Introdução
A saúde dos trabalhadores e a segurança do local de trabalho pode ser afetada pelo stresse, constituindo um fator de risco mundialmente reconhecido (Bani-Issa et al., 2020). Os hospitais são ambientes naturalmente stressantes, fruto de distintos motivos, como os relacionados com: os doentes e familiares, o ambiente de trabalho, as mudanças não previstas ao nível da rotina e no horário de trabalho, entre outros (Correia, 2020). Relativamente aos serviços de emergência, estes são altamente stressantes, pois destinam-se a assistência imediata das populações que se encontram em situação crítica, visando a recuperação da saúde e diminuição do seu agravamento, constituindo por isso serviços de elevada complexidade tecnológica, cujas particularidades das ações prestadas aos doentes em risco de morte iminente podem acarretar desgaste físico e psicológico no profissional (Silva et al., 2021). Face ao exposto e perante a realidade vivenciada diariamente pelos enfermeiros na prestação de cuidados à pessoa em situação crítica, enfatiza-se a necessidade de identificar/monitorizar periodicamente as principais situações geradoras de stresse, recorrendo-se a um instrumento de recolha de dados adaptado e validado para a população em estudo, procurando corroborar os resultados com estudos do mesmo âmbito. A partir dos resultados podem-se planear estratégias que contribuam para a redução dos níveis de stresse. Delinearam-se como principais objetivos: Avaliar o stresse percecionado numa amostra de enfermeiros do serviço de urgência (SU) de um centro hospitalar da região norte de Portugal; identificar os principais fatores indutores de stresse percecionados na amostra; analisar a relação entre o stresse percecionado e as características sociodemográficas/profissionais.
Enquadramento
O stresse psicológico consiste numa relação estabelecida entre o individuo e o meio, cuja avaliação é percebida como algo que sobrecarrega ou excede os seus recursos, afetando o seu bem-estar, sendo mediado por dois processos: a avaliação cognitiva e o coping (Lazarus & Folkman, 1984). Com base na Organização Mundial da Saúde (OMS, 2022), o stresse profissional (síndrome de burnout) é reconhecida como uma doença ocupacional, integrando a Classificação Internacional de doenças, sendo descrita como uma síndrome decorrente do stresse laboral crónico que não foi gerido devidamente (sem êxito). Num SU os profissionais de saúde têm que “ser capazes de se integrar num ambiente dinâmico, multitarefa, em constante mutação, com múltiplas exigências e pressões” (Brazão et al., 2016, p. 14), sendo que nos serviços de urgência os enfermeiros deparam-se diariamente com fatores de stresse únicos, que decorrem essencialmente de problemas em lidar com os doentes e as suas famílias, bem como fruto da elevada carga de trabalho e das incertezas em relação ao tratamento, podendo daqui resultar consequências negativas para a saúde física e mental (Alomari et al., 2021). O stresse ocupacional afeta de forma negativa a qualidade do sono dos enfermeiros (Deng et al., 2020). Decorrente das consequências do stresse, custos excessivos podem ser gerados, representando um problema para os indivíduos, hospitais e para o sistema de saúde no geral, sendo fulcral identificar os possíveis fatores stressantes, bem como avaliar o stresse, visando uma gestão adequada da saúde mental em profissionais da área da emergência (García-Tudela et al., 2022).
Com o propósito de avaliar o stresse na classe profissional dos enfermeiros, Gray-Toft e Anderson (1981) desenvolveram nos Estados Unidos uma escala intitulada de Nursing Stress Scale (NSS), contribuindo desta forma para a disponibilização de um instrumento científico para a sua avaliação, cujos resultados poderiam facilitar o delineamento de estratégias para a sua prevenção/minimização. Este instrumento foi adaptado e validado em distintos países, entre os quais, Portugal. Utilizada em vários estudos, como o de Pereira (2018), no qual pretendeu avaliar a perceção de stresse por parte do enfermeiro na sala de emergência e ainda, identificar quais os fatores e ambientes indutores de stresse em sala de emergência. Envolvendo uma amostra de 85 enfermeiros de um hospital central da região centro de Portugal, a autora concluiu que a carga de trabalho, a morte, o sofrimento, a preparação inadequada e a incerteza nos tratamentos, foram aqueles fatores que mais stresse suscitaram na amostra. Existem várias escalas gerais para avaliar o stresse, contudo é importante um instrumento específico para os enfermeiros, com a finalidade de permitir delinear, implementar e avaliar intervenções para prevenir/controlar os fatores de stresse profissional neste grupo profissional (Porcel-Gálvez, 2020).
