Introdução
A nível mundial, a paragem cardiorrespiratória (PCR) continua a ter uma elevada taxa de mortalidade e morbilidade, apesar da publicação das diretrizes de suporte avançado de vida (SAV; Merchant et al., 2020). Tendo em conta esta realidade, sente-se a necessidade de aprofundar este estudo, de acordo com as novas diretrizes, partindo da seguinte questão: Qual é o nível dos conhecimentos teóricos dos enfermeiros sobre SAV na prestação de cuidados à pessoa em situação crítica (PSC)? Para dar resposta a esta questão de investigação, foram definidos os seguintes objetivos: avaliar o nível dos conhecimentos teóricos dos enfermeiros sobre SAV na prática de cuidados à PSC; relacionar o nível dos conhecimentos teóricos dos enfermeiros sobre SAV na prática de cuidados à PSC e respetivas variáveis sociodemográficas, académicas e profissionais dos enfermeiros.
Enquadramento
A PCR, segundo a American Heart Association (AHA), consiste num cessar súbito da atividade cardíaca, na qual a vítima apresenta falência, tanto da função respiratória, como da função cardíaca (Mitropoulou & Fitzsimmons, 2022). Quando não existe uma abordagem atempada, nomeadamente com a realização de reanimação cardiopulmonar (RCP) e desfibrilhação precoce, esta pode levar à morte da vítima. De acordo com os dados científicos mais recentes, a incidência da PCR em contexto extra-hospitalar é de, aproximadamente, 55 por 100.000 habitantes e, no intra-hospitalar, é de 1 a 1,5 por 1000 admissões hospitalares. Quando a PCR ocorre no meio extra-hospitalar, esta apresenta uma maior taxa de mortalidade, com um valor de 91%, apesar de serem tomadas as medidas corretas, face ao meio intra-hospitalar com uma percentagem de 76,4% (Mitropoulou & Fitzsimmons, 2022). A equipa de enfermagem deve ser capaz de reconhecer quando uma vítima se encontra em PCR. Após a sua deteção, é necessário iniciar de imediato manobras de RCP. Estas manobras são denominadas de suporte básico de vida (SBV), e são caraterizadas pela realização de compressões e ventilações à PSC em PCR, tendo como objetivo principal restabelecer a circulação e oxigenação sanguínea de forma artificial (Duarte & Dixe, 2021). Segundo Lima et al. (2020), a PCR é considerada uma situação emergente, sendo, para isso, necessária a intervenção de uma equipa devidamente capacitada, uma vez que a probabilidade de sobrevivência de um doente após PCR, sem a intervenção de manobras de SBV nos primeiros 6 minutos, sem batimentos cardíacos, é de apenas 11% (Duarte & Dixe, 2021). O SAV é um complemento ao SBV, onde se inclui a administração de fármacos de emergência, intervenções avançadas no acesso e permeabilização da via aérea, associado a compressões torácicas e ventilações de alta qualidade. Na presença de ritmos desfibrilháveis é imperativo aplicar a desfibrilhação (Berg et al., 2020). Desde 2010 que as diretrizes são revistas com uma periodicidade de 5 anos, tendo em conta a deterioração do nível de conhecimento que ocorre de forma gradual ao longo dos anos, reforçando a necessidade de formação contínua neste contexto (Merchant et al., 2020). De acordo com Moura et al. (2019) existe uma necessidade de revisão e atualização dos conhecimentos sobre SAV e PCR, de forma constante, com vista à melhoria dos cuidados de enfermagem à PSC.
Questão de investigação
Qual é o nível dos conhecimentos teóricos dos enfermeiros sobre SAV na prestação de cuidados à PSC?
Metodologia
Apresenta-se um estudo de natureza quantitativa, descritiva-correlacional, em que a população-alvo são os enfermeiros que prestam cuidados à PSC, num serviço de urgência médico-cirúrgica (SUMC), de um hospital da região centro de Portugal. Os participantes foram selecionados com recurso à técnica de amostragem não probabilística por conveniência. A sua participação foi precedida de um pedido de autorização, com recurso ao preenchimento do consentimento informado, livre e esclarecido, seguida do preenchimento do questionário. Para a concretização deste estudo, foi definido como critério de inclusão a obrigatoriedade de já terem participado em, pelo menos, um cenário de SAV, no seu contexto profissional no SUMC. Para a realização deste trabalho de investigação, foi necessário criar um instrumento de recolha de dados, no qual a primeira parte envolveu dados sobre variáveis sociodemográficas, académicas e profissionais dos enfermeiros (idade; sexo; habilitações académicas; tempo de formação em enfermagem; especialidade de enfermagem; anos de desempenho de funções no serviço atual; tipo de horário praticado; formação certificada em SAV; perceção de conhecimentos sobre a atuação em SAV), e a segunda parte correspondeu à caraterização dos conhecimentos dos enfermeiros sobre SAV, com recurso a questões de resposta fechada do tipo escolha múltipla (Tabela 1).
