Introdução
Na década de 90, a Prática Baseada na Evidência (PBE) destacou-se nos cuidados de saúde, pela necessidade dos profissionais de saúde recorrerem à melhor evidência científica de forma consciente, explícita e criteriosa para a tomada de decisão (Melnyk & Newhouse, 2014).
A PBE é definida como a tomada de decisão em saúde que considera a melhor evidência disponível, o contexto de prestação dos cuidados, as preferências da pessoa alvo dos cuidados e o juízo clínico dos profissionais (Pearson et al., 2005). A PBE produz um impacto positivo nos resultados em saúde, nos custos em saúde e nas experiências das pessoas que usufruem de cuidados de saúde (Melnyk & Fineout-Overholt, 2015). Na prática de enfermagem, a implementação da PBE é crucial para minimizar a lacuna existente entre a produção de conhecimento em enfermagem e a sua translação para a prática clínica (Mackey & Bassendowski, 2017).
Entre outros aspetos, a literatura realça que a liderança é fundamental para este processo (Aaron et al., 2014; Stetler et al., 2014). Os comportamentos de liderança formal, ações implementadas pelos gestores em saúde, como por exemplo a promoção da consciencialização dos clínicos em relação aos benefícios da PBE, da mudança organizacional, e da inovação em saúde, são essenciais para apoiar e implementar a PBE (Shuman et al., 2018; Stetler et al., 2014).
Em Portugal, segundo o Diário da República, 1.ª série, N.º 101, de 27 de maio de 2019, a carreira de enfermagem é organizada por três níveis de gestão, os Enfermeiros Gestores, os Enfermeiros Gestores com Funções de Direção e os Enfermeiros Diretores e, portanto, estes enfermeiros assumem um papel de liderança formal e têm a responsabilidade de oferecer condições facilitadoras para a implementação da PBE nas organizações de saúde.
No entanto, não foram identificados estudos desenvolvidos em Portugal, que abordassem a perceção destes enfermeiros sobre a PBE e as suas competências neste processo. Assim, tendo em consideração o papel crucial dos líderes na implementação da PBE, tornou-se fundamental conhecer as perceções de líderes formais de enfermagem sobre a PBE.
Enquadramento
A PBE em enfermagem é caraterizada como uma abordagem à resolução de problemas através da tomada de decisão informada pela melhor evidência, tendo em consideração o juízo crítico e a experiência do enfermeiro, assim como as preferências da pessoa cuidada (International Council of Nurses, 2012).
A PBE é apoiada por diferentes modelos conceptuais, nomeadamente: JBI Model of Evidence-Based Healthcare; Promoting Action on Research Implementation in Health Services (PARIHS) Model; e Advancing Research and Clinical Practice through Close Collaboration (ARCC©) Model. O JBI Model of Evidence-Based Healthcare considera a PBE como a tomada de decisão em saúde informada pela melhor evidência disponível, tendo em consideração as preferências da pessoa, o contexto de prestação de cuidados e o juízo crítico do profissional de saúde. Este modelo descreve, ainda, PBE como a prestação de cuidados aplicáveis, adequados, significativos e efetivos. A saúde global, a geração, a síntese, a transferência e a implementação da evidência são as suas cinco componentes principais (Jordan et al., 2019). Segundo autores que analisaram a utilização do PARIHS Model, este modelo descreve o sucesso da implementação alicerçado à relação entre a evidência, o contexto e a facilitação (Bergström et al., 2020). O ARCC© Model foca-se na avaliação organizacional (identificação de pontos fortes e barreiras) e no envolvimento dos mentores (peritos em PBE), com vista à mudança organizacional e, consequentemente, à implementação da PBE (Melnyk et al., 2021).
A implementação da PBE nas organizações de saúde é considerada um desafio para os gestores, sendo a liderança reconhecida como um apoio à mudança organizacional e, consequentemente, ao processo de implementação da PBE (Aarons et al., 2014; Stetler et al., 2014). A liderança pode ser definida como formal e informal: a formal é assumida por um indivíduo que assume um cargo de chefia e tem responsabilidades inerentes; e a informal refere-se ao papel ativo da pessoa na contribuição para os objetivos da organização, independentemente da sua função (Lawson et al., 2020; Weaver et al., 2018). Os líderes de enfermagem são considerados elementos cruciais para incentivar a mudança, alinhar esforços e criar uma cultura para a melhoria contínua dos seus contextos clínicos (National Academies of Sciences, Engineering, and Medicine, 2021), onde se inclui a implementação da PBE.