Questões de investigação
(I) Qual a perceção de stresse numa amostra de enfermeiros do SU de um centro hospitalar da região norte de Portugal, na abordagem da Pessoa em Situação Crítica? (II) Quais os principais fatores indutores de stresse percecionados na amostra? (III) Qual a relação entre o stresse percecionado e as características sociodemográficas/profissionais?
Metodologia
Estudo de abordagem quantitativa, descritivo-correlacional e transversal. A população integrou todos os enfermeiros a desempenhar funções no SU de um centro hospitalar da região norte de Portugal, na segunda quinzena de dezembro de 2021. Para a obtenção da amostra, delineou-se como critério de inclusão, desempenhar funções na prestação direta de cuidados de enfermagem. Como critérios de exclusão, delinearam-se: o não preenchimento de pelo menos 80% do instrumento de recolha de dados (IRD); enfermeiros em situação de regime de dispensa da prestação de trabalho (licença parental, incapacidade temporária para o trabalho). Utilizar-se-á a técnica de amostragem não probabilística, por conveniência para obter a mesma. Duas partes constituem o IRD autoadministrado: As questões da primeira parte pretendem caracterizar o perfil sociodemográfico e profissional da amostra. A segunda parte integra a Escala de Stresse Profissional dos Enfermeiros (ESPE), versão Portuguesa da NSS de Pamela Gray-Toft e James Anderson (1981), traduzida e adaptada para a população portuguesa, por Santos e Teixeira (2008). A escala criada Gray-Toft e Anderson (1981) comporta 34 itens que relatam situações identificadas como geradoras de stresse nos enfermeiros relativamente ao exercício da atividade profissional, englobando sete subescalas (fatores), nomeadamente: fator I: a morte e o morrer; fator II: conflitos com os médicos; fator III: preparação inadequada para lidar com as necessidade emocionais dos doentes e seus familiares; fator IV: falta de apoio dos colegas; fator V: conflitos com outros enfermeiros e com os chefes; fator VI: carga de trabalho; e fator VII: incerteza quanto aos tratamentos. Avalia três domínios, o físico (constituído pelo fator VI), o psicológico (constituído pelos fatores I, III, IV e VII) e o social (constituído pelos fatores II e V). Cada item será respondido numa escala tipo Likert de 4 pontos, mensurando a frequências das situações experienciadas (1 = nunca; 2 = ocasionalmente; 3 = frequentemente; 4 = muito frequentemente). A pontuação mínima possível da escala equivalerá a 34 pontos e a máxima a 136 pontos (Santos e Teixeira, 2008). Para além da pontuação global é possível determinar a pontuação de cada subescala, resultante do somatório dos respetivos itens. A variável dependente corresponderá ao stresse percecionado, enquanto as variáveis independentes corresponderão às variáveis sociodemográficas (sexo, idade, estado civil e habilitações académicas) e profissionais (categoria profissional, tempo de serviço como enfermeiro, tempo de serviço como enfermeiro no SU, tipo de vínculo à instituição e acumulação de funções noutro local de trabalho). Decorrente da interpretação individual subjetiva respondida através do questionário, avalia-se a perceção de stresse (stresse percecionado) dos enfermeiros relativamente às diversas situações profissionais, referido em estudos como o de Pereira (2018). Para cumprimento dos procedimentos éticos foi previamente solicitado autorização à instituição, que remeteu o IRD à sua Comissão de Ética, emitindo