Introdução
O aumento das doenças crónicas e da esperança média de vida, mas com menor qualidade, antevê o aumento progressivo da utilização dos serviços de urgência (Instituto Nacional de Estatística, 2021). Medidas como o investimento em centros de atendimento telefónico para aconselhamento ou orientação de situações pouco prioritárias são ainda insuficientes para resolver os problemas das pessoas com problemas de saúde crónicos (Nunes, 2020; Yang et al., 2022).
Os serviços de urgência, por definição, deveriam abordar pessoas com problemas urgentes, mas a realidade é distinta, avaliando também problemas de natureza crónica que não obtêm resposta nas restantes unidades do Serviço Nacional de Saúde, o que constitui um desafio a nível de gestão e prestação de cuidados (Pereira et al., 2019).
Para dar resposta a estas necessidades, as instituições procuram deter recursos materiais e humanos proporcionais à sua natureza assistencial. Vários profissionais atuam de forma permanente ou intermitente no serviço de urgência, como médicos, técnicos, assistentes operacionais e enfermeiros (Fronteira et al., 2019). Apesar de ser quase intuitivo descrever a atuação de alguns profissionais, quando falamos dos enfermeiros torna-se uma tarefa complexa identificar as suas intervenções ou mesmo excluir alguma que não se realize neste serviço dada a sua polivalência.
A enfermagem teve nas últimas décadas um desenvolvimento técnico e científico que a transformou numa profissão altamente diferenciada, qualificada e relevante para a prestação de cuidados de saúde (Fronteira et al., 2019). Conhecer as funções dos enfermeiros é uma etapa essencial para a sua gestão eficiente, permitindo adequar as suas dotações à complexidade e afluência das pessoas de forma a garantir a qualidade dos cuidados prestados (Báo et al., 2021).
A falta de enfermeiros, o excesso de afluência e falta de drenagem destes clientes tem sido alvo de notícias ainda prévias à pandemia COVID, com um crescendo de escusas de responsabilidade associadas à perceção de incapacidade em responder às necessidades dos clientes (Ordem dos Enfermeiros, 2022). No entanto, o financiamento das instituições é limitado, exigindo uma gestão refletida dos recursos para que os cuidados possam ser prestados de forma sustentável. Sendo os serviços de urgência locais de elevado investimento e sem lucros imediatos e mensuráveis, evidenciar a necessidade de profissionais é uma tarefa árdua (Báo et al., 2021).
Com a evolução dos sistemas de saúde, dos serviços de urgência e da própria profissão, torna-se pertinente conhecer e descrever as intervenções de enfermagem prestadas aos clientes que recorrem a estes serviços. Não foi encontrada à data nenhuma publicação prévia realizada neste âmbito, pelo que este trabalho exploratório tem precisamente como objetivo descrever as intervenções de enfermagem implementadas aos clientes no serviço de urgência.
Enquadramento
O envelhecimento populacional em Portugal tem levado a um aumento significativo da morbilidade e mortalidade, associados à maior prevalência de doenças crónicas e das complicações que daí derivam (Instituto Nacional de Estatística, 2021). Esta evolução levou a uma necessidade de adaptação dos serviços de saúde, criando dificuldades pelo desvio na natureza assistencial mais aguda para intervenções anteriormente associadas aos cuidados ao idoso (Formentin et al., 2021). Para resolver situações reversíveis com falência de funções vitais, foram criados os serviços de urgência, com uma utilização crescente por parte da população (Pereira et al., 2019).
As instituições que incluem estes cuidados assumem o fornecimento das condições necessárias à prestação de cuidados, mas impondo por vezes um esforço fora do comum para os profissionais que nele atuam devido a acumulação de funções, intervenções implementadas e trabalho burocrático (Silva et al., 2019).
