Introdução
O surgimento e disseminação da COVID-19 teve repercussões mundiais, tendo sido declarado estado de pandemia por COVID-19 a 11 de março de 2020 (World Health Organization [WHO], 2020d). Foi a primeira vez na história que um coronavírus se tornou pandémico (WHO, 2020a), conduzindo a uma sobrecarga dos serviços de saúde e consequentemente ao desgaste dos profissionais do sector (WHO, 2020c).
Os enfermeiros que trabalham em áreas de atendimento a pessoas infetadas ou suspeitas de COVID-19, por múltiplos fatores, têm apresentado maiores níveis de ansiedade e depressão. A pré-existência de burnout, pode constituir um contributo para sentimentos da esfera ansiosa, aumento do stresse e sentimentos de despersonalização (Miguel-Puga et al., 2020).
Este estudo tem como objetivo geral avaliar o impacto que a pandemia por COVID-19 teve nos enfermeiros, relativamente ao burnout, ansiedade e depressão. Sendo os objetivos específicos analisar de que forma o contexto profissional da população, os sintomas vivenciados e as experiências vivenciadas na prestação de cuidados influenciam o desenvolvimento de burnout, ansiedade e depressão nos enfermeiros; avaliar os níveis de burnout, ansiedade e depressão nos enfermeiros em contexto de pandemia por COVID-19.
Este estudo visa avaliar o impacto da pandemia nos enfermeiros, relativamente ao burnout, ansiedade e depressão, permitindo assim a adoção de medidas preventivas para reduzir o desenvolvimento de burnout, ansiedade e depressão.
Enquadramento
Foram reportados 59 casos de pneumonia associada à frequência de um mercado em Wuhan na China. Nesta altura identificou-se um novo agente etiológico, a SARS-CoV-2 que causa a pneumonia por COVID-19 (Direção-Geral da Saúde [DGS], 2020b). Este vírus teve uma progressão a nível mundial (DGS, 2020a) e foi a primeira vez que um coronavírus se tornou pandémico (World Health Organization, 2020b).
Os enfermeiros no combate à pandemia por COVID-19 tiveram contacto próximo com pessoas com suspeita ou pneumonia confirmada, onde vivenciaram sentimentos como o medo da morte entre os próprios profissionais, solidão e raiva, que levou ao aumento do stresse nos profissionais (Xiang et al., 2020).
A ansiedade é experienciada pelas pessoas com alguma regularidade e está associada ao stresse e ao medo. O elemento stressor é uma pressão externa exercida sobre a pessoa. Por outro lado, a ansiedade é a resposta emocional a esse stresse (Townsend, 2011; American Psychiatric Association [APA], 2014).
O burnout consiste numa síndrome de exaustão emocional, despersonalização e redução da realização profissional do trabalhador. Dá-se em resposta emocional à tensão crónica de lidar de forma exaustiva com outros seres humanos, principalmente quando têm problemas de saúde. Este difere das restantes respostas ao stresse, pelos efeitos nocivos da interação social entre o profissional e a pessoa cuidada (Maslach, 2003).
A profissão de enfermagem, pelas caraterísticas da sua profissão, apresenta sinais de esgotamento emocional, desinvestimento relacional e diminuição do sentimento de realização profissional. De forma a incidir sobre os sinais de burnout, é necessário circunscrever e diagnosticar a exaustão, podendo recorrer-se a escalas destinadas ao pessoal clínico, objetivando os sentimentos de sobrecarga das equipas de cuidados (Delbrouck, 2006).
A pandemia por COVID-19, veio trazer um aumento da afluência das pessoas aos serviços de saúde. Isto levou ao limite os sistemas, existindo relatos de escassez de equipamentos médicos e meios humanos, e a existência de hospitais sem infraestruturas que suportem tal afluência (Shanafelt, 2020).
Hipóteses
Hipótese 1: No contexto laboral os enfermeiros apresentam aumento dos níveis de burnout, ansiedade e depressão, relacionados com as condições laborais na prestação de cuidados a pessoas com suspeita ou infeção por COVID-19.