um parecer favorável em reunião ocorrida em 07 de dezembro de 2021. Envolvendo a chefia, apresentou-se a finalidade do estudo, convidando-se todos os enfermeiros do serviço a participarem, através do preenchimento do IRD, colocado em envelope fechado. A participação voluntária implicava a assinatura de um consentimento informado, sendo garantido o anonimato e a confidencialidade dos dados. Para o tratamento de dados recorreu-se à estatística descritiva, por meio da determinação das frequências absolutas e relativas para todas as variáveis, bem como da média, desvio padrão, mínimo e máximo para as variáveis escalares. A estatística inferencial teve por base a utilização de testes não paramétricos, uma vez que as variáveis não seguiam uma distribuição normal, normalidade calculada através do teste de Kolmogorov-Smirnov. Recorreu-se ao teste de Mann-Whitney aquando de dois grupos independentes e ao teste de Kruskal-Wallis aquando de variáveis com três ou mais grupos. Os resultados destas variáveis são apresentados com base na ordenação média de cada grupo. Na análise estatística considerou-se o limite de significância de p < 0,05. A avaliação da consistência interna da escala ESPE foi obtida através do alfa de Cronbach. O tratamento de dados foi processado no programa IBM SPSS Statistics, versão 25.0.
Resultados
A população em estudo era constituída por 66 enfermeiros, a partir da qual se obteve uma amostra de 54 enfermeiros. As suas características sociodemográficas e profissionais apresentam-se na Tabela 1. Os participantes são maioritariamente do sexo feminino (68,5%) e integram a faixa etária dos 31 aos 40 anos (63,0%). Quanto ao estado civil, o grupo dos casados/união de facto representa 53,7% da amostra. No que se concerne às habilitações académicas, dos 54 enfermeiros, 40 possuem a licenciatura (74,1%) e os restantes o mestrado (25,9%). Tendo por base as características profissionais da amostra, 21 são enfermeiros especialistas (perfazendo 38,9% da amostra). Quanto ao tempo de serviço, 46,3% da amostra desempenha funções entre 11 e 20 anos. Quanto ao tempo de serviço no SU, a maioria da amostra (n = 33, 61,1%) desempenha funções há dez ou menos anos. No que se refere à estabilidade contratual, 40 enfermeiros (74,1%), possuem um contrato sem termo. A acumulação de funções noutra instituição é realizada por 19 enfermeiros (35,2%).
Tabela 1 : Caracterização sociodemográfica e profissional dos enfermeiros da amostra
Variável Sociodemográfica | n | % |
---|---|---|
Sexo | ||
Feminino | 37 | 68,5 |
Masculino | 17 | 31,5 |
Idade | ||
21-30 | 5 | 9,3 |
31-40 | 34 | 63,0 |
41-50 | 8 | 14,8 |
51 ou mais anos | 7 | 13,0 |
Estado civil | ||
Solteiro/divorciado/Viúvo | 25 | 46,3 |
Casado/União de facto | 29 | 53,7 |
Habilitações académicas | ||
Licenciatura | 40 | 74,1 |
Mestrado | 14 | 25,9 |
Variável Profissional | n | % |
Categoria profissional | ||
Enfermeiro generalista | 33 | 61,1 |
Enfermeiro especialista | 21 | 38,9 |
Tempo de serviço (anos) | ||
≤ 10 anos | 16 | 29,6 |
11-20 | 25 | 46,3 |
21 ou mais anos | 13 | 24,1 |
Tempo de serviço no Serviço de Urgência (anos) | ||
<2 anos | 10 | 18,5 |
2-10 anos | 23 | 42,6 |
11-20 anos | 13 | 24,1 |
21 ou mais anos | 8 | 14,9 |
Tipo de vínculo | ||
Contrato sem termo | 40 | 74,1 |
Contrato com termo (certo + incerto) | 14 (4+10) | 25,9 |
Acumula funções noutra instituição | ||
Sim | 19 | 35,2 |
Não | 35 | 64,8 |
Nota. n = Frequência absoluta; % = Frequência relativa.
