Introdução
O envelhecimento demográfico é uma realidade em Portugal. Entre 2018 e 2080, prevê-se que o número de PI (65 e mais anos) passe de 2,2 para 3,0 milhões (Instituto Nacional de Estatistica [INE], 2020), o que impõe novos desafios e oportunidades para os profissionais de saúde. Um desses desafios é a solidão e o IS, considerados um problema de saúde pública entre a população idosa. Globalmente, estima-se uma prevalência de solidão e/ou IS entre 10% a 43% (Adepoju et al., 2021). Um estudo de base populacional nos Estados Unidos da América identificou que 24% das PI (7,7 milhões) reportava IS (Cudjoe et al., 2020). Dados de Portugal, “Operação Censos Sénior 2021” sinalizou 44.484 PI que vivem sozinhos e/ou isolados (Guarda Nacional Republicana [GNR], 2021). Prevenir os efeitos negativos destes fenómenos requer que os profissionais de saúde façam avaliações apropriadas para mitigar os fatores de risco modificáveis e desenvolver intervenções que possam reduzir a solidão e/ ou IS entre as PI. Deste modo, um dos recursos que têm emergido na literatura são as tecnologias de informação e comunicação (TIC; Ibarra et al., 2020). As TIC, segundo o Plano Estratégico Nacional para a Telessaúde, representam uma oportunidade para responder aos desafios e oportunidades de uma sociedade com maior longevidade, nomeadamente através da promoção da saúde e desenvolvimento do cuidado (Serviços Partilhados do Ministério da Saúde [SPMS], 2019). Este plano destaca a importância das TIC como otimização da gestão de recursos, redução do número de deslocações e propiciar uma melhor articulação de cuidados (SPMS, 2019). Desta forma, este estudo tem como objetivo avaliar o impacte do acompanhamento por consulta não presencial do EF no IS, QdV e autogestão da doença de PI a viver só na comunidade.
Enquadramento
O envelhecimento demográfico é um fenómeno global. Os dados dos Censos 2021 reportam um agravamento do envelhecimento da população portuguesa em relação a 2011, sendo que atualmente as PI representam 23,4% da população portuguesa (Instituto Nacional de Estatística [INE], 2022). O índice de envelhecimento da população é de 182 PI por cada 100 jovens, um aumento significativo em relação a 2011 (128 PI por cada 100 jovens; INE, 2022). Embora a solidão e/ou isolamento possam ocorrer em qualquer idade, são mais prevalentes nas PI, por redução das interações sociais, processo de reforma, problemas de saúde física e/ou mental e possível luto pela perda de parentes e amigos próximos (Prohaska et al., 2020).
A Eurostat (2020) refere que cerca de 512 mil PI vivem sozinhos em Portugal, e podem estar a enfrentar dificuldades particulares na vida cotidiana resultantes do IS durante a Pandemia COVID-19. Considerado um problema de saúde pública para o século XXI, agravado pela pandemia por COVID-19 (Prohaska et al., 2020), torna-se urgente implementar estratégias que possam prevenir e/ou mitigar estes fenómenos. Dentre os diferentes recursos, a literatura reporta o uso das TIC pelos profissionais de saúde (Ibarra et al., 2020). A utilização das TIC, nomeadamente entre as PI, é reportada como uma oportunidade para mitigar ou eliminar o impacto do IS e/ou solidão, em especial nas pessoas que vivem em zonas rurais e/ou com limitações funcionais que condicionem a sua mobilidade (Czaja et al., 2018). Contudo, estas tecnologias não devem substituir o contacto humano, mas potenciar as oportunidades de conexão (Czaja et al., 2018). Roíg Cabo et al. (2021) referem que o desenvolvimento das TIC gera um novo cenário nos cuidados entre a população e os profissionais de saúde. Nesse sentido, é importante pensar como estes profissionais, em especial, os enfermeiros, podem usar as TIC como estratégia para diminuir ou evitar uma situação solidão e/ou IS, de forma a melhorar a QdV da PI. Uma das estratégias é a telenfermagem. Esta consiste na prestação de serviços de Enfermagem à distância, por meio de TIC, em que o enfermeiro e o utente não estão presentes fisicamente no mesmo local (Ordem dos Enfermeiros [OE], 2021). Esta representa uma oportunidade para estes profissionais manterem o contacto e a vigilância de saúde das PI, bem como, uma forma de repensar as relações que se estabelecem entre os enfermeiros e os utentes (Gálvez, 2022). A inclusão da telenfermagem como recurso para as ações de cuidados não deve justificar-se somente por modismos tecnológicos e por interesses económicos (Mussi et al., 2018), mas um meio para a promoção de conforto aos utentes que necessitam de cuidados.