Contudo, a literatura científica evidencia lacunas existentes neste processo, nomeadamente o estudo realizado por Lunden et al. (2021), enfatizou a necessidade dos gestores terem um papel mais visível na orientação dos enfermeiros para a PBE e na identificação das necessidade de desenvolvimento das competências dos mesmos, evidenciando também a necessidade de formação nesta área e da adoção de estratégias a nível organizacional. Majers e Warshawsky (2020) defendem que os líderes necessitam de conhecimento e habilidades em PBE para serem capazes de promover uma cultura de PBE nas suas equipas/instituições. Evidencia-se, assim, que as competências e o conhecimento dos líderes sobre PBE são cruciais e influenciam a sua implementação e, consequentemente, a qualidade dos cuidados de enfermagem, verificando-se a pertinência da realização do presente estudo qualitativo.
Questões de investigação
Quais são as perceções de líderes formais de enfermagem sobre a PBE e o seu impacto nos resultados em saúde? Quais são as perceções dos líderes formais sobre o seu conhecimento e o seu papel na implementação da PBE?
Metodologia
Estudo descritivo exploratório com abordagem qualitativa (Brink et al., 2018). As guidelines propostas pela Consolidated criteria for reporting qualitative research (COREQ) foram seguidas para estruturar o artigo. A amostra de conveniência foi constituída por participantes que cumpriam o seguinte critério: i) ter funções de liderança formal (Enfermeiros Gestores, Enfermeiros Gestores com Funções de Direção, Enfermeiros Diretores, segundo a carreira de enfermagem ou o equivalente no setor privado) (Diário da República, 1.ª série, N.º 101, de 27 de maio de 2019), numa instituição de cuidados de saúde, independentemente do tempo que a desempenham. O tamanho da amostra foi determinado com base no princípio da saturação dos dados (Brink et al., 2018). A colheita de dados decorreu de novembro de 2021 a abril de 2022 e foi realizada através de entrevistas semiestruturadas (16 realizadas presencialmente e uma via Zoom) com duração média de 36 minutos. O investigador (D.S.) que realizou as entrevistas não tinha relação prévia com os participantes. O guião de entrevista usado era constituído por questões norteadoras (por exemplo, “O que é para si a PBE? O que acha que o conhecimento científico acrescenta aos cuidados de saúde? Qual julga ser o seu papel enquanto líder na implementação da PBE?”) e por questões sobre os atributos dos participantes. Este guião foi validado por três peritos, através do painel de peritos (McPherson et al., 2018): um da área de gestão; um da área de investigação qualitativa; e um líder formal de enfermagem que não constituiu a amostra. Foi realizado um pré-teste em dois sujeitos que cumpriam os critérios de elegibilidade, de modo a compreender o seu tempo de desenvolvimento, a inteligibilidade e a adequação das questões. Todas as entrevistas foram gravadas e a transcrição seguiu as recomendações de Azevedo et al. (2017), tendo sido omitida informação que pudesse comprometer o anonimato. Os dados foram analisados através de análise de conteúdo, segundo as etapas de Bardin (2020): pré-análise; exploração do material; e tratamento dos resultados através de um raciocínio indutivo, e com apoio do software MAXQDA Analytics Pro 2022 (Release 22.0.1). Os critérios de rigor da investigação qualitativa (credibilidade, transferibilidade, dependibilidade e confirmabilidade) foram considerados para o desenvolvimento deste estudo (Loureiro, 2006). Membros da equipa de investigação têm experiência/ formação em PBE, gestão e investigação qualitativa. Todos os princípios éticos foram cumpridos. A confidencialidade e o anonimato foram mantidos ao longo de todo o estudo e todos os informantes consentiram a sua participação (Parece favorável da comissão de ética: P802/08-2021).
