familiares de lactantes y preescolares hospitalizados. Estudio realizado entre junio y diciembre de 2019 en un hospital público de Río de Janeiro, Brasil. Se utilizó el análisis léxico, del software Iramuteq®.

Resultados:

Los cuidadores accedieron a dos fuentes de conocimiento en la preparación del alta hospitalaria. La primera, la formación con directrices y demostración de procedimientos en el campo de la ciencia enfermera. La segunda, la observación libre de los cuidados prestados por los profesionales sanitarios. Hubo cuidadores que no recibieron instrucciones y mostraron limitaciones en la preparación para el alta.

Conclusión:

Vivir con una gastrostomía moviliza a la familia para conseguir unos cuidados seguros, basados en los conocimientos de enfermería. Los enfermeros deben prestar atención a las necesidades de los familiares dentro de la continuidad de los cuidados en el domicilio.

Palabras clave: cuidadores familiares; niño; gastrostomia; educación para la salud; enfermeiras

Introdução

Lactentes e pré-escolares com gastrostomia apresentam necessidades complexas de cuidados para que os familiares satisfaçam as necessidades de alimentação, hidratação, integridade da pele e administração de medicamentos, quando transitam do hospital para casa. A permanência de cuidadores na vida destas crianças requer que eles adquiram conhecimentos sobre cuidados pertencentes ao campo dos fundamentos de enfermagem pediátrica para a manutenção da vida e para assegurar as capacidades e funcionamento corporal (Collliére, 1999). Simultaneamente, estes conhecimentos são essenciais para garantir a implementação de cuidados em condições seguras e que promovam o conforto e bem-estar no dia a dia, para que a família consiga cuidar em casa, com fundamentos e instrumentalização acendidosjunto a enfermagem durante o internamento.

Nos lactentes e pré-escolares que vivem com gastrostomia, as necessidades em saúde são diferenciadas e resultam da presença de um tubo de alimentação implantado cirurgicamente. É indicado para um conjunto amplo de pacientes pediátricos que não conseguem satisfazer as suas necessidades nutricionais de longo prazo sem suplementação, incluindo os que possuem atraso de desenvolvimento neuromotor, com refluxo gastroesofágico intratável ou outros casos de deficit de crescimento (Ribeiro et al., 2022).

Elas precisamde cuidados diferenciadas, específicas e intensas quando comparadas às crianças em geral, exigindo monitorizaçãopela equipa multidisciplinar especializada. Tratam-se de cuidados que associam conhecimentos das ciências de enfermagem com as ciências médicas, da nutrição, da fisioterapia, entre outras.

Lactentes e pré-escolares com gastrostomia como condição existencial fazem parte do conjunto de crianças com necessidades de saúde especiais (CRIANES) (Cabral, et al., 2004), que são assistidos prioritariamente no Sistema Único de Saúde (SUS) brasileiro (Precce et al., 2020). Entretanto, devido à multiplicidade dos cuidados necessários, as CRIANES podem permanecer muito tempo em ambiente hospitalar. Por isso, é necessário considerar a alta hospitalar destas crianças como um processo e uma política de cuidado institucional, possibilitando o acesso aos serviços de saúde, exigindo o planeamento da alta e a preparação adequada dos familiares pelas instituições de saúde, eliminando a dependência do hospital (Góes & Cabral, 2017).

No que respeita ao acesso a informações, sabe-se que quanto mais bem informados, mais tranquilos e seguros estiverem os familiares cuidadores, maior será a sua capacidade de satisfazer as necessidades da criança (Ribeiro et al., 2022). Neste sentido, é necessário repensar a ampliação do acesso à capacitação e instrumentalização de familiares, para que possam cuidar de CRIANES que vivem com gastrostomia, num ambiente domiciliário, sendo este o campo de conhecimento da enfermagem, de preparar para o cuidar os familiares. O uso da tecnologia da gastrostomia pertence ao conhecimento científico da enfermagem, sendo necessário a preparação, capacitação e o acesso a informações para que familiares cuidem com segurança e de modo autónomo (Dipasquale et al., 2022). Os familiares cuidadores com pouco acesso a conhecimentos podem sentir receio, angústia e depressão, o que, em última instância, afeta diretamente a qualidade do cuidado prestado à criança (Broering & Crepaldi, 2018). Diante do exposto, delimitou-se como objetivo: analisar o acesso de familiares cuidadores a conhecimentos sobre como cuidar de crianças com gastrostomia em casa.

