Introdução
O enfermeiro de família (EF) “é o profissional que, integrado na equipa multiprofissional de saúde, assume a responsabilidade pela prestação de cuidados de enfermagem globais às famílias, em todas as fases da vida e em todos os contextos da comunidade” (Decreto-Lei n. º 118/2014 do Ministério da Saúde, p. 4070). A consulta de enfermagem é atividade através da qual o EF presta cuidados integrais aos indivíduos/famílias no contexto dos cuidados de saúde primários (CSP). A consulta de vigilância à pessoa com doença crónica, nomeadamente a consulta à pessoa com diabetes mellitus (DM), tem por finalidade capacitar e maximizar o potencial para se tornar um elemento proactivo no tratamento e na manutenção do seu estado de saúde. Nesta consulta o EF realiza intervenções que visam, entre outras, a capacitação da pessoa para a autogestão da doença (Dantas et al., 2022). Espera-se que os cuidados prestados pelos EF sejam seguros e de elevada qualidade. Os fatores que medeiam a relação entre a carga de trabalho e a qualidade dos cuidados são ainda pouco estudados, especialmente em CSP. Maghsoud et al. (2022) verificaram que a carga de trabalho influência a qualidade dos cuidados de enfermagem prestados, a satisfação no trabalho e a exaustão emocional do profissional. Tem observado um aumento da procura de cuidados em contexto dos CSP, influenciado pelo envelhecimento populacional e o aumento doença crónica. Os EF são também confrontados com o aumento da procura de cuidados. Procura-se conhecer as intervenções preditivas da carga de trabalho EF traduzida em tempo de consulta, isto porque, estudos mostram uma correlação positiva entre as horas de cuidados e alguns indicadores de qualidade (Maghsoud et al., 2022). É, portanto, objetivo deste estudo identificar que intervenções de enfermagem realizadas na consulta às pessoas com DM predizem a carga de trabalho dos EF.
Enquadramento
A carga de trabalho de enfermagem (CTE) foi definida por Alghamdi (2016) como o quantitativo de tempo e cuidados que um enfermeiro presta (direta e indiretamente) aos utentes, ao local de trabalho e ao desenvolvimento profissional. Griffiths et al. (2020) identificaram um conjunto de instrumentos que permitem avaliar a CTE, porém, esses instrumentos são, na sua maioria, dirigidos ao contexto de cuidados hospitalares (CH). Esta circunstância influi que os estudos de mensuração CTE sejam maioritariamente realizados em contexto de CH (Aiken et al., 2014; Ivziku et al., 2022; Qureshi et al., 2020). Quando se verifica um desequilíbrio entre a CTE e os recursos humanos de enfermagem verifica-se uma maior probabilidade do erro, aumento da mortalidade e diminuição qualidade de vida do profissional (Aiken et al., 2014; Ivziku et al., 2022; Qureshi et al., 2020). Ivziku et al. (2022) identificaram como preditores da carga de trabalho em contexto CSH a complexidade no atendimento ao paciente, os recursos humanos das equipas e alguns aspetos do fluxo de trabalho. No que reporta aos CSP, os estudos são reduzidos e os instrumentos utilizados são construídos com fim específico das investigações (Bonfim et al., 2016; Grafen & Mackenzie, 2015). Todavia, os referidos estudos permitem identificar as necessidades de cuidados, mapear as intervenções de enfermagem realizadas, medir o tempo necessário para a sua concretização e prever recursos necessários à resposta das necessidades dos utentes.
Questão de investigação
Que intervenções de enfermagem realizadas na consulta à pessoa com DM predizem a carga de trabalho dos EF?