Os enfermeiros integram estes profissionais e prestam cuidados nestes serviços em diversos contextos: um primeiro nível de abordagem que inclui salas de emergência e salas de triagem, e um segundo nível, nos gabinetes de atendimento e unidades de observação (Mendonça & Lopes, 2020). Neste sentido, os enfermeiros assumem uma enorme variabilidade nos seus cuidados podendo, por um lado, atuar de forma a proteger a vida dos clientes quando esta se encontra em risco, ou intervindo sobre os problemas mais simples expressos pelos clientes (Mendonça & Lopes, 2020).
A capacitação dos enfermeiros para resolver estes problemas continua a ser um fator de destaque, quer em termos técnicos, quer na promoção da humanização de forma a melhorar a qualidade das intervenções implementadas nas instituições (Silva et al., 2019). Considerando uma intervenção de enfermagem como uma ação realizada por um enfermeiro com o objetivo de ajudar um cliente a atingir um determinado resultado ou a resolver um problema de saúde, estas podem incluir várias formas de tratamento suportadas no seu conhecimento e juízo clínico (Butcher et al., 2018).
Estas decisões podem ser enquadradas em duas vertentes da atividade assistencial: a área autónoma, como a avaliação inicial, a atividade diagnóstica e implementação de intervenções no domínio disciplinar de enfermagem, e a área interdependente, como a administração de medicação, colheita de produtos biológicos ou outras atitudes terapêuticas (Esteves & Amaral, 2023). Enquadrando ambas na sua prática clínica, os enfermeiros dos serviços de urgência possuem um papel crucial na implementação de intervenções efetivas no momento exato em que o cliente necessite.
Várias classificações foram desenvolvidas para estruturar estas intervenções de enfermagem. Dois exemplos comuns são a Nursing Interventions Classification (Butcher et al., 2018) e a Classificação Internacional para a Prática de Enfermagem (International Council of Nurses, 2019). A primeira é constituída por mais de 500 intervenções que descrevem e documentam os cuidados de enfermagem, como gerir a dor ou gerir a fluidoterapia, enquanto a segunda funciona como uma terminologia clínica, com conceitos e descrições para os vários termos que a constituem.
A decisão sobre a implementação destas intervenções pressupõe um equilíbrio entre a promoção da segurança clínica, a sua eficiência e efetividade. A capacidade de determinar que intervenções devem ser implementadas e em que momento deve ser um processo baseado na evidência (Silva et al., 2019). Os enfermeiros utilizam a melhor evidência disponível para orientar as suas decisões e avaliam a efetividade das suas intervenções, levando a uma melhoria nos indicadores em saúde e a uma redução nos custos com esses cuidados (Melnyk & Fineout-Overholt, 2022).
Apesar da significativa relevância das intervenções de enfermagem para os serviços de urgência, existe uma lacuna na literatura científica que aborde em profundidade esta temática. Estas intervenções são essenciais para garantir um atendimento eficaz e de qualidade, mas, no entanto, a ausência de estudos que descrevam estas ações em detalhe limita a nossa compreensão sobre as mesmas, bem como o seu impacto na saúde das pessoas (Esteves e Amaral, 2023).
O desenvolvimento de estudos que preencham esta lacuna é, portanto, crucial para fornecer uma melhor compreensão destas intervenções e a sua contribuição para a saúde dos clientes. Tal conhecimento é fundamental para aprimorar a gestão dos serviços de saúde, promover a formação contínua dos enfermeiros e orientar as políticas de saúde. Este estudo pretende, assim, contribuir para colmatar esta lacuna, explorando as intervenções de enfermagem implementadas nos serviços de urgência e delineando as implicações para a prática clínica e tomada de decisão.
Questão de investigação
Que intervenções são realizadas pelos enfermeiros no contexto do serviço de urgência?
Metodologia
Este estudo está ancorado no paradigma qualitativo, concretizado por uma abordagem descritiva e exploratória, tendo sido desenvolvido em duas etapas sequenciais: (1) identificação de todas as intervenções de enfermagem que se realizam no serviço de urgência e (2) análise de conteúdo às intervenções identificadas.