Questões | Respostas Corretas |
---|---|
1. Quais são os . . . desfibrilháveis? | TVSP e Fibrilhação Ventricular |
2. Qual é a intervenção . . . assistolia? | Iniciar manobras de RCP de alta qualidade e administrar bólus de 1 miligrama de adrenalina, via endovenosa |
3. Qual destes não é . . . compensação? | Bradicardia |
4. Ao monitorizar . . . a sua intervenção? | Estimular eletricamente com pacemaker transcutâneo |
5. Quais os cuidados . . . desfibrilhador? | Contacto, Oxigénio, Nitratos, Água, Pelos, Piercing e Pacemaker |
6. Após monitorizar . . . realizar? | Realizar uma cardioversão sincronizada |
7. Qual destes grupos . . . reversível? | Hipoglicémia, hipóxia, pneumotórax e tromboembolismo cardíaco |
8. Uma vítima . . . deve realizar? | Administrar bólus de 1 miligrama de adrenalina, via endovenosa |
9. Necessita de . . . preferencialmente? | Acesso venoso periférico ou intraósseo |
10. Qual a intervenção . . . sem pulso? | Reiniciar, de imediato, as compressões torácicas |
11. Perante uma vítima . . . carbono? | Superiores a 10 milímetro de mercúrio (mmHg) |
12. Já administrou três . . . de seguida? | Administrar bólus de 300 miligramas de amiodarona, via endovenosa |
13. Perante uma . . . ventilações? | 10 ventilações / minuto com compressões torácicas ininterruptas |
14. Após monitorizar . . . administrar? | Bólus de 0,5 miligramas de atropina, via endovenosa |
15. A implementação . . . obter? | Despistar a localização seletiva do tubo endotraqueal |
Respeitando os procedimentos formais e éticos, foram fornecidas todas as informações e esclarecimentos necessários para que os participantes tomassem uma decisão informada, livre e esclarecida, preenchendo o consentimento informado, para sua participação no estudo. Os participantes eram livres de poder desistir a qualquer momento do estudo, sem que ocorressem riscos ou desconfortos. O anonimato e confidencialidade são imperativos desta investigação. Os suportes utilizados foram destruídos no final do estudo. O tratamento de dados foi efetuado com recurso ao programa IBM SPSS Statistics, versão 28.0, com análise de estatística descritiva e inferencial. Assumimos um resultado estatisticamente significativo quando o valor p for igual ou inferior a 0,05 (Pestana & Gageiro, 2014). A investigação mereceu aprovação por parte da Comissão de Ética do hospital onde decorreu o estudo (Ref.ª19/2023).