Metodologia
Trata-se de um estudo transversal descritivo de abordagem quantitativa. O estudo foi realizado num Agrupamento de Centros de Saúde (ACeS), constituído por 12 Centros de Saúde (CS) com 34 unidades funcionais do tipo Unidade de Saúde Familiar (USF) e Unidade de Cuidados de Saúde Personalizados (UCSP). Considerou-se para amostra de EF aqueles que aceitaram participar no estudo a partir de uma população de 167 EF. A amostra foi constituída por 44 EF que exercem funções nas USF e UCSP. Foram critérios de inclusão dos EF, ter lista de utentes atribuída, realizem consulta de enfermagem à pessoa com DM e estar funções na USF/UCSP há mais de 3 meses. Os critérios inclusão dos utentes formam: ter diagnóstico médico de DM, independentemente da data de diagnóstico; realizar consulta de vigilância com o EF e a consulta ser programada. A amostra foi constituída por 242 utentes. Foram fornecidas informações (escritas e verbais) aos EF de como proceder à inclusão utentes no estudo. Utilizou-se a grelha - Instrumento de Avaliação da Carga de Trabalho do Enfermeiro de Família - Consulta de Enfermagem - Diabetes - IACTENFF_CE_DIA. A grelha IACTENFF_CE_DIA contém 69 itens que identificam intervenções passíveis de serem realizadas pelo EF na consulta à pessoa com DM. A grelha contém 29 intervenções do tipo avaliar, 8 intervenções do tipo monitorizar, 19 intervenções do tipo ensinar, duas intervenções do tipo elaborar, uma intervenção do tipo planear, uma do tipo treinar, uma do tipo promover, uma do tipo administrar, uma do tipo referenciar, uma do tipo assistir, e uma do tipo incentivar, que permitem avaliar as intervenções de domínio assistencial. A atividade não assistencial é constituída por quatro itens sendo respetivamente: de acolhimento, procedimentos de controlo de infeção, procedimentos de continuidade de cuidados e documentação de cuidados. Na grelha está ainda prevista a possibilidade de serem acrescentadas intervenções que EF realize e não estejam contempladas. Espera-se que os EF registem as intervenções que realizaram e o tempo necessário à sua realização (em minutos/segundos). Todos os itens previstos na grelha foram definidos de registo obrigatório, ainda que, a opção seja não realizada. Esta obrigatoriedade de registo permite identificar que respetiva intervenção não foi intencionalmente realizada. A grelha IACTENFF_CE_DIA está alojada numa plataforma online com domínio https://actenff.pt. Para aceder à plataforma de recolha de dados o EF teve que previamente fazer o respetivo registo com credências de uso exclusivo. A colheita de dados realizou-se no período de outubro de 2019 a dezembro de 2020. Os dados registados pelos EF foram automaticamente gravados e associados ao ID do utilizador alojados numa base de dados web que posteriormente foi exportada para ficheiro Excel®. De seguida efetuou-se a migração dos dados para o software IMB SPSS Statistics, versão 26.0. e procedeu-se à análise estatística. Face à natureza das variáveis em estudo, foram determinadas as frequências absolutas (n) e percentuais (%), as medidas de tendência central como médias, as medidas de variabilidade e dispersão como desvio-padrão, amplitude de variação e coeficiente de variação. As intervenções dos EF preditivas da CT na consulta à pessoa com DM foram determinadas pelos seguintes pressupostos: As correlações fortes (0,70 ≤ r ≤ 0,89); correlações moderadas (0,40 ≤ r ≤ 0,69) e correlações fracas (0,20 ≤ r ≤ 0,39) são estabelecidas com as variáveis.
O estudo teve a anuência do Conselho de Administração e do Conselho Clínico e de Saúde do ACeS. Foi aprovado pela Comissão de Ética para a Saúde com parecer n.º 34/2019 - CES da instituição onde se realizou. A todos os participantes (enfermeiros e utentes) foi pedido o consentimento, informado, livre e esclarecido.
Resultados
Para determinar os preditores da CT dos EF foram consideradas as intervenções realizadas previstas na grelha IACTENFF_CE_DIA. Consideram-se o domínio assistencial (DA) do cuidado e o domínio não assistencial (DNA). O DA é composto pelos subdomínios avaliar, monitorizar, ensinar, treinar entre outros. O domínio não assistencial diz respeito o acolhimento, procedimentos de controlo de infeção, procedimentos de continuidade de cuidados e documentação de cuidados.
