Introdução
A solidão tem sido definida como um fenómeno desagradável e angustiante que resulta da perceção de uma discrepância entre as relações sociais desejadas pelo indivíduo e as atuais (Guerra et al., 2022; McKenna-Plumley et al., 2020). A solidão entre os idosos é considerada um problema de saúde pública que tem atraído a atenção do público a nível mundial (World Health Organization, 2021). A avaliação da solidão através de instrumentos validados e fiáveis torna-se crucial para a prevenção, diagnóstico (precoce) e intervenção adequada a nível individual e comunitário (Bugallo-Carrera et al., 2023). A solidão tem sido avaliada principalmente através de dois métodos (Carvalho et al., 2023): (a) escalas validadas que medem a intensidade da solidão e não a sua frequência e (b) escalas de autoavaliação, nas quais os respondentes indicam a frequência da solidão através de uma questão de resposta única. Algumas das escalas mais conhecidas a nível mundial são a UCLA Loneliness Scale (Russell et al., 1978) e a Social and Emotional Loneliness Scale for Adults (SELSA; DiTommaso & Spinner, 1997). No entanto, o elevado número de itens dificulta a sua utilização clínica. Recentemente, foi desenvolvida uma escala (ALONE) (Deol et al., 2022) breve (cinco itens) e compreensível para otimizar o rastreio da solidão em contextos clínicos. Este estudo tem como objetivo realizar a tradução, adaptação cultural, avaliação da validade de conteúdo e da validade facial da escala ALONE para idosos portugueses (≥ 65 anos) residentes na comunidade.
Enquadramento
A solidão é frequente entre os idosos e exige medidas de prevenção e intervenção adequadas (Wang et al., 2023). A solidão tem sido amplamente estudada, tendo sido propostas várias definições. De acordo com Perlman e Peplau (1984), a solidão é uma experiência desagradável ao nível das relações que ocorre quando a qualidade das relações é insuficiente ou escassa. A solidão é percecionada como sendo uma discrepância entre os níveis de contacto social desejados e alcançados (Perlaman & Peplau, 1984). É uma experiência subjetiva baseada na perceção da quantidade e/ou qualidade das ligações sociais de que os idosos necessitam, em comparação com as que vivenciam (Guerra et al., 2022; Holt-Lunstad, 2018). De um modo geral, parece haver três pontos de consenso relativamente ao conceito de solidão. Em primeiro lugar, a solidão é a perceção de uma discrepância entre as relações sociais desejadas pelo indivíduo e as atuais. Não se trata de ter poucos contactos sociais, mas de se aperceber de que as suas relações não são satisfatórias. Em segundo lugar, a solidão é uma experiência subjetiva, isto é, as pessoas podem senti-la mesmo com amplas interações sociais. Em terceiro lugar, a solidão é uma experiência desagradável e angustiante (Guerra et al., 2022).
Uma revisão sistemática e meta-análise (Chawla et al., 2021) realizada antes do início da pandemia de COVID-19, que incluiu 31 estudos com mais de 120.000 idosos, estimou uma prevalência de solidão de 28,5% (IC 95%: 23,9-33,2%). Em Portugal, a prevalência foi de 14,9% (IC 95%: 11,8-17,7%). Além disso, a Operação Censos Sénior de 2022 identificou 44.511 idosos a viver sozinhos e/ou isolados ou em situação de vulnerabilidade (Guarda Nacional Republicana, 2022). Desde o início da pandemia de COVID-19, a solidão duplicou na União Europeia (UE), tendo Portugal registado o sexto maior aumento entre os países da UE (Baarck et al., 2021).
A solidão tem sido associada a vários efeitos adversos para a saúde, incluindo maior risco de mortalidade por todas as causas (Wang et al., 2023), problemas cardiovasculares (Golaszewski et al., 2022), maior risco de défice cognitivo ligeiro e demência (Sundström et al., 2020), depressão e pior bem-estar subjetivo (Guerra et al., 2022; Martín‐María et al., 2021).