Questão de investigação
Qual o impacte do acompanhamento por consulta não presencial do EF no IS, QdV e autogestão da doença da PI a viver só na comunidade?
Metodologia
Realizou-se um estudo pré-experimental com desenho pré e pós, de grupo único, com dois momentos de avaliação: MI (pré-intervenção) e MII (pós-intervenção), numa Unidade Saúde Familiar, da Região Centro de Portugal, entre março 2021 a junho 2021, após aprovação da Comissão de Ética para a Saúde (parecer n.º 098-2020).
Prévio à fase I, foi realizada a seleção da amostra, através de uma amostragem não probabilística por conveniência, tendo por base os seguintes critérios de inclusão: PI com 65 ou mais anos, a viver só na comunidade e inscrita na unidade. Os critérios de exclusão foram: PI institucionalizadas; utentes com história de perturbação cognitiva expressa no processo clínico, ou que apresentem défice cognitivo rastreado pelo Mini-Cog e sem acesso a TIC. Inicialmente, foram identificadas 318 PI, após aplicação dos critérios de inclusão e exclusão, foram selecionados 43 participantes, destes, 17 recusaram participar no estudo. Dos 26 participantes, dois encontravam-se em situação de risco e vulnerabilidade social pelo que foram encaminhados para respostas comunitárias. No final, 24 PI integraram a fase de implementação da consulta de telenfermagem.
Na recolha de dados, da fase I e II utilizou-se um questionário que incluiu V partes:
Parte I - Caracterização sociodemográfica dos participantes (idade; sexo; estado civil; habilitações literárias; consultas de vigilância; contacto com familiares ou pessoas significativas; apoio de cuidador formal e/ou informal; estado de saúde e mobilidade). Para rastrear a solidão, utilizou-se a questão “Costuma sentir-se só?”, que é respondida numa escala tipo Likert de 4 pontos (1 = sempre a 4 = nunca), em que pontuações mais elevadas indicam menos sentimentos de solidão (Paúl & Ribeiro, 2009). Esta parte inclui também três questões sobre o grau de satisfação com: acessibilidade aos cuidados de saúde primários; contacto; e acompanhamento do EF avaliados através de uma escala visual analógica de 0 a 10.
Parte II - O Mini Avaliação Cognitiva (Mini-Cog), instrumento para o rastreio cognitivo, desenvolvido por Borson e colaboradores (2000) e está traduzido em diversas línguas, incluído o português Europeu. Pontuação total é de 5 pontos, sendo pontuações ≥ 3 consideradas normais (sem défice cognitivo).
Parte III - Para avaliar a QdV utilizou-se a Escala World Health Organization Quality of Life Group (WHOQOL)-OLD, validada para Portugal por Vilar, Sousa & Simões (2016). A versão portuguesa apresente 28 itens (itens 1, 2, 3, 7, 8, 9 e 10, têm pontuação invertida), numa escala de Likert de cinco pontos (1 a 5), organizados em sete facetas: Funcionamento sensorial; Autonomia; Atividades passadas, presentes e futuras; Participação social; Morte e morrer; Intimidade; e Família/Vida familiar. A escala permite obter um score global e por faceta através do somatório da pontuação dos itens, sendo que valores mais elevados corresponde a uma melhor QdV.
Parte IV - A Rede de Apoio Social foi avaliada através da Escala Breve de Redes Sociais de Lubben, LSNS-6, que permite avaliar a integração social e o risco de IS em idosos residentes na comunidade. Esta escala foi validade para português de Portugal por Ribeiro e colegas (2012) e é constituída por dois fatores: relações familiares (3 itens) e relações de amizade (3 itens), cuja resposta aos itens varia entre 0 a 5. A pontuação total resulta dos somatórios da pontuação dos itens, variando entre 0 a 30 pontos. Pessoas com pontuação < 12 são identificadas como socialmente isoladas. esta escala apresenta adequada consistência interna (Alpha de Cronbach = 0,798).