Subdomínios | Execução | |
---|---|---|
n | % | |
+Avaliar transição saúde/doença | ||
avaliar antecedentes pessoais de doença | 47 | 19,4 |
avaliar o risco de úlcera diabética | 122 | 50,4 |
avaliar a aceitação do estado de saúde | 50 | 20,7 |
avaliar autoadministração de medicamentos (ex: insulina) | 23 | 9,5 |
avaliar autocuidado | 8 | 3,3 |
avaliar luto | 2 | 0,8 |
+ Avaliar conhecimentos | ||
e potencial para melhorar conhecimento sobre DM | 130 | 53,7 |
e potencial para reduzir o consumo de álcool | 40 | 16,6 |
e potencial para reduzir o consumo de tabaco | 8 | 3,3 |
potencial e capacidade para gerir regime medicamentoso | 131 | 54,1 |
potencial e capacidade para gerir regime terapêutico | 109 | 45,0 |
potencial e capacidade para gerir regime de exercício físico | 131 | 54,1 |
potencial e capacidade para realizar autovigilância /autocontrolo | 34 | 14,0 |
sobre autovigilância/autocontrolo dos pés | 129 | 53,3 |
sobre autovigilância/autocontrolo da glicemia capilar | 57 | 23,6 |
sobre autovigilância/autocontrolo da pressão arterial | 39 | 16,1 |
potencial e capacidade para autoadministração de medicamentos | 29 | 12,0 |
potencial para melhorar o conhecimento, sobre o regime de imunização | 33 | 13,6 |
e potencial para aumentar conhecimento, para a prevenção da úlcera diabética | 91 | 37,6 |
potencial e capacidade para gerir regime dietético | 155 | 64,0 |
+ Avaliar comportamentos | ||
consumo de álcool | 79 | 32,6 |
consumo de tabaco | 56 | 23,1 |
consumo de outras substâncias | 2 | 0,8 |
de adesão ao regime medicamentoso | 186 | 76,9 |
de adesão ao regime de exercício físico | 151 | 62,4 |
de adesão ao regime dietético | 180 | 74,4 |
de adesão ao regime terapêutico | 139 | 57,4 |
de adesão sobre autovigilância/ autocontrolo dos pés | 115 | 47,5 |
de adesão à autovigilância/ autocontrolo da glicemia capilar | 63 | 26,0 |
de adesão à autovigilância/autocontrolo da pressão arterial | 38 | 15,7 |
Avaliar adesão ao regime de imunização | 112 | 46,3 |
+ Monitorizar | ||
altura | 130 | 53,7 |
peso | 236 | 97,5 |
índice de massa corporal (IMC) | 226 | 93,4 |
perímetro abdominal (PA) | 203 | 83,9 |
pressão arterial (PAr) | 239 | 98,8 |
frequência cardíaca (FC) | 224 | 92,6 |
parâmetros de urina | 6 | 2,5 |
hemoglobina glicada A1c (HAb1C) | 75 | 31,0 |
glicemia capilar (GC) | 40 | 16,5 |
International normalized ratio (INR) | 4 | 1,7 |
dor | 16 | 6,6 |
Nota. n = Amostra; % = Percentagem.