A maior prevalência de solidão e a sua associação com resultados adversos para a saúde realçam a importância do rastreio da solidão em contextos clínicos utilizando instrumentos válidos e fiáveis. Apesar de existirem instrumentos de rastreio para avaliar a solidão, o rastreio continua a ser subutilizado, provavelmente porque os instrumentos mais comuns (UCLA Loneliness Scale e SELSA) têm demasiados itens, dificultando a sua utilização em contextos clínicos. A escala ALONE (Deol et al., 2022) é um instrumento válido e fiável de avaliação da solidão que foi desenvolvido nos Estados Unidos da América para utilização em contextos clínicos. Esta escala breve de autoavaliação da solidão nos idosos avalia as seguintes dimensões: isolamento social (até que ponto o indivíduo se sente isolado dos outros), solidão subjetiva (até que ponto o indivíduo se sente sozinho e não tem companhia) e desconexão social (até que ponto o indivíduo se sente desconectado dos outros e da sociedade; Deol et al., 2022). A escala ALONE apresenta forte validade em termos da avaliação da solidão grave nos idosos (Deol et al., 2022). A sua natureza breve e compreensível reduz o peso da administração, tornando-a ideal para utilização em contextos clínicos (Deol et al., 2022). Assim, é relevante a tradução, validação cultural e avaliação da validade de conteúdo e validade facial da escala ALONE para idosos portugueses (≥ 65 anos). O rastreio generalizado dos idosos que estão em risco de solidão poderia ser seguido de prescrições de intervenções sociais para minimizar a solidão (Deol et al., 2022).
Questão de investigação
Qual é a validade de conteúdo e a validade facial da escala ALONE traduzida e adaptada culturalmente para avaliar a solidão nos idosos portugueses residentes na comunidade?
Metodologia
Este estudo metodológico insere-se num projeto mais alargado designado “Tradução, adaptação e validação da escala ALONE para idosos portugueses”, que foi aprovado pela Comissão de Ética da Unidade de Investigação em Ciências da Saúde: Enfermagem (UICISA: E) e pela Escola Superior de Enfermagem de Coimbra (ESEnfC) [P906_10_2022]. Este estudo seguiu as recomendações da COnsensus-based Standards for the selection of health Measurement INstruments (COSMIN; Mokkink et al., 2014) e incluiu três etapas principais: (i) tradução e adaptação cultural, (ii) avaliação da validade de conteúdo e (iii) avaliação da validade facial.
Fase 1: Tradução e adaptação cultural para Português Europeu
Deol et al. (2022) autorizou a tradução da escala ALONE. O processo de validação linguística seguiu os princípios de boas práticas de tradução e adaptação cultural propostos pela International Society for Pharmacoeconomics and Outcomes Research (ISPOR; Wild et al., 2005). Este processo é descrito na Tabela 1.