Resultados
Neste estudo foram incluídos 17 participantes. Nove eram do sexo feminino e oito do sexo masculino. A idade dos participantes variou entre os 40 e os 63 anos, com média de idades de 54,76 anos. Doze líderes formais eram Enfermeiros Gestores, dois Enfermeiros Gestores com Funções de Direção e três Enfermeiros Diretores, provenientes de três hospitais da região centro de Portugal (Hospital Privado, Hospital Público - Entidade Pública Empresarial [HP-EPE] e Hospital Público - Sector Público Administrativo [HP-SPA]). A média de tempo na função supracitada foi de 14,41 anos.
Da análise de dados, emergiram dois temas - o conhecimento sobre PBE e o Papel na implementação da PBE, e respetivas categorias e subcategorias (Figura 1).
Conhecimento sobre PBE
O Tema Conhecimento sobre a PBE refere-se à perceção dos líderes sobre o seu conhecimento no âmbito da PBE e sobre o impacto desta nos resultados em saúde. Este tema engloba três categorias e as respetivas subcategorias: o Conceito de PBE (Utilização do conhecimento científico, Envolvimento da pessoa e da família nos cuidados de saúde, Consideração da experiência profissional e Consideração do contexto); o Impacto da PBE nos resultados em saúde (Efetividade dos cuidados de enfermagem, Valor positivo, Segurança dos cuidados de saúde, Satisfação e valorização profissional e Satisfação da pessoa cuidada); e a Autoperceção do conhecimento sobre PBE (Necessidade de conhecimento e Investimento formativo).
Conceito de PBE
Para uma grande parte dos participantes, a PBE está predominantemente relacionada com a Utilização do conhecimento científico (subcategoria), quer de resultados de evidência científica quer de referenciais teóricos no processo de tomada de decisão, como refere este participante “É a prática sistematizada de implementarmos naquilo que é a prestação de cuidados, nomeadamente na área de enfermagem . . . daquilo que são as evidências das melhores práticas clínicas para os domínios de atuação da área da enfermagem.” (E1).
Por outro lado, também foi considerado o Envolvimento da pessoa e família nos cuidados de saúde(subcategoria). Neste caso, alguns participantes consideravam que, para além da mobilização de conhecimento científico, a PBE considera também a integração das preferências das pessoas nos cuidados, de modo a respeitar a sua individualidade e, por isso, é determinante o envolvimento da pessoa e da família no processo de tomada de decisão.
Melhorar as experiências e envolver os doentes na prática, na tomada de decisão . . . envolver sempre o doente, porque se nós não envolvermos o doente, podemos estar a pensar que lhe estamos a prestar um cuidado de excelência, e não estamos. (E10)
Para além de considerarem que a decisão clínica deve ser orientada tendo em conta as preferências das pessoas, também manifestaram que há ainda um longo caminho a ser percorrido para se concretizar a conciliação entre a evidência e as preferências da pessoa.
Como é que nós conseguimos aliar aquilo que é a evidência . . . que se vai produzindo, e fazer articular isso com a perspetiva individual de cada um que está nas nossas mãos . . . nós temos um longo caminho a fazer, que é esta capacidade de nos moldarmos e fazemos chegar aquilo que são as melhores evidências e, portanto, essa partilha de conhecimento à característica individual intrínseca de cada um. (E1)
A subcategoria Consideração da experiência profissional foi sustentada em unidades de significado que referem a valorização do juízo crítico do profissional subjacente à sua experiência na prestação de cuidados. Contudo, estas unidades de significado emergiram de duas entrevistas, o que eventualmente pode refletir uma menor ponderação desta dimensão no processo de tomada de decisão. O seguinte excerto ilustra esta subcategoria “As nossas próprias experiências é que permitirão depois desenvolver a capacidade de prestar melhores cuidados . . . eu acho que também é muito influenciada pela capacidade de cada um de nós” (E15).
Por fim, a subcategoria Consideração do contexto reúne unidades de significados que apontam para a valorização da influência do contexto na implementação da PBE, por parte de um participante.