Resultados
A implementação do instrumento de investigação permitiu recolher 40 respostas de enfermeiros que desempenham funções no SUMC do hospital em estudo, no entanto, 4 dessas respostas são de enfermeiros que nunca prestaram cuidados em contexto real de PSC, em PCR, com prática SAV. Como o objetivo principal deste estudo incidiu sobre a análise dos conhecimentos dos enfermeiros sobre SAV na PSC em PCR, considera-se, a partir deste momento, que a amostra em estudo seriam 36 enfermeiros (100%), com uma média de idades de 35 anos (35,22 ± 6,10), oscilando entre os 24 e 53 anos, e com predominância do sexo feminino, 72,2% (n = 26). Constata-se que 25% (n = 9) dos enfermeiros, para além do grau de licenciado, têm habilitação académica correspondente a mestrado. Da amostra obtida, identifica-se que, os enfermeiros concluíram o curso de licenciatura em enfermagem, em média, há, aproximadamente, 12 anos (11,92 ± 5,62) e 19,4% (n = 7) detêm o título de enfermeiro especialista, concretamente com especialidade em enfermagem médico-cirúrgica 11,1% (n = 4), em enfermagem de saúde mental e psiquiátrica 2,8% (n = 1), em enfermagem de saúde comunitária 2,8% (n = 1) e em enfermagem de reabilitação 2,8% (n = 1). Globalmente, atesta-se que os enfermeiros prestam cuidados neste serviço, em média, há 8 anos (8,17 ± 6,27), existindo enfermeiros que integram o serviço há 30 anos. O horário mais praticado é o roulement, 91,7% (n = 33). Identifica-se que todos os enfermeiros frequentaram formação certificada em SAV, em média, há cerca de 3 anos (3,25 ± 2,70). Da amostra em estudo, nenhum dos enfermeiros realizou formação há mais de 10 anos, e apesar da formação realizada em SAV, 16,7% (n = 6) dos enfermeiros considera que os seus conhecimentos não são adequados e 66,7% (n = 24), durante a última prestação de cuidados à PSC em PCR, sentiram dificuldades em implementar práticas de SAV. No que concerne aos conhecimentos teóricos dos enfermeiros sobre SAV (Tabela 2), com recurso ao questionário implementado, composto por 15 questões, possibilitando cotações entre 0 e 15 pontos, constata-se em média 11 pontos (11,03 ± 1,56), demonstrando uma percentagem de respostas corretas igual a 73,53%. De um modo geral, podemos afirmar que a amostra em estudo apresentou um bom nível de conhecimentos teóricos sobre SAV, tendo apenas demonstrado uma maior fragilidade em três questões, com percentagens de resposta incorretas superiores às corretas. Constata-se essa situação na pergunta 3) “Qual destes não é um mecanismo . . . compensação?”, em que apenas 16,7% (n = 6) dos enfermeiros acertou, na pergunta 11) “Perante uma vítima adulta . . . qual deverá ser o padrão de valores de pressão endotraqueal de dióxido de carbono (PETCO2)?”, com uma percentagem de respostas corretas de 22% (n = 8), e na pergunta 15) “A implementação de RCP . . . com recurso a colocação de capnógrafo o que permitirá obter?”, com uma percentagem de acertos de 25% (n = 9). Em contrapartida, identificámos pontuações de elevado nível, variando entre 91,7% na pergunta 1, e 94,4% na pergunta 4, onde foram analisados conhecimentos sobre ritmos desfibrilháveis e fármacos de emergência a administrar aquando de bradicardia. Observa-se, igualmente, este nível de excelência dos enfermeiros, relativamente aos conhecimentos teóricos em SAV nas questões 2, 9 e 10, com 100% (n = 36) de respostas corretas sobre a intervenção perante a PSC em assistolia e com taquicardia ventricular sem pulso (TVSP), assim como, nas vias de administração de fármacos de emergência em situações de PCR.
Questões | Respostas Corretas | Respostas Incorretas | ||
---|---|---|---|---|
n | % | n | % | |
1. “Quais são os ritmos desfibrilháveis?” | 33 | 91,7 | 3 | 8,3 |
2. “Qual é a intervenção, a realizar, mais adequada a uma vítima que apresente uma assistolia?” | 36 | 100 | --- | --- |
3. “Qual destes não é um mecanismo fisiológico de compensação?” | 6 | 16,7 | 30 | 83,3 |
4. “Ao monitorizar uma vítima adulta, constata que este apresenta uma bradicardia sinusal de 36 batimentos por minuto. A vítima sincopou, já depois da administração de bólus de 3 miligramas de atropina. Qual a sua intervenção?” | 34 | 94,4 | 2 | 5,6 |
