Introdução
A pandemia de COVID-19 originou uma grave crise económica e social à escala mundial, tornando-se num dos maiores problemas de saúde pública internacional das últimas décadas. De acordo com Faro et al. (2020), perante uma crise social a preocupação com a saúde mental da população aumenta pelos fatores de risco associados ao desenvolvimento de sintomatologia que compromete o bom funcionamento psicológico e com um forte impacto negativo na saúde e no bem-estar da população. Este impacto reflete-se numa maior pressão colocada aos serviços de saúde, particularmente em países de parcos recursos.
As alterações sociais e económicas, em grande parte resultantes das medidas adotadas para controlar a disseminação do vírus, têm repercussões na saúde mental e no bem-estar (Laranjeira et al., 2022). Se por um lado, medidas como distanciamento físico, confinamento social, encerramento de escolas e universidades, e isolamento para os casos positivos e suspeitos de COVID-19 são consideradas essenciais, por outro, as alterações profundas que provocam nas rotinas diárias individuais e dinâmicas familiares, são geradoras de grande pressão psicológica.
A ansiedade e o medo de ser infetado provocam constrangimentos à mobilidade e às atividades sociais, emergindo modificações drásticas nos estilos de vida. Os estudantes do ensino superior são particularmente suscetíveis a estas condições (Zukhra et al., 2021), sendo a realidade vivenciada pelos estudantes de enfermagem acrescida de grandes desafios devido à suspensão dos ensinos clínicos que constituem, obrigatoriamente, pelo menos 50% do seu currículo (Xavier et al., 2020). Face a esta nova realidade, as experiências vividas podem associar-se a emoções negativas responsáveis pelo aparecimento de sofrimento psicológico, expondo os indivíduos mais vulneráveis ao stress, à ansiedade e ao medo persistentes (Zhai & Du, 2020). Neste sentido, definimos como objetivo geral do estudo: avaliar o impacto provocado pelo isolamento devido à COVID-19 sobre a ansiedade, a satisfação com o apoio percebido ao nível pedagógico, emocional e do Serviço Nacional de Saúde (SNS), a aprendizagem e o aproveitamento escolar, dos estudantes do curso de licenciatura em enfermagem (CLE) de uma instituição de ensino superior na região norte de Portugal.
Enquadramento
A COVID-19 é uma síndrome respiratória aguda provocada por um novo coronavírus, o SARS-CoV-2. Identificado em 2019 na China, o SARS-CoV-2 propagou-se de forma rápida e generalizada pelo globo, tendo sido declarada pela Organização Mundial de Saúde (OMS) como uma pandemia. Esta pandemia obrigou à implementação de medidas excecionais, como a prática do confinamento social e do distanciamento físico que, apesar de constituírem medidas eficazes para controlar a disseminação da doença, têm impacto negativo na saúde. Vários estudos relacionam as medidas de confinamento com o desenvolvimento de sintomatologia depressiva, ansiedade, stress, angústia, medo e tristeza (Li et al., 2020).
No que se refere aos estudantes do ensino superior, vários estudos referem a importância do seu acompanhamento durante o confinamento social e o ensino online, no sentido de prevenir e identificar precocemente possíveis alterações e dificuldades na sua saúde e bem-estar, assim como no seu desempenho académico (Kochuvilayil et al., 2021; Savitsky et al., 2021). Relativamente à saúde e ao bem-estar, Tran et al. (2022) refere que as pessoas que desenvolveram COVID-19, mesmo que ligeira, apresentaram sintomas como fadiga, dispneia, alterações da memória e da concentração, sendo a frequência de sintomas similar entre os grupos de casos suspeitos e confirmados de doença. Estas alterações do estado de saúde podem interferir no desempenho académico dos estudantes, designadamente, na aprendizagem e no aproveitamento escolar. De acordo com Idris et al. (2021), o ensino online e o isolamento têm consequências psicossociais na comunidade académica.
