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Revista de Enfermagem Referência

versão impressa ISSN 0874-0283versão On-line ISSN 2182-2883

Rev. Enf. Ref. vol.serVI no.2 supl.1 Coimbra dez. 2023  Epub 13-Jun-2023

https://doi.org/10.12707/rvi22028 

Artigo de Investigação (Original)

Perfil de crianças e adolescentes dependentes de tecnologias em saúde numa unidade de terapia intensiva pediátrica

The profile of technology-dependent children and adolescents in a pediatric intensive care unit

Perfil de los niños y adolescentes dependientes de tecnologías sanitarias en una unidad de cuidados intensivos pediátricos

Luana Pinto Paines1 
http://orcid.org/0000-0003-2878-0662

Aline Cammarano Ribeiro1 
http://orcid.org/0000-0003-3575-2555

Jaquiele Jaciára Kegler1 
http://orcid.org/0000-0003-0001-9564

Amanda Suélen Monteiro1 
http://orcid.org/0000-0002-4170-4501

Graciela Dutra Sehnem1 
http://orcid.org/0000-0003-4536-824X

Eliane Tatsch Neves1 
http://orcid.org/0000-0002-1559-9533

1 Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria, Rio Grande do Sul, Brasil


Resumo

Enquadramento:

As crianças e adolescentes dependentes de tecnologias em saúde experienciam recorrentes internamentos em unidade de terapia intensiva, o que desencadeia necessidades de acompanhamento para a manutenção da sua saúde.

Objetivo:

Identificar o perfil demográfico e clínico de crianças e adolescentes dependentes de tecnologias em saúde no momento da alta hospitalar de uma unidade de terapia intensiva pediátrica.

Metodologia:

Estudo quantitativo, documental e retrospetivo, desenvolvido a partir de prontuários de crianças/adolescentes dependentes de tecnologia em saúde internados em terapia intensiva pediátrica num hospital escola do sul do Brasil.

Resultados:

Predominância de crianças de até um ano de idade, de etnia branca, do sexo masculino, provenientes do pronto-socorro pediátrico. História pregressa de afeções originadas no período perinatal, utilização de medicação contínua. Predomínio de doenças do aparelho respiratório e malformações congénitas.

Conclusão:

Este grupo constitui-se num desafio para a assistência em saúde. Além do diagnóstico atual, complicações pregressas podem interferir no prognóstico. Sugere-se planear as ações de cuidado, considerando as necessidades das crianças/adolescentes e suas famílias em prol da integralidade do cuidado.

Palavras-chave: criança; adolescente; unidade de terapia intensiva pediátrica; doença crónica

Abstract

Background:

Technology-dependent children and adolescents are recurrently admitted to intensive care units. These admissions prompt the need for follow-up care to maintain these children’s and adolescents’ health.

Objective:

To identify the demographic and clinical profile of technology-dependent children and adolescents at the time of hospital discharge from a Pediatric Intensive Care Unit (PICU).

Methodology:

This is a quantitative, documentary, and retrospective study based on medical records of technology-dependent children/adolescents admitted to the PICU of a teaching hospital in southern Brazil.

Results:

The study observed a predominance of white male children up to one year of age coming from the pediatric emergency room, with a history of conditions originating from the perinatal period, the use of long-term medication, and the prevalence of diseases of the respiratory system and congenital malformations.

Conclusion:

This group represents a challenge for healthcare services. In addition to the current diagnosis, past complications can affect the prognosis. Implementing care action plans that consider the needs of children/adolescents and their families is recommended to ensure comprehensive care.

Keywords: child; adolescent; intensive care units; pediatric; chronic disease

Resumen

Marco contextual:

Los niños y adolescentes dependientes de tecnologías sanitarias sufren ingresos recurrentes en unidades de cuidados intensivos, lo que dispara las demandas de seguimiento para mantener su salud.