Enquadramento

No quotidiano da prática de enfermagem, a educação em saúde é intrínseca ao processo de cuidar, possibilita atransformação ou reconstrução de saberes por meio do acesso ao conhecimento para a implementação do cuidado pelo familiar cuidador (Bazzan et al., 2021).

Neste sentido, entende-se a necessidade de acesso ao conhecimento como uma possibilidade de os familiares tornarem-se sujeitos ativos, críticos e reflexivos no continuum de aprender e capacitar-se para cuidar. Para Freire (2011), toda pessoa é um ser relacional com raízes espaço-temporais cuja tarefa principal é ser sujeito de transformação e não objeto de transformação. A mudança não é exclusiva de algumas pessoas, mas sim daquelas que escolhem a mudança.

Como profissional cujo trabalho impacta diretamente na sociedade, o enfermeiro não pode permanecer neutro no mundo, indiferente aos processos de (des)umanização. Nesse sentido, o papel desse profissional é problematizar a realidade da pessoa para ampliar cada vez mais os seus conhecimentos, por meio da reflexão.

É a necessidade de aprender que mobiliza a pessoa a procurar conhecimento que produza um real sentido no seu viver (Freire, 2011). O lugar da enfermeira é atuar como mediador e faciltador do acesso ao conhecimento num processo ativo que envolve necessidade e reflexão, criando e recriando condições de aprendizagem integrada ao contexto real da vida no mundo.

Se por um lado, há estudos que apontam o acesso de familiares a informações sobre como cuidar da criança com gastrostomia, porém o foco está centrado na funcionalidade e na dependência de outro cuidador para a criança alimentar-se com sonda de alimentação (Dipasquale et al., 2022). Por outro, constata-se pouca ênfase em outras necessidades biopsicossociais, como parte do cuidar na alimentação por sonda toma tempo do familiar cuidador, afastando-a de outras atividades sociais da criança e sua família (Berman et al., 2022). Portanto para a prática de cuidados de enfermagem deve capacitar, treinar e assegurar o acesso a conhecimentos dos familiares para cuidar em casa, em uma dimensão ampliada, promovendo melhor qualidade de vida da criança e seu cuidador, baseado na pedagogia do cuidado (Freire,2011).

Questão de investigação

De que forma os familiares cuidadores acedem a conhecimentos sobre como cuidar de lactentes e pré-escolares que vivem com gastrostomia, em casa?

Metodologia

Abordagem qualitativa desenvolvida com recurso ao método criativo sensível, cuja prática grupal é mediada pela arte produzida no espaço da dinâmica de criatividade e sensibilidade (DCS), da discussão coletiva e observação participante. O investigador é o animador cultural e tem a função de manter os participantes ativos na produção de dados por uma produção do tipo artística gerada numa DCS (Cabral & Neves, 2016).

Na DCS Corpo Saber, os participantes respondem uma questão geradora de debate preenchendo com palavras-chaves na silhueta de um corpo vazio desenhado numa folha de papel A3. Esta conceção metafórica de corpo é uma ressignificação de corpo de conhecimento sobre cuidados, que vai sendo gradualmente preenchido para constituir uma produção artística (Ribeiro et al., 2022).

Tal como previsto pelo método, a DCS foi separada em cinco momentos. No primeiro, decorreu a apresentação de cada participante e investigador de campo, exposição do material a ser utilizado na atividade (folha de papel A3 com o desenho da silhueta do corpo de uma criança e canetas coloridas), a explicação sobre o que seria feito no encontro, a enunciação apresentação da questão geradora de debate: “De que forma cuidam das crianças com gastrostomia, quando estão em casa?” No segundo momento, os participantes recorreram à escrita ou desenho para gerar uma produção artística única. No terceiro e quarto momentos, expuseram o que estava registado no corpo, justificando as suas escolhas, e refletiram sobre os temas emergentes do conjunto da produção. No último momento, recodificaram sob a forma de síntese temática.

Para a realização da DCS, os cinco encontros decorreram entre julho e dezembro de 2019, com duração aproximada de uma hora gravada em aparelho digital, totalizando aproximadamente cinco horas. Cada encontro contou com a participação de familiares cuidadores brasileiros que representam diferentes grupos familiares, gerando cinco produções artísticas coletivas que foram objeto de discussão em grupo.

