Introdução
As infeções associadas aos cuidados de saúde (IACS) são infeções adquiridas no decurso de procedimentos de saúde e assumem um papel central nas políticas de controlo de infeção, apresentando impacto significativo na morbilidade, tempo de internamento, mortalidade e resistência a antibióticos (Ferreira et al., 2022). Em Portugal, a taxa de infeção hospitalar é superior à média europeia e as infeções do local cirúrgico (ILC) são predominantes (European Centre for Diseases Control and Prevention [ECDC], 2017). Em 2019 iniciou-se uma batalha contra um vírus altamente complexo, com alta taxa de contágio e de difícil controlo: o coronavírus responsável pela doença COVID-19. A pandemia potenciou melhorias no que diz respeito à consciencialização da importância dos comportamentos de prevenção de infeção e transmissão de microrganismos de infeção (Ferreira et al., 2022). Os meios que estavam inicialmente ao alcance dos profissionais de saúde eram medidas preventivas por forma a evitar o contágio (Ferreira et al., 2022). Essas medidas preventivas são as precauções básicas de controlo de infeção (PBCI), já descritas pela Direção-Geral de Saúde (DGS), (DGS, 2013). A pandemia reformulou o mundo e a maneira de pensar, e funcionou como potenciadora para a consciencialização da importância do cumprimento das PBCI na prevenção e controlo de infeções, mesmo em meio cirúrgico com elevada adesão às medidas de PBCI e às bundles da cirurgia segura (DGS, 2018; Ferreira et al., 2022). Por outro lado, o período pandémico levou a um decréscimo significativo dos registos de vigilância epidemiológica das infeções hospitalares, incluindo as ILC, devido à dedicação global à batalha contra a COVID-19 (DGS, 2022b).
A definição de ILC perante o European Center for Disease Control and Prevention, apesar de antiga, é consensual na literatura e refere-se aos 30 dias de pós-operatório, ou até um ano, no caso de colocação de próteses (Martins & Fernandes, 2019). As infeções associadas a cirurgias ortopédicas destacam-se dentro das ILC, uma vez que envolvem material de implante (Santos et al., 2017). A pertinência do presente estudo justifica-se com o aumento de ILC no serviço de ortopedia de uma unidade hospitalar do norte de Portugal e consequente necessidade de atuar e tomar medidas no sentido de prevenir novas infeções. Entende-se por cirurgia ortopédica major procedimentos cirúrgicos de colocação de prótese total do joelho (PTJ) ou prótese total da anca (PTA).
O objetivo geral do estudo será analisar os fatores associados à infeção do local cirúrgico na cirurgia ortopédica major.
Enquadramento
De entre as IACS salienta-se a ILC, sendo a mais frequente e podendo resultar em dor, sofrimento e/ou necessidade de repetir intervenção cirúrgica, e as suas complicações podem persistir durante meses ou anos (DGS, 2018). Qualquer procedimento cirúrgico expõe os tecidos corporais que até então eram considerados estéreis. Os microrganismos potencialmente introduzidos nesses tecidos durante o procedimento podem multiplicar-se na ferida cirúrgica depois de encerrada e causar ILC. Todavia, pode demorar várias semanas a desenvolver-se a infeção, pois a ILC afeta aproximadamente um terço dos doentes cirúrgicos e a sua incidência varia entre 2-15%, dependendo de múltiplos fatores (Stryja et al., 2020).
Os microrganismos associados à ILC podem ter origem diretamente no doente ou podem advir de fontes exógenas ao doente, tais como a equipa ou o ambiente cirúrgico, ou até os instrumentos/implantes utilizados durante o procedimento. O número de microrganismos presentes na ferida após uma cirurgia é fortemente influenciado pelo sítio do corpo envolvido no procedimento cirúrgico. Cirurgias realizadas a tecidos normalmente estéreis, tais como osso ou articulações, são menos passíveis de serem contaminadas por bactérias e, por isso, as taxas de infeção são mais baixas (inferiores a 2%; Stryja et al., 2020). A prevenção da ILC é complexa e multifatorial, exigindo um conjunto de medidas que envolvem os períodos pré-, peri- e pós-operatório, de forma padronizada, incluindo a duração de profilaxia antibiótica cirúrgica e o cumprimento dos feixes de intervenção de prevenção de ILC (DGS, 2022a). Estima-se que aproximadamente metade das ILC são evitáveis pela aplicação destas estratégias baseadas em evidências. O sucesso na prevenção da ILC depende da conjugação de várias medidas preventivas, incluindo a preparação adequada no período pré-operatório e os cuidados no período intra- e pós-operatório.