Objetivo:

Identificar el perfil demográfico y clínico de los niños y adolescentes dependientes de tecnologías sanitarias en el momento del alta hospitalaria de una unidad de cuidados intensivos pediátricos.

Metodología:

Estudio cuantitativo, documental y retrospectivo, desarrollado a partir de historias clínicas de niños/adolescentes dependientes de tecnologías sanitarias ingresados en cuidados intensivos pediátricos en un hospital universitario del sur de Brasil.

Resultados:

Predominio de niños de hasta un año de edad, de etnia blanca, de sexo masculino, procedentes de las urgencias pediátricas. Antecedentes de trastornos originados en el período perinatal, uso de medicación continua. Predominio de enfermedades del aparato respiratorio y malformaciones congénitas.

Conclusión:

Este grupo constituye un reto para la asistencia sanitaria. Además del diagnóstico actual, las complicaciones pasadas pueden interferir en el pronóstico. Se sugiere planificar las acciones de atención considerando las demandas de los niños/adolescentes y sus familias para brindar una atención integral.

Palabras clave: niño; adolescente; unidades de cuidado intensivo pediátrico; enfermedad crónica

Introdução

A implementação e fortalecimento de políticas públicas voltadas para a saúde da criança, bem como a valorização do olhar holístico nas ações de cuidado prestadas, resultaram numa redução da taxa de mortalidade infantil (TMI). No Brasil, entre os anos 2000 e 2010, a TMI alcançou uma significativa redução em todas as regiões (Rodrigues et al., 2018).

Associados às políticas públicas, os avanços científicos e tecnológicos direcionados à saúde viabilizaram o aumento da sobrevida de crianças clinicamente frágeis, que requerem cuidados contínuos e, por vezes, com maior grau de complexidade. Inicialmente, esse grupo de crianças foi reconhecido nos Estados Unidos da América (EUA, como Children with Special Healthcare Needs (McPherson, 1998). Posteriormente, no Brasil, traduziu-se o termo para Crianças com Necessidades Especiais de Saúde (CRIANES), que representam crianças e adolescentes de 0 a 18 anos de idade incompletos (Silveira & Neves, 2019). Esta população possui ou está mais suscetível para desenvolver uma condição crónica de saúde, seja ela física, de desenvolvimento, de comportamento, ou emocional. Além disso, estas crianças e adolescentes apresentam maior dependência dos serviços de saúde, necessitando de tecnologias de caráter temporário ou permanente (Góes & Cabral, 2017).

Nos Estados Unidos, a prevalência de CRIANES é de 15 a 20% da população entre 0 e 17 anos (Bethell et al., 2014). No Brasil, a ausência de dados oficiais referentes a esse grupo evidencia uma invisibilidade no contexto da saúde pública, dificultando a implementação de políticas direcionadas às particularidades desse grupo.

As CRIANES podem ser classificadas em cinco categorias de acordo com as exigências de cuidados apresentadas por elas, quais sejam: de desenvolvimento; tecnológicos; medicamentosos; habituais modificados; e mistos (Cabral & Moraes, 2015). O objetivo deste estudo consiste em identificar o perfil demográfico e clínico de crianças e adolescentes dependentes de tecnologias em saúde no momento da alta hospitalar de uma unidade de terapia intensiva pediátrica (UTIP).

Enquadramento

Dentre as CRIANES, têm-se as crianças dependentes de tecnologias em saúde (CDT), as quais precisam de um ou mais dispositivos tecnológicos, como ventilação mecânica, gastrostomia e traqueostomia para manutenção das suas vidas (Dias et al., 2020), e que, muitas vezes, dependem de cuidados intensivos e recorrentes hospitalizações em UTIP.

Tais necessidades caracterizam este segmento populacional como um grande desafio para os profissionais de saúde, especialmente para os enfermeiros. Esses profissionais, que prestam cuidados cotidianamente, deparam-se com internamentos mais longos, além de (re) internamentos hospitalares frequentes das crianças e adolescentes dependentes de tecnologias.