Estabeleceram-se os seguintes critérios de inclusão: ser familiar maior de 18 anos, ser o cuidador principal experiente e com papel ativo no cuidado de CRIANES lactentes e pré-escolares com gastrostomia e que fosse capaz de comunicar-se oralmente. Excluíram-se familiares cujas CRIANES com gastrostomia se encontravam hospitalizadas e não tinham acumulado experiência de cuidar delas no ambiente da casa. Antes de cada encontro, aplicou-se um instrumento com informações sociodemográficas para a caracterização do familiar cuidador e da criança. Foram convidados a participar na investigação 20 familiares cuidadores, de lactentes e pré-escolares, que cumpriam os critérios de inclusão. Destes, 10 cuidadores (n=10) participaram efetivamente da investigação.

A investigação foi realizada no ambulatório de pediatria clínica de um hospital da rede de atenção de média e alta complexidade do Sistema Único de Saúde na cidade do Rio de Janeiro, Brasil. Trata-se de um hospital geral com atendimento especializado para procedimentos cirúrgicos eletivos na infância.

O material empírico foi submetido à análise lexical em três etapas, a pré-análise, a análise e a inferência e interpretação. A etapa da pré-análise foi realizada em duas fases. Na primeira, preparou-se o corpus textual e na segunda processaram-se os dados com auxílio do software francês Iramuteq® (Interface de R pour lês Analyses Multidimensionnelles de Textes et de Questionnaires) de análise lexical. Considera-se um bom aproveitamento de Unidade de Contexto Elementar (UCE), o índice de 75% ou mais. (Brigido et al., n.d.)

Para o reconhecimento do corpus textual pelo software, adotaram-se as ferramentas underline (_) para a unificação de palavras que formassem sentido no diálogo dos familiares. Separaram-se as linhas de comando segundo as variáveis apresentadas por códigos específicos (tipo de cuidador, idade, escolaridade, tempo de gastrostomia). Iniciou-se cada linha de comando com quatro asteriscos (****), seguida de espaço, mais um asterisco (*), da seguinte forma: familiar participante (mãe_crianes_nº), espaço, mais um asterisco (*), idade (id_nº), espaço, mais um asterisco (*), escolaridade (esc_nº) e espaço, mais um asterisco (*), tempo de gastrostomia (tg_nº). Como exemplo destaca-se: **** *mãe_crianes_1 *id_4 *esc_6 *tg_3

Para o interesse dessa análise, elegeu-se a análise fatorial de correspondência a partir da Classificação Hierárquica Descendente (CHD) (Kami et al., 2016). Na CHD, o software analítico calculou os léxicos de maior repetição, e identifica segmentos textuais com maior representatividade em cada classe textual (corpus em cor). Assim, cada classe é composta por segmentos textuais agrupados em função da classificação e pela distribuição do vocabulário (formas) destes segmentos de texto. Ao processar os textos, executam-se cálculos cujos resultados são sistematizados por classes, principalmente, pelo seu vocabulário característico (léxico) e pelas suas variáveis (palavras com asterisco).

A validade interna dos dados foi assegurada pela análise dos dados no grupo de pesquisa “Crianças com necessidades especiais de saúde” do Conselho Nacional de Pesquisa do Brasil (CNPq), o qual as pesquisadoras estão vinculadas e é composto por pesquisadores experientes em abordagem qualitativa. As entrevistas após transcritas sofreram dupla verificação na preparação do corpus textual, na garantia do anonimato, confiabilidade e viabilidade dos dados, e antes de serem inseridas para análise do software.

Por se tratar de um estudo qualitativo, a redação do presente artigo seguiu checklist de recomendações dos Critérios Consolidados de Relato de Pesquisa Qualitativa (COREQ).

A investigação cumpre as diretrizes éticas da Resolução n.º 466, de 12 de dezembro de 2012 e da Resolução n.º 580, de 22 de março de 2018, ambas do Conselho Nacional de Saúde do Brasil. O projeto foi aprovado pelos Comités de Ética da instituição proponente, a Escola de Enfermagem Anna Nery, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Brasil, segundo o parecer n.º 3.236.884/2019 e da coparticipante, segundo o parecer n.º 3.399.703/2019. Todos os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre Esclarecido antes da realização dos encontros.