O programa de vigilância epidemiológica concluiu, no seu último relatório, que houve uma redução da taxa global de incidência de ILC, no entanto houve um aumento nas cirurgias de PTA e PTJ (DGS, 2022). O êxito da prevenção da ILC depende de medidas de precaução, tais como a identificação de fatores de risco que predispõem o desenvolvimento de ILC (Marques et al., 2020). Existem alguns já identificados, onde se incluem a duração do internamento pré-operatório, duração da cirurgia, classificação segundo a American Society of Anesthesiology (ASA), obesidade, tabagismo, idade avançada, sexo masculino e diabetes mellitus (Marusic et al., 2021; Souza & Serrano, 2020; Yang et al., 2020).
Questão de investigação
Quais são os fatores relacionados com a ILC em doentes submetidos a cirurgia ortopédica major numa unidade hospitalar do norte de Portugal?
Metodologia
Estudo transversal analítico. A população acessível em estudo foram os doentes admitidos num serviço de internamento de ortopedia de uma unidade hospitalar do norte de Portugal, submetidos a cirurgia ortopédica major no período compreendido entre 2020-2021, num total de 589. A amostra é coincidente com a população acessível. Os dados foram recolhidos no período de abril a junho de 2022. Como instrumento de recolha de dados foi elaborada uma grelha que reúne informação do doente (idade, sexo, antecedentes pessoais), da cirurgia (tempo de internamento pré- e pós-operatório, classificação ASA, duração da cirurgia, presença de sonda vesical, administração de ácido tranexâmico, transfusão sanguínea) e do cumprimento das bundles (rastreio de Staphylococcus aureos resistente à meticilina (MRSA), banho pré-operatório, manutenção da normotermia e normoglicémia e antibioterapia profilática). A informação selecionada foi a de interesse para o estudo, segundo a evidência científica recente e a Norma 020/2015 de 15/12/2015 (atualizada a 17/11/2022) -“Feixe de Intervenções” Para a Prevenção da Infeção do Local Cirúrgico - da DGS (2022). A variável dependente resulta de diagnóstico clínico e é categorizada em sim (sempre que o resultado microbiológico em análise seja positivo) e não (sempre que o resultado microbiológico em análise seja negativo). As variáveis independentes são: i) Sexo: Variável categórica (masculino e feminino); ii) Idade: variável discreta por intervalos (35-45 anos, 46-56 anos, 57-67 anos, 68-78 anos e 79-89 anos); iii) Antecedentes pessoais (hipertensão arterial, dislipidémia, diabetes mellitus, insuficiência cardíaca, insuficiência renal, história de enfarte agudo do miocárdio, doenças respiratórias e depressão): Variáveis categóricas (sim e não); iv) Índice de massa corporal (IMC): Variável discreta por intervalos (< 18,5 = baixo peso, 18,5-24,9 = peso normal, 25-29,9 = excesso de peso, 30-34,9 = obesidade classe I, 35-39,9 = obesidade classe II e > 40 = obesidade classe III); v) Hábitos de saúde (hábitos tabágicos e hábitos etílicos): Variáveis categóricas (sim ou não); vi) Tempo de internamento pré-operatório: Variável numérica, estimada em dias; vii) Tempo de internamento pós-operatório: Variável numérica, estimada em dias; viii) Tipo de cirurgia: Variável nominal (PTA ou PTJ); ix) Classificação ASA: Variável nominal, (ASA I, ASA II, ASA III ou ASA IV); x) Duração da cirurgia: variável discreta por intervalos corresponde ao tempo em horas o início da incisão e o último ponto de sutura da pele (0-1 hora, 1-2 horas, 2-3 horas, 3-4 horas e 4-5 horas). xi) Presença de sonda vesical: Variável categórica (sim e não); xii) Administração de ácido tranexâmico: Variável categórica (sim e não); xiii) Presença de dreno cirúrgico: Variável categórica (sim e não); xiv) Administração de transfusão sanguínea no pós-operatório: Variável categórica (sim e não); e xv) Rastreio de MRSA: Variável categórica (positivo e negativo).