No que se relaciona ao tema do estudo, verificou-se que apesar dos internamentos de crianças e adolescentes serem frequentes em ambientes de UTIP, o conhecimento acerca das características clínicas e da alta hospitalar deste grupo ainda é incipiente, o que enfatiza a necessidade de conhecer esta realidade para que seja possível capacitar profissionais de saúde e qualificar o cuidado prestado. Outro fator que pode contribuir para uma maior procura e consequente (re) internamento em serviços de alta complexidade como as UTIP, corresponde à falta de seguimento pelos serviços de Atenção Primária à Saúde (APS) após a alta hospitalar, em que, muitas vezes, a resolubilidade destes espaços nem sempre é efetiva, possibilitando um agravamento da condição clínica destas crianças e adolescentes (Neves et al., 2019).

Questão de investigação

Qual o perfil demográfico e clínico de crianças e adolescentes dependentes de tecnologias em saúde no momento da alta hospitalar de uma UTIP?

Metodologia

Trata-se de um estudo quantitativo descritivo, do tipo documental e retrospectivo. Foi desenvolvido a partir do banco de dados do projeto matricial intitulado “Caracterização da morbimortalidade de crianças e adolescentes egressos de uma unidade de terapia intensiva pediátrica”.

O projeto matricial tem como objetivo geral analisar a morbimortalidade de crianças e adolescentes egressos de uma UTIP durante os anos de 1995, 1997, 2005, 2007, 2015 e 2017. Estes anos foram escolhidos considerando que a inauguração da UTIP do referido hospital foi em 1995, sendo este o primeiro ano da investigação, seguindo a série histórica por biénios, definidos a fim de acompanhar a evolução da morbimortalidade das crianças e adolescentes nos 22 anos de existência da unidade.

A UTIP está localizada num hospital público de médio porte e alta complexidade, que presta atendimento integralmente pelo Sistema Único de Saúde e é referência para a macrorregião centro-oeste do Rio Grande do Sul. A UTIP, cenário do estudo, dispõe de seis leitos, sendo um deles destinado a pacientes que necessitem de isolamento.

Foram selecionados por amostragem intencional todos os prontuários de crianças e adolescentes dependentes de tecnologia em saúde do projeto matricial. Considerou-se como criança aquela com até 12 anos de idade incompletos e adolescente, de 12 até 18 anos incompletos, de acordo com a definição do Estatuto da Criança e do Adolescente (Brasil, 1990). E dependente de tecnologia em saúde, o uso de dispositivos como gastrostomia, sonda nasoentérica, sonda vesical, colostomia, ileostomia, traqueostomia, ventilação mecânica e cateteres permanentes para manutenção da vida (Lima et al., 2015). Excluíram-se os prontuários que não possuíam nota de alta ou óbito, os que os internamentos eram apenas para a recuperação de exames, os que não foram disponibilizados após cinco tentativas, os que não foram encontrados no arquivo médico e os que não possuíam registo no ano em questão.

A recolha de dados do projeto matricial ocorreu de julho de 2018 a maio de 2019, por uma equipa de coletadores previamente capacitados, utilizando um instrumento constituído de variáveis demográficas e clínicas, testado anteriormente. Destaca-se que os coletadores também dispunham de um manual que poderiam consultar em caso de dúvidas em relação ao preenchimento do instrumento. Os dados foram digitados no programa Epi-info® (versão 7.2.3.0) sob dupla digitação independente. Foram verificadas e corrigidas as inconsistências encontradas na digitação. A análise dos dados foi realizada no programa estatístico R (versão 3.6.1) por meio das frequências absoluta (N) e relativa (%).