A ansiedade enquanto estado pode definir-se como uma condição emocional temporária que varia em intensidade ao longo do tempo, causada por uma situação potencialmente prejudicial (Takagaki et al., 2018).
Os estudantes mais ansiosos podem ficar menos motivados para estudar, o que pode estar relacionado com maior preocupação com o bem-estar económico, social e académico (Zukhra et al., 2021). Diferentes estudos relacionam as medidas de isolamento com medo e ansiedade nos estudantes (Laranjeira et al., 2022; Li et al., 2020), sendo a ansiedade entre estudantes de enfermagem já reportada como prevalente mesmo em circunstâncias normais (Savitsky et al., 2021).
Historicamente, a formação em enfermagem tem sido consistentemente associada à ansiedade.
Os estudantes de enfermagem experienciam níveis de ansiedade variados, sendo referenciados o contexto clínico e os momentos de avaliação como os principais motivos (Chen et al., 2015) e estão expostos a fatores de stress adicionais, como evidenciado no estudo realizado em Hong-Kong em 2003, durante o surto da Síndrome respiratória aguda grave (Wong et al., 2004). Como referido neste estudo, os estudantes de enfermagem apresentaram maior stress do que outros estudantes da área da saúde, possivelmente refletindo uma perceção mais elevada do risco de infeção, fruto de um contacto de maior proximidade e mais prolongado com os doentes (Wong et al., 2004).
Questões de investigação
Qual a evolução do nível de ansiedade dos estudantes de enfermagem durante o período de isolamento devido à COVID-19? Qual a satisfação dos estudantes de enfermagem com o apoio percebido ao nível pedagógico, emocional e do SNS, durante o período de isolamento devido à COVID-19? Qual o impacto do isolamento devido à COVID-19 na aprendizagem e no aproveitamento escolar dos estudantes de enfermagem, decorrente da ausência nas atividades letivas?
Metodologia
Para avaliar o impacto provocado pelo isolamento devido à COVID-19 nos estudantes de enfermagem, desenhámos um estudo exploratório de natureza quantitativa. A amostra de conveniência foi constituída por 56 estudantes do CLE de uma escola superior de enfermagem situada na zona norte de Portugal continental, que cumpriram isolamento por um dos seguintes motivos: i) teste positivo ao SARS-CoV-2 (isolamento para tratamento), ou ii) contacto de alto risco com uma pessoa que testou positivo (isolamento profilático).
A recolha de dados foi realizada por questionário online de autopreenchimento disponibilizado aos estudantes, no final do período de isolamento. Este instrumento foi construído para o estudo pelos elementos que constituíram a Comissão de Acompanhamento dos Estudantes do CLE no âmbito do Plano de Contingência COVID-19 (CaeClePcCov19) da instituição de ensino superior. A recolha de dados decorreu no período de 1 de outubro de 2020 a 30 de abril de 2021, correspondendo ao início gradual da atividade letiva presencial, quer no contexto teórico quer no contexto de ensino clínico, depois do período de confinamento social em que as atividades letivas teóricas decorreram online e os ensinos clínicos estiveram suspensos.