Tabela 1 : Processo de tradução e adaptação cultural e linguística da escala ALON E
Fases | Atividades |
---|---|
1. Tradução | Tradução de inglês americano para português europeu por dois tradutores com conhecimentos avançados de inglês e português europeu. |
2. Reconciliação | Revisão e adaptação da tradução realizada pelos autores deste estudo e um tradutor. Após revisão e discussão para consenso, foi elaborada a primeira versão do instrumento. |
3. Retroversão | Tradução da primeira versão para inglês realizada por um tradutor com conhecimentos avançados de inglês e português europeu. |
4. Harmonização | Comparações da escala original com a escala traduzida (versão 1) e com a retroversão para inglês realizada pelos autores e por um tradutor, através de uma análise item a item, que resultou na versão 2. |
5. Debriefing cognitivo | Para a análise da versão 2, foi constituído um painel de peritos (n = 15) composto por profissionais de saúde e de cuidados psicossociais e/ou professores/investigadores na área da gerontologia. O painel analisou cada item para avaliar a sua compreensibilidade e interpretação e evitar ambiguidades, resultando na versão 3. |
6. Revisão | A versão 3 foi revista por um professor de língua portuguesa, resultando na versão final. |
Fase 2: Validade de conteúdo
A avaliação da validade de conteúdo envolveu 15 peritos, todos com doutoramento em gerontologia e geriatria: um sociólogo, dois enfermeiros, um gerontólogo, dois educadores sociais e nove psicólogos. Estes peritos foram selecionados com base no seu conhecimento, grau académico e experiência relevante na área da solidão nos idosos. De fevereiro a março de 2023, foram realizadas três rondas de avaliação e de construção de consensos. Em cada ronda, os peritos receberam um ficheiro Excel por correio eletrónico contendo um formulário de consentimento. Foi utilizada uma escala de Likert de 4 pontos que variava entre 1 (discordo totalmente) e 4 (concordo totalmente). As pontuações de 1 e 2 foram classificadas como discordantes (valor 0), enquanto as pontuações de 3 e 4 foram classificadas como concordantes (valor 1). O formulário incluiu uma secção para comentários, sugestões e/ou alterações a cada item. No final de cada ronda, foi calculado o índice de validade de conteúdo (IVC), bem como as convergências e discrepâncias dos comentários e/ou sugestões, que foram novamente revistos e avaliados pelos peritos.
Fase 3: Validade facial
A validade facial refere-se à forma como um instrumento parece medir o construto para o qual foi concebido (Connell et al., 2018). Para avaliar a validade facial da escala ALONE, foi recrutada uma amostra de conveniência de participantes com base nos seguintes critérios: (a) idosos (≥ 65 anos), (b) capacidade de falar e/ou compreender o português europeu, (c) residir na comunidade, e (d) sem défice cognitivo, avaliado com o Mini-Cog (Borson et al., 2000). Foi utilizado um guião de entrevista que incluía (a) o consentimento informado, (b) o Mini-Cog, (c) as características sociodemográficas (sexo, idade, estado civil, anos de escolaridade) e (d) uma entrevista semiestruturada com nove perguntas: 1. Qual a sua opinião inicial sobre a escala ALONE?; 2. Considera importante/necessária a existência deste tipo de escalas/ferramentas? Porquê?; 3. O que mais lhe agradou na escala ALONE?; 4. As perguntas são claras e fáceis de entender?; 5. As perguntas são adequadas ao seu nível de compreensão?; 6. Há alguma coisa de que não tenha gostado na escala ALONE?; 7. Tem alguma sugestão para melhorar o conteúdo?; 8. Que efeitos poderia a escala ALONE ter em si (impacto)?; 9. Na sua perspetiva, como poderia a escala ALONE ser útil no futuro?
Os participantes foram recrutados em colaboração com a Câmara Municipal de Ílhavo (Portugal), um parceiro da Universidade de Aveiro. O primeiro autor contactou a equipa e apresentou o estudo, os objetivos e os critérios de elegibilidade dos participantes. Os funcionários apresentaram o estudo aos idosos e perguntaram-lhes se estavam interessados em colaborar. As informações de contacto dos indivíduos que concordaram em colaborar foram fornecidas ao primeiro autor, que posteriormente contactou os potenciais participantes e agendou entrevistas numa hora e local da sua conveniência. O primeiro autor também forneceu informações sobre o estudo e obteve o consentimento informado por escrito. As entrevistas foram realizadas presencialmente por um membro da equipa de investigação com formação específica (primeiro autor).
Análise de dados
Validade de conteúdo: Após a tradução e adaptação cultural da escala ALONE, foram utilizados dois métodos para avaliar a validade de conteúdo: (a) Índice de Validade de Conteúdo para cada item (IVC-I), com uma concordância mínima de 80%; e (b) IVC para o total da escala (IVC-S; I de Item; S de Scale), utilizando duas medidas, nomeadamente através da média dos itens (S-IVC/Ave, Average Variance Extracted) e por concordância universal (S-IVC/UA, Universal agreement). Os resultados são considerados excelentes se S-IVC/UA ≥ 0,8 e S-IVC/Ave ≥ 0,9 (Yusoff, 2019). Foram incluídas outras medidas: probabilidade de ocorrência (Pc) e Kappa (bom se entre 0,60 e 0,74 e excelente se acima de 0,74; Yusoff, 2019).