A Tabela 1 mostra as intervenções diagnósticas realizadas pelos EF. Para avaliar a transição saúde/doença a intervenção mais realizada foi avaliar o risco de úlcera diabética com 50,4%. Foi realizada a avaliação da aceitação do estado de saúde e dos antecedentes pessoais de doença em 20,7% e 19,6% do total das consultas respetivamente. A avaliação do conhecimento, potencial para melhorar o conhecimento e capacidade para a gestão do regime dietético foi realizada em 64% das consultas. Quanto à avaliação do conhecimento, potencial e a capacidade para gerir regime medicamentoso e o regime de exercício físico foram ambas executadas em 54,1% das A avaliação do conhecimento sobre a DM e o potencial para o melhorar foi concretizado em 53,7% das consultas realizadas. Verificou-se a realização da avaliação do conhecimento e potencial para melhorar a autovigilância/autocontrolo dos pés em 53,3% das consultadas efetuado. No que diz respeito à avaliação do comportamento, destaca-se a intervenção que consistiu na avaliação do comportamento de adesão ao regime medicamentoso e regime diatético com 76,9% e 74,4% realizações respetivamente. A avaliação do comportamento de adesão do regime de exercício físico foi realizada em 62,4% das consultas. Já a avaliação do comportamento de adesão ao regime terapêutico (avaliação dos itens regime diatético, regime medicamentoso e regime de exercício físico) foi realizado em 57,4% das consultas. Todas as restantes intervenções foram concretizadas, com frequência abaixo dos 50%. No subdomínio monitorizar verificam-se 11 intervenções, que dizem respeito à avaliação dos parâmetros antropométricos e fisiológicos das pessoas em consulta, nomeadamente monitorização do peso; altura, índice de massa corporal, pressão arterial, frequência cardíaca, parâmetros de urina, HbA1C. A intervenção monitorizar a pressão arterial e peso foi realizada com maior frequência, atingindo taxas de realização de 98,8%, e 97,5% respetivamente, O IMC foi monitorizado em 93,4 %, a frequência cardíaca em 92,6%, o perímetro abdominal com 83,9% e a altura em 53,7%. Em contrapartida, a monitorização da HbA1C foi realizada em 31%, a glicemia capilar 16,5%, a dor 6,6%, parâmetros de urina em 2,5% e o INR 1,7%.
Subdomínios | Execução | |
---|---|---|
n | % | |
+Ensinar sobre | ||
a importância da adesão ao regime medicamentoso | 132 | 54,5 |
a importância da autovigilância/autocontrolo da pressão arterial | 39 | 16,1 |
a importância da autovigilância/autocontrolo dos pés | 118 | 48,8 |
a importância de adesão ao regime de exercício físico | 137 | 56,6 |
a importância de adesão ao regime dietético | 171 | 70,7 |
a importância de adesão ao regime terapêutico | 124 | 51,2 |
a importância de adesão à autovigilância/autocontrolo da glicemia capilar | 47 | 19,4 |
a prevenção de úlcera diabética | 115 | 47,5 |
alimentação | 170 | 70,2 |
autoadministração de medicamentos | 24 | 9,9 |
diabetes mellitus | 147 | 60,7 |
estratégias adaptativas | 37 | 15,3 |
exercício físico | 134 | 55,4 |
malefícios do consumo de substâncias aditivas | 5 | 2,1 |
malefícios do consumo de tabaco | 8 | 3,3 |
sinais de hipo e hiperglicemia | 89 | 36,8 |
processo de luto | 2 | 0,8 |
+Elaborar | ||
Plano de exercício | 36 | 14,9 |
Plano alimentar | 58 | 24,0 |
+Treinar | ||
Autovigilância/autocontrolo (glicemia capilar; pressão arterial) | 11 | 4,5 |
+Promover | ||
A adesão ao regime de imunização | 73 | 30,2 |
+Administrar | ||
vacina | 42 | 17,4 |
injetável | 1 | 0,4 |
+Referenciar | ||
a outros profissionais | 2 | 0,8 |
+Assistir | ||
a pessoa a promover a aceitação do estado de saúde | 38 | 15,7 |
+Incentivar | ||
a comunicação das emoções | 70 | 28,9 |
+Executar | ||
Tratamento à ferida | 3 | 1,2 |
Nota. n = Amostra; % = Percentagem.
A Tabela 2 ilustra as intervenções realizada pelos EF face aos diagnósticos. As intervenções do tipo ensinar foram realizadas em maior frequência. A intervenção ensinar sobre a importância da adesão ao regime dietético foi realizada em 70,7%, das consultas. seguida pela intervenção ensinar sobre a alimentação com 70,2%. Ensinar sobre DM correspondeu a 60,7% das intervenções efetivadas. Ensinar sobre a importância de adesão ao regime de exercício físico e ensinar sobre a importância da adesão ao regime medicamentoso foram realizadas em 56,6% e 54,5% das consultas por esta ordem. As intervenções ensinar sobre exercício físico e ensinar sobre a importância da adesão ao regime terapêutico foram concretizadas em 55,4% e 51,2% respetivamente.