Hipótese 2: As condições sociofamiliares relacionam-se com o desenvolvimento de burnout, ansiedade e depressão nos enfermeiros.
Metodologia
Trata-se de um estudo de cariz quantitativo, descritivo-correlacional e transversal. A população alvo foram os enfermeiros de um hospital dos Açores, sendo a amostra não probabilística por conveniência. Como critério de inclusão optou-se por todos os enfermeiros que prestassem cuidados à pessoa adulta infetada ou com suspeita de infeção por COVID-19, em áreas de atendimento ou outras áreas de prestação de cuidados. Os enfermeiros tomaram conhecimento deste estudo via e-mail através da divulgação do mesmo pelo núcleo de formação do hospital. Foram excluídos todos os outros enfermeiros.
A colheita foi realizada através do autopreenchimento de um questionário online e presencial, que compreendeu a caracterização sociodemográfica/questões gerais; a avaliação dos níveis de ansiedade e depressão foram obtidas através da aplicação da escala Hospital Anxiety and Depression Scale (HADS) construída por Snaith e Zigmond (1994), citado por Pais-Ribeiro et al. (2007). Esta escala subdivide-se em duas (avaliação da ansiedade e avaliação da depressão) que apesar de ter o nome de hospitalar tem aplicabilidade comunitária, tendo sido validada para a população portuguesa por Pais-Ribeiro et al. (2007). Para a avaliação dos níveis de burnout utilizou-se a escala de CBI, que é um instrumento que avalia o burnout pessoal, burnout relacionado com o trabalho e o burnout relacionado com o cliente, contruído por Kristensen et al. (2005) citado por Fonte (2011) e adaptado para a população Portuguesa por Fonte (2011). Os dados colhidos foram tratados através do programa IBM SPSS Statistics, versão 27.0.
Para este estudo estabeleceu-se um nível de confiança de 95% e um erro de medição de 5%. Responderam ao questionário 234 enfermeiros, de forma voluntária e anónima, respeitando as normas ético-legais necessárias para a investigação científica, após parecer favorável da Comissão de Ética, Serviço de Saúde Ocupacional e Conselho de Administração (S-HDES/2021/517).
A análise estatística envolveu medidas de estatística descritiva (frequências absolutas e relativas, médias e respetivos desvios-padrão) e estatística inferencial. Nesta, utilizou-se o coeficiente de consistência interna alfa de Cronbach, o coeficiente de correlação de Pearson, regressões lineares e o teste Manova. A Manova foi utilizada porque as variáveis dependentes estão correlacionadas, pois são dimensões de um mesmo construto teórico. A homogeneidade da matriz de variâncias e covariâncias foi analisada com o teste Box M. O nível de significância para rejeitar a hipótese nula foi fixado em (() ≤ 0,05.
Resultados
A falta de material revelou-se um preditor significativo do burnout trabalho e utente, explicando entre 3,4% e 2,8% do burnout. Relativamente à ansiedade e depressão, a perceção de falta de material não se revela um preditor, não tendo relevância estatística (Tabela 1).
A falta de condições de trabalho em contexto de prática clínica e a falta de profissionais de saúde, revelou-se um preditor significativo do burnout pessoal, trabalho, utente. No que concerne à ansiedade, explicando entre 2,3% e 7,6% destas variáveis (Tabela 1).
A perceção de falta de práticas administrativas de apoio a fim de reduzir o stresse e a ansiedade dos profissionais de saúde e uma remuneração inadequada revelou-se um preditor significativo do burnout pessoal, trabalho, utente. Relativamente à ansiedade e depressão esta revelou-se um preditor significativo relativamente à ansiedade, explicando entre 1,9% e 7,1% destas variáveis (Tabela 1).
