Introdução
A pandemia de COVID-19 prejudicou o acesso e a utilização dos serviços de atenção à saúde sexual e reprodutiva em diversos países. No Brasil, constatou-se uma redução na taxa de acompanhamento pré-natal, com impactos nefastos sobre a mortalidade materna por causas evitáveis, ainda que gestantes, parturientes e puérperas compusessem o grupo de risco. Nesse contexto, que determinava o isolamento social, a adoção de novos comportamentos e a implementação de protocolos sanitários, ponderam-se as repercussões negativas da gestação e do parto na saúde mental dessas mulheres.
Diante disso e considerando que as enfermeiras obstétricas são mundialmente reconhecidas por impulsionar a humanização da assistência à gestação, ao parto e puerpério, compreende-se a relevância da atuação dessas profissionais no contexto pandémico. O seu processo de cuidar promove o bem-estar físico, psíquico e social por meio de cuidados sensíveis que incentivam o autocuidado e transmitem apoio emocional, segurança, respeito e tranquilidade, proporcionando satisfação com a experiência da parturição (Almeida, Progianti et al., 2022). Assim, por meio de percurso metodológico qualitativo e descritivo, este estudo teve como objetivo conhecer as perceções das enfermeiras obstétricas sobre os sentimentos das parturientes durante a pandemia de COVID-19.
Enquadramento
Com a declaração da pandemia de COVID-19, foi necessária a adoção de medidas para conter o avanço da doença, com destaque para o uso de máscara, a higienização das mãos e o isolamento social, que repercutiram em mudanças significativas nos modos de viver e nas práticas assistenciais dos diferentes níveis de promoção da saúde (Cruz-Ramos et al., 2023).
Esta conjuntura despertou medo, insegurança e receios na população, sobretudo frente à lacuna de conhecimentos científicos acerca das abordagens terapêuticas efetivas, à demanda crescente por serviços de média e alta complexidade e às altas taxas de contaminação e morte pela doença, especialmente no curso da “primeira onda” da pandemia (Almeida, Carvalho et al., 2022; Joaquim et al., 2022).
Corroborando, houve uma redução na oferta de cuidados essenciais no âmbito da assistência primária, decorrente da priorização de investimentos no enfrentamento direto à pandemia, que impôs barreiras no acesso à saúde e interferiu, por exemplo, nos direitos sexuais e reprodutivos das mulheres à assistência qualificada e segura (Almeida, Carvalho et al., 2022; Joaquim et al., 2022; Sweet, 2022). Neste contexto, definiu-se a existência de grupos de risco, nos quais gestantes e puérperas foram incluídas pelo risco aumentado de complicações clínicas e óbito associado à infeção pelo SARS-COV-2 (Joaquim et al., 2022; Sweet, 2022).
Em relação à mortalidade materna por COVID-19, dados brasileiros de 2021 mostram que 59% das mortes entre gestantes e puérperas contaminadas não se relacionavam com comorbidades prévias ou associadas à gravidez. Este cenário indica que os óbitos maternos eram evitáveis, revelando a insuficiência do sistema de saúde em assegurar testagem, recursos diagnósticos, internamentos e cuidados intensivos em tempo oportuno (Carvalho et al., 2023).
Considerando este panorama e que a situação de risco obstétrico na gravidez predispõe a manifestação de sentimentos de medo, culpa, frustração e preocupação, a baixa autoestima e expectativas negativas sobre a gestação, o parto e nascimento, vislumbra-se o potencial deletério da pandemia sobre a saúde mental das gestantes, parturientes e puérperas.
Questão de investigação
Quais são as perceções das enfermeiras obstétricas sobre os sentimentos das parturientes durante a pandemia de COVID-19?
Metodologia
Trata-se de uma pesquisa descritiva e qualitativa, com 22 enfermeiras obstétricas do Estado do Rio de Janeiro (Brasil). Como critério de inclusão, considerou-se a atuação no cuidado às parturientes durante os anos de 2020 e 2021. Foram excluídas as especialistas que desenvolvem atividades neste âmbito assistencial, somente, na rede privada e em serviços de parto domiciliar.
A captação das participantes aconteceu por meio da técnica de Bola de Neve, na qual um indivíduo com o perfil adequado é selecionado para ser o primeiro entrevistado, denominado semente, à qual se solicita a indicação de participantes potenciais, que indicam novos contactos e assim sucessivamente, até que a amostragem se mostre saturada (Curtis & Keeler, 2021). Assim, a semente foi selecionada intencionalmente, pela proximidade das autoras com precetores de residências em enfermagem obstétrica. Utilizando-se uma aplicação de mensagem, as participantes potenciais foram contactadas para esclarecimentos sobre a pesquisa, seguido do convite à participação. A formalização da aceitação aconteceu mediante o preenchimento do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), compartilhado por email no formato eletrónico.