5. “Quais os cuidados a avaliar, em termos de segurança, antes da colocação das pás de um desfibrilhador?” | 31 | 86,1 | 5 | 13,9 |
6. “Após monitorizar uma vítima adulta, que lhe referiu palpitações, verifica que este apresenta um traçado cardíaco com complexos QRS estreitos e regulares, com uma frequência de 187 batimentos por minuto, com dor torácica e instabilidade hemodinâmica. Qual a intervenção que deve realizar?” | 27 | 75 | 9 | 25 |
7. “Qual destes grupos evidencia uma causa potencialmente não reversível?” | 25 | 69,4 | 11 | 30,6 |
8. “Uma vítima adulta foi encontrada em PCR e já se encontram implementadas medidas de RCP. Na primeira avaliação de ritmo, constata que a vítima apresenta um ritmo organizado, mas sem pulso palpável. Qual das seguintes intervenções deve realizar?” | 32 | 88,9 | 4 | 11,1 |
9. “Necessita de uma via para administração de medicação, a uma vítima que se encontra em PCR. Qual opta por colocar, preferencialmente?” | 36 | 100 | --- | --- |
10. “Qual a intervenção a realizar após a administração do segundo choque a uma vítima adulta com TVSP?” | 36 | 100 | --- | --- |
11. “Perante uma vítima adulta, que se encontra em manobras de RCP, com via aérea avançada e capnografia acoplada, para que a probabilidade do retorno à circulação espontânea seja melhorada, qual deverá ser o padrão de valores de PETCO2?” | 8 | 22,2 | 28 | 77,8 |
12. “Já administrou três choques a uma vítima adulta que apresenta fibrilhação ventricular. Já administrou, também, 1 miligrama de adrenalina, via endovenosa. Qual a medicação que deve administrar de seguida?” | 30 | 83,3 | 6 | 16,7 |
13. “Perante uma PSC em PCR, com via aérea avançada colocada, qual deverá ser o ritmo de realização das ventilações?” | 31 | 86,1 | 5 | 13,9 |
14. “Após monitorizar uma vítima adulta, verifica que esta apresenta uma bradicardia sinusal de 43 batimentos por minuto. A vítima está sintomática. Qual a dose inicial de atropina que irá administrar?” | 23 | 63,9 | 13 | 36,1 |
15. “A implementação de manobras de RCP, baseadas no algoritmo de SAV, com recurso a colocação de capnógrafo o que permitirá obter?” | 9 | 25 | 27 | 75 |
TOTAL | Média | Desvio Padrão | ||
Classificação (0 - 15 pontos) | 11,03 | 1,56 |
Nota. n = Número de casos; % = Percentagem de casos.
No que concerne à análise das variáveis sociodemográficas, académicas e profissionais dos enfermeiros, conhecimentos e insegurança na prática de SAV, em função da variável pontuação do questionário de conhecimentos, através da aplicação do teste U de Mann-Whitney, pela amostra não ter uma distribuição normal para as variáveis referidas (teste de Shapiro Wilk), verificou-se que, apenas existem diferenças estatisticamente significativas entre os conhecimentos dos enfermeiros sobre SAV e a pontuação do questionário (U = 31,500; p = 0,010), inferindo que os enfermeiros que documentam ter um melhor conhecimento sobre SAV, efetivamente detêm uma pontuação global no questionário mais elevada (Tabela 3).
Variável | Pontuação do Questionário | U | p | ||||
---|---|---|---|---|---|---|---|
Sexo | Masculino | n | 10 | 126,500 | 0,897 ns | ||
PM | 18,85 | ||||||
Feminino | n | 26 | |||||
PM | 18,37 | ||||||
Habilitações Académicas | Licenciatura | n | 27 | 113,000 | 0,746 ns | ||
PM | 18,19 | ||||||
Mestrado | n | 9 | |||||
PM | 19,44 | ||||||
Especialidade em Enfermagem | Sim | n | 7 | 82,500 | 0,429 ns | ||
PM | 21,21 | ||||||
Não | n | 29 | |||||
PM | 17,84 | ||||||
Horário Praticado | Roulement | n | 33 | 40.000 | 0,571 ns | ||
PM | 18,21 | ||||||
Fixo | n | 3 | |||||
PM | 21,67 | ||||||
Conhecimentos sobre SAV | Adequados | n | 30 | 31,500 | 0,010 * | ||
PM | 20,45 | ||||||
Não Adequados | n | 6 | |||||
PM | 8,75 | ||||||
Insegurança na prática de SAV | Prática com Segurança | n | 12 | 96,000 | 0,093 ns | ||
PM | 22,50 | ||||||
Prática com Insegurança | n | 24 | |||||
PM | 16,50 |
Nota. n = Amostra; PM = Posto médio; SAV = Suporte Avançado de Vida; U = Teste Mann-Whitney; p = Significância; ns = Não significativa; * = Diferença estatisticamente significativa.
Com recurso à Tabela 4, constatou-se que não foram identificadas correlações com resultado estatisticamente significativo entre as variáveis sociodemográficas, profissionais e a pontuação obtida no questionário.
