Introdução
A Organização Mundial de Saúde e o Ministério da Saúde do Brasil (Ministério da Saúde, 2017; World Health Organization [WHO ], 2022a) recomendam iniciar o contacto pele a pele no tórax materno e o aleitamento materno o mais precocemente possível, de forma a ajudar a mãe a iniciar a amamentação na primeira meia hora após o nascimento. Idealmente o recém-nascido deve ser colocado em contacto pele a pele com com a mãe imediatamente após o parto, por pelo menos uma hora. No entanto, tais ações podem ser adiadas devido às condições clínicas dos recém-nascidos prematuros (RNPT) no momento do nascimento.
A Iniciativa Hospital Amigo da Criança (IHAC) é amplamente adotada nas maternidades brasileiras, porém quando se trata do contexto complexo e tecnológico que envolve o nascimento de um recém-nascido prematuro e as dificuldades na amamentação, essa iniciativa ainda tem limitações (Maastrup et al., 2019).
Nesse sentido, a IHAC-Neonatal foi criada por um grupo de pesquisadores em 2009 e baseia-se em três princípios norteadores para fundamentar as ações de apoio para a população atendida nas unidades neonatais: 1) foco e resposta às necessidades individuais de cada família; 2) ações baseadas no cuidado centrado na família; e 3) a continuidade do cuidado entre os períodos pré, peri e pós-natal, bem como após a alta hospitalar e os dez passos que têm sido preconizados como uma prática baseada em evidência (Nyqvist et al., 2015).
Nesta proposta, o passo quatro propõe encorajar precocemente o contacto pele a pele no tórax materno de maneira contínua e prolongada, considerando que nem sempre é possível realizar esse contacto ainda na sala de parto, dada a situação vulnerável do recém-nascido. O passo cinco postula demonstrar às mães como iniciar e manter a lactação e estabelecer a estabilidade do RNPT como único critério para o início precoce da amamentação (Nyqvist et al., 2015). Tais passos possibilitam estimular os profissionais de saúde a promover o contacto pele a pele e a amamentação na meia hora de vida mesmo se esse recém-nascido for prematuro, bastando que este esteja em condições clínicas favoráveis para a sua realização.
A nova recomendação da WHO estabelece que o contacto pele a pele imediato nas instituições de saúde pode ser iniciado antes que o bebé esteja clinicamente estável, a menos que este seja incapaz de respirar espontaneamente após a ressuscitação, esteja em choque ou precise de ventilação mecânica. A condição clínica do bebé (incluindo frequência cardíaca, respiração, cor, temperatura e saturação de oxigénio, quando possível) deve ser monitorizada durante o contacto pele a pele (WHO, 2022a).
Apesar das recomendações, a promoção do contacto pele a pele entre mãe e RNPT de forma imediata ou precoce ainda é um desafio para os serviços de saúde como mostram os resultados de um estudo transversal realizado num hospital amigo da criança do nordeste brasileiro, que verificou que 16,4% (n = 119) das mães entrevistadas não realizaram contacto pele a pele no momento do nascimento. Destas, 59,7% (n = 71) alegaram que não realizaram o contacto pele a pele e/ou amamentação na primeira hora de vida devido a complicações neonatais e/ou prematuridade (Araujo et al., 2021).
A não realização do contacto pele a pele no tórax materno no momento do nascimento é muito frequente devido as questões relacionadas à prematuridade. No entanto, o benefício de outros tipos de contacto físico, mais simples de serem executados como o toque e o beijo ainda não foram devidamente investigados. Por este motivo, torna-se necessário investigar a prevalência de qualquer tipo de contacto físico na população de recém-nascidos prematuros na sala de parto e se a realização de algum tipo de contacto físico no momento do nascimento tem relação com as taxas de aleitamento materno na alta hospitalar.
O presente estudo tem como objetivos: verificar a prevalência de contacto físico entre mãe e recém-nascido prematuro no nascimento; e associar o tipo de contacto físico realizado pelo binómio na sala de parto com a prevalência do aleitamento materno exclusivo na alta hospitalar.