Resultados

Dos 10 familiares cuidadores que participaram neste estudo, nove eram mães biológicas e uma adotiva. A idade das participantes variou entre 23 e 61 anos, com média de 34 anos. Quanto à escolaridade, uma possuía o ensino básico completo, uma o ensino superior incompleto e oito o ensino secundário completo. A maioria dos familiares cuidadores no domicílio eram mulheres (mães, irmã, avó e tia) e pessoas significativas (madrinha). Entre os cuidadores masculinos destacam-se a presença do pai e irmão.

As dez crianças com necessidades de saúde especiais apresentaram idades variáveis entre um ano e três meses (lactentes) e cinco anos (pré-escolares) e uma variedade de diagnósticos médicos (microcefalia por vírus Zika [2]; síndrome de Digeorge [1], hipotonia por sofrimento fetal [1], hidrocefalia [1], paralisia cerebral [1], síndrome de Down [1], meningite [1], sequelas de infeção do H1N1 [1], insuficiência renal crónica [1]). Predominou a necessidade de cuidado tecnológico devido a gastrostomia isoladamente ou associada a traqueostomia com ventilação por Bipap ®, válvula de derivação ventrículo-peritonial (DVP), nefrostomia, cateter venoso totalmente implantável e órtese nos pés.

O Iramuteq® analisou 677 segmentos de texto dos 805 (84,10%), gerando 2 temas e 3 classes em cada tema. Neste artigo analisaremos a classe 1, cujos léxicos mais representativos (18,9%) são hospital e casa como os lugares de maior acesso a conhecimentos sobre como cuidar no domicílio da criança com gastrostomia. Em seguida, o léxico enfermeira surge como o mais representativo entre os profissionais de saúde na facilitação desse acesso (Figura 1).

Figura 1: Dendograma com a percentagem de vocábulos distribuídos em cada classe fornecido pelo software IRAMUTEQ 

Os destaques léxicos da classe 1 apontam para o tema enfermeira como facilitadora do acesso de familiares cuidadores a conhecimentos sobre como cuidar em casa de crianças com gastrostomia.

Enfermeira na facilitação do acesso de familiares cuidadores a conhecimentos sobre o cuidar em casa de crianças com gastrostomia:

Os familiares cuidadores acederam a conhecimentos sobre a continuidade do cuidado de uma criança com gastrostomia em casa, durante o internamento e antes da alta hospitalar, desempenhando a enfermeira o papel de facilitadora do processo ensino-aprendizagem formal e informal.

“Me ensinaram no hospital” (mãe crianes 5). “Comecei a fazer (a alimentação por gastrostomia) no hospital” (mãe crianes 6). “Antes de ir para casa, a enfermeira passou uns três dias me ensinando, treinando” (mãe crianes 7). “Lá no hospital, a enfermeira me ensinou, me explicou tudo. (mãe crianes 8).

O começo foi marcado pelo medo diante do novo na manipulação do suporte tecnológico, o nervosismo e a insegurança. As enfermeiras e os médicos assumiram um papel ativo, incentivando a participação no manejo do cuidado, integrando o familiar cuidador no processo de aprendizagem.

Antes da crianes ter alta, a enfermagem me ensinou. Fiquei muito nervosa na hora, porque falei que não ia conseguir em casa; mas, as enfermeiras me ensinaram, me falaram que eu teria que aprender. Me ensinaram o passo-a-passo. Em casa, o começo foi um pouquinho difícil. Mas, agora está tranquilo. (mãe crianes 4)

“No início, as enfermeiras ficavam olhando como eu fazia. Depois, eu já fazia sozinha, sempre aprendi as coisas muito rápido” (mãe crianes 6). “Eu tinha medo, tinha medo de colocar a sonda. Tudo aquilo era novo” (mãe crianes 7).

Gradualmente, e passo-a-passo, as dificuldades foram superadas e o aprendizado atendeu a necessidade desse familiar na aquisição de autonomia e independência no cuidado. O cuidador reconhece a necessidade de trocar a sonda e sente-se confiante para fazê-lo.