Os dados necessários à realização do estudo constam do sistema informático SClínico, foram fornecidos pelo diretor de serviço, anonimizados à investigadora e posteriormente inseridos e analisados através do programa IBM SPSS Statistics, versão 26.0, pelo número de codificação atribuído, respeitando o anonimato e sigilo da informação. O estudo obteve o parecer favorável n.º 46/2022 da Comissão de Ética e do Conselho de Administração da unidade local de saúde onde foi realizado o estudo. Para a análise descritiva foram utilizadas as distribuições de frequências e as medidas estatísticas: Média (M) e desvio-padrão (DP). Relativamente à distribuição das variáveis, foi realizado o teste de Kolmogorov-Smirnov, para perceber se as variáveis seguiam uma distribuição normal, verificando que em todas elas foi rejeitada a hipótese nula. Assim, optou-se pela utilização dos seguintes testes não paramétricos: Teste U de Mann-Whitney e teste de Kruskal-Wallis. O nível de significância que foi considerado é o de 0,05.
Resultados
A amostra em estudo é constituída por 589 participantes, 58,4% (n = 344) do sexo feminino e com média de idades de 69,54 anos. Fumam 4,6% (n = 27) e apresentam hábitos etílicos 27,2% (n = 160). Os antecedentes pessoais mais presentes foram o excesso de peso (38,7%; n = 228), Hipertensão Arterial (HTA) (75,2%; n = 443), e dislipidémia (61,6%; n = 363; Tabela 1).
n | % | ||
---|---|---|---|
Sexo | Masculino | 245 | 41,6 |
Feminino | 344 | 58,4 | |
Idade (anos) | 35-45 | 8 | 1,4 |
46-56 | 39 | 6,6 | |
57-67 | 184 | 31,2 | |
68-78 | 260 | 44,1 | |
79-89 | 98 | 16,6 | |
M = 69,54 (DP = 9,24); Mínimo = 38; Máximo = 89; Moda = 74 | |||
IMC (kg/m2) | Baixo Peso (< 18,5) | 3 | 0,5 |
Peso Normal (18,5-24,9) | 97 | 16,5 | |
Excesso de Peso (25-29,9) | 228 | 38,7 | |
Obesidade Classe I (30-34,9) | 181 | 30,7 | |
Obesidade Classe II (35-39,9) | 64 | 10,9 | |
Obesidade Classe III (> 40) | 11 | 1,9 | |
Omissos | 5 | 0,8 | |
M = 29,55 (DP = 4,74); Mínimo = 18,17; Máximo = 46,11; Moda = 32,05 | |||
Hipertensão arterial | Sim | 443 | 75,2 |
Não | 146 | 24,8 | |
Tabagismo | Sim | 27 | 4,6 |
Não | 562 | 95,4 | |
Hábitos etílicos | Sim | 160 | 27,2 |
Não | 429 | 72,8 | |
Dislipidemia | Sim | 363 | 61,6 |
Não | 226 | 38,4 | |
Diabetes mellitus | Sim | 165 | 28,0 |
Não | 424 | 72,0 | |
Insuficiência cardíaca | Sim | 54 | 9,2 |
Não | 535 | 90,8 | |
Insuficiência renal | Sim | 17 | 2,9 |
Não | 572 | 97,1 | |
Enfarte agudo do miocárdio | Sim | 11 | 1,9 |
Não | 578 | 98,1 | |
Doenças respiratórias | Sim | 42 | 7,1 |
Não | 547 | 92,9 | |
Doença tiroideia | Sim | 35 | 5,9 |
Não | 554 | 94,1 | |
Tremor | Sim | 3 | 0,5 |
Não | 586 | 99,5 | |
Depressão | Sim | 140 | 23,8 |
Não | 449 | 76,2 | |
Nota. n = Frequência; M = Média; DP = Desvio-padrão; IMC = Índice de massa corporal.
O tipo de cirurgia mais frequente foi PTJ (68,3% n =408). Foram admitidos na véspera 83,5% (n = 492), com ASA III 65,2% (n =384), tempo cirúrgico até uma hora 61,5% (n = 362), com sonda vesical 99% (n = 583), e fizeram ácido tranexâmico 89,1% (n =525). A maioria dos doentes (68,3%; n = 402) teve alta nos primeiros sete dias e apresentava rastreio negativo de MRSA (99,3%; n = 585). Desenvolveram ILC, 3,9% (n = 23; Tabela 2).
Nota. n = Frequência; % percentagem, M = Média; DP = Desvio-padrão; MRSA = Staphylococcus aureos resistente à meticilina; ASA = American Society of Anesthesiology; PTA = Prótese total da anca; PTJ = Prótese total do joelho.