Para a análise dos dados, algumas variáveis foram agrupadas, como faixa etária, considerando lactância até 1 ano de idade, primeira infância de 1 a 6 anos, infância intermediária de 6 a 12 anos incompletos e infância tardia (adolescência) de 12 a 18 anos completos (Hockenberry et al., 2018). As variáveis de naturalidade e procedência foram classificadas de acordo com as cidades que constituem as macrorregiões de saúde do estado do Rio Grande do Sul, quais sejam: norte; sul; centro-oeste; missioneira; metropolitana; e vales. Para categorizar a história diagnóstica, a qual foi composta pelo diagnóstico, sinais e sintomas, foi utilizada a Décima Classificação Internacional de Doenças (CID-10).

Ressalta-se que o projeto matricial foi desenvolvido de acordo com a Resolução 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde e foi aprovado pelo Comité de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Santa Maria, sob parecer de número: 2.711.094 e Certificado de Apresentação para Apreciação Ética: 89344518.1.0000.5346.

Resultados

Em relação ao total de crianças e adolescentes internados na UTIP, as dependentes de tecnologia em saúde representaram 8,1% (N = 9) em 1995, 4,8% (N = 9) em 1997, 4,4% (N = 3) em 2005, 6% (N = 7) em 2007, 14,9% em 2015 (N = 26) e 13,7% (N = 24) em 2017. A Tabela 1 mostra o perfil demográfico destas crianças e adolescentes.

Tabela 1: Perfil demográfico de crianças e adolescentes dependentes de tecnologias em saúde internados na Unidade de Terapia Intensiva Pediátrica nos anos de 1995, 1997, 2005, 2007, 2015 e 2017. 

Nota. 1O ano de 1995 possui um N de 8 nas variáveis de naturalidade e procedência por macrorregião de saúde do Rio Grande do Sul pois mum prontuário constava a naturalidade e procedência do estado de Santa Catarina.

Identificou-se que na maioria dos anos estudados, os participantes são do sexo masculino, exceto nos anos de 2005 e 2017. Relativamente à etnia, em todos os anos predomina a etnia branca. A faixa etária que predomina na maioria dos anos é a de ≤ 1 ano, exceto em 2005, que prevalece a faixa etária de >1-6 anos. Em relação à naturalidade e à procedência por macrorregiões de saúde do Rio Grande do Sul (RS), houve predomínio da centro-oeste.

A Tabela 2 apresenta as variáveis clínicas e da alta hospitalar dos participantes durante o período analisado.

Tabela 2: Perfil clínico e da alta hospitalar de crianças e adolescentes dependentes de tecnologias em saúde internados na Unidade de Terapia Intensiva Pediátrica nos anos de 1995, 1997, 2005, 2007, 2015 e 2017 

Nota. PS - Pronto-socorro; CT-Criac - Centro de Atendimento à Criança e Adolescente com Cancro

As crianças e adolescentes dependentes de tecnologias em saúde, internadas em UTIP, eram provenientes, principalmente, do pronto-socorro pediátrico. Verificou-se também que a maioria não necessitou de novos internamentos na UTIP antes da alta hospitalar. Em relação ao uso de ventilação mecânica, observou-se que nos anos de 1995, 1997, 2007 e 2017, a maioria dos participantes necessitou utilizar. O uso de medicação contínua após a alta hospitalar apresentou divergências entre os períodos analisados, sendo que nos anos de 1995, 1997 e 2007 a maioria das crianças e adolescentes não necessitou, já nos anos de 2005 e 2017 grande parte fez uso. A classe medicamentosa em destaque neste estudo foram os anticonvulsivantes. Evidencia-se que a maioria dos participantes foram encaminhados para atendimento em ambulatório.

Na Tabela 3 estão apresentadas todas as hipóteses diagnósticas de acordo com o ano.

Tabela 3: Hipóteses diagnósticas conforme CID-10 de crianças e adolescentes dependentes de tecnologia em saúde internados em UTIP nos anos de 1995, 1997, 2005, 2007, 2015 e 2017 

No que se refere à hipótese diagnóstica, evidenciou-se um predomínio de doenças do aparelho respiratório em todos os anos. Apenas em 2015 foi observada a predominância de malformações congénitas, deformidades e anomalias cromossómicas.