A Tabela 2 mostra, também, o conjunto das intervenções que originam os subdomínios elaborar, planear, promover, administrar, referenciar, assistir, incentivar e executar. Destas intervenções, a realizada com maior frequência foi promover a adesão ao regime de imunização com 30,2% e incentivar a comunicação das emoções realizada em 28,9% das consultas.
Subdomínio | Execução | |
---|---|---|
n | % | |
+Acolhimento | ||
Acolhimento da pessoa (chamada e receção) | 218 | 90,1 |
+Procedimentos de controlo de infeção | ||
Higienização/lavagem (mãos, espaços, equipamentos, etc. | 141 | 58,3 |
+Procedimentos de continuidade de cuidados | ||
Referenciação (RNCCI, UCC, etc.) | 211 | 87,2 |
+Documentação de cuidados | ||
+Documentação de cuidados (registos, referenciação interna, etc.) | 224 | 92,6 |
Nota. n = Amostra; % = Percentagem.
O domínio não assistencial é constituído por quatro subdomínios: acolhimento; procedimentos de controlo de infeção; procedimento de continuidade de cudados e documentação de cuidados. Verifica-se que o subdomínio documentação de cuidados foi o mais realizado, correspondendo a 92,6% das consultas realizadas. Este subdomínio pode ser caracterizado pelos registos de enfermagem necessários à continuidade de cuidados, à referenciação interna, entre outros. No que diz respeito ao subdomínio acolhimento, pela preparação prévia à consulta e pela chamada e receção da pessoa ao gabinete/consultório, foi realizada em 90,1% das consultas efetuadas pelos enfermeiros de família. Os procedimentos de continuidade de cuidados que, para efeitos de estudo, foram considerados as referenciações externas (Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados, entre outras) foram realizados em 87,2% das consultas. O subdomínio de procedimentos de controlo de infeção, no qual se incluiu a lavagem das mãos, higienização de espaços físicos e equipamentos, entre outros, foi realizado em 58,3% das consultas efetivadas.
Preditores da carga de trabalho do enfermeiro de família na consulta à pessoa com DM
Para determinar os preditores da CTE na consulta à pessoa com de DM foram consideradas todas as intervenções realizadas do domínio assistencial e não assistencial que agregam as intervenções em subdomínios (ex: avaliar). As intervenções que nos subdomínios obtiveram uma percentagem (%) de execução superior a 50% foram consideradas como as mais preditivas da carga de trabalho dos EF. Desta forma, verificou-se no subdomínio avaliar - transição saúde/doença, a intervenção avaliar risco de úlcera diabética foi a que se mostrou mais preditiva da CTE; no que diz respeito ao avaliar - conhecimento, foram as intervenções: avaliar conhecimento e potencial para melhorar conhecimento sobre a DM; regime de exercício físico, autovigilância/autocontrolo dos pés, regime diatético e regime medicamentoso as mais preditivas; no que se reporta avaliar - comportamento, foram a adesão ao regime medicamentoso, dietético e terapêutico. As intervenções do subdomínio monitorizar, as mais preditivas foram: altura; peso; IMCC; PA; PAr; FC. No subdomínio - ensinar - foram as intervenções: ensinar sobre importância da adesão ao regime medicamentoso; autovigilância/autocontrolo dos pés; regime de exercício, dietético e terapêutico; prevenção da úlcera diabética, DM as mais preditivas. Relativamente ao domínio não assistencial, todas as dimensões foram preditivas da carga de trabalho.