Burnout Pessoal | Burnout Trabalho | Burnout Utente | |||||||
B | p | Beta | B | p | Beta | B | p | Beta | |
Constante | 1,788 | 0,105 | 1,920 | 0,080 | 1,370 | 0,114 | |||
Falta de material | 0,059 | 0,040 | 0,095 | ,089** | 0,031 | 0,185 | ,113* | 0,044 | 0,167 |
R2 ajustado | 0,009 | .034** | .028* | ||||||
Burnout Pessoal | Burnout Trabalho | Burnout Utente | |||||||
B | p | Beta | B | p | Beta | B | p | Beta | |
Constante | 1,168 | 0,179 | 1,550 | 0,138 | ,931 | 0,199 | |||
Falta de condições | 0,189*** | 0,043 | 0,276 | 0,144*** | 0,033 | 0,272 | 0,175*** | 0,048 | 0,233 |
R2 ajustado | 0,076*** | 0.070*** | 0,050*** | ||||||
Ansiedade | Depressão | ||||||||
B | p | Beta | B | p | Beta | ||||
Constante | 6,562 | ,528 | 5,145 | ,522 | |||||
Falta de material | ,380 | ,204 | ,122 | ,130 | ,201 | ,042 | |||
R2 ajustado | .015 | ,002 | |||||||
Ansiedade | Depressão | ||||||||
B | p | Beta | B | p | Beta | ||||
Constante | 5,161 | 0,927 | 4,160 | 0,918 | |||||
Falta de material | 0,570* | 0,224 | 0,165 | 0,321 | 0,222 | 0,095 | |||
R2 ajustado | 0,023* | 0,005 | |||||||
Burnout Pessoal | Burnout Trabalho | Burnout Utente | |||||||
B | p | Beta | B | p | Beta | B | p | Beta | |
Constante | 1,111 | 0,199 | 1,513 | 0,154 | 1,166 | 0,224 | |||
Práticas administrativas | 0,206*** | 0,049 | 0,266 | 0,155*** | 0,038 | 0,259 | 0,118* | 0,055 | 0,139 |
R2 ajustado | 0,071*** | 0,067*** | 0,019* | ||||||
Ansiedade | Depressão | ||||||||
B | p | Beta | B | p | Beta | ||||
Constante | 3,865 | 1,013 | 2,381 | 1,001 | |||||
Práticas administrativas | 0,906*** | 0,250 | 0,232 | 0,775** | 0,247 | 0,202 | |||
R2 ajustado | 0,054*** | 0,041** |
*p < 0,05 **p < 0,01 ***p < 0,001.
Os coeficientes de correlação entre as dimensões do burnout, ansiedade e depressão, e os sentimentos de falta de realização profissional são estatisticamente significativos, negativos e moderados ou fracos (Tabela 2).
Realização pessoal | |
Burnout Pessoal | -0,260*** |
Burnout Trabalho | -0,400*** |
Burnout Utente | -0,363*** |
Ansiedade | -0,199** |
Depressão | -0,206*** |
**p < 0,01 ***p < 0,00.
Os coeficientes de correlação entre as dimensões do burnout, ansiedade e depressão, e a relação com os superiores hierárquicos sofreram desgaste e são estatisticamente significativos, positivos e moderados ou fracos (Tabela 3).
Relação superior | |
Burnout Pessoal | 0,301** |
Burnout Trabalho | 0,400** |
Burnout Utente | 0,306** |
Ansiedade | 0,191** |
Depressão | 0,161* |
*p < 0,05 **p < 0,01.
Os coeficientes de correlação entre as dimensões do burnout, ansiedade e depressão, e sentir falta de férias/dias de descanso são estatisticamente significativos, positivos e moderados ou fracos (Tabela 4).
Falta de férias | ||
---|---|---|
Burnout Pessoal | 0,387** | |
Burnout Trabalho | 0,351** | |
Burnout Utente | 0,267** | |
Ansiedade | 0,227** | |
Depressão | 0,253** |
**p < 0,01.
O uso prolongado de equipamentos de proteção individual revelou-se um preditor significativo do burnout pessoal e trabalho explicando entre 2.3% e 2.4% destas variáveis. Quanto à ansiedade e depressão esta não apresenta significância estatística (Tabela 5).