Mas também pelo contexto externo . . . a construção da prática baseada na evidência não é a mesma coisa que trabalhar no HP-EPE ou no HP-SPA (substituídos nomes originais dos hospitais) . . . Porque temos influências externas . . . Essa construção tem fatores de influência . . . fatores internos, externos. (E15)
Impacto da PBE nos resultados em saúde
A categoria Impacto da PBE nos resultados em saúde reflete a perceção dos líderes formais sobre os resultados em saúde obtidos através da implementação da PBE, englobando as seguintes subcategorias: a Efetividade dos cuidados de enfermagem; o Valor positivo; a Segurança dos cuidados de saúde; a Satisfação e valorização profissional; e a Satisfação da pessoa cuidada.
A subcategoria Efetividade dos cuidados de enfermagem reúne unidades de significado que refletem a perceção de um significativo número de participantes, de que a PBE está associada à efetividade dos cuidados de enfermagem, sobretudo expressa por melhores resultados em saúde, como é exemplo a qualidade dos cuidados, mas também a redução de custos nas instituições de saúde.
Desde logo tenderá a ter um impacto naquilo que é a qualidade da prestação de cuidados per si (E1), Vamos ter menos custos . . . quanto poupamos em antibióticos? Vamos conseguir disponibilizar mais tempo para os cuidados de saúde. Porquê? Porque conseguimos ser mais eficientes na nossa gestão de trabalho diária. (E3)
Um substancial número de participantes destaca o Valor positivo (subcategoria) da PBE. Os participantes entendem que a PBE promove a mudança de práticas com ganhos efetivos para as instituições, evidenciando-se resultados em saúde superiores aos gastos, como ilustra o excerto “Um valor muito positivo . . . Só assim é que conseguimos mudar práticas implementadas há muitos anos nos serviços e com ganhos evidentes” (E17).
Consideram também que a PBE tem um impacto substantivo na Segurança dos cuidados de saúde (subcategoria). Na perspetiva dos líderes formais, a PBE está associada à diminuição de eventos adversos “Vamos diminuir o número de doentes que vão ficar infetados na pós-algaliação” (E3), à promoção da segurança dos cuidados “A colocação da sonda . . . habitualmente, faz-se um Raio-X ou nem isso . . . é mais, por auscultação . . . acrescentou-se-lhe a questão da avaliação do pH, portanto, mais uma questão de segurança” (E8) e à prevenção de danos:
Se a boa prática me diz que esta é a melhor forma de resolver a situação . . . é esta a boa prática que eu tenho que adotar, porque se eu não a adotar, eu posso estar a comprometer os cuidados ao doente. (E11)
Referente à Satisfação e valorização profissional (subcategoria), os líderes descrevem que a PBE promove um sentimento de realização dos enfermeiros e a valorização da profissão.
Há muitos resultados que se conseguem . . . o sentimento que eu penso . . . que é fácil de recolher nas equipas que é o sentimento de atualidade . . . ou seja, as equipas terem a noção de que, de facto, estão atualizados . . . atualizados, como pontas de lança, de facto, daquilo que são os cuidados que se entregam. (E1)
A subcategoria Satisfação da pessoa cuidada, emerge de unidades de significado onde os informantes referem a satisfação dos utilizadores de saúde como um resultado da PBE, como ilustram os excertos “Melhores níveis de satisfação do utente.” (E3),
. . . outcomes em termos de melhor satisfação . . . e havendo melhor satisfação, melhor aceitação, também melhor adesão ao regime terapêutico que lhe está a ser proposto e, por consequência mais garantia de incorporação nos projetos de saúde, nos projetos de vida e de saúde da própria pessoa. (E6)
Autoperceção do conhecimento sobre PBE
A categoria Autoperceção do conhecimento sobre PBE refere-se à perceção dos informantes sobre o seu conhecimento, na qual evidenciam as suas necessidades e o seu investimento. Esta categoria reúne duas subcategorias: a Necessidade de conhecimento; e o Investimento formativo.