“Não preciso vir aqui no hospital para trocar a sonda, eu mesma retiro e troco igual a vocês da enfermagem. Aprendi aqui no hospital” (mãe crianes 3). “Quando solta a sonda, troco em casa. Só fui ao hospital duas vezes. Eu aprendi vendo a enfermagem trocar, aprendi, pronto, nunca mais voltei” (mãe crianes 5). “Em casa foi mais fácil. As médicas falaram que eu podia fazer e, no início, as enfermeiras ficavam olhando como eu fazia. Depois, eu já fazia sozinha, sempre aprendi as coisas muito rápido.” (mãe crianes 6)

Numa atividade de educação em saúde implementada pelos profissionais de enfermagem, na preparação para a alta hospitalar, um familiar cuidador que acedeu a duas fontes de conhecimentos sobre como cuidar em casa de crianças com gastrostomia - observação de procedimentos e treinamento formal.

“Via (observação) as enfermeiras passarem a sonda, quando eu ia trocar a sonda estourava. As enfermeiras (treinamento formal), aqui do hospital, deixavam eu ver bem para poder fazer” (mãe crianes 3).

Contudo, houve familiares que não tiveram acesso a conhecimento sobre cuidados às CRIANES lactentes e pré-escolares com gastrostomia, gerando dificuldades para implementá-los na transição hospital-casa. Destacam-se os retornos frequentes a emergência do hospital para a troca da sonda, uma aprendizagem baseada na tentativa acerto-erro, na observação fortuita do procedimento de administração do alimento por sonda de gastrostomia, em outras situações de cuidado.

“Aprendi mesmo fazendo em casa, porque a enfermeira não se sentou e falou: ‘é assim . . . está vendo aqui . . . Não. Se for cabeça dura não aprende” (mãe crianes 5).

A enfermeira não me ensinou, eu fui aprendendo. A enfermeira perguntou se eu estava vendo a seringa . . . não pode ficar empurrando quando oferecer a sopa’. Porque não sabia trocar e quando trazia o crianes_8 na emergência, no dia da troca, eu fiquei vendo. As enfermeiras ensinavam outras pessoas e eu ali ficava só observando como trocava. Quando o crianes_8 colocou a gastrostomia não me ensinaram, cheguei aqui no desespero. No primeiro dia foi só isso, mostrou e falou: a partir de agora você vai fazer o dia inteiro. (mãe crianes 8)

“Eu não fui treinada, não fui treinada a trocar a sonda de gastrostomia, tanto que eu vim aqui no hospital inúmeras vezes” (mãe crianes 9).

Para um grupo de cuidadoras, não houve acesso as informações para o cuidar, pela ausência de orientação da enfermeira ou por serem transmitidas de modo pouco adequado.

“A enfermagem que foi lá. Primeira vez, um dia antes dele ter alta. Ele estava comendo pela sonda, e as enfermaeira falaram: “você pega e coloca essa seringa na gastrostomia” (mãe crianes 1). Por que ninguém me ensinou, tive que aprender sozinha... as orientações foram da mãe CRIANES 1 . . . e por telefone, e também assim olhando as outras mães” (mãe crianes 2).

Quando não há espaço para problematizar a realidade da pessoa não se amplia conhecimentos e nem se fomenta a reflexão. O conhecimento fica vazio de sentido real para o mundo em que a pessoa vive, adiando-se a sua busca. O profissional deixa de atuar como mediador do processo ensino-aprendizagem pela sua inexistência. As condições de aprendizagem centradas na tentativa acerto-erro podem provocar um ciclo vicioso de cuidados inseguros, quando se vê sozinho em casa.

Discussão

O acesso aos conhecimentos sobre o cuidado de lactentes e pré-escolares aconteceu no espaço da educação em saúde mediada por um processo de ensino-aprendizagem formal e informal. Nos treinamentos formais e observações de procedimentos privilegiaram-se o passo-a-passo dos cuidados procedimentais para a gestão da comida alimentação e administração de comida via sonda. O cuidar de enfermagem serviu como modelo para o familiar cuidador refletir sobre as necessidades de lactentes e pré-escolares na transição do hospital-casa.

Portanto, os profissionais de enfermagem foram sensíveis na condução de um processo de aprendizagem centrado na expectativa de necessidade de aprendizagem por parte dos familiares no manuseamento do dispositivo tecnológico, trocando conhecimentos para a melhoria da vida das crianças sob cuidado (Góes & Cabral, 2017).