Validade facial: As entrevistas foram submetidas a uma análise temática para avaliar a validade facial. As entrevistas foram transcritas e um membro da equipa de investigação com formação específica realizou a análise temática utilizando uma abordagem indutiva em três etapas, que incluiu (a) familiarização (familiarizar-se com os dados através da releitura das transcrições e dos memorandos escritos), (b) organização (codificação/pesquisa de temas, categorização e revisão) e (c) produção do relatório (seleção de temas que respondem diretamente às questões de investigação; Vaismoradi et al., 2013). Na fase de familiarização, dois investigadores leram as transcrições, criaram memorandos e decidiram adotar uma abordagem indutiva. Na fase de organização, os mesmos investigadores desenvolveram um sistema de codificação aberto para registar a frequência de ocorrências de temas específicos. Posteriormente, o esquema de codificação foi triangulado com dois outros investigadores com formação qualitativa para aumentar a fiabilidade e a credibilidade dos resultados. Na fase de produção do relatório, os investigadores reuniram-se para comparar a codificação e discutir divergências e interpretações dos dados até ser alcançado um consenso. A saturação dos dados foi utilizada para determinar a dimensão da amostra (Saunders et al., 2018).
Resultados
As etapas de tradução e adaptação cultural garantiram a equivalência semântica e idiomática da escala ALONE à sua versão original. Após esta fase, os resultados relativos à validade de conteúdo e validade facial são apresentados de seguida.
Validade de conteúdo
O consenso foi alcançado no final da terceira ronda (IVC-I < 80%). O título, os itens e as instruções obtiveram um IVC-I de 1, Pc de 0 e Kappa de 1. Dentre os cinco itens, três (2, 3 e 4) obtiveram um IVC-I de 1, Pc de 0 e Kappa de 1, o que é considerado excelente (Tabela 2). O item 1 teve um IVC de 0,83, Pc de 0,003 e Kappa de 0,87 e o item 5 teve um IVC de 0,93, Pc de 0,001 e Kappa de 0,93. O S-IVC/Ave foi de 0,97 e o S-IVC/UA foi de 0,71.
Tabela 2 : Índice de validade de conteúdo da versão em Português Europeu da escala ALONE
Item | IVC | Pc | K | Interpretação do Kappa |
---|---|---|---|---|
Escala ALONE | 1 | 0 | 1 | Excelente |
To assess an individual’s perception of being lonely, ask each of the items below using the following rating scale: Yes, Sometimes, and No | 1 | 0 | 1 | |
A - Are you emotionally appealing to others as a friend? | 0.83 | 0.003 | 0.87 | Excelente |
L - Are you lonely? | 1 | 0 | 1 | Excelente |
O - Are you outgoing/friendly? | 1 | 0 | 1 | Excelente |
N - Do you feel you have no friends? | 1 | 0 | 1 | Excelente |
E - Are you emotionally upset (sad)? | 0.93 | 0.001 | 0.93 | Excelente |
S-IVC/Ave = 0.97; S-IVC/UA = 0.71 |
Nota. IVC = Índice de validade de conteúdo; Pc = Probabilidade de ocorrência; K = Kappa; S-IVC/Ave = Índice de validade de conteúdo da escala, média; S-IVC/UA = Índice de validade de conteúdo da escala, concordância universal.
Validade facial
Oito idosos residentes na comunidade participaram nesta parte do estudo. Todos eram do sexo feminino e reformados, e a sua idade média era de 73,8 anos (± 3,97). Cinco eram residentes em zonas urbanas e três em zonas suburbanas. Três eram viúvas, três eram casadas e duas eram divorciadas. Quatro viviam sozinhas, três em casal e uma numa família alargada. Cinco tinham menos de quatro anos de educação formal e três tinham 12 ou mais anos de educação formal. As entrevistas duraram entre 15 e 60 minutos. Os resultados são apresentados num formato narrativo, utilizando citações de todos os participantes para suporte dos dados. Foram identificados três temas: capta os sentimentos de solidão; é útil; é fácil de entender e de completar.