O questionário integrou cinco partes. A primeira parte contemplou aspetos sociodemográficos como o sexo, a idade, a nacionalidade, o local de residência e a caraterização do agregado familiar. A segunda parte reportou aspetos académicos como o ano do curso e unidades curriculares que frequentavam, o regime especial de frequência entre outros. A terceira parte avaliou os aspetos clínicos e do isolamento como o contexto onde decorreu o contágio ou risco de contágio, os resultados obtidos nos testes ao SARS-CoV-2, o tempo de isolamento, e presença de sintomatologia. A quarta parte pretendeu caraterizar a experiência de isolamento, a satisfação com o apoio percebido ao nível pedagógico, emocional e do SNS e o impacto do isolamento na aprendizagem e no aproveitamento escolar. Por último, a quinta parte, integrou a Escala de Autoavaliação de Ansiedade de Zung (Zung, 1971), validada para a população portuguesa por Ponciano et al. (1982). Esta escala é composta por 20 itens que correspondem a afirmações que contêm sinais e sintomas que caraterizam a ansiedade. Numa escala do tipo likert, a cada afirmação, o inquirido pode escolher entre quatro opções de resposta, de acordo com a sua autoavaliação: nenhuma ou raras vezes, algumas vezes, boa parte do tempo, ou maior parte do tempo. A cada um dos itens é atribuída uma pontuação entre 1 e 4, do menos para o mais ansioso, respetivamente. Assim, quanto mais ansiosa a pessoa se sente, maior pontuação obtém na escala. A pontuação da escala varia de 20 a 80 e que resulta do somatório da pontuação atribuída a cada um dos vinte itens (ansiedade global obtida para cada participante). O ponto de corte com significado clínico situa-se no valor 37, considerando-se como um caso de ansiedade, os indivíduos que pontuam valores iguais ou superiores a este valor (Ponciano et al., 1982). Esta escala tem uma boa validade e fidedignidade quer na versão americana (Zung, 1971) quer na adaptação para a população e cultura portuguesa (Ponciano et al., 1982). Neste estudo, a escala revelou boa consistência interna (a = 0,709), tendo sido aplicada em três momentos de avaliação: 1) momento em que o estudante foi informado que teve contacto de alto risco ou quando iniciou sintomas sugestivos de COVID-19 (AnsM1); 2) momento em que foi informado do resultado do primeiro teste ao Sars-Cov2 (AnsM2), e 3) momento em que o estudante teve conhecimento que poderia retomar a atividade letiva presencial (AnsM3).
Neste estudo, pretendemos avaliar a ansiedade como um estado emocional manifestado ao longo do período de isolamento, influenciando a saúde e bem-estar dos estudantes e, por consequência, o seu desempenho académico percecionado. Para a análise e tratamento dos dados recorremos ao Statistical Package for the Social Sciences (SPSS, versão 27), utilizando técnicas de estatística descritiva (medidas de tendência central e de dispersão) e estatística inferencial (testes de diferenças de médias). Nesta avaliação utilizámos testes paramétricos quando foram observados os pressupostos subjacentes à sua utilização, nomeadamente, verificámos que a ansiedade global (variável quantitativa) seguiu uma distribuição aproximadamente normal nos 3 momentos de avaliação (n = 56), pelo que utilizámos o teste ANOVA para medidas repetidas (F). Quando não foram cumpridos os pressupostos subjacentes à utilização de testes paramétricos (normalidade e homogeneidade de variâncias), utilizámos o teste não-paramétrico -Teste Mann-Whitney (U).
O presente estudo obteve parecer positivo da Comissão de Ética para a Investigação em Ciências da Vida e da Saúde da instituição de ensino superior onde decorreu o estudo (Referência 010/2021) e cumpriu os pressupostos éticos inerentes à investigação científica, concretamente o consentimento livre e esclarecido dos participantes e a garantia de confidencialidade e anonimato.
Resultados
Os resultados reportam-se às caraterísticas sociodemográficas, à evolução da ansiedade, à satisfação com o apoio percebido ao nível pedagógico, emocional e do SNS, ao impacto do isolamento na aprendizagem e no aproveitamento escolar e às relações entre ansiedade, satisfação com o apoio percebido, aprendizagem e aproveitamento escolar dos estudantes que constituíram a amostra.
Caraterísticas sociodemográficas
Os 56 estudantes que constituíram a amostra tinham uma média de idade de 20,7 anos (DP = 1,9), 51 (91,1%) eram do sexo feminino, 45 (80,4%) não coabitavam com outros estudantes, 27 (48,2%) beneficiavam de bolsa de ação social, 10 (17,9%) tinham atividade laboral para além da frequência do CLE, sendo que 7 (12,5%) tinham estatuto de estudante trabalhador, 41 (73,2%) frequentavam os últimos anos do curso (terceiro ou quarto ano) aquando do isolamento e 46 (82,1%) estavam inscritos em unidades curriculares de ensino clínico/estágio. Ainda, 22 (39,3%) estudantes ficaram em isolamento devido a doença ou contacto de risco no contexto clínico e 20 (30,3%) no contexto familiar.