Parte V- O Autocuidado foi avaliado com o Instrumento de Autocuidado Terapêutica (AT; Doran & Sidani, 2005; versão portuguesa de Cardoso et al., 2014). Esta escala inclui 12 itens e avalia a capacidade da pessoa para desempenhar quatro categorias das atividades de autocuidado (tomar a medicação da forma como foi prescrita; identificar e gerir os sintomas; realizar as atividades diárias, e gerir as mudanças na situação de saúde) que deve ser capaz de realizar. As respostas são indicadoras das necessidades de aprendizagem ou de recursos e pontuadas numa escala de Likert de 5 pontos (0 = Não sei ou não consigo; 5 = Sei ou Consigo). O estudo de validade demonstrou que este instrumento é unidimensional, explicando 81,318 do total da variância. A consistência interna, avaliada pelo Apha de Cronbach, foi excelente (( = 0,979).
A implementação da consulta não presencial efetuada, telenfermagem, foi coordenada pela primeira autora e decorreu entre abril e junho de 2021, aproximadamente de 15 em 15 dias, que correspondem a quatro consultas de acompanhamento por telenfermagem (Tabela 1). Os agendamentos desta fase foram programados, como consulta não presencial por telefone, segundo a disponibilidade do utente.
Foi construído um guião orientador para a intervenção de enfermagem na consulta telefónica, tendo por base as recomendações da OE para consultas de Enfermagem à distância (OE, 2021). Foram efetuadas quatro consultas, que foram registadas no programa SClínico e a sua duração variou entre 20 a 30 minutos. Foram cumpridos os procedimentos éticos e obtido o consentimento livre e esclarecido dos participantes, aquando da entrevista presencial.
Momentos | Objetivos |
1ª consulta (n = 24) | Identificar os focos de atenção, diagnósticos e intervenções de enfermagem; Definir metas e objetivos. |
2ª e 3ª consulta (n = 24) | Analisar as dificuldades sentidas na realização das tarefas definidas, na consulta anterior e readaptar o plano de cuidados, caso fosse necessário; Incentivar na adesão ao regime terapêutico; Aprender a ter novos padrões de comportamento, que promovam a saúde, e o bem-estar psicológico e social; Programar atividades lúdicas, com estimulação de funções motoras (exercício físico) e cognitivas (perceção, memória e criatividade). |
4ª consulta (n = 24) | Avaliar as metas estabelecidas na 1ª consulta de telenfermagem. |
A recolha de dados decorreu entre 01 de março a 2021 a 24 de junho 2021 e englobou quatro fases: i) seleção dos participantes de acordo com os critérios de inclusão e exclusão do estudo. ii) Após essa seleção, todos os utentes foram contactados por telefone para informar sobre o estudo (objetivos e características) e saber da sua disponibilidade em participar. Após aceitação de participação das PI, foi agendada uma entrevista presencial no domicílio para a recolha de dados da fase I (março de 2021). Durante todo o processo, foram cumpridas todas as medidas de seguranças COVID-19, emanadas pela Direção-Geral da Saúde. iii) implementação da consulta de telenfermagem, através do agendamento das consultas de telenfermagem. iv) agendamento de data e hora para recolha de dados fase II (foram aplicadas as três questões: acessibilidade, contacto e acompanhamento do EF da parte I, e as partes IV, V e VI do questionário), através de entrevista telefónica após agendamento prévio com o utente (junho de 2021).
Na análise estatística descritiva utilizou-se a frequência absoluta, a frequência relativa, média (M) e desvio-padrão (DP), valor mínimo e valor máximo, conforme os dados em análise.
Previamente a realização da estatística inferencial foi avaliada a normalidade através do teste de Kolmogorov-Smirnov, tendo evidência que os dados não apresentam uma distribuição normal (p < 0,05). Deste modo, recorreu-se a estatística inferencial, aos testes não-paramétricos. Para a comparação de médias para amostras emparelhadas, utilizou-se o Teste de Wilcoxon nas variáveis: avaliação da satisfação da acessibilidade à unidade; contacto e acompanhamento do EF; QdV; Redes Sociais de Apoio; e AT. Na avaliação do IS (variável nominal) foi utilizado o Teste de McNemar. Para a análise utilizou-se o software IBM SPSS Statistics - versão 26.0 na análise dos dados, considerado como estatisticamente significativo, o valor de p < 0,05.