Enquadramento
De acordo com a WHO (2022b), a taxa de prematuridade está a aumentar, uma vez que em cada ano 15 milhões de bebés nascem prematuros, afetando famílias em todo o mundo. E, como consequência, mais de um milhão de crianças morrem por ano devido a complicações do parto prematuro. A WHO (2022b) define RNPT como aqueles que nascem com menos de 37 semanas de gestação, independentemente do peso ao nascimento. Os RNPT podem ser classificados de acordo com a sua idade gestacional: Prematuro extremo - < 28 semanas; Muito prematuro - 28 a 32 semanas; e Prematuro moderado a tardio - 32 a < 37 semanas de gestação. Dentre tantos fatores, uma medida que se mostra eficaz para a diminuição da morbimortalidade neonatal é a realização do contacto pele a pele na posição canguru.
No Brasil, o estímulo à prática do contacto pele a pele entre o recém-nascido prematuro e/ou de baixo peso com sua mãe e/ou pai ou companheiro(a) realizada de forma imediata (nos primeiros dez minutos pós-parto) ou precoce (nas primeiras 24 horas pós-parto; Mekonnen et al., 2019) e de forma contínua ocorre principalmente por meio do Método Canguru (MC), que é um modelo de atenção perinatal voltado para a atenção qualificada e humanizada ao recém-nascido e sua família. O MC caracteriza-se pelo desenvolvimento em três etapas interligadas. A 1ª etapa ocorre no pré-natal de alto risco e unidade neonatal e a 2ª etapa na unidade de cuidado intermediária canguru e são de extrema importância para a sobrevida destes bebés. Após a alta hospitalar, inicia-se a 3ª etapa, que consiste no seguimento ambulatorial específico até que o bebé atinja 2500 g, com orientação e acompanhamento assegurados na unidade hospitalar (follow-up) e cuidados compartilhados com a atenção básica, na unidade básica de saúde (UBS) de referência. Em todas as etapas do MC o contacto pele a pele na posição canguru é estimulado inclusive no momento do nascimento pois tal prática é considerada o principal pilar do método (Ministério da Saúde, 2017).
Assim, recomenda-se que os profissionais de saúde favoreçam o início do contacto pele a pele de forma precoce e crescente a partir do contacto físico por meio do toque, evoluindo até o RNPT adquirir as condições para permanecer na posição canguru (Ministério da Saúde, 2017).
A dimensão do contacto físico (toque, beijo, carícia) está fundamentado nos preceitos da formação de laços afetivos apresentados por Bowlby (1984) e Winnicott (1988). O toque, calor e odor são potentes estimulantes vagais que, entre outros efeitos, libertam ocitocina materna (Moore et al., 2016).
No entanto, as mães dos RNPT que sofrem a experiência do stresse e de fatores emocionais durante a hospitalização podem ter a sua produção láctea diminuída (Moore et al., 2016). É fundamental que os profissionais de saúde orientem os pais para o início do contacto físico assim que possível, de preferência ainda na sala de parto.
Questões de investigação
Qual a prevalência de contacto físico entre mãe e recém-nascido prematuro no momento do nascimento?
Existe relação entre o tipo de contacto físico realizado pelo binómio na sala de parto com a prevalência do aleitamento materno exclusivo na alta hospitalar?
Metodologia
Trata-se de um estudo transversal realizado numa unidade neonatal do Município do Rio de Janeiro de referência para a gestação de alto risco, durante o período de julho a novembro de 2017.
O local do estudo foi uma maternidade de referência para o atendimento materno e neonatal localizada na Área Programática 1.0 do Município do Rio de Janeiro inserida no Programa Cegonha Carioca, que oferece o Método Canguru. Destaca-se que a instituição faz parte da rede cegonha que segue as boas práticas ao parto e nascimento que inclui o estímulo do contacto pele a pele.
A população do estudo foi composta por mães de recém-nascidos prematuros que tiveram os seus filhos internados na unidade neonatal e que tiveram alta hospitalar durante o período da recolha de dados. A amostra não probabilística contou com 78 mães de 79 recém-nascidos prematuros (dois gémeos). Neste estudo não foi realizado cálculo amostral.