Tendo por base a análise dos resultados obtida com a ESPE (Tabela 2), constata-se uma pontuação média de 80,94 ± 11,95 para o seu global, valor bem superior à sua pontuação mínima (= 34). Quanto aos resultados por fator, verifica-se que no domínio do ambiente físico, o fator VI: carga de trabalho, é percecionado como potencial fator de stresse para os enfermeiros (17,54 ± 3,28), estando acima do seu ponto médio (correspondente a 15). No domínio do ambiente psicológico, o fator I: a morte e o morrer (17,15 ± 2,89) e o fator VII “incerteza quanto aos tratamentos” (11,92 ± 2,39) foram aqueles que apresentaram pontuações mais elevadas, correspondendo a níveis mais elevados de stresse percecionado, contudo sem ultrapassar o ponto médio. A média ponderada evidencia o VI como o fator com maior peso na perceção do stresse (2,923 ± 0,547), seguido pelo fator I (2,449 ± 0,413). Ao nível do ambiente social, todos os seus fatores se situam abaixo do ponto médio. No presente estudo, para o global da escala obteve-se um alfa de Cronbach de 0,908.
Tabela 2 : Análise descritiva para o global e por fator da Escala de Stresse Profissional dos Enfermeiros (ESPE)
Fatores por domínio (com valor min. e máx. possível obter em cada fator e no global da escala) | Média | DP | Mín. | Máx. | Média Ponderada ± DP | ( |
---|---|---|---|---|---|---|
Ambiente físico | ||||||
VI: Carga de trabalho (6-24) | 17,54 | 3,28 | 10 | 24 | 2,923 ± 0,547 | |
Ambiente psicológico | ||||||
I: A morte e o morrer (7-28) | 17,15 | 2,89 | 10 | 25 | 2,449 ± 0,413 | |
III: Preparação inadequada para lidar com as necessidades emocionais dos doentes e seus familiares (3-12) | 6,87 | 1,44 | 4 | 10 | 2,290 ± 0,480 | |
IV: Falta de apoio dos colegas (3-12) | 6,55 | 1,42 | 3 | 11 | 2,179 ± 0,475 | |
VII: Incerteza quanto aos tratamentos (5-20) | 11,92 | 2,39 | 7 | 17 | 2,385 ± 0,477 | |
Ambiente social | ||||||
II: Conflitos com os médicos (5-20) | 11,19 | 2,22 | 7 | 18 | 2,237 ± 0,443 | |
V: Conflitos com outros enfermeiros e com os chefes (5-20) | 9,74 | 2,90 | 5 | 17 | 1,95 ± 0,579 | |
ESPE Total (34-136) | 80,94 | 11,95 | 54 | 110 | 2,38 ± 0,352 | 0,908 |
Nota. Mín = Mínimo; Máx = Máximo; DP = Desvio-padrão; ( = Alpha de Cronbach.
Na Tabela 3 apresentam-se os resultados obtidos na ESPE em função das variáveis sociodemográficas (no global e por fator). Relativamente ao sexo, o masculino apresenta pontuações mais elevadas para global da escala e em cinco dos seis fatores. Para o global da escala as diferenças são estatisticamente significativas (p = 0,046). Por fator, apenas no fator VI: carga de trabalho as diferenças são estatisticamente significativas (p = 0,001). Quanto à idade dos enfermeiros em classes, não se observam diferenças estatisticamente significativas, quer para o total da escala (p = 0,625), quer por fator. No que concerne ao estado civil, definidas em duas classes (sem e com companheiro), constatam-se diferenças estatísticas significativas para o fator III “Preparação inadequada para lidar com as necessidades emocionais dos doentes e seus familiares” (p = 0,037) e fator VII “Incerteza quanto aos tratamentos” (p = 0,041), com os enfermeiros com companheiros (casados/em união de facto) a apresentarem pontuações mais elevadas. Em relação às habilitações académicas, os enfermeiros com grau académico mais elevado apresentam uma pontuação superior no global da escala, dissemelhança estatisticamente significativa (p = 0,016). Por fator, verificam-se diferenças estatisticamente significativas para o fator VI, III e V, no qual de igual forma a pontuação de stresse percecionado é mais elevada nos enfermeiros com mestrado, constituindo a variável sociodemográfica com um maior número de dissemelhanças significativas.