Evolução da ansiedade
A Figura 1 mostra a evolução da ansiedade dos estudantes, entre AnsM1, AnsM2 e AnsM3, após aplicação da Escala de Autoavaliação de Ansiedade de Zung (Ponciano et al., 1982). Verificámos alterações, estatisticamente significativas, entre os 3 momentos de avaliação (F = 17,859; p < 0,001; n = 56), nomeadamente, a ansiedade diminuiu do primeiro momento (M = 38,15; Mínimo [Mín. ] = 28; Máximo [Máx. ] = 62; DP = 7,128) para o segundo momento (M = 34,82; Mín. = 22; Máx. = 60; DP = 6,668) e deste para o terceiro momento (M = 33,32; Mín. = 20; Máx. = 60; DP = 6,180).
Quando procedemos à avaliação da evolução da ansiedade no grupo de estudantes que contraíram COVID-19 (em isolamento para tratamento) e aqueles que não contraíram COVID-19 (em isolamento profilático), constatámos diferenças estatisticamente significativas nos três momentos de avaliação dentro de cada grupo (avaliação intra-sujeitos). Assim, nos estudantes que contraíram Covid-19 (n = 22), verificámos uma diminuição da ansiedade ao longo dos três momentos de avaliação: Mdn = 36 (AnsM1 e AnsM2), e Mdn = 31 (AnsM3); X 2 (2) = 8,842; p = 0,012. Nos estudantes que não contraíram Covid-19 (n = 34), verificou-se, igualmente, uma diminuição da ansiedade ao longo dos três momentos de avaliação: Mdn = 39 (AnsM1), Mdn = 34 (AnsM2), e Mdn = 33 (AnsM3); X 2 (2) = 27,793; p < 0,001.
Relativamente à ansiedade avaliada no primeiro momento (AnsM1), entre o grupo de estudantes que contraíram COVID-19 e aqueles que não contraíram COVID-19 (avaliação inter-sujeitos), encontrámos diferenças estatisticamente significativas (U = 227,0; p = 0,034), isto é, os estudantes que testaram positivo revelaram menos ansiedade (Mdn = 36; Mín. = 28; Máx. = 45; n = 22) comparativamente àqueles que testaram negativo (Mdn = 39; Mín. = 28; Máx.= 62; n = 34). Quando comparámos estas diferenças nos restantes momentos de avaliação-AnsM2 e AnsM3-não verificámos resultados estatisticamente significativos.
Satisfação com o apoio percebido
Do total da amostra, 20 (35,7%) estudantes mostraram-se “nada/pouco satisfeito” com o apoio fornecido pelo SNS durante o período de isolamento, nomeadamente, o SNS24 (linha de atendimento telefónico) e a Unidade de Saúde Pública (USP) da sua área de residência. Verificámos, ainda, que 55 (98,1%) estudantes referiram estar “satisfeito/muito satisfeito’’ com a equipa pedagógica responsável pela unidade curricular que frequentavam durante o período de isolamento. A totalidade dos estudantes (100%) mostrou-se “satisfeito/muito satisfeito’’ com o apoio prestado pela CaeClePcCov19. Por último, 12 (21,4%) estudantes referiram ter sentido necessidade de apoio psicológico profissional.
Impacto do isolamento na aprendizagem e no aproveitamento escolar
Relativamente ao impacto (negativo) na aprendizagem, decorrente da ausência às atividades letivas durante o período de isolamento (aulas teóricas/teórico-práticas ou ensino clínico/estágio), 37(66,1%) estudantes referiram sentir “mediano a muito impacto’’. No que diz respeito ao impacto (negativo) no aproveitamento escolar à unidade curricular que frequentavam, 32 (57,1%) consideraram sentir “mediano a muito impacto”.