Preditor da Carga de Trabalho (PCT) | n | M | DP | CV | Mín | Máx |
+ Domínio assistencial | ||||||
PCT avaliar | 240 | 973 | 902,0 | 92,7 | 10 | 4995 |
PCT ensinar | 236 | 751 | 551,3 | 73,4 | 50 | 3000 |
PCT elaborar | 68 | 255 | 209,5 | 82,2 | 60 | 1200 |
PCT treinar | 11 | 64 | 41,2 | 64,4 | 20 | 180 |
PCT promover | 72 | 67 | 47,2 | 70,4 | 1 | 240 |
PCT administrar | 43 | 104 | 108,5 | 104,3 | 3 | 600 |
PCT referenciar | 1 | 120 | --- | --- | 120 | 120 |
PCT assistir | 37 | 73 | 80,1 | 109,7 | 20 | 300 |
PCT incentivar | 66 | 148 | 135,7 | 91,9 | 10 | 600 |
PCT executar | 3 | 250 | 262.1 | 104,8 | 30 | 540 |
+Domínio não assistencial | ||||||
PCT acolhimento | 217 | 75 | 169,0 | 225,3 | 3 | 2400 |
PCT procedimentos CI | 140 | 113 | 164.2 | 145,3 | 2 | 1800 |
PCT procedimentos CC | 210 | 103 | 205,9 | 199,9 | 1 | 2400 |
PCT documentação | 221 | 208 | 205,9 | 99,0 | 10 | 1800 |
CT Total (seg) | 242 | 2665 | 1785,9 | 67,0 | 750 | 9420 |
Nota. M = Média; DP = Desvio-padrão; CV = Coeficiente de variação; Min = Mínimo; Máx = Máximo.
A Tabela 4 apresenta a média, desvio-padrão, coeficiente de variação, valores mínimo e máximo das intervenções realizadas pelos EF por subdomínios e o número de intervenções realizadas em cada subdomínio. Carga de trabalho no subdomínio avaliar é traduzida pelo número de vezes que uma intervenção do tipo avaliar foi realizada na consulta. Para todos os subdomínios é considerando o mesmo princípio. O tempo mínimo de execução da totalidade das intervenções que integram o subdomínio avaliar foi de 10 segundos e o tempo máximo foi de 4995 seg. (83,25 min.). O tempo médio mais baixo registado do conjunto das intervenções realizadas encontra-se no subdomínio assistir e foi de 73 seg. (1,2 min.). O subdomínio continuidade de cuidados foi o mais realizado no domínio não assistencial onde se verificou um tempo médio de 208 seg. (3,5 min.) e tempo máximo de 1800 seg. (30 min). Verificou-se que a carga total dos cuidados assistenciais variou entre o valor mínimo de 750 seg. (12,5 min.) e valor máximo de 8160 seg. (136 min.) em que o valor médio foi de 2247 seg. (37,45 min.). Relativamente à carga de trabalho não assistencial, variou entre 12 e 5040 seg. (84 min.), sendo o valor médio de 435 segundos (7,25 min). O tempo da carga assistencial foi calculado tendo por base (100%) a totalidade das consultas realizadas 242, contudo o tempo total não assistencial foi calculado a partir do contributo de 94,6% (229) consultas realizadas. O tempo total da consulta do EF à pessoa com diabetes variou entre 750 seg. de tempo mínimo, 2665 seg. de tempo médio e 9420 seg. tempo máximo. Determinou-se que o tempo médio de consulta foi 44,4 minutos.