Tabela 3 : Relação entre as variáveis sociodemográficas e os valores de ordenação média obtidos na Escala de Stresse Profissional dos Enfermeiros - ESPE (total e por fator )
Fator | VI | I | III | IV | VII | II | V | Global ESPE |
---|---|---|---|---|---|---|---|---|
Domínio | Físico | Psicológico | Social | |||||
Variáveis | OM | OM | OM | OM | OM | OM | OM | OM |
Sexo | ||||||||
Feminino | 17,32 | 21,82 | 28,44 | 27,15 | 24,79 | 21,82 | 23,15 | 21,21 |
Masculino | 32,18 | 30,11 | 27,07 | 27,66 | 28,74 | 30,11 | 29,50 | 30,39 |
Valor de prova | p = 0,001 | p = 0,070 | p = 0,758 | p = 0,907 | p = 0,385 | p = 0,069 | p = 0,165 | p = 0,046 |
Faixa etária | ||||||||
21-30 anos | 21,60 | 24,70 | 32,20 | 32,60 | 25,80 | 25,20 | 25,00 | 24,40 |
31-40 anos | 30,12 | 26,96 | 25,97 | 26,00 | 28,00 | 30,15 | 29,54 | 28,72 |
41-50 anos | 28,00 | 30,50 | 28,25 | 32,50 | 28,94 | 29,19 | 25,88 | 29,88 |
51 ou mais anos | 18,43 | 28,71 | 30,71 | 25,43 | 24,64 | 14,36 | 21,21 | 21,07 |
Valor de prova | p = 0,259 | p = 0,910 | p = 0,764 | p = 0,586 | p = 0,940 | p = 0,103 | p = 0,587 | p = 0,625 |
Estado civil | ||||||||
Sem companheiro | 25,34 | 25,94 | 22,86 | 25,58 | 22,86 | 23,32 | 25,36 | 23,36 |
Com Companheiro | 29,36 | 28,84 | 31,50 | 29,16 | 31,50 | 31,10 | 29,34 | 31,07 |
Valor de prova | p = 0,346 | p = 0,495 | p = 0,037 | p = 0,383 | p = 0,041 | p = 0,067 | p = 0,350 | p = 0,072 |
Habilitações Académicas | ||||||||
Licenciatura | 25,24 | 25,24 | 24,68 | 27,80 | 25,29 | 25,16 | 24,45 | 24,46 |
Mestrado | 33,96 | 33,96 | 35,57 | 26,64 | 33,82 | 34,18 | 36,21 | 36,18 |
Valor de prova | p = 0,042 | p = 0,072 | p = 0,021 | p = 0,804 | p = 0,077 | p = 0,062 | p = 0,015 | p = 0,016 |
Nota. ESPE = Escala de Stresse Profissional dos Enfermeiros; Fator I = A morte e o morrer; Fator II = Conflitos com os médicos; Fator III = Preparação inadequada para lidar com as necessidades emocionais dos doentes e seus familiares; Fator IV = Falta de apoio dos colegas; Fator V = Conflitos com outros enfermeiros e com os chefes; Fator VI = Carga de trabalho; Fator VII = Incerteza quanto aos tratamentos; OM = Ordenação Média; p = Significância estatística.