Por um lado, os líderes formais identificam a Necessidade de conhecimento (subcategoria), referindo sentir a necessidade de atualizar o seu conhecimento, de forma a dar resposta aos desafios que emergem nos contextos clínicos, como ilustram os seguintes excertos: “É aprofundar os conhecimentos, solidificá-los, dominá-los melhor no uso” (E6); “Eu considero que é muito importante para quem está na liderança e na chefia de vez em quando voltar aos bancos da escola, à comunidade académica” (E7).
Por outro lado, os informantes relataram também algumas iniciativas de investimento formativo desenvolvidas quer a título individual, quer por iniciativa institucional, como são o caso da participação em grupos de trabalho no âmbito da prática clínica e da PBE, emergindo assim a subcategoria Investimento formativo, como explanado nos excertos “A próxima etapa é continuar a investir no sentido de solidificar conhecimentos mais diferenciados” (E6) e “Tenho vontade e tento arranjar disponibilidade . . . faço parte de um grupo de melhoria das condições para a prática do tratamento de feridas” (E15).
Papel na implementação da PBE
O tema Papel na implementação PBE reflete a descrição dos líderes sobre os seus comportamentos no âmbito da PBE e a caraterização do seu papel neste processo. Este tema reuniu duas categorias e respetivas subcategorias: Comportamentos (Facilitadores e Motivacionais); e Caraterísticas (Habilidades e expertise, Consideração pelos elementos da equipa e Valores).
Comportamentos
A maioria dos líderes formais acreditam ter um papel de Facilitadores, proporcionando às equipas as condições necessárias para que façam uso da PBE: “O meu papel é sempre um papel facilitador . . . é sempre um papel facilitador, no sentido de proporcionar às pessoas, tudo aquilo que estiver ao meu alcance e as melhores ferramentas para que as pessoas possam prestar os melhores cuidados” (E5).
Acreditam também assumir comportamentos Motivacionais, os quais são caraterizados pela motivação dos elementos da equipa, através do seu exemplo de líder. “Eu trabalho um bocadinho a área da liderança pelo exemplo e pela motivação das pessoas” (E7).
Características
A categoria Caraterísticas reflete a caraterização do seu papel de liderança no âmbito da PBE, pelos informantes. Esta categoria reúne as seguintes subcategorias: as Habilidades e expertise; a Consideração pelos elementos da equipa; e os Valores.
A subcategoria Habilidades e expertise reflete um conjunto de competências no âmbito da liderança que os participantes consideram ser determinantes para a PBE, nomeadamente a capacidade de gestão de prioridades e de conflitos, de adaptação à mudança, de negociação, de motivação e de decisão: “Uma verdadeira noção das prioridades.” (E1), “. . . uma das competências é . . . primeiro, saber bem gerir conflitos” (E17).
Referem também ser determinante a Consideração pelos elementos da equipa (subcategoria), em que referem o respeito e a empatia pelos enfermeiros da equipa/instituição, como ilustra o excerto “é importante que eu me ponha no lugar deles para eles sentirem esta proximidade entre . . . entre a chefia e eles . . . criar empatia com a equipa” (E4).
Por fim, na subcategoria Valores, os participantes caraterizam o seu papel, referindo um conjunto de valores essenciais à função de líder formal - “Humildade, a simplicidade, a disponibilidade, a escuta atenta . . . Acho que é importantíssimo, realmente, a humildade . . . acho que é uma das principais características que nós podemos ter” (E9).
Discussão
Cada líder formal de enfermagem mencionou apenas uma a duas das dimensões da PBE e, a maioria dos mesmos, enfatizou a associação do conceito à utilização de conhecimento científico. A perspetiva apresentada sobre PBE parece estar ancorada às definições iniciais do conceito.
De facto, este conceito tem evoluído ao longo dos anos, em 1996, Sackett et al. (2000) definiram PBE como a utilização da melhor evidência atual e do juízo crítico dos profissionais de saúde na tomada de decisão. Em 2000 este conceito foi atualizado, tendo sido integrada a relevância de serem considerados os valores das pessoas cuidadas (Sackett et al., 2000). Ora, atualmente, o conceito de PBE é descrito, na perspetiva de Jordan et al. (2019) como a tomada de decisão em saúde informada pela melhor evidência disponível, tendo em consideração as preferências da pessoa, a influência do contexto de prestação de cuidados e o juízo crítico do profissional de saúde.