Além do treinamento formal baseado na demonstração do procedimento e no ensino de retorno, a observação dos procedimentos técnicos realizados pelos profissionais de enfermagem se constituiu em fontes de acesso ao conhecimento. Diante dessa realidade, as enfermeiras foram mediadoras do processo ensino-aprendizagem desenvolvendo mecanismos de fortalecimento das interrelações com os cuidadores para garantir um cuidado seguro e consciente.

Os resultados deste estudo contrapõem-se ao realizado com criança com necessidades de saúde especiais que demonstrou menor visibilidade dos profissionais de enfermagem no discurso dos familiares cuidadores, durante o processo de preparação para a alta. Quando questionados sobre as orientações durante o internamento e a alta hospitalar, ficou evidenciada a fragilidade de vínculo entre a equipa de enfermagem e a família (Precce et al., 2020).

O processo ensino-aprendizagem pautou-se numa relação dialógica e empática permitindo que interlocutores nos encontros de cuidados se beneficiassem com demonstrações de retorno e cuidado colaborativo, aspetos essenciais para a aprendizagem e superação das dificuldades enfrentadas no dia a dia do domicílio. Os primeiros momentos de acesso ao conhecimento foram marcados pelo receio, nervosismo e insegurança do desconhecido, o que evidencia um processo intensamente emocional. Após terem sido superadas essas barreiras iniciais, desenvolveu e o cuidador sentiu-se mais seguro segurança e competente para cuidar.

O estado emocional pode comprometer a iniciação da aprendizagem e por vezes, orientações fornecidas durante a hospitalização perdem o real sentido naquele momento, tornando-se sem aptidão para aprender. Portanto, é necessário que o enfermeiro encoraje os cuidadores durante o internamento, respeitando-se o seu tempo e momento de disponibilidade. Só assim então esse cuidador se beneficiará com uma aprendizagem significa que o capacite a realizar com independência o cuidado, ao transitar do hospital para casa (Precce et al., 2020).

Os familiares podem sentir-se inseguros para continuar cuidando da criança em casa por não contarem mais com a presença constante da equipe de saúde lhes fornecendo informação e conhecimento para lograr os cuidados necessários (Góes & Cabral, 2017).

Os resultados apontam o profissional de enfermagem como fonte mediadora de conhecimento, agindo como trabalhadores sociais que humanizam a relação de ensino-aprendizagem e respeitam as limitações e o tempo de cada familiar cuidador para aprender.

O conhecimento mediado no internamento foi capaz de provocar transformações entre os familiares cuidadores que optaram pela mudança como parte da necessidade de ser autónoma no processo de cuidar. A adesão às mudanças assumiu um sentido real quando o familiar cuidador se sentiu seguro para cuidar sozinho, manipular e trocar a sonda. Assim, dados deste estudo reforçam o disposto atualmente na literatura acerca da importância dos pais que tomaram a decisão e aceitaram a alimentação por tubo, aumentando a qualidade de vida para a criança e sendo capazes de cuidar dela em casa (Dipasquale et al., 2022).

O empoderamento contribui para a superação de desafios próprios do manejo da alimentação por gastrostomia, da troca de sonda, cuidados com a pele periostomal, por exemplos. Portanto, a relação interpessoal da equipe de saúde e familiares cuidadores age como facilitador não só da assistência, mas também da educação em saúde. Essa relação fortalece vínculos de confiança em favor do desenvolvimento de ações conjuntas que promovem a autonomia do familiar cuidador para cuidar da criança. Esses achados vão ao encontro do desenvolvimento de uma assistência segura que tenha como foco uma abordagem de educação em saúde promotora de empoderamento na prestação de cuidados de qualidade a essas crianças (Bazzan et al., 2021).

Deste modo, compete ao enfermeiro não somente a habilidade para lidar com o dispositivo tecnológico, mas também a criação de subsídios para a orientação e educação em saúde propiciando à família independência na implementação de cuidados (Rosseto et al., 2019; Góes & Cabral, 2017).

A introdução gradual dos cuidadores no processo de cuidar, ainda no hospital, permite a incorporação de novas experiências. Para tanto, o enfermeiro realiza ações com demonstração de retorno e orientações quanto as demais demandas de cuidados na administração de medicamentos, alimentação, com o corpo, o brincar, a interação social serem desenvolvidos no domicílio, por meio da capacitação do familiar cuidador, que deve assumir o protagonismo do cuidado (Góes & Cabral, 2017).