Resultados
Caracterização da amostra
A amostra foi constituída por 24 PI, sem défice cognitivo (avaliado pelo Mini-Cog). A maioria dos participantes são mulheres (n = 18; 75%), com uma idade (M = 77,38; DP = 7,20). A maioria eram viúvos(as) (n = 20; 83,2%), com uma média de anos de viuvez 12,83 (DP = 11,42). Em relação às habilitações académicas, quase metade dos participantes não frequentaram a escola (0 anos de escolaridade; n = 10; 41,7%), seguindo-se em representação a escolaridade de 4 anos (n = 7; 29,2%) e de 1-3 anos de escolaridade (n = 4; 16,7%).
Satisfação da acessibilidade à unidade, contacto e acompanhamento do EF
Relativamente à avaliação da satisfação com o “Contacto com a EF”, na fase inicial, verificamos que a média é satisfatória (M = 4,58; DP = 4,47). Posteriormente na segunda avaliação, a média aumentou para valores (M = 7,71; DP = 1,57), verificando-se uma melhoria significativa após intervenção (Z = 91; p < 0,001). Referente à satisfação com “Acompanhamento pela EF”, na fase inicial, verificamos que a média era (M = 4,38; DP = 4,57), posteriormente, após a intervenção, a média aumentou para valores (M = 7,67; DP = 1,58), traduzindo uma melhoria significativa da satisfação com o acompanhamento (Z = 91; p < 0,001). A propósito da satisfação com a “Acessibilidade à unidade” na fase inicial, verificamos que a média (M = 7,88; DP = 7,20) aumentando para (M = 8,46; DP =1,44), contudo esta diferença não foi estatisticamente significativa (Z = 3; p = 0,18; Tabela 2).
Satisfação | Pré | Pós | Teste |
M ± DP | M ± DP | ||
Acessibilidade à unidade(*) | 7,88 ± 7,20 | 8,46 ± 1,44 | Z = 3; p = 0,18(1) |
Contacto EF* | 4,58 ± 4,47 | 7,71 ± 1,57 | Z =9 1; p < 0,001(1) |
Acompanhamento EF* | 4,38 ± 4,57 | 7,67 ± 1,58 | Z = 91; p < 0 ,001(1) |
Nota. M = Média; DP = Desvio-padrão. *Pontuação de 0-10; (1) Teste de Wilcoxon.
Qualidade de vida
Quanto à avaliação da QdV, nas Facetas III, IV, e VII houve um ligeiro aumento na média após a intervenção, embora não se verificassem diferenças estatisticamente significativas. Referente as Facetas I, II, V e VI não se verificaram diferenças entre os resultados, pré e pós intervenção. Em relação ao Score Global da QdV, confirmamos uma ligeira melhoria na média após a intervenção, embora não se tenham obtido diferenças estatisticamente significativas (Tabela 3).
Facetas | Pré- | Pós | Teste (1) |
---|---|---|---|
M ± DP | M ± DP | ||
Faceta I- Funcional | 15,42 ± 3,43 | 15,42 ± 3,43 | p = 1 |
Faceta II- Autonomia | 16,96 ± 2,10 | 16,96 ± 2,10 | p = 1 |
Faceta III- Atividades passadas, presentes e futuras | 12,71 ± 2,03 | 12,75 ± 2,03 | Z = 1; p = 0,317 |
Faceta IV- Participação social | 14,21 ± 2,26 | 14,33 ± 2,27 | Z = 3 ; p = 0,180 |
Faceta V- Morte e morrer | 10,92 ± 3,99 | 10,92 ± 3,99 | p = 1 |
Faceta VI- Intimidade | 13,86 ± 2,94 | 13,86 ± 2,94 | p = 1 |
Faceta VII- Família/vida familiar | 15,25 ± 3,25 | 15,29 ± 2,26 | Z = 1 ; p = 0,317 |
Score Global | 99,46 ± 10,60 | 99,67 ± 1 0,61 | Z = 3; p = 0,180 |
Nota. M = Média; DP = Desvio-padrão. (1) Teste de Wilcoxon
Redes sociais de apoio
Quase metade das PI reporta sentir-se só muitas vezes ou sempre (41,7%), 50% algumas vezes e apenas 8,3% nunca se sente só. Nos resultados relativamente às “Redes Sociais de Apoio” demonstram que 45,8% dos participantes estão em risco de IS. No que concerne às dimensões “Família” e “Amigos”, verificamos uma ligeira melhoria nas médias após intervenção, embora não tenha sido estatisticamente significativa (Z = 76; p = 0,981). A propósito do “Risco de isolamento” verificou-se um aumento dos participantes sem risco de isolamento (de 54,2% para 66,7%) após intervenção, contudo sem a diferença estatisticamente significativa (Tabela 4).