Para a descrição do estudo realizado, foram seguidas as orientações Consolidated Criteria for Reporting Qualitative Research (COREQ).
O contexto para a realização do estudo foi o serviço de urgência de um hospital distrital polivalente do norte de Portugal. Foram definidos como critérios de inclusão: ser enfermeiro no serviço de urgência onde se realizou e aceitar participar voluntariamente. Os quatro investigadores que recolheram dados, dois elementos masculinos e dois femininos, mestres em enfermagem, foram também elementos integrados nesta equipa durante o período de recolha, pelo que são conhecidas relações de proximidade entre estes e a maioria dos participantes. Os investigadores realizaram treino e formação de modo a minimizar estes possíveis vieses.
Os dados foram recolhidos entre agosto de 2021 e agosto de 2022. Durante este período a equipa de enfermagem foi constituída por 119 a 122 elementos e 52 aceitaram participar no estudo, após contacto prévio por email.
Foram delineadas três estratégias complementares de forma a maximizar a identificação das diferentes intervenções realizadas: observação não participante, entrevista semiestruturada presencial e questionário. A combinação destas diferentes estratégias, pode fornecer uma compreensão mais completa e rica do fenómeno estudado, ultrapassando algumas limitações conhecidas da aplicação de estratégias individualizadas e aumentando a validade de um estudo qualitativo (Flick, 2017).
A técnica de observação com recurso a um guião de observação permitiu descrever as atividades que o enfermeiro realiza durante o turno, mas pode ter dificuldade em descrever. Num primeiro momento foi treinada a observação em pares, com discussão sobre possíveis discrepâncias e a partilha das mesmas entre os investigadores.
A técnica de entrevista semiestruturada, composta por questões abertas, permitiu explorar ações dentro de alguns domínios de intervenção de forma mais detalhada. Foi implementada de forma independente ou como complemento após a observação não participante, procurando-se explorar as intervenções anotadas. Os investigadores treinaram a técnica previamente, utilizando a mesma metodologia adotada na observação participante. O local para realização da entrevista foi da conveniência do participante, pretendendo-se maximizar a participação dos enfermeiros sem comprometer a prestação de cuidados urgentes, realizando-se em sala isolada ou dentro da unidade em local mais resguardado.
Quer a observação quer a entrevista foram seguidas de uma leitura das notas de campo do investigador, assentes num formulário criado para o efeito. Não foram utilizados meios audiovisuais para captação de informação e não foi estabelecido qualquer limite na duração destes momentos. Os momentos de observação e entrevista, selecionados aleatoriamente para evitar vieses na seleção, foram sempre iniciados pelos investigadores, em momento de conveniência dos mesmos, dirigindo-se aos participantes que estivessem em exercício de funções e convidando a participar de acordo com a sua disponibilidade.
A utilização do questionário permitiu aos participantes descrever intervenções menos frequentes, sem a necessidade da presença de um investigador. Foi utilizado um formulário Microsoft Forms, disponível durante as datas em que se realizou a colheita de dados, com a descrição dos objetivos do estudo e apenas uma questão aberta: “Utilizando a linguagem que lhe parecer mais apropriada, por favor descreva os cuidados de enfermagem que prestou durante o seu turno atual”.
O envolvimento dos participantes não foi limitado a uma técnica ou um momento de recolha de dados. Foi um pressuposto deste trabalho os enfermeiros prestarem cuidados distintos em vários momentos e especialmente em postos de trabalho distintos. Desta forma, um enfermeiro pode ter sido abordado várias vezes para entrevista ou observação e pode ter respondido várias vezes ao questionário.
Os resultados das três estratégias de recolha de dados foram agregados numa base de dados em aplicação web desenvolvida para a análise de conteúdo. Esta aplicação foi criada exclusivamente para este projeto, permitindo o acesso remoto e simultâneo de todos os investigadores para o processo de análise que se preconizou.