Burnout Pessoal | Burnout Trabalho | Burnout Utente | |||||||
B | p | Beta | B | p | Beta | B | p | Beta | |
Constante | 1,298 | 0,274 | 1,633 | 0,212 | 1,114 | 0,302 | |||
Uso prolongado EPI´s | 0,144* | 0,062 | 0,151 | 0,113* | 0,048 | ,0153 | 0,119 | 0,068 | 0,114 |
R2 ajustado | 0,023* | 0,024* | 0,013 | ||||||
Ansiedade | Depressão | ||||||||
B | p | Beta | B | p | Beta | ||||
Constante | 6,537 | 1,398 | 4,399 | 1,372 | |||||
Uso prolongado EPI´s | 0,209 | 0,316 | 0,043 | 0,241 | 0,310 | 0,051 | |||
R2 ajustado | 0,002 | 0,003 |
*p < 0,05.
Através do coeficiente de correlação de Pearson apresentado na Tabela 8, constataram-se relações estatisticamente significativas nomeadamente entre o medo de infetar e a ansiedade, sendo esta positiva e fraca (r = 0,168; p < 0,05).
O coeficiente de correlação entre a ansiedade e o medo de infetar família/ amigos é estatisticamente significativo, positivo e fraco (Tabela 6).
Medo de infetar | |
Burnout Pessoal | 0,086 |
Burnout Trabalho | 0,045 |
Burnout Utente | -0,016 |
Ansiedade | 0,168* |
Depressão | 0,113 |
*p < 0,05.
Os coeficientes de correlação entre as dimensões do burnout, ansiedade e depressão, e o isolamento social são estatisticamente significativos, positivos e fracos (Tabela 7).
Isolamento social | |
Burnout Pessoal | 0,201** |
Burnout Trabalho | 0,173** |
Burnout Utente | 0,289** |
Ansiedade | 0,313** |
Depressão | 0,224** |
**p < 0,01.
Os coeficientes de correlação entre as dimensões do burnout pessoal e utente, ansiedade e depressão, e a falta de suporte social/familiar são estatisticamente significativos, positivos e fracos (Tabela 8).
Suporte social | |
Burnout Pessoal | 0,144* |
Burnout Trabalho | 0,114 |
Burnout Utente | 0,182** |
Ansiedade | 0,215** |
Depressão | 0,194** |
*p < 0,05 **p < 0,01.
Através da regressão simples, o medo de contrair a doença revelou-se um preditor significativo do burnout pessoal. No que concerne à ansiedade e depressão é explicado 2% a 5% destas variáveis (Tabela 9).
Burnout Pessoal | Burnout Trabalho | Burnout Utente | |||||||
B | p | Beta | B | p | Beta | B | p | Beta | |
Constante | 1,481 | 0,176 | 1,972 | 0,138 | 1,414 | 0,196 | |||
Medo de contrair | 0,117* | 0,045 | 0,169 | 0,040 | 0,035 | 0,076 | 0,058 | 0,050 | 0,076 |
R2 ajustado | 0,028* | 0,006 | 0,006 | ||||||
Ansiedade | Depressão | ||||||||
B | p | Beta | B | p | Beta | ||||
Constante | 4,478 | 0,881 | 3,608 | 0,879 | |||||
Medo de contrair | ,781*** | 0,224 | 0,223 | 0,484* | 0,223 | 0,141 | |||
R2 ajustado | ,050*** | 0,020* |
*p < 0,05 ***p < 0,001.
Relativamente ao consumo de substâncias, os dados da Tabela 10 demonstram que as diferenças nos valores de ansiedade e depressão, em função de consumir substâncias, não são estatisticamente significativas. Quanto aos valores de burnout, são estatisticamente significativas. Os sujeitos com consumo de substâncias apresentam valores significativamente mais elevados de burnout relacionado com o trabalho.