Foram incluídos no estudo os RNPT (recém-nascidos < 37 semanas de idade gestacional) sem contra indicações temporárias (Infeção herpética, quando há vesículas localizadas na pele da mama; Varicela: se a mãe apresentar vesículas na pele cinco dias antes do parto ou até dois dias após o parto; Doença de Chagas, na fase aguda da doença ou quando houver sangramento mamilar evidente) ou definitivas (Mães infectadas pelo HIV e/ou HTLV1 e HTLV2; mães em uso de medicamentos incompatíveis com a amamentação) para amamentação e que tiveram internamento na unidade neonatal durante as primeiras 48 horas de vida. Foram excluídos os RNPT que foram transferidos para outras instituições e óbito neonatal durante o internamento.
O instrumento de recolha de dados foi um formulário que era preenchido pela equipa de pesquisa, com os dados fornecidos pelas mães do RNPT durante uma entrevista e com dados contidos no prontuário do RNPT. O formulário de recolha de dados foi elaborado com base nas recomendações do Ministério da Saúde brasileiro e das evidências científicas de revisões sistemáticas. Era constituído por perguntas fechadas sobre questões relacionadas aos dados de caracterização materna, condições gestacionais e de parto, condições de nascimento do RNPT, se o RNPT realizou algum tipo de contacto físico com sua mãe no momento do nascimento, se sim qual o tipo de contacto realizado, qual o tipo de alimentação no momento da alta hospitalar e tempo total de internamento. As informações sobre as condições de nascimento, tipo de alimentação no momento da alta hospitalar e tempo de internamento foram obtidas nos prontuários.
Foi realizado um teste piloto com oito mães de oito RNPT para testar o formulário da recolha de dados. Após o teste, o formulário foi modificado quanto à sua estrutura e conteúdo, tendo sido acrescentada uma questão relacionada com a amamentação na primeira hora de vida que poderia ser considerada um tipo de contacto físico e também influenciar nas taxas de aleitamento materno exclusivo na alta. As mães e os RNPT participantes do teste piloto não foram incluídas na população final do estudo.
Neste estudo foi considerado como contacto físico o beijo, o toque e o contacto pele a pele no tórax materno que tenha ocorrido entre mãe e bebé no momento do nascimento na sala de parto.
A recolha de dados foi realizada por duas investigadoras enfermeiras especialistas em enfermagem neonatal treinadas para o efeito. As mães eram selecionadas por meio dos critérios de inclusão através da consulta dos prontuários dos RNPT internados na unidade neonatal. Posteriormente, as investigadoras iam ao encontro das mães na unidade neonatal ou no alojamento conjunto ou no materno, apresentavam o termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE) e convidavam-nas para participar na pesquisa. Após a assinatura do TCLE, a entrevista era realizada e eram recolhidos os dados nos prontuários dos RNPT.
As variáveis independentes que constam no formulário foram os tipos de contacto físico realizado entre mãe e RNPT na sala de parto (contacto pele a pele no tórax materno, apenas toque, somente beijo). A variável dependente foi a realização do aleitamento materno exclusivo na alta hospitalar.
Os dados recolhidos foram inseridos numa base de dados no programa IBM SPSS Statistics, versão 22.0 e analisados no R® versão 3.4.1. As análises descritivas foram realizadas neste programa, sendo as variáveis categóricas apresentadas por meio de frequências absolutas e relativas e nas numéricas foi aplicado o teste de normalidade Shapiro-Wilk, sendo utilizada medida de tendência central (média) e dispersão (desvio padrão).
Na análise bivariada estimou-se a Razão prevalência (RP) e seus respetivos Intervalos de Confiança (IC). Níveis de significância estatística foram averiguados pelo teste de X2 de Pearson e Exato de Fisher com nível de significância de 5%. Para a testagem no modelo múltiplo, foi utilizado a regressão logística não condicional, sendo considerada a associação estatisticamente significante ao nível de 5%. As estimativas de riscos foram feitas empregando-se a Regressão de Poisson com variância robusta.
O desenvolvimento deste estudo atendeu nacional e internacionalmente às normas de ética em investigação a envolvendo seres humanos. O estudo foi aprovado pela Comissão de Ética em Investigação de Ética em Pesquisa da instituição proponente com o parecer nº 1.987.091/2017 e posteriormente pela coparticipante com parecer nº 2.036.389/2017. O formulário de recolha de dados foi aplicado após o consentimento dos referidos comitês, respeitando todos os princípios éticos determinados na Resolução 466/12 do Conselho Nacional de Saúde. Todos os participantes do estudo assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).