Na Tabela 4 apresentam-se os resultados obtidos na ESPE (no global e por fator) em função das variáveis profissionais. Para o global da escala ESPE, não se constatou qualquer significância estatística. Por fator, verificou-se existirem dissemelhanças estatisticamente significativas em função do tempo de serviço no SU, ao nível do fator II “Conflitos com os médicos” (p = 0,042) com um valor de ordenação média mais elevado nos enfermeiros que trabalham no SU entre os 11-20 anos (34,27). De igual modo, existe diferença estatística significativa (p = 0,014) no fator V: “Conflitos com outros enfermeiros e com os chefes” com um valor de ordenação média mais elevado nos enfermeiros que trabalham no SU entre 11-20 anos (36,62). No que se refere à relação com o vínculo contratual, existe uma diferença estatisticamente significativa (p = 0,043) no fator II “Conflito com os médicos” com um valor de ordenação média mais elevado nos enfermeiros com contrato com termo (contrato com termo = 34,75; contrato sem termo = 24,96). Quanto à acumulação de funções noutra instituição, constatou-se que a dissemelhança é estatisticamente significativa (p = 0,028) no fator IV: “Falta de apoio dos colegas”, em que os enfermeiros que acumulam apresentam uma pontuação mais elevada (30,80). Em síntese, ao nível das características profissionais, a variável tempo de serviço no SU foi a que apresentou um maior número dissemelhanças significativas (com o fator II e V, ambos pertencentes à dimensão social).
Tabela 4 : Relação entre as variáveis profissionais e os valores de ordenação média obtidos na Escala de Stresse Profissional dos Enfermeiros - ESPE (total e por fator )
Fator | VI | I | III | IV | VII | II | V | Global ESPE |
---|---|---|---|---|---|---|---|---|
Domínio | Físico | Psicológico | Social | |||||
Variáveis | OM | OM | OM | OM | OM | OM | OM | OM |
Categoria Profissional | ||||||||
Enf. generalista | 28,32 | 26,92 | 26,67 | 29,27 | 26,18 | 28,20 | 26,53 | 27,50 |
Enf. especialista | 26,21 | 28,40 | 28,81 | 24,71 | 29,57 | 26,40 | 29,02 | 27,50 |
Valor de prova | p = 0,630 | p = 0,734 | p = 0,613 | p = 0,277 | p = 0,434 | p = 0,680 | p = 0,567 | p = 1,000 |
Tempo de Serviço | ||||||||
≤ 10 | 22,94 | 25,03 | 24,69 | 27,13 | 21,03 | 24,72 | 24,66 | 22,88 |
11-20 anos | 31,94 | 28,20 | 27,92 | 26,76 | 30,82 | 32,64 | 31,64 | 31,00 |
21 ou mais anos | 24,58 | 29,19 | 30,15 | 29,38 | 29,08 | 21,04 | 23,04 | 26,46 |
Valor de prova | p = 0,147 | p = 0,739 | p = 0,618 | p = 0,871 | p = 0,132 | p = 0,064 | p = 0,188 | p = 0,261 |
Tempo de Serviço no SU | ||||||||
< 2 anos | 23,70 | 22,60 | 29,75 | 24,70 | 34,30 | 31,95 | 33,85 | 29,70 |
2-10 anos | 28,59 | 29,11 | 26,00 | 28,76 | 23,65 | 25,87 | 22,11 | 25,57 |
11-20 anos | 30,92 | 31,42 | 28,96 | 25,12 | 30,35 | 34,27 | 36,62 | 32,92 |
21 ou mais anos | 23,56 | 22,63 | 26,63 | 31,25 | 25,44 | 15,63 | 20,25 | 21,50 |
Valor de prova | p = 0,608 | p = 0,418 | p = 0,899 | p = 0,721 | p = 0,271 | p = 0,042 | p = 0,014 | p = 0,353 |
Vínculo Contratual | ||||||||
Sem Termo | 25,96 | 25,05 | 26,24 | 27,91 | 26,21 | 24,96 | 26,16 | 25,15 |
Com Termo | 31,89 | 34,50 | 31,11 | 26,32 | 31,18 | 34,75 | 31,32 | 34,21 |
Valor de prova | p = 0,222 | p = 0,051 | p = 0,302 | p = 0,733 | p = 0,303 | p = 0,043 | p = 0,288 | p = 0,063 |
Acumulação de Funções | ||||||||
Sim | 28,53 | 28,03 | 30,08 | 21,42 | 29,21 | 30,03 | 30,66 | 28,84 |
Não | 26,94 | 27,21 | 26,10 | 30,80 | 26,57 | 26,13 | 25,79 | 26,77 |
Valor de prova | p = 0,722 | p = 0,855 | p = 0,358 | p = 0,028 | p = 0,551 | p = 0,379 | p = 0,274 | p = 0,644 |
Nota. ESPE = Escala de Stresse Profissional dos Enfermeiros; Fator I = A morte e o morrer; Fator II = Conflitos com os médicos; Fator III = Preparação inadequada para lidar com as necessidades emocionais dos doentes e seus familiares; Fator IV = Falta de apoio dos colegas; Fator V = Conflitos com outros enfermeiros e com os chefes; Fator VI = Carga de trabalho; Fator VII = Incerteza quanto aos tratamentos; OM = Ordenação Média; p = Significância estatística.