O estudo contou com três participantes sementes, a partir das quais se constituíram três cadeias de indicação.
A colheita de dados aconteceu de maio a julho de 2021, por meio de entrevistas individuais, seguindo um roteiro semiestruturado, contendo perguntas fechadas, para uma breve caracterização das entrevistadas, e as seguintes questões abertas: “Durante a assistência ao parto em tempos de pandemia de COVID-19, quais sentimentos as parturientes têm manifestado? Na sua perceção, por que elas manifestaram esses sentimentos?”. Devido ao período pandémico, as entrevistas aconteceram por videoconferência, em data e horário escolhido pelas participantes, e foram realizadas por duas autoras previamente treinadas, que se revezaram na condução da coleta de dados. As entrevistas tiveram a duração média de 40 minutos e, mediante a autorização, foram registadas com o apoio de um aplicativo de gravador de imagem e áudio. Posteriormente, o material foi transcrito, utilizando-se um processador de texto (Word).
Antes do início da colheita de dados, foram realizados três testes piloto, que mostraram a adequação do instrumento e compuseram o corpus analítico. Ainda, não houve perdas de participantes neste processo, mas tiveram oito recusas, justificadas pela sobrecarga laboral. Baseando-se na saturação temática indutiva, não foram identificados novos temas na décima oitava entrevista e o encerramento da colheita de dados deu-se após a confirmação da saturação com a realização de mais quatro entrevistas.
Os dados foram explorados por meio da análise de conteúdo temática (Minayo, 2014), envolvendo três etapas. Na pré-análise, procedeu-se com a leitura do material transcrito, com atenção aos critérios de exaustividade, representatividade e homogeneidade. Na sequência, teve início a exploração e categorização, com a identificação das unidades de registo e de contexto, seguida da seleção de recortes significativos e definição das categorias. Por fim, o tratamento e a interpretação dos dados com a construção da síntese interpretativa, envolvendo inferências e diálogos com a produção científica.
O estudo obteve aprovação do Comissão de Ética em Pesquisa da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, sob o parecer número 4.518.637, de 01 de fevereiro de 2021. As participantes só ingressaram na pesquisa após a leitura e assinatura do TCLE. O anonimato foi assegurado pela adoção da letra “E”, referente à enfermeira, seguida de um algarismo correspondente à ordem de realização da entrevista.
Resultados
Das 22 participantes, todas são do sexo feminino e a maioria encontrava-se na faixa etária entre 30 a 39 anos. Em relação à formação, 13 obtiveram o título de enfermeira obstétrica por meio da especialização na modalidade de residência e nove em cursos de pós-graduação tradicionais. Sobre o tempo de atuação na especialidade, 11 participantes trabalhavam na enfermagem obstétrica entre 01 a 09 anos, sete entre 10 a 19 anos, duas entre 20 a 29 anos e duas entre 30 a 40 anos. No que tange ao vínculo laboral com o serviço obstétrico, oito enfermeiras especialistas eram funcionárias públicas, 10 eram contratadas e três participantes acumulavam ambos vínculos.
Sentimentos relacionados com a vivência do parto hospitalar durante a pandemia da COVID-19
As enfermeiras obstétricas perceberam que medo, ansiedade e angústia foram sentimentos comuns entre as parturientes, os quais mostraram-se associados às incertezas e preocupações do contexto pandémico da COVID-19, sobretudo por se tratar de uma nova doença: Mais o medo da pandemia, de algo desconhecido para ela! Era o medo do momento de parir mais o medo da doença (E4); Percebemos que gerou um pouco de ansiedade nelas porque tudo era muito novo! . . . No início, foi um choque! Aquela coisa: “estou grávida no meio de uma pandemia! O que eu faço?” (E8); Eu percebi nas mulheres um grau maior de ansiedade, preocupação, angústia . . . Elas estavam bem assustadas! (E7).