Discussão
Os CSP tem sido apontado como o contexto privilegiado para prevenção e tratamento das DC. Os profissionais dos CSP têm desempenhado um papel preponderante no diagnóstico e controlo destas doenças crónicas, uma vez que os CSP são o elo de ligação ao SNS. Verificou-se, através do estudo, que no âmbito da consulta à pessoa com DM os EF, prestam cuidados assistenciais (domínio assistencial) e não assistenciais (domínio não assistencial). As intervenções de DA foram concretizadas por intervenções nos subdomínios: avaliar, monitorizar, ensinar, elaborar, treinar, promover, administrar, referenciar, assistir, incentivar e executar. Resultados corroborados pelos estudos de Bonfim et al. (2016) e Michel et al. (2021), na medida em que também identificaram as intervenções do tipo, ensinar, monitorizar parâmetros antropométricos, administrar medicação, entre outras, como intervenções associadas aos cuidados assistenciais. Quanto ao domínio não assistencial as intervenções dos EF, concretizaram-se pelos subdomínios: acolhimento, procedimentos de controlo de infeção; procedimentos de continuidade de cuidados e pela documentação de cuidados. Estes resultados vão ao encontro de estudos internacionais que agrupam os cuidados prestados pelos enfermeiros em quatro categorias: cuidados diretos (assistenciais), cuidados indiretos (não assistenciais), aspetos relacionados com o serviço e pessoais (Alasalvar & Yilmaz; 2023; Bonfim et al., 2016; Michel et al., 2021). As intervenções planeamento de cuidados, preparação de medicação, controlo de infeção, documentação, encaminhamento/referenciação foram identificadas como intervenções de carácter não assistencial. A documentação dos cuidados em CSP é, entre outras, uma evidência de comunicação efetiva entre os enfermeiros e os restantes profissionais da equipa. A documentação dos cuidados de enfermagem em Portugal, é fundamentalmente realizada através de um sistema de informação Sclinico-CSP. Neste estudo foi identificado que a documentação de cuidados é preditor da carga de trabalho, á semelhança do estudo realizado por Shihundla et al. (2016) e Alasalvar e Yilmaz (2023) onde mostram a relação entre a documentação dos cuidados e o aumento da carga de trabalho dos enfermeiros, independentemente do sistema de informação em uso. O estudo de avaliação da carga de trabalho (Michel et al., 2021) mostra que tempo despendido pelos enfermeiros na realização das atividades, e estas são predominantemente intervenções de domínio não assistencial. No entanto, resultados contraditórios foram obtidos no presente estudo, pois o tempo despendido pelos EF é maioritariamente dedicado a intervenções do domínio assistencial. O resultado obtido no estudo poderá ser compreendido à luz da natureza cuidados prestados em contexto de USF/UCSP. Os resultados do estudo mostram que o tempo médio de consulta foi de 44,4 min, dos quais 37,4 min dizem respeito aos cuidados diretos e 7 min a cuidados indiretos, afastando-se desta forma dos resultados de Alasalvar e Yilmaz (2023), onde verificaram que os enfermeiros gastam 68,02 minutos em cuidados diretos aos doentes e 61,02 minutos aos cuidados indiretos. Os resultados do estudo também apontam para um afastamento significativo /14,4min) do tempo de consulta de 30 minutos previsto no Regulamento n.º 473/2019, proposto pela Ordem dos Enfermeiros.
O estudo apresenta algumas limitações que importa referir. O número de consultas realizadas é inferior ao que inicialmente se estimou, motivado pelo término antecipado na colheita de dados que foi condicionado pelo período pandémico vivido na fase de implementação do estudo, pelo que o tamanho da amostra pode ser considerado uma limitação para a interpretação dos resultados. Poderá ter ocorrido viés na colheita de dados, na identificação das intervenções realizadas e no registo de tempo necessário à sua concretização, já que o método de recolha foi por autopreenchimento.
Como sugestão de investigação, aponta-se o uso do instrumento IACTENFF-CE-DIA em diferentes contextos da prática clínica do EF na vigilância da pessoa com DM, com amostras mais significativas de forma a permitir uma aferição psicométrica do instrumento.
Conclusão
Para gerir a carga de trabalho de enfermagem é necessário identificar e quantificar os seus preditores da carga de trabalho. O estudo permitiu a identificar e quantificar as intervenções de enfermagem realizadas na consulta à pessoa com DM que predizem a carga de trabalho. Entre os preditores identificados os que conferem maior ponderação na CT dos EF dizem respeito à prestação direta de cuidados, nomeadamente as intervenções do tipo avaliar, monitorizar, ensinar. Os cuidados não assistenciais também foram identificados como preditores da CT dos EF, embora com ponderação mais reduzida. Os resultados obtidos podem subsidiar a compreensão da carga de trabalho de enfermagem em contexto dos CSP em unidades funcionais USF/UCSP. Estes resultados podem assumir um contributo importante para a definição de um rácio enfermeiro/pessoa/família ajustado às necessidades dos mesmos na vigilância/acompanhamento. Podem ainda dar um contributo na definição mais aprimorada da dotação de EF para garantir cuidados de enfermagem seguros e de qualidade.