A educação em saúde consiste em um processo de ensino-aprendizagem que visa à promoção da saúde, e o enfermeiro neste contexto torna-se um importante mediador na consecução dos objetivos educacionais e que possibilitem mudanças positivas no cuidado aos lactentes e pré-escolares com gastrostomia (Freire, 2011).

Dentre as diversas maneiras de atuação deste profissional, as atividades educativas fazem parte da prática profissional do enfermeiro em diferentes cenários permitindo um espaço de construção de saberes, relações interpessoais, diálogo (Rosseto et al., 2019).

Segundo Freire, um profissional comprometido com a mudança partilha conhecimentos de forma humanizada e respeitosa, visando atender à necessidade de aprendizagem do educando (Freire, 2011). Particularmente, na prática de enfermagem, o papel do profissional como educador é mais valorizado e reconhecido quando se tratam de procedimentos complexos necessários à manutenção de vida de uma criança com necessidade de saúde especial (Góes & Cabral, 2017).

Entre as limitações do estudo destaca-se a implementação da investigação em ambulatório e não no ambiente do domicílio. Além disso, a representatividade familiar restrita a um único cuidador por família não permitiu ter acesso ao conhecimento sobre prestação de cuidados por outros membros da família. Nesse sentido, a partilha de cuidados entre esses familiares pode ser limitada pela concentração de conhecimento num único cuidador brasileiro.

Conclusão

O acesso ao conhecimento foi mediado no processo ensino-aprendizagem baseado no treinamento procedimental da troca da sonda, cuidado da pele periostomal, na administração de medicamentos e da alimentação, desenvolvendo atividades cuidativas que fomentaram a demonstração de retorno. Além disso, os familiares cuidadores observaram as enfermeiras na realização de cuidados e também receberam orientações gerais sobre cuidados, para além do manejo da gastrostomia.

As enfermeiras contribuíram com a implementação de ações educativas em saúde concorrentes ao desenvolvimento dos cuidados à criança com necessidade de saúde especial e necessidades de cuidados tecnológicos, durante a hospitalização. As enfermeiras participaram ativamente com os familiares cuidadores no processo de transformação social que os tornaram autónomos, conscientes e mais seguros para cuidar dessa criança em casa. Para lograr este êxito, os familiares cuidadores foram aliados fundamentais na prestação de cuidados na transição hospital-casa.

As contribuições deste estudo procuram ampliar os cuidados de crianças com gastrostomia, de modo a promover um cuidado seguro, bem-estar na realização de procedimento complexo e continuo. A preparação para a alta que deve acontecer deste o inicio do internamento, buscando a segurança e autonomia no cuidar dos familiares de crianças com gastrostomia.

É preciso incorporar novas formas de cuidados que mantém a vida, como é a alimentação segura por gastrostomia, nos hábitos de vida, crenças e costumes da família. O planeamento da alta na transição hospital-casa precisa trazer a família para o centro do cuidado sem ser um invasor cultural.

As implicações deste estudo para a investigação e prática de cuidados de enfermagem consiste na ampliação dos cuidados de crianças com gastrostomia para além da dimensão biomédica, trazendo a dimensão biopsicossocial na promoção de um cuidado seguro, na realização de cuidados complexos e contínuos, bem estar da criança e seu cuidador.

Referências bibliográficas

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5Como citar este artigo: Moraes, J. R., Ribeiro, A. P., & Cabral, I. E. (2023). Acesso de familiares cuidadores aos conhecimentos sobre como cuidar em casa de criança com gastrostomia: Estudo qualitativo. Revista de Enfermagem Referência, 6(2), e22097. https://doi.org/10.12707/RVI22097

Recebido: 07 de Outubro de 2022; Aceito: 08 de Maio de 2023

Autor de correspondência Juliana Rezende Montenegro Medeiros de Moraes E-mail: jumoraes333@gmail.com

Conceptualização: Moraes, J. R., Ribeiro, A. P., Cabral, I. E.

Tratamento dos dados: Moraes, J. R., Ribeiro, A. P.

Análise formal: Moraes, J. R., Ribeiro, A. P., Cabral, I. E.

Redação- análise e edição: Moraes, J. R., Ribeiro, A. P., Cabral, I. E.

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