Relações entre ansiedade, satisfação com o apoio percebido, aprendizagem e aproveitamento escolar
Quando analisámos os resultados com significado estatístico: 1) em AnsM3, os estudantes com atividade laboral para além da frequência do CLE demonstraram maior ansiedade comparativamente àqueles sem atividade laboral (U = 120,50; p = 0,026); 2) em AnsM2 e AnsM3, os estudantes que manifestaram sentir a necessidade de apoio psicológico durante o período de isolamento revelaram maior ansiedade quando comparados com aqueles que não manifestaram a necessidade de ajuda psicológica (U = 144,50, p = 0,025; U = 146,50, p = 0,028); 3) em AnsM1 e AnsM2, os estudantes que percecionaram mediano/muito impacto (negativo) na aprendizagem, decorrente da ausência às atividades letivas durante o período de isolamento, revelaram maior ansiedade quando comparado com aqueles que percecionaram nenhum/pouco impacto (U = 128,00, p < 0,001; U = 188,00; p = 0,018); 4) em AnsM1 e AnsM3, os estudantes que percecionaram mediano/muito impacto (negativo) no aproveitamento escolar à unidade curricular que frequentavam durante o período de isolamento revelaram maior ansiedade em relação aqueles que percecionaram nenhum/pouco impacto (U = 222,00, p = 0,022; U = 229,00, p = 0,030).
Discussão
Os resultados deste estudo revelaram um impacto negativo do isolamento devido à COVID-19 nos estudantes de enfermagem, designadamente ao nível da ansiedade, satisfação com o apoio percebido e a aprendizagem e aproveitamento escolar.
Ansiedade dos estudantes
Já antes da pandemia, diferentes estudos apontavam para o facto de os estudantes de enfermagem revelarem níveis mais elevados de ansiedade comparativamente aos restantes estudantes do ensino superior (Chen et al., 2015). Este estudo revelou que o momento de maior ansiedade para os estudantes em isolamento ocorreu quando foram informados que tiveram um contacto de alto risco ou quando iniciaram sintomas sugestivos de COVID-19 (AnsM1). A média da ansiedade neste momento foi de 38,15, tendo este valor, de acordo com Zung (1971), significado clínico. Num estudo desenvolvido com estudantes do ensino superior durante a pandemia de COVID-19 por Žilinskas et al. (2021), verificou-se que aproximadamente metade dos estudantes apresentou ansiedade com relevância clínica. No universo dos estudantes do ensino superior, são os dos cursos de saúde que revelaram níveis mais elevados de ansiedade durante a pandemia de COVID-19 (Laranjeira et al., 2022).
Um resultado curioso do presente estudo foi o facto de, em AnsM1, os estudantes que testaram negativo ao SARS-CoV-2 revelarem maior ansiedade comparativamente àqueles que testaram positivo. Vários estudos evidenciaram que o medo de ser infetado explica grande parte da ansiedade dos estudantes de enfermagem. Yazici e Okten (2022) encontraram uma correlação entre o medo de contrair a doença e a ansiedade dos estudantes de enfermagem em prática clínica. Por outro lado, Silva et al. (2021) constataram que, durante o primeiro confinamento, os estudantes que se encontravam em contexto clínico e frequentavam os últimos anos do curso demonstraram estratégias de coping mais ajustadas e maiores níveis de bem-estar. Um outro estudo, realizado na Indonésia, evidenciou que a ansiedade dos estudantes de enfermagem que se encontravam em contexto clínico pode ser agravada por existir pouca disponibilidade de equipamentos de proteção individual (Zukhra et al., 2021).
Quando confrontados com o resultado do teste (AnsM2), os estudantes com sintomas, nomeadamente febre e dispneia, revelaram maior ansiedade que os estudantes sem sintomas. Este facto corrobora o estudo de Zukhra et al. (2021) que demonstrou maior ansiedade em estudantes com sintomas respiratórios.