Os participantes salientaram que a escala ALONE “capta os sentimentos de solidão” dos idosos: “A escala pode ser importante para avaliar a solidão, perceber como a pessoa se está a sentir e identificar o tipo de apoio que lhe podemos dar” (P4). A escala ALONE foi descrita como “útil”: “Os idosos podem sentir-se bem por lhes serem feitas estas perguntas, porque se sentem ouvidos” (P2). Os participantes salientaram que estes instrumentos só são úteis se, após o rastreio, as pessoas receberem o apoio de que necessitam. O conhecimento sobre quantos idosos se sentem sós pode criar pressão sobre os governos para que atuem nesta área. Um participante referiu: “Os nossos governos podiam ajudar e cuidar das pessoas que se sentem sós e têm problemas de mobilidade” (P6). A escala foi considerada “fácil de entender e completar”: “Tem poucas perguntas e são fáceis de entender” (P1); “Qualquer pessoa consegue compreender estas perguntas” (P4); “Este instrumento é simples e parece ser rápido” (P8). Dois participantes (P1 e P5) sugeriram que a palavra ‘cativante’ (appealing) pode não ser fácil de compreender e sugeriram incluir “a definição de algumas palavras”. Por exemplo, em relação a ‘cativante’: “o entrevistador pode explicar o que esta palavra quer dizer para evitar dúvidas” (P1).
Discussão
A solidão é um importante problema de saúde pública com um impacto significativo na saúde física e mental. Muitos idosos têm um risco acrescido de solidão devido a vários fatores, incluindo a reforma, o luto e o declínio físico e cognitivo (Macià et al., 2021). Os profissionais de saúde, especialmente os enfermeiros, estão numa posição única para identificar e abordar a solidão nos idosos que vivem na comunidade. Por conseguinte, os profissionais de saúde necessitam de instrumentos de rastreio válidos, tais como a escala ALONE, para avaliar a solidão na prática clínica. A escala ALONE é simples e breve, fácil de aplicar e de pontuar e é sensível a mudanças, o que a torna adequada para utilização em ambientes clínicos movimentados. O presente estudo apresentou a tradução, a adaptação cultural e a avaliação da validade de conteúdo e da validade facial da escala ALONE para idosos portugueses residentes na comunidade.
Este estudo envolveu três etapas. Em primeiro lugar, durante o processo de tradução e adaptação cultural, foi utilizado o enquadramento proposto pelo ISPOR (Wild et al., 2005) para garantir que a versão original e a versão em português europeu eram equivalentes a nível semântico, idiomático e concetual. A segunda e terceira etapas consistiram na avaliação da validade de conteúdo e da validade facial, respetivamente. O COSMIN refere que a avaliação da validade de conteúdo e da validade facial são o primeiro passo na avaliação das propriedades do instrumento. Os resultados da avaliação da validade de conteúdo confirmam que a escala ALONE é um instrumento válido. Do ponto de vista do item, todos os itens tiveram um IVC-I ≥ 0,8, o que é recomendado quando um painel de peritos inclui seis ou mais participantes (Boateng et al., 2018). Para garantir a diversidade das abordagens científicas, foi tida em conta a qualidade do painel de peritos. Os peritos são oriundos de diferentes disciplinas e têm como objeto de investigação os idosos e a solidão. Os IVC individuais (Pc e Kappa) foram considerados excelentes. O item 1 (“É emocionalmente cativante para os outros como amigo?”) teve um IVC mais baixo, embora esteja dentro dos valores recomendados. Provavelmente é mais difícil obter um significado comum para a palavra ‘cativante’, o que gerou uma dificuldade em alcançar um consenso entre o painel de peritos. A validade facial reforçou a dificuldade de compreensão dessa palavra por parte dos idosos residentes na comunidade. Com base nas sugestões dos participantes na avaliação da validade facial, concluiu-se que deveria ser incluída uma nota no final da escala (para investigadores, profissionais de saúde e outros profissionais) com palavras alternativas (ex.: atrativo, interessante, carismático). O S-IVC/Ave de 0,97 sugere uma validade de conteúdo elevada, enquanto o S-IVC/UA de 0,71 sugere que a escala ALONE tem uma validade de conteúdo moderada. Estima-se que o S-CVI/Ave seja maior do que o S-IVC/UA se o I-IVC não for igual a 1. A probabilidade de obter um valor de 1 para todos os itens depende do número de peritos envolvidos, pois esta probabilidade diminui à medida que o número de peritos aumenta. Assim, a inclusão de 15 peritos poderia explicar os resultados do S-IVC/UA, embora este valor esteja próximo do valor recomendado. É importante perceber se a escala ALONE identifica o conceito de solidão para os idosos que a preenchem.