As participantes também identificaram que as parturientes tinham medos, dúvidas e inseguranças em relação ao parir no ambiente hospitalar durante o curso da pandemia de COVID-19. O medo delas de contrair o vírus dentro do hospital (E11);
Querendo ou não, as mulheres estão no ambiente hospitalar e, muitas vezes, isso traz medo, ansiedade . . . Eu vejo que, para elas, viver um momento único, como a gestação e o parto, durante uma pandemia é uma mudança em algo que elas idealizaram. (E15)
Percebemos o medo delas de virem para a maternidade. Eram pacientes que antes chegariam com 5 ou 6cm de dilatação, mas que começaram a chegar no período expulsivo, pelo medo de sair de casa e procurar uma unidade de saúde (E9).
Sentimentos relacionados com escassez de informações e restrição de acompanhantes e visitas
As enfermeiras obstétricas deste estudo observaram que, durante a pandemia de COVID-19, as gestantes chegavam na maternidade com poucos esclarecimentos acerca das situações que requerem a procura por serviços de saúde e dos eventos do processo de parto. Para elas, essas situações decorreram das fragilidades na assistência pré-natal, perpassando pela ausência ou redução das ações educativas presenciais e suspensão das visitas à maternidade de referência.
Durante o trabalho de parto na pandemia, eu já não tinha a mulher e família informada . . . Percebi que elas chegam mais desinformadas e não sabem o que vai acontecer, como antes sabiam. . . Era um fundo de ansiedade, desespero e medo da desinformação sobre o processo em si, não só em relação à COVID. (E16)
Nos dificulta muito a falta dos grupos educativos de forma presencial porque a mulher não consegue interagir com as outras mulheres de uma forma mais olho no olho. Assim, ela entende melhor, tem mais emoção, porque o parto é emoção, ouvindo a outra falar. (E6)
Antes, as mulheres sabiam aonde iam parir, que era o papel da visita à maternidade de referência. Hoje, elas não conhecem mais o ambiente porque a pandemia restringiu esse primeiro momento de vinculação das mulheres entre a sua unidade primária e o lugar onde ela vai ter seu filho. Muitas das vezes, ela não é informada desde o início da gestação que ela vai parir naquele lugar. (E2)
Devido à escassez de informações na assistência pré-natal, as participantes notaram que as parturientes não se mostravam preparadas para o parto, manifestando sentimentos de insegurança, medo, ansiedade, apreensão e receio.
A mulher ficou com menos informação e isso traz insegurança, ansiedade e medo . . . Tudo isso vem à tona no parto e é um grande impeditivo para um trabalho de parto mais tranquilo (E20).
Elas estão mais inseguras e com mais medo para aquilo que é desconhecido ou, até mesmo, para uma mulher que já vivenciou a parturição. Então, a minha perceção é que elas estão menos preparadas pela falta de informação . . . Percebi mais apreensão nelas! Muito receosas com tudo. Então, elas demonstram mais nervosismo. A dificuldade de se entregar. (E14).
A esse cenário, acrescenta-se a restrição de acompanhantes e visitas nos serviços obstétricos. Como efeitos, as enfermeiras perceberam que as mulheres, sem uma rede de apoio, se sentiram mais abandonadas e sozinhas, o que contribuiu para deixá-las mais ansiosas, nervosas, stressadas, frustradas e tristes: Elas estavam mais ansiosas porque a presença do acompanhante estava mais restrita. Percebo a ansiedade das parturientes! Ficou difícil desligá-las do mundo exterior e conectá-las à fase ativa do parto. Emocionalmente, está bem difícil! (E22).
No começo, o acompanhante foi restrito e isso eu considero um grande prejuízo . . . É uma pessoa conhecida dela, alguém que está ali para dar a mão quando a gente, às vezes, não pode. E quando houve essa restrição, visivelmente, elas ficaram mais nervosas, mais stressadas. (E1)
Ter a restrição de acompanhante foi muito difícil porque eu as vejo mais abandonadas, sem rede de apoio. Elas estão muito sozinhas! (E3); Foi bem sofrido para as mulheres passarem pelo parto sem acompanhante, sem ter alguém do lado, sem um suporte emocional (E10); Porque eu vejo mais a ansiedade delas de querer ter familiares e visitas. Ela queria pessoas mais perto dela . . . mas devido a pandemia . . . Isso traz um pouco de tristeza, ansiedade, frustração (E13).
Discussão
Os resultados deste estudo mostram que, no primeiro ano da pandemia de COVID-19, as enfermeiras obstétricas perceberam o predomínio de sentimentos negativos entre as parturientes. Neste sentido, o medo, a ansiedade e angústia mostraram-se associadas às preocupações, dúvidas e inseguranças sobre parir no hospital em meio de cenário pandémico decorrente de uma doença nova, que apresentava altas taxas de internamentos e mortes.