No fim do período de isolamento (AnsM3), os estudantes com atividade laboral foram os que revelaram maior ansiedade, provavelmente por este momento representar o retorno à atividade letiva cumulativamente com a atividade laboral, com necessidade de conciliar ambas as atividades. Estes resultados são corroborados por Laranjeira et al. (2022) que durante a pandemia de COVID-19, constataram que os estudantes do ensino superior português sem atividade laboral apresentaram um risco significativamente menor de stress, ansiedade e depressão.
Os estudantes que revelaram maior ansiedade ao longo de todo o período de isolamento foram os que percecionaram impacto negativo na aprendizagem e no aproveitamento escolar e, também, os que manifestaram necessidade de apoio psicológico. Apesar do nosso estudo se reportar especificamente aos estudantes em isolamento, os resultados da avaliação da ansiedade são, na generalidade, concordantes com outros estudos que envolveram estudantes de enfermagem durante a pandemia de COVID-19, independentemente da sua situação de isolamento.
Satisfação dos estudantes de enfermagem com o apoio percebido
Vários estudos referem a importância do acompanhamento dos estudantes do ensino superior durante o período de isolamento relacionado com a COVID 19, no sentido de prevenir e identificar precocemente possíveis alterações e dificuldades desencadeadas pelo mesmo, na sua saúde e bem-estar assim como no seu desempenho académico (da Mata et al., 2021; Kochuvilayil et al., 2021; Savitsky et al., 2021). Neste sentido, a instituição de ensino superior onde este estudo decorreu, criou a CaeClePcCov19 com o intuito de proporcionar aos estudantes em isolamento um acompanhamento e apoio de maior proximidade, ao nível pedagógico e emocional, pelo docente gestor do caso, e a implementação de estratégias pedagógicas alternativas, pelos coordenadores das respetivas unidades curriculares. Além da satisfação com o apoio pela CaeClePcCov19 e pela equipa pedagógica de cada unidade curricular, este estudo avaliou a satisfação dos estudantes com o apoio fornecido pelo SNS, nomeadamente, o SNS24 e a USP da sua área de residência. No que se refere ao acompanhamento pela CaeClePcCov19 e ao acompanhamento pedagógico, 100% e 98,1% dos estudantes da amostra, respetivamente, manifestaram estar satisfeitos ou muito satisfeitos. Todos os estudantes foram contactados em 4 momentos: i) no início do isolamento; ii) no momento em que reportaram resultados dos testes realizados; iii) a meio do período previsto de isolamento; iv) no momento do regresso às atividades letivas presenciais. Foram orientados em articulação com os coordenadores pedagógicos das unidades curriculares, os quais estabeleceram com cada estudante, de forma personalizada, estratégias pedagógicas alternativas para minimizar os efeitos da ausência às atividades letivas na aprendizagem. Estes contactos tinham ainda como objetivos o esclarecimento de dúvidas e o suporte psicológico e emocional. Além destes momentos pré-estabelecidos, o estudante podia contactar o seu gestor de caso sempre que sentisse necessidade. Este procedimento proporciona ao estudante a utilização das estratégias de coping que mais têm promovido o bem-estar psicológico dos estudantes de enfermagem neste período, e que consistem no suporte instrumental (procurar ajuda, informações, ou conselho acerca do que fazer) e no suporte emocional (conseguir simpatia ou suporte emocional de alguém; Silva et al., 2021). Ainda assim, 21,4% dos estudantes referiram ter sentido necessidade de apoio psicológico profissional. Alomari et al. (2021) identificaram, também, necessidades de suporte relacionadas com dificuldades financeiras, isolamento social, necessidade de comunicar e falta de preparação para o ensino online por parte dos estudantes de enfermagem que podem contribuir para a compreensão deste resultado.