Quanto aos sintomas de ansiedade generalizada, os valores de depressão, em função de experienciar sintomas de ansiedade generalizada, são estatisticamente significativas. Os valores burnout, relacionados com a função experienciar sintomas de ansiedade generalizada, são estatisticamente significativas.
Os sujeitos com insónias apresentam valores significativamente mais elevados de ansiedade e depressão. As diferenças nos valores burnout, relacionados com a função experienciar insónias, são estatisticamente significativas.
Consumo de substâncias | |||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|
Não | Sim | ||||||
M | DP | M | DP | P | |||
HADS | |||||||
Ansiedade | 7,34 | 3,50 | 8,43 | 3,91 | 0,160 | ||
Depressão | 5,45 | 3,51 | 5,48 | 3,27 | 0,966 | ||
Burnout | |||||||
Pessoal | 1,90 | 0,69 | 2,19 | 0,73 | 0,058 | ||
Trabalho | 2,09 | 0,54 | 2,42 | 0,49 | 0,006** | ||
Utente | 1,61 | 0,76 | 1,88 | 0,81 | 0,113 | ||
Sintomas de ansiedade generalizada | |||||||
Não | Sim | ||||||
M | DP | M | DP | P | |||
HADS | |||||||
Ansiedade | 6,33 | 3,24 | 9,69 | 3,03 | 0,001*** | ||
Depressão | 4,46 | 3,24 | 7,37 | 3,13 | 0,001*** | ||
Burnout | |||||||
Pessoal | 1,75 | 0,69 | 2,27 | 0,59 | 0,001*** | ||
Trabalho | 2,02 | 0,53 | 2,34 | 0,51 | 0,001*** | ||
Utente | 1,47 | 0,75 | 1,97 | 0,69 | 0,001*** | ||
Insónia | |||||||
Não | Sim | ||||||
M | DP | M | DP | P | |||
HADS | |||||||
Ansiedade | 6.91 | 3.41 | 8.97 | 3.49 | 0,001*** | ||
Depressão | 4.98 | 3.43 | 6.76 | 3.30 | 0,001*** | ||
Burnout | |||||||
Pessoal | 1.84 | .071 | 2.16 | 0.63 | 0,002** | ||
Trabalho | 2.07 | 0.56 | 2.30 | .045 | 0,004** | ||
Utente | 1.54 | 0.77 | 1.91 | .070 | 0,001*** |
Nota. M = Média; DP = Desvio-padrão.
**p < 0,01 ***p < 0,001.
Os enfermeiros relativamente a sintomas de pensamento suicida, sintomas de stresse pós-traumático, fobias, ataques de pânico, hipocondria, ansiedade generalizada, insónias não apresentam resultados significantes.
Discussão
Relativamente à Hipótese 1, seria expectável que no contexto laboral os fatores que contribuem para o aumento do burnout, ansiedade e depressão nos enfermeiros fossem sentimentos de falta de realização profissional, falta de condições de trabalho, relação com os superiores hierárquicos, falta de dias de férias/descanso, falta de práticas administrativas, uso prolongado de equipamentos de proteção individual, trabalhar com pessoas com suspeita ou com infeção por COVID-19, o que é afirmado por Janeway, (2020), Zhang et al. (2020) e Han et al. (2020).
Pressupôs-se que a falta de material de proteção individual é um fator contributivo para aumento dos níveis de ansiedade/depressão e burnout. Confirmou-se que quanto mais elevada é a perceção de falta de material mais elevados são os níveis de burnout trabalho e utente (Tabela 1). Surrati et al. (2020), refere que mais de metade dos profissionais de saúde não se sentem confiantes com o fornecimento de materiais sendo que a sua escassez é vista como um fator que leva ao aumento do número de infetados. Todavia, Çelmeçe e Menekay (2020) referem que esta é uma preocupação dos profissionais de saúde pela dificuldade de acesso ao mesmo.