A gestação é um evento da vida reprodutiva que traz consigo uma certa labilidade emocional, despertando alegria e sensação de poder, ao mesmo tempo em que gera sentimentos ambíguos, como: medo do parto e da morte; tristeza, preocupações e dúvidas relacionadas com a capacidade de manutenção da vida de um outro ser; ansiedades e inseguranças advindas da aceitação da gestação e de questões familiares, sociais, económicas e culturais (Boeck et al., 2022; Hense et al., 2023).
Estes sentimentos são mais frequentes no primeiro e terceiro trimestres da gravidez, com impactos a curto e longo prazo sobre o bem-estar materno e fetal que envolvem risco aumentado de depressão, aborto espontâneo, pré-eclâmpsia, restrição do crescimento intrauterino, parto prematuro e baixo peso ao nascer (Boeck et al., 2022; Hense et al., 2023). Assim, a adaptação da mulher às mudanças do ciclo gravídico-puerperal alteram o seu estado geral e podem prejudicar a sua saúde mental, a depender das subjetividades do seu contexto de vida (Boeck et al., 2022).
Considerando as repercussões sociais e económicas da pandemia da COVID-19 sobre a saúde e o bem-estar físico e psicossocial das pessoas, compreende-se que este cenário foi ainda mais devastador para as gestantes, parturientes e puérperas. Como efeitos, elas encontravam-se mais ansiosas, angustiadas e stressadas diante do isolamento, das medidas sanitárias, do risco de contrair a doença, dos novos protocolos assistenciais, da falta de socialização e rede de apoio, bem como da circulação de informações pouco confiáveis (Boeck et al., 2022; Cruz-Ramos et al., 2023; Hense et al., 2023; Joaquim et al., 2022; Leal et al., 2023).
Esta conjuntura trouxe o medo para o quotidiano destas mulheres. Ainda que esse sentimento seja um mecanismo de defesa e adaptação para assegurar a sobrevivência frente a eventos de ameaça real ou potencial, quando exacerbado, o medo pode ser prejudicial à saúde mental, fomentar transtornos psíquicos e intensificar a ansiedade, o stress e a insegurança em pessoas saudáveis ou com doenças pré existentes (Boeck et al., 2022; Chrzan-Detkos et al., 2021; Hense et al., 2023; Stampini et al., 2021).
Sendo assim, verifica-se que a gestação e o parto durante a pandemia de COVID-19 foram marcados por dúvidas, incertezas, preocupações e, sobretudo, pelo sentimento de medo decorrente do risco de: se contaminar e transmitir o vírus ao feto; ter complicações no parto; encontrar dificuldades no acesso aos serviços de saúde; enfrentar restrições no direito à presença do acompanhante na maternidade; e da morte e perda fetal (Almeida, Progianti et al., 2022; Boeck et al., 2022; Cruz-Ramos et al., 2023; Hense et al., 2023; Joaquim et al., 2022; Lamy et al., 2023).
Estas questões potencializaram os sentimentos de tristeza, solidão, angústia, raiva, irritação e culpa, bem como trouxeram a sensação de impotência, falta de apoio e frustração, decorrentes das incertezas e dúvidas relativas à gestação e ao parto em meio a uma doença desconhecida de proporções pandémicas (Boeck et al., 2022; Hense et al., 2023; Joaquim et al., 2022; Mirzakhani et al., 2022). Corroborando para o sofrimento psíquico das gestantes, parturientes, puérperas, destacam-se a ansiedade e angústia associadas ao deslocamento para os serviços de saúde, considerados como ambientes de maior risco de transmissão e contágio da COVID-19 (Cruz-Ramos et al., 2023; Lamy et al., 2023), o que culminou na baixa assiduidade das mulheres nas consultas pré-natais e despontou o interesse pelo parto domiciliar (Hense et al., 2023; Mollard & Wittmaack, 2021).
Especialmente no contexto pandémico, quando houve um aumento expressivo da morte maternas, dos sintomas psicológicos e transtornos mentais entre as gestantes, o acompanhamento pré-natal mostrou-se fundamental para as ações de promoção e prevenção da saúde, a classificação de risco obstétrico, o diagnóstico precoce e manejo oportuno de agravos (Boeck et al., 2022; Cruz-Ramos et al., 2023; Leal et al., 2023). Neste sentido, o acolhimento, o apoio emocional, o fornecimento de informações e as atividades educativas foram estratégias de cuidado essenciais para abordar sentimentos negativos e preocupações relacionadas com a gravidez e ao parto, minimizar o sofrimento, proporcionar bem-estar, favorecer uma melhor adaptação psíquica aos eventos e contribuir para o alcance de melhores desfechos maternos e neonatais (Cruz-Ramos et al., 2023).