A adesão geral às bundles foi de 91,2% nos dois períodos em estudo, registando-se uma diminuição entre 2020 e 2021 com exceção do banho cirúrgico (Tabela 3).
Adesão à bundle | 2020 (n = 286) % | 2021 (n =303) % | Total (n = 589) % |
---|---|---|---|
Banho Pré-Cirúrgico | 98,4% | 100% | 99,2% |
Normoglicemia | 97% | 93,4% | 95,2% |
Normotermia | 99,3% | 98,6% | 99% |
Antibioterapia | 99,4% | 96,9% | 98,2% |
Total | 93,7% | 88,7% | 91,2% |
Nota. n = Frequência; % percentagem.
Encontramos diferenças estatisticamente significativas entre ILC e hábitos tabágicos (p = 0,004), insuficiência cardíaca (p = 0,043) e tremor (p = 0,001; Tabela 4).
ILC | p | ||||
---|---|---|---|---|---|
Sim (n = 26) n (%) | Não (n = 566) n (%) | ||||
Sexo | Feminino | 10 (2,9%) | 334 (97,1%) | 0,090** | |
Masculino | 13 (5,3%) | 232 (94,7%) | |||
Idade (anos) | 35-45 | 2 (25%) | 6 (75%) | 0,055* | |
46-56 | 4 (10,3%) | 35 (89,7%) | |||
57-67 | 6 (3,3%) | 178 (98,7%) | |||
68-78 | 8 (3,1%) | 252 (96,9%) | |||
79-89 | 3 (3,1%) | 95 (96,9%) | |||
IMC | Baixo Peso | 0 (0%) | 3 (100%) | 0,077* | |
Peso Normal | 2 (2,1%) | 95 (97,9%) | |||
Excesso de Peso | 6 (2,6%) | 222 (97,4%) | |||
Obesidade Classe I | 11 (6,1%) | 170 (93,9%) | |||
Obesidade Classe II | 4 (6,3%) | 60 (93,7%) | |||
Obesidade Classe III | 0 (0%) | 11 (100%) | |||
Omissos | 0 (0%) | 5 (100%) | |||
Hipertensão arterial | Sim | 17 (3,8%) | 426 (96,2%) | 0,612** | |
Não | 6 (4,1%) | 140 (95,9%) | |||
Tabagismo | Sim | 4 (14,9%) | 23 (85,1%) | 0,004** | |
Não | 19 (3,4%) | 543 (96,6%) | |||
Hábitos etílicos | Sim | 9 (5,6%) | 151 (94,4%) | 0,103** | |
Não | 14 (3,3%) | 415 (96,7%) | |||
Dislipidemia | Sim | 11 (3,0%) | 352 (97,0%) | 0,104** | |
Não | 12 (5,3%) | 214 (94,7%) | |||
Diabetes mellitus | Sim | 6 (3,6%) | 159 (96,4%) | 0,737** | |
Não | 17 (4,0%) | 407 (96,0%) | |||
Insuficiência cardíaca | Sim | 5 (9,3%) | 49 (90,7%) | 0,043** | |
Não | 18 (3,4%) | 517 (96,6%) | |||
Insuficiência renal | Sim | 0 (0%) | 17 (100%) | 0,389** | |
Não | 23 (4,0%) | 549 (96,0%) | |||
Enfarte agudo do miocárdio | Sim | 1 (9,1%) | 10 (90,9%) | 0,396** | |
Não | 22 (3,8%) | 556 (96,2%) | |||
Doenças respiratórias | Sim | 2 (4,8%) | 40 (95,2%) | 0,815** | |
Não | 21 (3,8%) | 526 (96,2%) | |||
Doença tiroideia | Sim | 2 (5,7%) | 33 (94,3%) | 0,613** | |
Não | 21 (3,8%) | 533 (96,2%) | |||
Tremor | Sim | 1 (33,3%) | 2 (66,7%) | 0,001** | |
Não | 22 (3,8%) | 564 (96,2%) | |||
Depressão | Sim | 9 (6,4%) | 131 93,6%) | 0,107** | |
Não | 14 (3,1%) | 435 (96,9%) | |||
Nota. n = Frequência; * = Teste de Kruskal-Wallis; ** = Teste U de Mann-Whitney; ILC = Infeção do local cirúrgico; IMC = Índice de massa corporal.
Observamos diferenças, estatisticamente significativas, entre ILC e duração da cirurgia (p = 0,025), tempo pós-operatório (p = 0,000) e tipo de cirurgia (p = 0,005; Tabela 5).