Em relação à história diagnóstica, no ano de 1995 houve o mesmo percentual (22,2%; N = 2) de malformações congénitas, deformidades e anomalias cromossómicas e de algumas afeções originadas no período perinatal. Em 1997, verificou-se a mesma frequência para dois grupos de histórias diagnósticas, quais sejam doenças do sistema nervoso e algumas afecções originadas no período perinatal (33,3%; N = 2). No ano de 2005, nenhuma criança/adolescente teve história diagnóstica previamente ao internamento atual. Em 2007, 2015 e 2017, a história diagnóstica com maior percentual foi a de malformações congénitas, deformidades e anomalias cromossómicas, representando 55,6% (N = 5), 61,7% (N = 16) e 41,9% (N = 18), respectivamente.

Na Tabela 4 estão apresentadas todas as tecnologias em saúde utilizadas pelas crianças/adolescentes no momento da alta hospitalar de acordo com o ano de estudo.

Tabela 4 : Tecnologias em saúde utilizadas pelas crianças/adolescentes no momento da alta hospitalar nos anos de 1995, 1997, 2005, 2007, 2015 e 201 7 

Tecnologias em saúde utilizadas pelas crianças/adolescentes no momento da alta hospitalar Frequências
1995 1997 2005 2007 2015 2017
N (%) N (%) N (%) N (%) N (%) N (%)
Sonda enteral/gástrica 6 66,7 2 22,2 1 33,3 4 57,1 7 22,6 4 12,1
Gastrostomia 3 33,3 1 11,1 2 66,7 2 28,6 9 29,0 12 36,3
Colostomia 00 00 2 22,2 00 00 00 00 1 3,2 1 3,0
Jejunostomia 00 00 1 11,1 00 00 00 00 00 00 00 00
DVP 00 00 2 22,2 00 00 1 14,3 9 29,0 7 21,2
O2 domiciliar/VM 00 00 1 11,1 00 00 00 00 2 6,5 2 6,1
Traqueostomia 00 00 00 00 00 00 00 00 3 9,3 2 6,1
Cadeira de rodas 00 00 00 00 00 00 00 00 00 00 2 6,1
Ileostomia 00 00 00 00 00 00 00 00 00 00 2 6,1
Sonda Vesical (alívio ou demora) 00 00 00 00 00 00 00 00 00 00 1 3,0

Nota. DVP = Derivação Ventricular Peritoneal; VM = Ventilação Mecânica.

No que tange às tecnologias em saúde utilizadas pelas crianças/adolescentes no momento da alta hospitalar, as mais prevalentes foram sonda enteral/gástrica, derivação ventricular peritoneal, colostomia e gastrostomia.

Discussão

As evidências científicas apontam uma constância quando os internamentos de crianças e adolescentes em UTIP são analisadas de acordo com o sexo biológico de predominância (Benetti et al., 2020; Mendonça et al., 2019). Neste estudo foi verificada uma predominância do sexo masculino entre crianças e adolescentes dependentes de tecnologias em saúde. Isto converge com um estudo que analisou os internamentos de seis UTIP no Estado de Pernambuco em que a maioria delas correspondia a pacientes do sexo masculino (Mendonça et al., 2019). Assim, alguns autores evidenciam que existe uma diferença na capacidade de adaptação entre os sexos desde o período intrauterino, de forma que, após o nascimento, o sexo feminino apresente melhores condições biológicas e menor suscetibilidade para desenvolver problemas de saúde (Moreira et al., 2017; Da Silva & Fensterseifer, 2015).

Grande parte dos internamentos na UTIP em estudo correspondeu a crianças que se enquadravam na faixa etária de 0 a 1 ano de idade, podendo inferir que a imaturidade dos mecanismos de defesa é um fator predisponente à necessidade de cuidados específicos de saúde. Em concordância, um estudo realizado num hospital universitário constatou um predomínio de 41,6% das admissões na UTIP relacionado a este grupo (Benetti et al., 2020).