Variável | Pontuação do Questionário | ||
---|---|---|---|
Coeficiente de Correlação de Spearman | p | ||
Idade | 0,116 | 0,250 ns | |
Anos como enfermeiro | 0,155 | 0,183 ns | |
Anos no serviço atual | - 0,021 | 0,452 ns | |
Anos de formação em SAV | - 0,039 | 0,411 ns |
Nota. SAV = Suporte Avançado de Vida; p = Significância; ns = Não Significativa.
Através da aplicação do teste Qui-Quadrado, foi possível identificar a existência de diferenças estatisticamente significativas entre a variável enfermeiro especialista e as respostas (corretas e incorretas) às questões 12, 14 e 15. Concretamente, identificam-se diferenças estatisticamente significativas entre ser enfermeiro especialista e o conhecimento sobre a necessidade de administrar amiodarona em ritmo desfibrilhável (t = 4,292; p = 0,038); entre ser enfermeiro especialista e o conhecimento sobre a necessidade de administrar atropina em bradicardia com sinais de choque (t = 4,912; p = 0,027); e entre ser enfermeiro especialista e o conhecimento sobre a necessidade de realizar monitorização de capnografia em RCP (t = 4,788; p = 0,029; Tabela 5).
Variável | Pontuação por Questão | ||
---|---|---|---|
Qui-Quadrado | p | ||
Questão 12 - “Administração de amiodarona . . . desfibrilhável” | 4,292 | 0,038 * | |
Questão 14 - “Administração de atropina em bradicardia . . .” | 4,912 | 0,027 * | |
Questão 15 - “Monitorização de capnografia em RCP . . .” | 4,788 | 0,029 * |
Nota. P = Significância; * = Diferença estatisticamente significativa.
Com recurso ao teste U de Mann-Whitney, entre a variável tempo de formação certificada em SAV e as respostas ao questionário implementado sobre conhecimentos em SAV, observa-se que apenas surgem diferenças estatisticamente significativas nas questões 11, 13 e 14 (Tabela 6). Estas diferenças estatísticas surgem especificamente entre o tempo de formação certificada em SAV e os conhecimentos dos enfermeiros para a validação dos valores de PETCO2 de referência para que uma vítima em PCR tenha uma maior probabilidade de retorno à circulação espontânea (U = 59,000; p = 0,036); entre o tempo de formação certificada em SAV e a definição do ritmo com o qual devem ser realizadas ventilações numa PSC, em PCR, com via aérea avançada (U = 18,500; p = 0,005); e entre o tempo de formação certificada em SAV e a definição da dose inicial de atropina numa vítima com bradicardia sinusal em choque (U = 49,000; p = 0,001). Observa-se igualmente que este mesmo conhecimento dos enfermeiros sobre SAV, mais especificamente, na definição da dose inicial de atropina, numa vítima com bradicardia sinusal e em choque, apresenta diferenças estatisticamente significativas quando correlacionado com a idade dos enfermeiros (U = 82,000; p = 0,025) e com os anos de experiência no SUMC (U = 73,000; p = 0,011).
Variável | Pontuação Questão 11 | U | p | |||||
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Anos de formação em SAV | Resposta Correta | n | 8 | 59,000 | 0,036 * | |||
PM | 11,88 | |||||||
Resposta Incorreta | n | 28 | ||||||
PM | 20,39 | |||||||
Variável | Pontuação Questão 13 | U | p | |||||
Anos de formação em SAV | Resposta Correta | n | 31 | 18,500 | 0,005 * | |||
PM | 16,60 | |||||||
Resposta Incorreta | n | 5 | ||||||
PM | 30,30 | |||||||
Variável | Pontuação Questão 14 | U | p | |||||
Idade | Resposta Correta | n | 23 | 82,000 | 0,025 * | |||
PM | 21,43 | |||||||
Resposta Incorreta | n | 13 | ||||||
PM | 13,31 | |||||||
Anos no serviço atual | Resposta Correta | n | 23 | 73,000 | 0,011 * | |||
PM | 21,83 | |||||||
Resposta Incorreta | n | 13 | ||||||
PM | 12,62 | |||||||
Anos de formação em SAV | Resposta Correta | n | 23 | 49,000 | 0,001 * | |||
PM | 22,87 | |||||||
Resposta Incorreta | n | 13 | ||||||
PM | 10,77 | |||||||
Nota. n = Amostra; PM = Posto Médio; SAV = Suporte Avançado de Vida; U = Teste Mann-Whitney; p = Significância; * = Diferença estatisticamente significativa.