Discussão
A amostra de doentes com ILC é maioritariamente composta por doentes do sexo masculino, com idades compreendidas entre 57 e 78 anos. São vários os resultados na literatura sobre o sexo e a idade dos doentes com ILC, sendo que as amostras são maioritariamente do sexo masculino (Silva et al., 2021). Constata-se que 88,7% dos sinistros rodoviários com trauma envolverem pessoas do sexo masculino, estando associado a maior vulnerabilidade ao trauma quer na sinistralidade, quer na atividade laboral (Soares et al., 2016). A maior colonização por microrganismos da espécie Staphylococcus aureos em pessoas do sexo masculino submetidas a cirurgias ortopédicas, sendo este, o principal causador de ILC. Também, Li et al. (2020), verificou associação com o sexo, que no presente estudo não foi significativo, mas foi mais frequente. Todos os participantes haviam realizado rastreio de MRSA (n = 589), tal como preconizam as bundles, e todos os doentes com ILC (n = 23) obtendo resultado negativo. A idade avançada é considerada um aspeto potenciador de ocorrência de ILC (Yang et al. 2020). O idoso apresenta maior risco de desenvolver infeções, não só pelas comorbilidades adjacentes, mas pelas limitações na manutenção da normotermia e no equilíbrio hidroeletrolítico (Martins & Fernandes, 2019; Sousa et al., 2021). No presente estudo, a presença de infeção é mais evidente em doentes mais jovens, dados concordantes com o estudo de Santos et al. (2017) que conclui que os jovens são mais sujeitos a acidentes traumáticos mais graves e a tratamentos de doenças inflamatórias com próteses ou osteoartrites pós-traumáticas, aumentando o risco de ILC (Santos et al., 2017). Dos doentes com ILC, a maioria tinha IMC superior a 25 kg/m2. O IMC elevado é apontado como fator preditivo de ILC por vários autores (Marusic et al., 2021; Yang et al., 2020). As pessoas obesas possuem camadas de tecido adiposo mais espessas e necessitam de campos operatórios mais extensos (Júnior et al., 2021). A maioria apresentava HTA, dislipidemia e diabetes mellitus. A presença destas comorbilidades é fortemente associada ao aparecimento de ILC (Yang et al., 2020). As alterações na vascularização, na sensibilidade, controlo glicémico contribuem para a inibição do processo de cicatrização (Júnior et al., 2021). Doentes com diabetes apresentam risco triplicado de desenvolver ILC em cirurgia ortopédica (Santos et al., 2017; Silva et al., 2021). No presente estudo, todos os participantes foram sujeitos a cirurgia eletiva e têm acompanhamento regular através de consultas, pelo que são medicados e controlados para as patologias. Desta forma, as complicações que daí advêm estão minimizadas. O acompanhamento rigoroso em consulta dos doentes diabéticos aumenta a segurança cirúrgica (Silva et al., 2021). A insuficiência cardíaca foi identificada como potenciadora de ILC e até de risco de mortalidade acrescido (Bozic et al., 2011). verificamos significância estatística da ILC com tremor (p = 0,01). Porém, este dado é referente a um único doente em estudo e, assim, não tem representatividade. O tabaco associou-se, neste estudo, ao desenvolvimento de ILC. O tabagismo foi identificado como fator preditivo de ILC, pois provoca redução da oxigenação tecidular e constrição microvascular e pessoas que fumam apresentam um risco 1,8 vezes superior de desenvolver ILC (Marusic et al., 2021), uma vez que a nicotina impede a proliferação dos fibroblastos, retardando a produção de colagénio e dificultando a angiogénese (Santos et al., 2018). A literatura sugere a suspensão tabágica por um período de quatro semanas prévias à cirurgia (Silva et al., 2021). O consumo de bebidas alcoólicas foi associado a disfunções fisiológicas do sistema imunitário, cardiovascular e sistema nervoso central (Santos et al., 2018). Acerca das variáveis relacionadas com a cirurgia, a maioria dos doentes com ILC foi internado na véspera da cirurgia. A duração da estadia pré-operatória superior a 24 horas aumenta a exposição do doente ao meio hospitalar (DGS, 2018). A maioria dos doentes em estudo apresentou uma classificação ASA de III. A classificação ASA, utilizada para avaliar o risco do procedimento cirúrgico e o estado físico do doente, foi identificada como influenciadora no aparecimento de ILC quando a sua pontuação era superior a III (Carvalho et al., 2017; Marusic et al., 2021; Yang et al., 2020). A justificação