A prevalência da etnia branca em todos os anos estudados corresponde à realidade do território brasileiro, tendo em vista que no último censo demográfico, realizado em 2010, cerca de 43,9% de crianças e adolescentes se declaravam desta etnia. Isso também é visualizado no Estado do Rio Grande do Sul, o qual é composto por 80,21% de crianças e adolescentes de etnia branca (Ibge, 2010).

Os encaminhamentos para a UTIP foram, marioritariamente, do pronto-socorro pediátrico da mesma instituição de saúde. Isso ocorre devido ao hospital em que o presente estudo foi desenvolvido não ser considerado um serviço de porta aberta, ou seja, este recebe apenas pacientes referenciados por outros serviços de saúde ou que se encontram em situação de emergência, encaminhados por ambulâncias.

A necessidade de utilizar ventilação mecânica foi observada em crianças e adolescentes dependentes de tecnologias em saúde internados nos anos de 1997, 2015 e 2017. Ao encontro desta realidade, uma investigação desenvolvida para analisar os indicadores de uma UTIP na cidade de Fortaleza a partir dos diagnósticos clínicos de pacientes internados, também apontou um significativo índice de utilização da ventilação mecânica, representado por 75,3%. Ainda, neste mesmo estudo, foi analisada a taxa de permanência de ventilação mecânica por esta população, de maneira que dependendo da condição clínica ocasionada pelo problema de saúde, o tempo de suporte ventilatório pode ser prolongado para manter as atividades vitais do organismo (Oliveira et al., 2017).

Crianças e adolescentes dependentes de tecnologias em saúde geralmente utilizam diversos medicamentos para que seja possível manter e estabilizar a sua condição de saúde e, neste estudo, observou-se um predomínio do uso contínuo de anticonvulsivantes após a alta hospitalar. Nesta perspectiva, um estudo que objetivou compreender a vivência de mães de crianças dependentes de tecnologia em relação ao cuidado medicamentoso, apontou que as medicações de uso diário mais utilizadas são os anticonvulsivantes, seguidos pelos antibióticos, medicamentos anti-hipertensivo, antirrefluxo, suplementos e vitaminas, corticoides e relaxantes musculares (Okido et al., 2016).

As principais hipóteses diagnósticas encontradas neste estudo corresponderam às doenças do aparelho respiratório, seguidas das malformações congénitas, deformidades e anomalias cromossómicas. As evidências científicas apontam que os diagnósticos de crianças e adolescentes em UTIP geralmente estão associados a problemas respiratórios, principalmente relacionados ao desenvolvimento de pneumonia (Benetti et al., 2020; Andrade et al., 2016).

Em geral, as crianças e adolescentes dependentes de tecnologias em saúde apresentavam doenças prévias, ou seja, história diagnóstica, sobressaindo-se os casos de afeções originadas no período perinatal, malformações congénitas, deformidades, anomalias cromossómicas e doenças do sistema nervoso. A presença de história clínica pregressa contribui para a complexidade da condição clínica da criança e do adolescente que necessita de tecnologia em saúde, resultando, muitas vezes, em um prolongamento do tempo de internamento. Assim, para que a assistência prestada seja efetiva e de qualidade, é necessário avaliar alguns fatores envolvidos no processo de admissão destes pacientes em UTIP.

As tecnologias em saúde mais utilizadas pelas crianças e adolescentes no momento da alta hospitalar foram sonda enteral/gástrica, gastrostomia, colostomia e DVP. Um estudo realizado numa UTIP de um hospital escola no estado do Paraná observou que as crianças dependentes de tecnologias em saúde geralmente possuem mais de um diagnóstico e, dentre as exigências tecnológicas encontradas, destacaram-se o uso de traqueostomia, gastrostomia, ventilador mecânico e sondas enterais e vesicais (Lima et al., 2018).