Resultados
Em relação às características da amostra do estudo, as setenta e oito mães entrevistadas possuíam idade média de 29 anos (± 6,85). A maioria (38,46%) afirmou ter concluído o ensino fundamental e receber 2 a 3 salários mínimos (73,08%; n = 57), sendo a renda média de R$ 2.060,00 (± 1.542,80). Em relação aos dados de gestação e parto, 97,44% (n = 76) das mães realizaram o pré-natal, 96,15% (n = 75) tiveram gestação única, 2,56% (n = 2) tiveram a gestação dupla e 1,28% (n = 1) tripla ou mais e 19,23% (n = 15) tiveram parto vaginal e 80,77% (n = 63) cesariana.
A caracterização dos RNPT incluídos no estudo está descrita na Tabela 1. Observaram-se mais RNPT do sexo feminino, idade gestacional de 32 a 36 semanas e 6 dias (média de 32,42 semanas; ± 2,47), pesando entre 1.500 a 2.499g (média de 1.736,5; ± 411,12) com APGAR médio de 6,29 (± 1,88) no primeiro minuto de vida e de 8,11 (± 1,00) no quinto, que, na sua maioria, foram reanimados.
Variáveis | F * | % | Média (Desvio-padrão) |
---|---|---|---|
Sexo | |||
Masculino | 39 | 49,37 | |
Feminino | 40 | 50,63 | |
Idade gestacional | 32,42 semanas (± 2,47) semanas | ||
< 28 semanas | 2 | 2,53 | |
28 a 31 semanas e 6 dias | 24 | 30,38 | |
32 a 36 semanas e 6 dias | 53 | 67,09 | |
Peso ao nascimento | 1.736,46 (± 411,12) gramas | ||
2.500 a 3.000g | 2 | 2,53 | |
1.500 a 2.499g | 58 | 73,42 | |
1.499 a 1.000g | 15 | 18,99 | |
<1.000g | 4 | 5,06 | |
Apgar | |||
No 1º min | 6,29 (± 1,88) | ||
No 5º min | 8,11 (± 1,00) | ||
Reanimação | |||
Sim | 49 | 62,03 | |
Não | 30 | 37,97 |
Nota. F* = Frequência.
Os tipos de contacto físico realizados na sala de parto estão descritos na Tabela 2. De acordo com esta tabela, observa-se que a maioria dos RNPT não realizaram contacto físico com sua mãe na sala de parto. Dos que realizaram o contacto físico, o contacto pele a pele sobre o tórax materno foi o mais prevalente.
Variáveis | F* | % |
Apenas beijou, mas não o segurou | 13 | 16,46 |
Apenas tocou | 12 | 15,19 |
Contato pele a pele sobre o tórax materno | 16 | 20,25 |
Não realizou contato físico | 38 | 48,10 |
Nota. F* = frequência.
Nenhum dos RNPT incluídos no estudo realizaram a amamentação na primeira hora de vida. Em relação aos dados da alta hospitalar, a média do tempo de internamento dos RNPT na unidade neonatal foi de 31,25 dias (± 23,60). A média da idade gestacional corrigida da alta foi de 36,18 semanas (± 1,70)
No que se refere ao tipo de alimentação na alta hospitalar, a prevalência de aleitamento materno exclusivo na ocasião da alta hospitalar foi de 31,65% (n = 25), enquanto que o aleitamento misto foi de 44,30% (n = 35) e 24,05% (n = 19) somente com o uso de fórmula.
Não foi observada diferença estatística entre o tipo de contacto físico realizado entre mãe e RNPT no momento do nascimento com o aleitamento materno exclusivo na alta (Tabela 3).