Relativamente aos sentimentos de falta de realização pessoal, levem ao aumento do burnout, ansiedade e depressão. A falta de realização profissional está relacionada com níveis mais elevados de burnout, ansiedade e depressão (Tabela 2).
A realização profissional é um fator protetor para o desenvolvimento de burnout (Oliveira et al., 2021). A diminuição da realização profissional causada por sentimentos de insatisfação com as atividades laborais, sentimento de insuficiência, baixa autoestima, fracasso profissional, desmotivação, revela baixa eficiência no trabalho (Pereira, 2002).
Quanto à falta de condições de trabalho em contexto de prática clínica e a falta de profissionais de saúde, este revelou que quanto mais elevada é a perceção de falta de condições de trabalho em contexto de prática clínica e a falta de profissionais de saúde mais elevados foram os níveis de burnout pessoal, trabalho, utente e ansiedade (Tabela 1). De acordo com Souza et al. (2020) existiu um agravamento das condições de trabalho dos enfermeiros durante o período pandémico. Surrati et al. (2020), refere que a escassez de recursos humanos e o aumento da carga de trabalho levou a um aumento do stresse laboral.
O aumento do burnout, ansiedade/depressão, estiveram relacionados com a relação com os superiores hierárquicos. Analisando a relação com os superiores hierárquicos comprovou-se que quanto mais elevados foram os sentimentos de que a relação com os superiores hierárquicos foram um fator de desgaste, mais elevados eram níveis de burnout, ansiedade e depressão (Tabela 3).
Um ambiente laboral stressante aumenta o mal-estar do trabalhador, sendo imprescindível por parte dos superiores hierárquicos considerar a incorporação de elementos como a motivação, gestão de conflitos, formação, desenvolvimento, suporte, segurança e inovação na organização do trabalho, programas de gestão de stresse, contratação de mais profissionais de saúde, planeamento de horário de trabalho e planeamento de ambiente de repouso (Çelmece & Menekay, 2020; Diogo et al. 2021), apoio espiritual (Giusti et al., 2020), medidas de compensação financeira, apoio por parte das chefias e a instrução clara de procedimentos e conhecimentos sobre a COVID-19 (Zhang et al., 2020).
Pressupôs-se que com a falta de dias de férias/dias de descanso os enfermeiros apresentem maiores níveis de burnout, ansiedade e depressão. A perceção de sentir falta de férias/ dias de descanso levou a níveis mais elevados de burnout, ansiedade e depressão (Tabela 4).
Denota-se concordância nas afirmações relativamente à compensação financeira, sendo considerada uma medida compensatória para os enfermeiros que trabalham em contexto de pandemia (Decreto Lei nº 101-B/2020, de 3 de dezembro), ainda que os enfermeiros continuam a considerar a remuneração inadequada. Esta é considerada uma medida de promoção de bem-estar social e psicológico (Zhang et al., 2020).
As práticas administrativas de apoio a fim de reduzir o stresse e a ansiedade dos profissionais de saúde e a remuneração inadequada foram identificadas como fator contributivo para diminuir o burnout, ansiedade e depressão. Neste caso a perceção de falta de práticas administrativas de apoio a fim de reduzir o stresse e a ansiedade dos profissionais de saúde e uma remuneração inadequada revelou que quanto mais elevada é a perceção de práticas administrativas de apoio a fim de reduzir o stresse e a ansiedade dos profissionais de saúde e uma remuneração inadequada mais elevados foram os níveis de burnout, ansiedade e depressão (Tabela 1).
A falta de práticas administrativas de apoio a fim de reduzir o stresse e a ansiedade dos profissionais de saúde foi um fator para o desenvolvimento de burnout, ansiedade e depressão, evidenciaram necessidade de apoio por parte das instituições de saúde, referindo falta de práticas de aconselhamento e psicoterapia a colaboradores (Diogo et al., 2021; Zhang et al., 2020), programas de gestão de stresse e recrutamento de maior número de enfermeiros, planeamento do horário de trabalho e a criação de ambientes de repouso (Çelmeçe & Menekay, 2020).