No entanto, apesar das medidas sanitárias determinarem a manutenção da assistência pré-natal, com a implementação de um calendário de consultas presenciais espaçadas e intercaladas com a teleconsulta e o desenvolvimento de ações educativas online, muitas unidades de cuidados de saúde primários reduziram a oferta de atendimentos à saúde sexual e reprodutiva, ao mesmo tempo em que a baixa adesão e o abandono do pré-natal foram uma realidade entre as gestantes, frente ao medo da contaminação (Almeida, Carvalho et al., 2022; Cruz-Ramos et al., 2023).
Como consequências, têm-se a sensação de desamparo social, perda do vínculo com os profissionais de saúde do serviço e escassez de informações, que potencializaram a instabilidade emocional das gestantes, expressa por ansiedade, alteração no padrão de sono, tristeza, medos, inseguranças e incertezas sobre os protocolos assistenciais na gestação e no parto, com impactos sobre a qualidade de vida deste grupo de mulheres (Boeck et al., 2022; Cruz-Ramos et al., 2023; Joaquim et al., 2022).
Conforme apontado pelas enfermeiras obstétricas deste estudo, as mudanças nas rotinas da assistência pré-natal durante a pandemia fragilizaram a componente educativa desta assistência, sobretudo pela suspensão dos grupos de gestantes presenciais e das visitas à maternidade de referência. Mesmo com a virtualização das atividades educativas adotada por muitas instituições, as participantes perceberam que esta iniciativa não foi efetiva, muitas parturientes eram admitidas na maternidade com poucos esclarecimentos sobre o trabalho de parto e, por isso, mostravam-se mais inseguras e com medo.
Diante das medidas restritivas e de proteção à saúde, a implementação excecional do teleatendimento foi um modo de assegurar a assistência às gestantes. Porém, o baixo nível de literacia em saúde e as barreiras na acessibilidade digital da população repercutiram-se na baixa efetividade desta estratégia para o fornecimento de orientações (Almeida, Carvalho et al., 2022; Carvalho et al., 2023).
Consequente à falta de informações, emergiram sentimentos de ansiedade, apreensão e receio em relação ao internamento e ao parto, fazendo com que as mulheres se sentissem inseguras, despreparadas para parir e com medo das restrições à presença do acompanhante e às visitas no hospital, as quais foram temporariamente suspensas em muitos serviços obstétricos, assim como verificado em outras pesquisas (Boeck et al., 2022; Cruz-Ramos et al., 2023; Hense et al., 2023; Joaquim et al., 2022; Leal et al., 2023).
Nos anos de 2020 e 2021, foram publicadas recomendações para a assistência ao parto de mulheres assintomáticas, sintomáticas e positivas para COVID-19. No entanto, estes documentos geraram uma certa ambivalência de interpretação, levando muitas instituições a proibir o acompanhante durante o trabalho de parto, parto e pós parto, restringir visitas durante o internamento hospitalar e modificar algumas práticas obstétricas, como: o uso de máscara por todas as parturientes; a suspensão do alojamento conjunto, contacto pele a pele, clampeamento oportuno de cordão e da amamentação na sala de parto (Almeida, Carvalho et al., 2022; Carvalho et al., 2023; Cruz-Ramos et al., 2023; Hense et al., 2023; Mollard & Wittmaack, 2021).
Conforme identificado nos resultados do presente estudo, estas circunstâncias geraram frustração, tristeza, solidão e desamparo, intensificando o desgaste emocional das mulheres, visto que estavam num ambiente hostil e, muitas vezes, desconhecido, com baixa sensação de controle sobre a situação, sem contacto com a sua rede de apoio e impossibilitadas de compartilhar o momento singular do parto e nascimento com os seus familiares, num contexto de medo generalizado da contaminação e morte pela COVID-19 (Boeck et al., 2022; Cruz-Ramos et al., 2023; Hense et al., 2023; Joaquim et al., 2022; Lamy et al., 2023; Leal et al., 2023).
Por estas razões, era fundamental que as mulheres se sentissem respeitadas e acolhidas em suas necessidades, tivessem alguém próximo ao seu lado e recebessem informações e apoio emocional. Estas condições favorecem a construção de vínculo e confiança nos cuidados profissionais, resultam em encorajamento e bem-estar, contribuem para melhores desfechos obstétricos e proporcionam uma experiência positiva de parto (Boeck et al., 2022; Cruz-Ramos et al., 2023; Leal et al., 2023).