Em relação ao apoio fornecido pelo SNS, 35,7% dos estudantes referiram estar “nada ou pouco satisfeitos”, o que vai ao encontro do estudo de Tran et al. (2022), que identificaram como um dos efeitos da pandemia na vida dos indivíduos, o impacto negativo no relacionamento com os prestadores de cuidados de saúde. Contudo, Xavier et al. (2020) verificaram, no início da pandemia, que estudantes de enfermagem portugueses tinham uma perceção clara e oportuna das informações prestadas pelo SNS. De acordo com os gestores de caso, os estudantes referiram principalmente dificuldades no contacto inicial com o SNS24, e demora ou atraso no contacto pela USP da sua área de residência para o rastreio de contactos, acompanhamento da evolução dos sintomas e comunicação da alta clínica. A insatisfação referida pelos estudantes com o acompanhamento pelo SNS pode estar relacionada com a necessidade da reorganização dos serviços de saúde na resposta à pandemia e à elevada procura de cuidados de saúde.
Impacto do isolamento na aprendizagem e no aproveitamento escolar
Na sequência do confinamento geral decretado pela maioria dos países, as instituições de Ensino Superior adaptaram as estratégias pedagógicas para o ensino online, minimizando o impacto da ausência às atividades letivas presenciais. O estudo de Idris et al. (2021), sobre a experiência de aprendizagem online durante o período teórico de estudantes do ensino superior da área da saúde, apontou aspetos positivos e negativos da mesma. Salientam, como positivo, a possibilidade de manterem o plano de estudos de acordo com o cronograma previsto, contudo consideraram a incerteza relativamente à avaliação como um aspeto negativo da experiência. No nosso estudo, a maioria dos estudantes (82,1%) encontrava-se a frequentar unidades curriculares de ensino clínico/estágio quando foram confrontados com a situação de isolamento. Apesar das estratégias pedagógicas alternativas que foram implementadas, estas não substituíram as experiências vividas pelos estudantes em contexto clínico, o que poderá explicar o seu impacto negativo na aprendizagem (66,1% dos estudantes referiram mediano a muito impacto) e no aproveitamento escolar (57,1% dos estudantes referiram mediano a muito impacto).
Este estudo apresenta algumas limitações, nomeadamente a dimensão da amostra, pelo facto de se ter circunscrito aos estudantes de enfermagem que se encontravam em isolamento. Recomendamos a realização de novos estudos que comparem as experiências dos estudantes na pandemia, sobre diferentes perspetivas, considerando outras variáveis como o suporte social, familiar e económico.
Conclusão
A pandemia de COVID-19 influenciou significativamente a vida das pessoas a nível individual, familiar, social, académico e profissional. O presente estudo pretendeu avaliar o impacto provocado pelo isolamento, devido à COVID-19, nos estudantes do CLE de uma instituição na região Norte de Portugal. Durante o isolamento, os estudantes de enfermagem apresentaram níveis de ansiedade com significado clínico, no início do período de isolamento. Os estudantes referiram maior satisfação com o apoio proporcionado pela CaeClePcCov19 e pela equipa pedagógica das UC e menor satisfação com o apoio do SNS. A ausência às atividades letivas, principalmente de ensino clínico/estágio, teve impacto negativo na sua aprendizagem e aproveitamento escolar.
Desde o início da pandemia que as investigações realizadas têm reforçado a preocupação da comunidade científica com a saúde mental dos estudantes do ensino superior. Os resultados obtidos reforçam a necessidade de programas de apoio e acompanhamento, a longo prazo, dos estudantes em geral e, da área da saúde, em particular, ao nível da promoção do autocuidado, estilos de vida saudáveis e estratégias de coping para fazer face à ansiedade e stress experienciados. Os estudantes de enfermagem ao longo do seu percurso académico em contexto clínico estão expostos a riscos específicos, nomeadamente o risco de infeção, que originam experiências de maior stress e ansiedade. É relevante que os estudantes de enfermagem acedam a evidência científica atualizada nesta matéria, utilizando-a em prol da sua proteção e da promoção da sua saúde mental e bem-estar. As instituições de ensino superior, em estreita colaboração com as instituições de saúde, deverão tomar medidas para monitorizar a saúde mental dos estudantes, disponibilizar o suporte necessário e conduzir estudos multicêntricos de larga escala neste domínio. A saúde e bem-estar dos estudantes é fundamental para o seu sucesso académico e desenvolvimento enquanto profissionais de saúde.