relaciona-se com a presença de doenças e antecedentes pessoais subjacentes. No presente estudo, os doentes têm as suas comorbilidades controladas através de consultas e medicação regular. Quando as doenças e comorbilidades não se encontram controladas, o estado clínico do doente piora e aumenta o risco de ILC (Carvalho et al., 2017). A respeito da duração da cirurgia, a quase totalidade da amostra apresenta uma duração até duas horas. A duração da cirurgia é um fator importante para o aparecimento de ILC (Marusic et al., 2021), uma vez que aumenta a complexidade do procedimento, prolongando a exposição do local cirúrgico e por cada hora decorrida aumenta o risco de ILC em 34% (Carvalho et al., 2017). Sobre o tempo pós-operatório, 68,3% da amostra (n = 402) apresentou uma duração de internamento até sete dias e, com o aumento da duração do internamento, a representatividade da infeção na presente amostra também aumenta, o que pode ser justificado com a necessidade de terapia antibiótica intravenosa para controlo da infeção. A PTJ foi a cirurgia mais frequente e a PTA foi a cirurgia com maior número de ILC, dados concordantes com o Programa de Prevenção e Controlo de Infeção e Resistência aos Antimicrobianos, que refere que, em Portugal, a incidência de ILC na PTA (1,46%) era superior à PTJ (1,03%; DGS, 2018). A nível europeu, também a PTA lidera as taxas de infeção com 1,0% em relação à PTJ com 0,5% (ECDC, 2017). A taxa de adesão às bundles no serviço em estudo revelou contrariar estudos que verificam baixa adesão na implementação das medidas (Marques et al., 2020). O cumprimento da bundlle exige que todas as intervenções sejam realizadas corretamente (DGS, 2022a). Os valores gerais de adesão à bundle por parte dos enfermeiros foram elevados. A forte adesão reduz significativamente o risco de ILC (Marques et al., 2020), chegando a reduzir em 28,4% (Martins & Fernandes, 2019). Importa ressalvar que a pandemia COVID-19 veio reforçar as medidas de prevenção de infeção e provocou um aumento de adesão por parte de doentes e profissionais (DGS, 2022b). Como limitações deste estudo apontamos a amostra reduzida e limitada a uma unidade hospitalar e o recurso a dados secundários com registos pouco clarificadores em algumas situações, não permitindo análises de outras variáveis.
Conclusão
A amostra foi constituída maioritariamente por mulheres, com média de idade de 69,54 anos, com excesso de peso, HTA, dislipidemia, não fumadores, sem hábitos etílicos e sem comorbilidades. Foram internados de véspera, com ASA III, com tempo cirúrgico até uma hora com alta clínica nos primeiros sete dias e rasteio negativo de MRSA, a cirurgia mais comum foi a PTJ. Verificámos elevada adesão ao cumprimento das bundles de prevenção de ILC. Registamos uma diminuição da frequência de ILC entre 2020-2021. A frequência de ILC foi significativa, deste, na sua maioria, são do sexo masculino, com idades entre os 57 e 78 anos, com obesidade e com HTA, internados na véspera da cirurgia, com classificação ASA de III, rastreio MRSA negativo, com maior duração cirúrgica e de internamento e intervencionados a PTA. Verifica-se associação estatisticamente significativa entre ILC e tabagismo, insuficiência cardíaca, tremor, duração da cirurgia, tempo pós-operatório e tipo de cirurgia. Sugere-se, como forma de prevenção, previamente à cirurgia, referenciar os doentes fumadores a consultas de cessação tabágica e explicar os efeitos nefastos do tabaco ao nível das complicações cirúrgicas. Dos fatores não modificáveis que apresentaram significância estatística no presente estudo, tais como a insuficiência cardíaca e o tremor, sugere-se um controlo rigoroso das doenças, através de terapêutica e comportamentos de procura de saúde e autocuidado, prévios à cirurgia. Relativamente à duração e tipo de cirurgia e tempo de internamento pós-operatório, a equipa cirúrgica, em articulação com a equipa do internamento, deve otimizar os tempos cirúrgicos e de internamento para os menores possíveis, mantendo a qualidade e rigor dos cuidados. Atendendo aos resultados encontrados, considera-se pertinente a realização de futuras investigações por parte de outras unidades de saúde, para possibilitar o cruzamento de dados e constante melhoria contínua. Seria de igual forma útil o recurso a amostras de maior dimensão, pois no presente estudo o tamanho da amostra foi uma limitação aos resultados obtidos.