A limitação do estudo consiste em ter sido realizado num hospital de uma única região do Brasil, sugere-se a expansão de pesquisas para outras instituições em diferentes regiões do país. Como conhecimento novo que emerge deste estudo, evidencia-se o facto de que este grupo de utentes tem crescido nos últimos anos na UTIP do estudo, bem como, o estudo traz dados que se referem também aos adolescentes, em geral, negligenciados nos estudos que envolvem a dependência de tecnologia em saúde. Os dados deste estudo corroboram outros, ao citar que as principais causas de internamento em UTIP são as doenças respiratórias, que as afeções perinatais são as principais histórias diagnósticas relacionadas à cronicidade e que as medicações anticonvulsivantes são as mais utilizadas por esta população.

Conclusão

O perfil demográfico de crianças e adolescentes dependentes de tecnologia em saúde internados numa UTIP de um hospital público da região central do Rio Grande do Sul indicou uma predominância de crianças de até 1 ano de idade, de etnia branca e do sexo masculino. Estas apresentavam naturalidade e procedência da região centro-oeste de abrangência do hospital e eram provenientes do pronto-socorro pediátrico em que o estudo foi desenvolvido.

Em relação às condições clínicas, a maioria das crianças/adolescentes apresentava história pregressa de afeções originadas no período perinatal, malformações congénitas, deformidades, anomalias cromossómicas e doenças do sistema nervoso. Houve predomínio de doenças do aparelho respiratório e de malformações congénitas, deformidades e anomalias cromossómicas como hipóteses diagnósticas dointernamento em questão. O uso de medicação contínua, destacando os medicamentos anticonvulsivantes, e a necessidade de ventilação mecânica, também foram evidenciados neste estudo. No momento da alta hospitalar, prevaleceu o uso de sonda enteral/gástrica, gastrostomia, colostomia e DVP como tecnologias em saúde mais utilizadas.

O presente estudo propicia uma maior visibilidade às crianças/adolescentes dependentes de tecnologias em saúde, tendo em vista que os seus diagnósticos exigem cuidados mais intensivos de saúde, devido à complexidade e à necessidade de serem realizados continuamente. Assim, percebe-se que tal público se configura num desafio tanto para os profissionais quanto para os serviços de saúde, pois além da causa atual de internamento, muitas vezes, complicações pregressas podem interferir no prognóstico. Isso exige que a equipa de saúde realize um planeamento das ações de cuidado, considerando não apenas a criança ou o adolescente, mas também que haja um direcionamento para seus cuidadores em prol da integralidade do cuidado. Os achados deste estudo sinalizam a necessidade de novas pesquisas acerca desta temática na área da saúde, para que a continuidade dos cuidados a esta população estejam de acordo com as suas necessidades clínicas e sociais.

Referências bibliográficas

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Como citar este artigo: Paines, L. P., Ribeiro, A. C., Kegler, J. J., Monteiro, A. S., Sehnem, G. D., & Neves, E. T. (2023). Perfil de crianças e adolescentes dependentes de tecnologias em saúde numa unidade de terapia intensiva pediátrica. Revista de Enfermagem Referência, 6(2, Supl. 1), e22028. https://doi.org/10.12707/RVI22028

Recebido: 08 de Março de 2022; Aceito: 14 de Dezembro de 2022

Autor de correspondência Aline Cammarano Ribeiro E-mail: alinecammarano@gmail.com

Conceptualização: Paines, L. P., Kegler, J. J., Ribeiro, A. C., Neves, E. T.

Tratamento de dados: Paines, L. P., Kegler, J. J.

Análise formal: Paines, L. P., Kegler, J. J.

Metodologia: Paines, L. P., Kegler, J. J., Ribeiro, A. C.

Redação - rascunho original: Paines, L. P., Kegler, J. J., Ribeiro, A. C.

Redação - revisão e edição: Paines, L. P., Kegler, J. J., Ribeiro, A. C., Monteiro, A. S., Senhem, G. D., Neves, E. T.

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