Discussão
Quanto à análise psicométrica do presente estudo, a consistência interna para o global da escala (( de Cronbach = 0,908) enquadra-se, com base em Vilelas (2020), na classificação de muito boa. A classificação vai ao encontro de Santos e Teixeira (2008), que obtiveram 0,93 no estudo que adaptou o instrumento para a versão portuguesa. De igual forma, Pereira (2018), obteve no seu estudo um valor 0,930 para o global da escala. No presente estudo, o sexo feminino predomina na amostra, correspondendo a um padrão que se constata nesta profissão, bem como tendo por base os estudos realizados em Portugal, no mesmo âmbito, como o de Pereira (2018) e o de Sauane e Magalhães (2023). A maioria dos profissionais (74,1%) é licenciada, refletindo-se na sua categoria profissional, pois no mesmo sentido a maioria se enquadra na categoria de enfermeiro (61,1%). Relativamente ao tempo de serviço no SU, verifica-se que a maioria dos profissionais trabalha há 10 ou menos anos, sendo que 18,5% exerce há menos de 2 anos, podendo em parte estar associado à maior contratação de profissionais recém-formados para satisfazer as necessidades resultantes da pandemia por COVID-19.
A pontuação média obtida no global da ESPE (80,94 ± 11,95) situa-se bem acima da pontuação mínima possível (= 34), reclamando estratégias que visem a sua melhoria. Correspondendo a uma média ponderada de 2,38 ± 0,352, o mesmo vai ao encontro do estudo de Pereira (2018), em que obteve uma pontuação de 2,35 ± 0,34. Por fator, constatou-se que o fator VI: carga de trabalho) e o fator I: a morte e o morrer), foram aqueles em que se obteve uma pontuação mais elevada, pelo que constituem as duas principais fontes de stresse percecionadas pelos enfermeiros da amostra. Resultados idênticos foram constatados no estudo de Pereira (2018) e no estudo de Valente (2021), contudo neste último a amostra era respeitante aos enfermeiros a exercerem funções nas viaturas médicas de emergência e reanimação, partilhando em comum a condição urgente/emergente na maioria das situações. Dado que os itens do fator VI: carga de trabalho reportam-se às alterações no horário e no plano de trabalho, ao excesso de tarefas como às respeitantes ao trabalho administrativo, à falta de tempo para dar apoio emocional e para efetuar todas as atividades de enfermagem, à falta de recursos humanos para satisfazer de forma adequada as necessidades do serviço e à avaria informática, as respostas adequadas para a minimização dos níveis de stresse deste fator serão sobretudo de índole organizacional. O fator I integra sete itens que se reportam ao sofrimento e à morte que envolve o doente.