A análise dos dados foi realizada de acordo com o método de análise de conteúdo (Bardin, 2009). Após a leitura de cada um dos textos resultantes da recolha de dados constituiu-se o corpus de análise de acordo com os objetivos do estudo. De seguida foram selecionadas as unidades de registo, compostas por fragmentos do texto que, em alguns casos, precisaram de contextualização para se tornarem percetíveis.
As unidades de registo foram alocadas em dois níveis de categorias: inicialmente a uma ação mais específica que pudesse ser objetivável e mensurável e posteriormente a uma dimensão mais abstrata do cuidar.
Para garantir a fiabilidade e a validade dos resultados, o processo de análise de conteúdo foi realizado por dois investigadores de forma independente. Qualquer discordância foi resolvida por meio de discussão ou com o recurso a um terceiro investigador. Os quatro investigadores treinaram ainda conjuntamente a extração e codificação de cinco excertos, garantindo assim a consistência na análise.
A recolha de dados e a sua categorização ocorreram de forma paralela, decidindo-se pelo término da primeira etapa quando a saturação dos dados se revelou pelo aumento do número de unidades de registo sem criação de novas categorias.
O trabalho foi realizado após autorização da Comissão para a Ética em Saúde do hospital onde se realizou com a referência 76_2021. Foi obtido o consentimento informado escrito prévio de todos os participantes, sendo verbalmente reforçado em cada abordagem pelo investigador ao participante.
Não foi recolhido qualquer dado relativo aos participantes ou clientes do serviço, bem como unidade do serviço ou momento temporal. Esta opção leva a que não seja possível caracterizar os participantes para lá dos critérios de inclusão. Os enfermeiros tiveram a oportunidade de rever qualquer momento de recolha de dados através de um código anonimizado criado para o efeito. Nenhum consentimento informado foi anulado durante ou após a recolha de dados. No entanto, não foram documentados os momentos ou motivos de recusa de pedidos de entrevista ou observação para minimizar possíveis constrangimentos entre os enfermeiros e os investigadores.
Resultados
Foram realizadas 24 observações não participantes, 59 entrevistas semiestruturadas e foram recebidas 17 respostas ao questionário online.
Após o processo de análise de conteúdo, foram identificadas 1429 intervenções realizadas pelos enfermeiros no serviço de urgência. Após análise, foram alocadas em categorias específicas correspondentes à ação realizada pelo enfermeiro (n = 294). Por sua vez, estas intervenções foram alocadas posteriormente a dimensões correspondentes a uma área de atenção do enfermeiro durante a sua prática clínica (n = 24), que se apresentam na Tabela 1 por ordem de representatividade.
Com uma representatividade menor, emergiram ainda dimensões como a Ventilação e oxigenação (n = 34), Cuidados de higiene e conforto (n = 33), Colaboração com procedimentos clínicos médicos (n = 28), Triagem de Manchester (n = 25), Alimentação e digestão (n = 24), Espólio de valores (n = 16), Emergência clínica (n = 12), Supervisão de estudantes e novos profissionais (n = 9) e Cuidados ao cliente que faleceu (n = 4).
Durante a observação das intervenções de enfermagem foram realizadas anotações pertinentes à contextualização destes cuidados, como a dificuldade em localizar os clientes na unidade, as interrupções sistemáticas do enfermeiro que está a realizar uma tarefa por clientes ou outros profissionais, e a dificuldade marcada em gerir a informação clínica de um grande número de clientes. Os enfermeiros documentam cuidados no sistema informático em saúde da instituição e num suporte temporário na aplicação Microsoft Excel para gerir a localização, a informação clínica e o status de saída de cada cliente. O termo “alocação” foi frequentemente usado para descrever o ato de decidir a localização de um cliente recém-admitido na unidade, que pode ser numa vaga preparada para receber clientes ou no meio da unidade sem numeração.