Porém, é importante considerar que o contexto do trabalho em saúde durante a pandemia era de sobrecargas, intensificação e sofrimento psíquico, devido aos riscos ocupacionais, à escassez de recursos humanos e materiais, aos adoecimentos e às mortes entre os profissionais, ao afastamento da vida social e familiar, bem como às constantes mudanças nos protocolos clínicos (Almeida, Carvalho et al., 2022; Carvalho et al., 2023; Sweet, 2022). Neste cenário sanitário e laboral desafiador, compreende-se que nem sempre foi possível oferecer cuidados obstétricos com integralidade e humanização (Carvalho et al., 2023; Lamy et al., 2023).
Inevitavelmente, esta conjuntura teve impactos na assistência hospitalar e, sob o argumento de mitigar a propagação do vírus e proteger a saúde, as normativas implementadas, muitas vezes sem evidências científicas sólidas que sustentassem a adoção como rotina para todas as parturientes, repercutiram no aumento das intervenções obstétricas e das taxas de cesariana, descumprimento das boas práticas e desrespeito aos direitos das mulheres, determinando retrocessos importantes sobre as conquistas da humanização (Almeida, Carvalho et al., 2022; Hense et al., 2023; Leal et al., 2023; Mollard & Wittmaack, 2021; Sweet, 2022).
Entretanto, é importante considerar que a gestação, o parto e o nascimento são fortemente influenciados pelo ambiente onde esses eventos ocorrem. As gestantes, parturientes e puérperas estavam no grupo de risco para COVID-19 e enfrentaram limitações no acesso aos serviços de saúde. A pandemia acentuou vulnerabilidades emocionais, interferiu no exercício da cidadania e afetou a forma como essas experiências foram vivenciadas, impactando profundamente a vida reprodutiva das mulheres. Em meio ao processo solitário de gestação e parto, permeado por tantos sentimentos negativos, era fundamental que a assistência também se focasse em minimizar os impactos psicológicos e em prevenir transtornos mentais, muitas vezes negligenciados em detrimento dos riscos biológicos de uma pandemia.
Como limitação deste estudo, destaca-se o facto do grupo de participantes ter sido composto por enfermeiras obstétricas de serviços públicos de um único estado brasileiro. No entanto, os resultados são considerados válidos, pois assemelham-se aos de pesquisas nacionais e internacionais que abordam as repercussões negativas da pandemia sobre a saúde mental das mulheres no ciclo gravídico-puerperal.
Assim, os resultados desta pesquisa podem fundamentar a assistência à saúde em futuros contextos de crise sanitária. Como lição aprendida com a pandemia da COVID-19, destaca-se a importância da manutenção dos serviços de promoção da saúde sexual e reprodutiva. Através de cuidados baseados na integralidade e humanização, é possível promover o bem-estar físico e mental, mitigar o sofrimento psicológico decorrente das vulnerabilidades associadas a uma emergência de saúde pública e assegurar o respeito aos direitos humanos das mulheres. Neste sentido, reforça-se a essencialidade da atuação das enfermeiras obstétricas, devido às características relacionais do seu processo de cuidar das gestantes, parturientes e puérperas.
Conclusão
As perceções das enfermeiras obstétricas revelam que, no contexto pandémico, o medo, a ansiedade, a angústia e as inseguranças foram sentimentos comuns entre as parturientes. Estes sentimentos estavam associados às preocupações com o surgimento de uma nova doença infeciosa, às incertezas sobre o parto no ambiente hospitalar e à escassez de informações sobre os eventos do processo de parto. As enfermeiras também observaram que as restrições à presença do acompanhante e às visitas geraram a sensação de abandono e frustração, intensificando a ansiedade, o nervosismo, o stresse e a tristeza destas mulheres.
Passado o estado de crise sanitária global, é crucial focar na promoção e proteção dos direitos das mulheres, nas boas práticas, no cuidado centrado na pessoa e nos princípios da humanização, qualidade e segurança na assistência ao pré-natal, parto, nascimento e puerpério. Muitas vezes, durante a pandemia da COVID-19, esses aspetos foram negligenciados em prol das medidas para conter a circulação do vírus e evitar a contaminação. Estas reflexões são indispensáveis e oportunas diante dos desafios enfrentados pela pandemia da COVID-19 para alcançar os objetivos de desenvolvimento sustentável.