Os resultados da avaliação da validade facial sugerem que a escala ALONE tem uma forte validade facial, uma vez que os participantes referiram que a escala identifica os seus sentimentos de solidão, é útil e fácil de entender e completar. A escala ALONE é um instrumento novo de avaliação da solidão em idosos que lhes pergunta diretamente sobre os seus sentimentos de solidão, contrastando com outras escalas que evitam perguntas diretas sobre a solidão (Deol et al., 2022). Por conseguinte, a escala ALONE pode ser considerada um instrumento simples de avaliação da solidão que é adequado para ser utilizado com idosos. A escala ALONE pode ser uma ferramenta valiosa para os profissionais de saúde, outros profissionais e investigadores e pode ajudar a sensibilizar para a questão da solidão e facilitar o diálogo com os idosos. Esta perspetiva alinha-se com a de Deol et al. (2022), que referem que o rastreio para identificar idosos em risco deve ser seguido de intervenções sociais e de saúde para combater a solidão. A escala pode ser utilizada para rastrear a solidão nos idosos durante as consultas de rotina, identificar os idosos com risco elevado de solidão e fornecer-lhes intervenções específicas, monitorizar a eficácia das intervenções ao longo do tempo e realizar estudos de investigação.
Este estudo teve limitações. Em primeiro lugar, as versões originais da escala ALONE não apresentavam validade de conteúdo ou validade facial, limitando as comparações de dados. Em segundo lugar, a realização de avaliações de validade de conteúdo e validade facial foi um desafio devido à complexidade do conceito de solidão. Em terceiro lugar, no que respeita à validade facial, os participantes recrutados pertenciam à mesma instituição, o que pode ter originado falta de diversidade entre os participantes. Além disso, apenas mulheres participaram neste estudo. Por último, a validade de conteúdo e a validade facial são os passos iniciais para sustentar a validade de uma escala. Outras propriedades psicométricas, tais como a validade de construto, a consistência interna e a fiabilidade teste-reteste, devem ser avaliadas para alcançar conclusões legítimas sobre a validade e a fiabilidade da escala ALONE. Esta será a próxima fase da nossa investigação.
Conclusão
A escala ALONE demonstrou equivalência linguística com a versão original. Os cinco itens obtiveram um IVC ≥ 0,8, com um IVC médio elevado de 0,97 e uma concordância universal moderada de 0,71, confirmando a sua validade de conteúdo. A avaliação da validade facial revelou que a escala ALONE capta os sentimentos de solidão, é útil e fácil de entender e completar. As propriedades psicométricas da escala, incluindo a validade de construto, a validade convergente e divergente e a fiabilidade (ex.: consistência interna e teste-reste) devem ser avaliadas em estudos futuros. A escala ALONE tem potencial para rastrear a solidão entre idosos (≥ 65 anos) residentes na comunidade em Portugal.