Discussão
Este trabalho evidenciou uma área de atuação predominantemente interdependente, centrada na prescrição médica de fármacos e colheita de amostras biológicas. Estes resultados vão ao encontro do método de organização que parece reger os cuidados no serviço de urgência, muito centrado no modelo biomédico. Os clientes recorrem a estas unidades com o objetivo de terem uma observação médica de forma a resolver problemas de saúde urgentes (Mendonça e Lopes, 2020). A própria missão dos serviços de urgência enfatiza a prestação de cuidados de saúde eminentemente curativos, estando vocacionados para a abordagem de situações de instalação súbita ou compromisso de pelo menos um órgão vital (Moura, 2017).
Também emergiu uma vertente centrada na avaliação e gestão de sinais de sintomas, como parâmetros vitais e queixas dos clientes. Desde o momento da admissão do cliente no serviço, os enfermeiros realizam uma avaliação inicial rápida que inclui história clínica, avaliação de sinais vitais, triagem de gravidade e determinação da prioridade do atendimento (Doenges et al., 2019). A própria monitorização contínua ou intermitente do cliente é já uma intervenção comum em outros contextos, mas frequentemente associada à pessoa em situação crítica. Os enfermeiros avaliam os sinais vitais, como frequência cardíaca, pressão arterial ou frequência respiratória, além da dor e outros sintomas relevantes (Berman et al., 2018).
Esta área de atuação autónoma foi ainda identificada em intervenções como o posicionamento de clientes para otimização da ventilação, a prevenção de úlceras por pressão, os cuidados de higiene e conforto e a gestão de informação.
O regulamento de competências específicas do enfermeiro especialista em Enfermagem Médico-Cirúrgica na Área de Enfermagem à Pessoa em Situação Crítica da Ordem dos Enfermeiros (Diário da República, 2018) aborda várias destas capacidades essenciais ao enfermeiro que desempenha funções no serviço de urgência. Entre estas encontram-se a deteção precoce, estabilização, manutenção e a recuperação de patologias agudas, a prevenção de complicações e eventos adversos decorrentes de meios de intervenção avançados, a antecipação da instabilidade, a gestão diferenciada da dor e do bem-estar da pessoa em situação crítica e a gestão da comunicação interpessoal com a pessoa, família ou cuidador (Diário da República, 2018). Estas competências foram ao encontro dos resultados encontrados, concretizando-se nas intervenções mais específicas identificadas.
Foram evidenciadas ainda dimensões centradas na gestão da informação clínica e da localização dos clientes dentro do serviço de urgência. A frequência destes achados que poderiam ser apenas uma etapa de uma intervenção pode representar sinais de sobrelotação das unidades e a existência de sistemas de informação pouco desenvolvidos para um acesso rápido e eficaz à informação essencial para os profissionais desempenharem as suas funções. Esta problemática encontra-se evidenciada há décadas com implicações clínicas para a prática de enfermagem e para os resultados atingidos com as pessoas cuidadas (Eriksson et al., 2018).
Correlacionando estes aspetos com as categorias mais frequentes neste trabalho, não podemos também deixar de triangular as intervenções mais frequentes, como administração de fármacos e colheita de amostras biológicas, com o aumento da probabilidade de erro associado à sobrelotação dos serviços e as interrupções frequentes dos procedimentos de enfermagem (Hayes et al., 2015).
Foram constatadas ainda outras dificuldades percecionadas pelos enfermeiros. A temática persistente da localização do cliente dentro de uma unidade, a identificação das macas com o nome do cliente ou verbalização da necessidade sistemática de confirmar a identificação do cliente vão também ao encontro da perceção de sobrelotação dos serviços de urgência (Matos, 2022; Vilhena, 2018).