Discussão
Neste estudo, onde participaram 40 enfermeiros do SUMC, apenas 4 não praticaram SAV em contexto real. Segundo Pragosa (2019), o mundo está em constante desenvolvimento e o conhecimento dos profissionais de saúde deve acompanhar essa mesma evolução, com recurso à formação contínua. Deste modo, tendo em conta os resultados obtidos, 83,3% da amostra considera que os seus conhecimentos em relação ao SAV são adequados, embora 66,7% refiram, também, que se sentiram inseguros enquanto prestavam cuidados em SAV. Smith et al. (2008), referem, igualmente, que os enfermeiros têm os conhecimentos teóricos adequados à situação, no entanto, as competências práticas diminuem com o tempo. É notória a necessidade de formação contínua, sem haver uma periodicidade muito longa entre formações, diminuindo a perceção de insegurança na prestação de cuidados à PSC. Oliveira et al. (2018), afirma que deverá existir recertificação de formação prática, no mínimo, a cada três meses, tendo em conta a realidade de cada instituição o âmbito da PSC. Neste estudo, os enfermeiros apresentaram formação certificada em SAV, com uma classificação média de 11 em 15 pontos, demonstrando um bom conhecimento relativamente à abordagem à vítima em PCR, embora com potencial para a melhoria. Numa análise às questões colocadas sobre a atuação em assistolia e TVSP, assim como na abordagem à via aérea avançada, constatou-se que existiu uma convergência nos resultados obtidos. Segundo o Instituto Nacional de Emergência Médica (2023), a forma mais correta de atuar, perante uma vítima em assistolia, é a iniciação imediata de manobras de SBV, com elevada qualidade e ininterruptamente, assegurando a permeabilidade da via aérea e ventilação, bem como proceder à administração de fármacos de emergência. A via de administração mais comum para a administração destes fármacos é a via endovenosa, tal como identificado pelos enfermeiros deste estudo, apesar de ser possível optar pela via intraóssea, quando a primeira não é viável. Relativamente à atuação na vítima com TVSP, após a administração do segundo choque, está preconizada a realização de 2 minutos de SBV (Merchant et al., 2020), situação que foi identificada por unanimidade dos enfermeiros do presente estudo. Os enfermeiros inquiridos demonstraram, numa percentagem superior a 94%, saber como intervir perante uma PSC com bradicardia. Este conhecimento é suportado pelas diretrizes da AHA, que descrevem que, numa vítima instável com bradicardia persistente, a intervenção mais correta a realizar, após a administração de 3 miligramas de atropina, é a colocação de um pacemaker transcutâneo (Panchal et al., 2020). Ao analisarmos os dados obtidos, deparamo-nos com a necessidade de atualização dos conhecimentos dos enfermeiros, no que concerne aos mecanismos de compensação fisiológicos e ao uso de capnografia. Bradicardia foi uma das respostas identificadas, relativamente aos mecanismos de compensação. Segundo Silva (2019), o organismo humano é capaz de desencadear respostas fisiológicas compensatórias, nomeadamente a alteração do estado de consciência, taquicardia e taquipneia, não sendo referida a bradicardia. No que concerne ao conhecimento sobre a capnografia durante a realização de SAV, na sua globalidade, constataram-se respostas que se encontram com resultados inferiores ao esperado. Segundo Sandroni et al. (2018), a probabilidade de retorno à circulação espontânea é melhorada, quando os valores de PETCO2 são superiores a 10 mmHg. Para além disso, a implementação de manobras de RCP, baseadas no algoritmo SAV, com recurso à colocação de capnógrafo, permite, não só a confirmação da colocação do tubo endotraqueal, mas também a monitorização da qualidade da RCP (Serviço Nacional de Saúde, 2021). Farias et al. (2021), observou que os enfermeiros com um nível de autoconfiança maior, demostraram melhores resultados em termos de conhecimento, resultados estes comprovados no nosso estudo, através da pontuação global obtida. Para o mesmo autor, a segurança na execução de cuidados à PSC está relacionada com o desfecho do atendimento, pelo que, profissionais que tenham realizado cuidados efetivos a uma PSC terão mais autoconfiança nos cuidados a prestar. Num estudo realizado por Umuhoza et al. (2021), concluiu-se que, o desempenho final dos enfermeiros não está associado