Estipulou-se que o uso prolongado de equipamentos de proteção individual, relaciona-se positivamente com o desgaste físico e lesões, contribuindo para maiores níveis de burnout, ansiedade e depressão. Neste caso demonstrou-se que quanto mais prolongado é o uso de equipamentos de proteção individual mais elevados foram os níveis de burnout pessoal e trabalho (Tabela 5).
De acordo com Hu et al. (2020) o uso prolongado de equipamentos de proteção individual e as lesões cutâneas causadas pelos mesmos, contribui para o aumento dos níveis de burnout, ansiedade e depressão. Zhang et al. (2020), justifica este fato pelas lesões na pele e pelo desconforto das mesmas.
Quanto à hipótese 2 pressupõe-se que as condições sociofamiliares, relacionam-se com o desenvolvimento de burnout, ansiedade e depressão nos enfermeiros.
Pretendeu-se comprovar que o medo de infetar família/amigos está relacionado com maiores níveis de burnout, ansiedade e depressão. Denota-se que quanto mais elevado era o medo de infetar família/ amigos, mais elevados eram os níveis de ansiedade (Tabela 6). O medo de infetar familiares e amigos leva aos enfermeiros a diminuírem a sua socialização (Paula et al., 2021).
Em contexto de pandemia por COVID-19, os enfermeiros sofriam de medo de infeção e morte, bem como medo de disseminar o vírus junto dos familiares (Han et al., 2020; Zhang et al., 2020), sendo gerador de burnout (Han et al., 2020), ansiedade e depressão (Han et al., 2020; Hu et al., 2020).
Esperou-se que com o isolamento social, os enfermeiros apresentem níveis aumentados de burnout, ansiedade e depressão. Verificou-se que os sentimentos de isolamento social mais elevados são os níveis do burnout, ansiedade e depressão (Tabela 7).
A pandemia por COVID-19, trouxe grandes mudanças. As quarentenas levaram a que as pessoas, inclusive os enfermeiros passassem mais tempo em ambientes fechados e com restrições na interação, o que acarreta uma crise para a saúde física e mental. O medo de propagação do vírus entre família e amigos, contribui para este isolamento e diminuição do contacto com as pessoas mais próximas, levando a uma mudança do estilo de vida, distanciamento social e sentimento de culpa por disseminar o vírus (Surrati et al., 2020).
Os enfermeiros com a falta de suporte social/familiar desenvolveram maiores níveis de burnout, ansiedade e depressão. Revelou-se que quanto mais elevados são os sentimentos de falta de suporte social/familiar mais elevados são os níveis do burnout, ansiedade e depressão (Tabela 8).
A falta de suporte social/familiar está relacionada com o desenvolvimento de burnout (Giusti et al., 2020), ansiedade e depressão (Hu et al., 2020) dos enfermeiros, que pela separação das suas famílias durante a pandemia, referem saudade (Zhang et al., 2020).
A possibilidade de contrair e disseminar a doença provoca medo e leva a que estes evitem estar na companhia dos seus familiares e amigos (Han et al., 2020), o que leva à diminuição do suporte familiar e dos amigos (Pereira, 2002).
A contribuição para o desenvolvimento de burnout, ansiedade e depressão esteve relacionada com o medo de contrair a doença. Verificou-se que quanto maior é o medo de contrair a doença mais elevados são os níveis de burnout pessoal, ansiedade e depressão (Tabela 9).
Existe uma unanimidade dos autores quanto ao medo de contrair a doença e este está fortemente relacionado com a possibilidade de propagação da mesma para as pessoas que rodeiam os enfermeiros (Giusti et al., 2020; Han et al., 2020; Hu et al., 2020; Surrati et al., 2020; Zhang, 2020), interferindo deste modo para o aumento do burnout (Giusti et al., 2020), ansiedade (Han et al., 2020; Hu et al. 2020) e depressão (Han et al., 2020; Hu et al., 2020).