Neste âmbito, foi recorrente a menção da utilização de uma base de dados temporária em Microsoft Excel para gerir o nome dos clientes, a sua localização a informação clínica pertinente e o estado da alta da unidade. A persistente rotatividade de clientes nestas unidades parece ter levado a um sentimento de inadequação do sistema informático implementado na instituição para gerir os cuidados de enfermagem, contrariando o relevo crescente da gestão da informação clínica, fulcral para a segurança dos cuidados de saúde. Tal como referido por Mendonça e Lopes (2020), a informação é cada vez mais um recurso altamente influente para a promoção de melhores decisões clínicas e para a avaliação de indicadores em saúde.
Outro aspeto evidenciado nesta investigação relaciona-se com processos institucionais que carecem de melhorias, levando à necessidade de os enfermeiros resolverem problemas como a gestão de exames, altas e observações por outros profissionais. A palavra esquecidos foi inclusivamente utilizada para descrever o estado de clientes que deveriam ter sido observados ou submetidos a procedimentos, mas cuja efetivação careceu do enfermeiro para detetar e resolver problemas através do contacto com o profissional responsável pelos mesmos. Os enfermeiros parecem ter incorporado o papel de gestor do percurso do cliente, tentando minimizar ineficiências atuando como elo de comunicação na equipa multidisciplinar, o que vai ao encontro dos resultados de Costa e Gaspar (2017) com a constatação da dimensão da competência Comunicação e Liderança, associada ao perfil de competências do enfermeiro de urgência. Foram identificadas várias intervenções centradas na coordenação e comunicação com outros membros da equipa, transmitindo informações relevantes sobre o estado dos clientes e participando de discussões conjuntas sobre o plano de cuidados (Doenges et al., 2019).
Tentando ultrapassar as dificuldades descritas anteriormente, este trabalho identificou ainda uma vertente mais enquadrada nas teorias clássicas do cuidar, providenciando suporte emocional aos clientes e familiares e providenciando informações sobre o diagnóstico, tratamento, cuidados no domicílio e fornecendo recursos adequados (Dağ et al., 2019). Esta dimensão do cuidar é utilizada com frequência para colmatar não só as necessidades que emergem do risco para a vida, mas também a sensação de abandono em termos de cuidados de saúde que os idosos e familiares percecionam no domicílio e procuram num serviço de urgência (Pereira et al., 2019).
Limitações deste estudo: A subjetividade inerente à análise de conteúdo, a potencial influência da familiaridade dos investigadores com os participantes, e a especificidade do local de estudo podem afetar a generalização dos resultados. No entanto, acreditamos que as estratégias implementadas para minimizar estes problemas contribuem para a robustez dos achados. Com a recolha de dados envolvendo três fontes distintas, será também pertinente uma análise futura à convergência ou divergência com triangulação dos resultados. Não tendo sido realizada a caracterização dos participantes para potenciar a proteção de dados, não foi ainda possível alocar os resultados a fatores como a experiência profissional.
Conclusão
Esta investigação forneceu uma descrição detalhada e esclarecedora das intervenções de enfermagem implementadas no serviço de urgência, lançando luz sobre aspetos cruciais, muitas vezes negligenciados. A nossa análise revela que as intervenções de enfermagem vão além dos cuidados diretos e incluem uma série de ações indispensáveis para manter a eficiência operacional e a segurança no serviço.
Estes resultados realçam a necessidade de maior atenção a estes aspetos na formação e na prática clínica. Destacam ainda a importância de medidas que apoiem os enfermeiros e minimizem o impacto sobre os cuidados à pessoa e família.
No entanto, este estudo é apenas o primeiro passo. É crucial entender melhor como estas tarefas influenciam o tempo de trabalho dos enfermeiros e como podem ser otimizadas para melhorar os cuidados e a eficiência do serviço de urgência.
Estes resultados promovem uma reflexão sobre a importância dos enfermeiros que não apenas a de prestadores de cuidados, mas também arquitetos essenciais para a eficácia e segurança nos serviços de urgência. As suas intervenções multifacetadas desafiam os limites tradicionais do papel da enfermagem e, à medida que o futuro da saúde é traçado, devemos garantir que cada aspeto destes papéis cruciais seja compreendido, otimizado e valorizado.