Aleitamento materno exclusivo na alta | |||||
---|---|---|---|---|---|
Sim (n = 25) N(%) | Não (n = 54) N(%) | p-valor* | RP ‡ | IC † (95%) | |
CPP no tórax materno | |||||
Sim | 7 (43,75) | 9 (56,25) | 0,332 | 1,54 | 0.65;3,70 |
Não | 18 (28,57) | 45 (71,43) | |||
Toque | |||||
Sim | 3 (27,27) | 8 (72,73) | 0,635 | 0,74 | 0,22;2,52 |
Não | 22 (32,35) | 46 (67,65) | |||
Somente beijou | |||||
Sim | 6 (46,15) | 7 (53,85) | 0,39 | 1,60 | 0,65;4,00 |
Não | 19 (28,78) | 47 (71,21) | |||
Qualquer contato (tórax, toque e beijo) | |||||
Sim | 16 (39,02) | 25 (60,97) | 0,2047 | 1,70 | 0,75;3,90 |
Não | 9 (23,68) | 29 (76,31) |
Nota. *p = Valor do coeficiente de regressão Poisson robusta; Teste de X2 de Pearson e Exato de Fisher. ‡RP = Razão de prevalência. †IC = Intervalo de Confiança.
Discussão
No presente estudo a prevalência de qualquer tipo de contacto físico foi de 51,9% (n = 41) e não foi encontrada associação estatística quanto à realização de algum tipo de contacto físico no momento do nascimento e a presença de aleitamento materno exclusivo no momento da alta hospitalar do recém-nascido prematuro.
Alguns estudos têm apontado diversos fatores que influenciam a prática do contacto pele a pele no momento do nascimento, nas taxas de amamentação na primeira hora de vida e na prevalência do aleitamento materno exclusivo na ocasião da alta hospitalar (Navas et al., 2021; Saco et al., 2019).
Um estudo transversal realizado através da análise de 959 prontuários, com objetivo de verificar os fatores associados à prática do contacto pele a pele com amamentação na primeira hora de vida, mostrou que boas condições de nascimento da criança como, por exemplo, o boletim Apgar acima de 8 no 1º minuto de vida foi um fator que facilitou a realização da prática, enquanto a variável menor idade da mãe foi considerada um fator que dificultou tal prática (Saco et al., 2019). No presente estudo, a média do apgar dos RNPT no primeiro minuto foi abaixo de 7, mostrando uma condição de nascimento que pode ter dificultado a realização do contacto pele a pele no tórax materno, pois apenas 20,25% dos RNPT realizaram a prática.
Outro estudo transversal realizado com 107 prematuros em dois hospitais do Paraná/Brasil evidenciou uma baixa prevalência do aleitamento materno exclusivo na ocasião da alta hospitalar e demostrou que fatores como prematuridade, intercorrências no parto e a necessidade de reanimação no momento do nascimento estavam relacionados com a interrupção da prática da amamentação exclusiva (Monteiro et al., 2017).
Em comparação com os achados do presente estudo foi visto que 97,47% dos RNPT tinham baixo peso ao nascer e que 62,03% necessitaram de manobras de reanimação neonatal, o que pode ter dificultado tanto a realização do CPP no tórax materno na sala de parto quanto qualquer outro tipo de contacto físico.
O início precoce do contacto físico, especialmente o do tipo pele a pele, é um desafio, mas é uma prática importante sobretudo para RNPT e os seus pais. Um estudo de ensaio clínico randomizado e controlado realizado em quatro hospitais na África e num hospital da Índia verificaram que bebés com peso ao nascer entre 1,0 e 1,799 kg e que receberam contacto pele a pele de forma imediata tiveram mortalidade mais baixa em 28 dias do que aqueles que receberam o contacto pele a pele iniciados após a estabilização (WHO Immediate KMC Study Group et al., 2021).
Um estudo de revisão sistemática que teve como um dos seus objetivos avaliar os efeitos benéficos e adversos da realização do contacto pele a pele (CPP) em recém-nascidos de baixo peso ao nascer mostrou uma associação significativa do CPP com a redução do risco de mortalidade. Os resultados também mostraram uma associação positiva do CPP com o aleitamento materno exclusivo na alta (Conde-Agudelo et al., 2016). No presente estudo a razão de prevalência maior que um, concorda com a associação vista nos estudos citados anteriormente. No entanto, tal associação não teve significância estatística, o que pode ter ocorrido devido a amostra pequena gerando um intervalo de confiança amplo (0,65-3,70).