Os sinais de alerta mais identificados pelos enfermeiros foram o consumo de substâncias (9.8%), sintomas de ansiedade generalizada (33,3%) e a insónia (26,1%; Tabela 10), sendo que os outros aspetos em análise não apresentaram significância estatística. Quanto ao consumo de substâncias não se encontra relação com os níveis de ansiedade e depressão. Todavia, interliga-se com o burnout relacionado com o trabalho, sendo maiores os consumos de substâncias, tais como, o álcool, drogas, medicamentos e tabaco. É referido por Janeway (2020) que em contexto pandémico existiu um agravamento dos sinais de alerta da depressão como isolamento, apatia e falta de interesse, abuso ou dependência de substâncias/álcool, pensamentos suicidas, sintomas de stresse pós-traumático, fobias, ataques de pânico, hipocondria, ansiedade generalizada intrusiva ou obsessões e insónia.
Fortemente ligado à ansiedade, depressão e burnout está a insónia (Miguel-Puga et al., 2020).
Relativamente às limitações deste estudo, considerou-se que o fato de uma população ser maioritariamente feminina, o que dificulta as conclusões face aos indivíduos do sexo masculino. Outra limitação deste estudo foi a existência de pouca bibliografia que interligue as três problemáticas em estudo, ou seja, o burnout, ansiedade e depressão em contexto de pandemia, aquando da realização do mesmo, sendo difícil de apurar quais são os fatores que foram influenciados pela pandemia e quais são os que já eram pré-existentes ao surto pandémico.
A própria pandemia limitou o decorrer do estudo, pelo que os tempos de espera para aprovação dos pedidos das comissões de ética e aprovação pelo Conselho de Administração foram mais demorados, atrasando o decorrer do estudo.
Conclusão
Surgiram novas alterações na dinâmica e trabalho dos enfermeiros com o surgimento da pandemia por COVID-19, trazendo novos desafios para a saúde mental.
Constata-se que os níveis de burnout, ansiedade e depressão foram influenciados por múltiplos fatores, alguns já existentes, outros acentuados por esta nova circunstância.
Verificou-se que nos enfermeiros, as vivencias foram diversificadas. No contexto laboral pode identificar-se diversas causas como falta de material, condições de trabalho desfavoráveis, diminuição da realização profissional, medo de contrair a doença, relação com os superiores hierárquicos e o uso prolongado de equipamentos de proteção individual. No contexto sociofamiliar os enfermeiros enumeraram o medo de infetar familiar e amigos, isolamento social, experienciaram maioritariamente sintomas de ansiedade generalizada, insónia e consumo de substâncias, como fatores para valores mais elevados de burnout, ansiedade e depressão. Tendo em conta a situação vivida, os enfermeiros consideram a remuneração inadequada para o desempenho de funções em contexto de pandemia e a falta de práticas administrativas.
Sugerem-se assim, medidas para o combate de burnout, ansiedade e depressão nos enfermeiros, tais como programas de vigilância sobre a saúde dos enfermeiros, o fornecimento de material adequado e as condições de trabalho adequadas, também são uma primazia para estes profissionais.
Uma boa interligação com os superiores hierárquicos e chefias, medidas de promoção para o bem-estar dos trabalhadores, dias de descanso/férias, incentivando o tempo de contacto com os familiares e amigos, de modo a promover o restabelecimento do bem-estar dos enfermeiros, também devem ser considerados, tal como promover a diminuição do número de horas da utilização dos EPI´s.
Para futuros estudos seria interessante realizar uma análise comparativa entre os enfermeiros da ilha de São Miguel com as restantes ilhas da Região Autónoma dos Açores. No futuro também seria interessante identificar quais são os fatores de desgaste que a pandemia por COVID-19 trouxe para os enfermeiros e quais os já previamente existentes.