aos anos de experiência profissional e às suas competências, afirmando que, os anos de trabalho contribuem, apenas, para a autoconfiança do profissional na execução das intervenções de RCP. Comparando aos resultados obtidos no presente estudo, chegamos, de igual forma, à conclusão de que as varáveis idades, anos de profissão, anos de prestação de cuidados no serviço atual, anos de formação certificada em SAV, não apresentaram um resultado com significado estatístico quando correlacionadas com a pontuação global do questionário. Por outro lado, segundo Soares (2017), o enfermeiro especialista adquire maior conhecimento na área em que é especializado, tornando a qualidade na prestação de cuidados mais elevada, em relação a um enfermeiro de cuidados gerais. Esta afirmação encontra-se enunciada nos resultados obtidos, do presente estudo, no qual existe resultado com significado estatístico entre ser enfermeiro especialista e a capacidade de decisão sobre a administração de fármacos de emergência em situações específicas, assim como, na realização de monitorização de capnografia em RCP. Pragosa (2019) constatou que, os conhecimentos teóricos dos enfermeiros relativamente ao SAV são influenciados negativamente pelo tempo decorrido desde a última formação, tendo sido obtida uma redução nos conhecimentos, em comparação aos enfermeiros com menos de um ano de formação e aos que realizaram formação há mais de um ano. Este facto ocorre também no presente estudo, no qual são apresentadas variações estatisticamente significativas entre o tempo decorrido desde a última atualização dos conhecimentos sobre SAV e os conhecimentos dos enfermeiros para a validação dos valores de PETCO2; a definição do ritmo para o qual devem ser realizadas ventilações numa PSC, em PCR, com via aérea avançada; e a definição da dose inicial de atropina a administrar numa vítima adulta, com bradicardia sinusal e com sinais de choque.
Relativamente à realização deste estudo, apontamos como limitação a percentagem de respostas obtidas ao questionário, tendo em consideração a população acessível, dificultando assim uma inferência dos resultados sobre os conhecimentos dos enfermeiros em SAV, para a população em estudo. Uma segunda limitação prende-se com o facto de as guidelines sobre SAV terem sofrido uma atualização recente e, os enfermeiros terem realizado, maioritariamente, formação certificada em SAV, antes dessas reformulações. Esta limitação implicou que nas pesquisas científicas realizadas para o enquadramento e discussão dos resultados existisse uma linha temporal de pesquisa apenas de 3 anos, diminuindo assim o número de estudos acessíveis, com informação baseada nas diretrizes mais recentes.
Conclusão
A realização deste estudo, onde participaram enfermeiros do SUMC de um hospital da região centro de Portugal, permitiu concluir que, apesar da amostra apresentar formação certificada em SAV, um em cada cinco enfermeiros tem a perceção de que não detém os conhecimentos adequados à correta abordagem à PSC e sete em cada 10 enfermeiros sente dificuldades na implementação de SAV. Globalmente os enfermeiros demonstraram bons conhecimentos sobre SAV, inferência obtida pela análise de três respostas corretas em cada quatro questões. Observou-se uma maior fragilidade em termos do conhecimento sobre mecanismos de compensação fisiológica e sobre capnografia, mas por outro lado, foram identificados melhores níveis de conhecimentos em termos de ritmos desfibrilháveis, na intervenção à vítima com bradicardia e em choque, na intervenção à vítima com assistolia ou TVSP e na identificação das vias de administração de fármacos de emergência.
Com este estudo, constatou-se ainda que uma melhor perceção de conhecimentos em SAV, revela uma melhor pontuação no questionário de conhecimentos dos enfermeiros, assim como o facto de ser enfermeiro especialista pode melhorar a prestação de cuidados à PSC, com recurso a um nível sólido de conhecimentos em SAV. Como sugestões apresentamos o facto das revalidações dos conhecimentos em SAV poderem ser realizadas trimestralmente, implementando assim uma prática contínua de revalidação de conhecimentos com vista melhoria da prestação de cuidados à PSC em PCR. Sugerem-se ainda a realização de estudos que analisem a componente teórica e prática dos conhecimentos em SAV nos enfermeiros.