Para os pais e especialmente para as mães de recém-nascidos prematuros, o período desde o nascimento até a alta hospitalar do seu filho é permeado de múltiplos sentimentos como angústia, fragilidades, insegurança, medos e desafios (Veronez et al., 2017). A fragilidade de um RNPT, somada à insegurança, medo, stresse materno e a ansiedade devido as condições clínicas do bebé são fatores apontados pela literatura como dificultadores da prática da amamentação (Gianni et al., 2018).
Um ensaio clínico randomizado mostrou que mães de recém-nascidos prematuros que participaram de um programa de intervenção baseada no toque aumentaram sua autoeficácia, auto-estima e apego aos bebés do que as mães que realizavam os toques de maneira espontânea. No presente estudo não foi observada associação entre o toque e o aleitamento materno exclusivo na alta, possivelmente porque avaliou somente o momento do nascimento e não ao longo do internamento com um programa de intervenção.
Deste modo, devido aos seus inúmeros benefícios a prática do contacto físico não deve ser postergada sem motivos justificáveis. Considerando o procedimento de reanimação como indicador de gravidade e possível motivo justificável, observou-se que mesmo alguns RNPT submetidos a reanimação (11 deles) puderam ter o contacto físico na sala de parto, demonstrando a factibilidade do contacto físico. No entanto, ainda não foi possível demonstrar o benefício desse contacto em termos do aleitamento materno exclusivo na alta.
Um estudo de revisão sistemática com metanálise aponta que RNPT e recém-nascidos de baixo peso que receberam a intervenção do Método Canguru iniciaram a amamentação 2,6 dias antes do que os que receberam os cuidados “convencionais” do método do aquecedor radiante/incubadora (Charpak et al., 2017).
Outro estudo de revisão sistemática com metanálise (Karimi et al., 2020) com o objetivo de investigar os efeitos do contacto pele a pele entre mãe e bebé sobre a taxa de aleitamento materno exclusivo mostrou que os efeitos do contacto pele a pele sobre a amamentação exclusiva foram estatisticamente significativos [odds raito (OR) = 2,19; Intervalo de confiança de 95% (IC): (1,66-2); p < 0,001]. Tal resultado não foi visto neste estudo, talvez porque o contacto pele a pele que tenha maior relevância para aumentar a taxa de aleitamento materno exclusivo na alta seja aquele realizado ao longo de todo o internamento e não exclusivamente no momento do parto.
As limitações do estudo referem-se ao uso de uma pequena amostragem por conveniência, o que pode não ter alcançado poder suficiente para a generalização dos dados. O estudo foi realizado num nível local sendo necessário ampliar para o âmbito nacional por meio de estudos multicêntricos.
Conclusão
Conclui-se que a maioria dos RNPT realizou algum tipo de contacto físico com as suas mães no momento do nascimento apesar da maioria não ter realizado o contacto pele a pele no tórax materno.
Embora o contacto pele a pele de recém-nascidos prematuros no tórax materno logo após o nascimento seja uma recomendação em todo o mundo, percebe-se na unidade pesquisada que ele ainda não é totalmente implementado na prática clínica da sala de parto. Na amostra estudada esse tipo de contacto não influenciou na prevalência de aleitamento materno exclusivo na alta hospitalar, assim como os outros tipos de contacto físico também não influenciaram.
Os resultados do presente estudo mostram a importância de se estimular a equipa de saúde a oferecer o contacto físico, especialmente o do tipo pele a pele o mais precocemente possível entre os recém-nascidos prematuros e seus pais no momento do parto.
Foi observado no estudo que mesmo dentre os RNPT que apresentaram condições de nascimento mais graves (Apgar menor que 7 no primeiro minuto/necessidade de reanimação) foi possível realizar o contacto físico no momento do parto. Apesar de alguns estudos mostrarem evidências benéficas para o RNPT deste tipo de contacto ao longo do internamento não foi possível demonstrar benefício desse contacto na hora do parto no aleitamento materno exclusivo na alta. Sugere-se que sejam realizados estudos com tamanho amostral maior, para estabelecer os possíveis efeitos do tempo do contacto pele a pele, assim como o contacto físico realizado no momento do nascimento, na prevalência do aleitamento materno exclusivo em RNPT no momento da alta hospitalar.