Quanto ao global da ESPE em função das variáveis sociodemográficas e profissionais, foi possível descortinar com significância estatística que os enfermeiros do sexo masculino, bem como os que possuíam o mestrado, foram os que evidenciaram pontuações de stresse percecionado mais elevadas. Em sentido oposto, Valente (2021) verificou que foi no sexo feminino que se encontraram pontuações mais elevadas, resultado com significância estatística. Por fator, a análise de stresse percecionado revelou diferenças estatisticamente significativas em maior número no âmbito das habilitações académicas, com os detentores de mestrado a revelarem pontuações mais elevadas nos fatores VI, III, V. Também Pereira (2018) constatou que os enfermeiros que possuíam mais formação (com pós-licenciatura/especialidade em enfermagem médico-cirúrgica) foram os que revelaram pontuações mais elevadas de stresse percecionado no global da ESPE e na maioria dos fatores, contudo apenas obteve-se significância estatística no fator VI: carga de trabalho (p = 0,045). A aquisição de novas habilitações académicas pode possibilitar a ascensão na categoria profissional, com competências específicas de maior responsabilidade, como por exemplo as tarefas de gestão, podendo gerar uma de maior perceção de stresse associada a nova/adicional carga de trabalho.
Considerando que o stresse profissional pode resultar numa diminuição da qualidade da assistência ao doente (Ramos, 1999), bem como colocar em perigo a saúde física e mental dos enfermeiros (Babapour et al., 2022), devem ser promovidas intervenções ao nível individual (centrando-se nas estratégias de coping específicas para lidar com os fatores de stresse, através de programas educativos, de formação ou de treino), mas também ao nível da organização, como referem Abellanoza et al. (2018). A adoção de estratégias que favoreçam o envolvimento dos enfermeiros no trabalho e aumentem a resiliência da equipa permitirá diminuir o stresse profissional, de resto como constatado no estudo realizado por Yinghao et al. (2023), que envolvendo de igual forma uma amostra de enfermeiros a desempenharem funções num SU, verificaram essa correlação negativa.
Apesar do instrumento integrar sete importantes fatores que representam três domínios, existem aspetos que apesar de identificados como stressores, não identificam os seus condicionantes e motivos, constituindo uma limitação. Por outro lado, atendendo à técnica de amostragem utilizada, à diminuta dimensão da amostra, que refletem um contexto de tempo e espaço específico, os resultados não são representativos.
Conclusão
Este estudo permitiu verificar que o valor global da ESPE ficou bem acima da pontuação mínima possível, demandando ações de melhoria. Constatou-se ainda, que a carga de trabalho integrada no domínio ambiente físico e a morte e o morrer integrado no domínio ambiente psicológico, constituíram por ordem decrescente, os dois principais fatores indutores de stresse percecionado. Quanto à análise do stresse percecionado em função das características sociodemográficas e profissionais sobressaem dissemelhanças significativas em maior número na variável habilitações académicas, com os detentores de grau mais elevado (mestrado) a apresentaram pontuações mais elevadas no fator VI, III, V e global da escala, permitindo também diferenciar como grupo de maior risco.
Face ao exposto, os líderes e gestores devem planear, implementar e avaliar estratégias que se direcionem fundamentalmente para as áreas que geram pontuações mais elevadas, seja ao nível institucional, com ações coletivas e organizacionais, seja ao nível individual, através de terapias cognitivo-comportamentais. Enfatiza-se a importância da melhoria dos recursos humanos e das condições de trabalho, a disponibilização de serviços de apoio psicológico e ainda a aposta na formação contínua para lidar com a situações mais problemáticas. Todas as capacidades cognitivas do enfermeiro são valiosas, pelo que o seu empoderamento para a gestão ativa do stresse contribuirá para a sua saúde e bem-estar, refletindo-se positivamente na qualidade da prestação de cuidados.
A realização de estudos multicêntricos, nacionais e internacionais, integrando uma triangulação de metodologias, com uma abordagem qualitativa inicial, através de entrevistas, poderia dar resposta às limitações já apontadas. Ao nível da metodologia quantitativa, seria importante abordar novas variáveis, como o possuir ou não formação no âmbito da gestão ativa do stresse, o tipo de horário, o número de horas por turno, o nível do serviço de SU (SU básica; SU médico-cirúrgica; SU polivalente), envolvendo amostras de maior dimensão, permitindo a extrapolação dos resultados.