Considerando os achados do presente estudo, no que concerne à perceção dos líderes sobre o conceito de PBE, poderá evidenciar-se a necessidade de conhecimento em PBE. Tal como descrito por Majers e Warshawsky (2020), os líderes necessitam de conhecimento e habilidades em PBE para serem capazes de promover uma cultura de PBE nas suas equipas/instituições, pelo que a ausência do mesmo poderá produzir lacunas neste processo. No entanto, os informantes deste estudo mencionam a necessidade de aprofundar o seu conhecimento e, para isso, defendem e relatam o investimento formativo, evidenciando-se assim o início de um caminho e a recetividade dos mesmos para o que falta percorrer.
De facto, como anteriormente referido, atualmente o conceito valoriza, entre outras dimensões, o envolvimento da pessoa e família na tomada de decisão em saúde. Este envolvimento promove a tomada de decisão partilhada em saúde, a qual é definida por National Institute for Health and Care Excellence (2021), como um processo onde os profissionais garantem que os utentes conheçam os riscos e os benefícios das diferentes opções disponíveis para tomar decisões no âmbito da sua saúde e têm em consideração as suas preferências e opiniões, permitindo aos utentes apresentar um papel ativo nas decisões sobre a sua saúde. No entanto, este processo é ainda um desafio, como enfatizado por um informante. Muitos fatores podem estar na génese desse desafio, nomeadamente o conhecimento e competências dos profissionais, a influência do contexto e os recursos existentes (Waddell et al. 2021), verificando-se a necessidade da adoção de estratégias para colmatar esta lacuna.
Os informantes deste estudo referiram que a implementação da PBE promove a efetividade dos cuidados de enfermagem, tem um valor positivo nos cuidados, contribui para a segurança dos cuidados de saúde, para a satisfação e valorização profissional e para a satisfação da pessoa cuidada. Estes achados corroboram o descrito no JBI Model of Evidence-Based Healthcare, onde o mesmo descreve a tomada de decisão que considera a aplicabilidade, a adequação ao contexto, o significado para as pessoas, e a efetividade das intervenções (Jordan et al., 2019).
Os líderes formais consideravam também ter um Papel na implementação da PBE, caraterizado por assumir Comportamentos Facilitadores e Motivacionais. Também o estudo de Stetler et al. (2014) evidencia o papel dos líderes como facilitadores e motivadores no processo de implementação da PBE, referindo comportamentos de liderança funcionais que potenciam a implementação da PBE nas organizações / equipas de saúde. Também o estudo de Shuman et al. (2018) corrobora estes achados, evidenciando a relação entre os comportamentos dos gestores com a implementação da PBE.
Relativamente às limitações do estudo, consideramos que o facto de uma entrevista ter sido desenvolvida por via Zoom, método distinto das restantes, possa ter limitado a recolha de dados. Por outro lado, a análise dos dados ter sido realizada apenas por um investigador e confirmada pelos restantes, poderá configurar-se uma ameaça à credibilidade.
Conclusão
Este estudo permitiu conhecer as perceções dos líderes formais de enfermagem sobre a PBE, nomeadamente sobre o seu conhecimento e o seu papel neste processo. Os achados revelam que os informantes têm conhecimento sobre uma a duas componentes do conceito de PBE e sobre o impacto da PBE nos resultados em saúde. Referem, ainda, a necessidade de conhecimento sobre a PBE e por outro lado descrevem o seu investimento formativo. Verificou-se também que os líderes estão conscientes sobre o seu papel na implementação da PBE, assumindo comportamentos facilitadores e motivacionais.
Como implicação para a prática, sugere-se a necessidade de criação de programas formativos que promovam o conhecimento sobre a PBE e o seu processo de translação para os contextos clínicos, bem como de projetos organizacionais que apoiem os líderes formais neste percurso. Outros estudos de investigação primária deverão incidir em diferentes tópicos de interesse: conhecimento dos líderes sobre PBE; estratégias para a integração das preferências da pessoa cuidada na tomada de decisão em saúde; e desenvolvimento e validação de programas formativos de implementação para líderes formais.