Intervenção do EF no Autocuidado Terapêutico
Em relação à avaliação do AT, constatamos que o nível da média das atividades de cuidados 2, 4, 5 e 7 tiveram um acréscimo significativo após a intervenção (Tabela 4). Referente à média das atividades de cuidados 1, 3, 6, 9, 10, 11, 12 também constatamos um acréscimo da mesma após a intervenção, apesar de não se ter verificado uma significância estatística (Tabela 5).
Atividades de cuidados | Pré | Pós | Teste (1) | |
M ± DP | M ± DP | |||
2 | Sabe para que servem os medicamentos prescritos? (isto é, conhece os efeitos dos medicamentos no seu estado de saúde) | 4,46 ± 1,06 | 4,63 ± 0,71 | Z = 10; p = 0,046 |
4 | Consegue identificar alterações no seu corpo (sintomas) relacionadas com a sua saúde ou o estado de saúde? | 3,92 ± 1,18 | 4,13 ± 0,85 | Z = 15; p = 0,025 |
5 | Conhece a razão pela qual sofre algumas alterações no seu corpo (sintomas)relacionadas com a sua doença ou estado de saúde? | 3,71 ± 1,20 | 4,08 ± 0,88 | Z = 36; p = 0,007 |
7 | É capaz de realizar os tratamentos ou atividades que lhe foram indicados para gerir estas alterações no seu corpo (sintomas)? | 4,25 ± 0,90 | 4,42 ± 0,78 | Z = 10; p = 0,046 |
Nota. M = média; DP = desvio padrão. (1) Teste de Wilcoxon
Discussão
O IS e/ou solidão são considerados um problema de saúde pública entre as PI. Este estudo analisou o impacte da telenfermagem (consulta não presencial) no IS, QdV e autocuidado da PI na comunidade.
Da avaliação do impacte do acompanhamento por consulta não presencial do EF, verificou-se uma melhoria significativa após a intervenção no contacto e no acompanhamento pela EF. Importa destacar que estes valores eram relativamente baixos antes da intervenção, apesar dos utentes reportarem uma acessibilidade mais elevada à unidade de saúde. Tal facto pode ser explicado pela maioria das PI que recorrerem a unidade ter sido para consulta médica, podendo não ter contacto nem acompanhamento pelo EF. Deste modo, a consulta de telenfermagem vai promover uma aproximação dos utentes com os EF, promovendo uma melhoria do cuidado (Roig Cabo et al., 2021), bem como, as oportunidades de conexão (Czaja et al., 2018). Neste estudo, analisou-se igualmente, o impacte da intervenção na QdV das PI, em que se observou um aumento no score global apesar da diferença não ser significativa estatisticamente. Independentemente dos resultados não serem elevados, estes vão ao encontro dos dados reportados por Páscoa & Gil (2021) e Agrela et al. (2021) que concluíram que o uso das TIC influenciam a QdV das PI, num envelhecimento digno e ativo com a construção de novos sentidos para a vida.
No que diz respeito à solidão e /ou IS, identificou-se uma prevalência significativa destes fenómenos (> 40%), indo ao encontro dos resultados reportados em outros estudos que estimam a prevalência da solidão entre os 5% e os 43% (Leigh-Hunt et al., 2017) e de isolamento superior a 50% entre as pessoas com 60 ou mais anos (Nicholson et al., 2019). Estes dados foram recolhidos durante a pandemia COVID-19, pelo que, podem refletir as medidas de distanciamento social introduzidas em resposta à pandemia (Baarck et al., 2022). Sendo o isolamento um preditor para eventos adversos (Faísca et al., 2019) a identificação, avaliação e intervenção neste grupo de pessoas é urgente, tendo o EF, mesmo que de forma não presencial, um papel crucial no desenvolvimento de estratégias para minimizar estas consequências negativas. Acrescenta-se a este papel, o desenvolvimento e implementações de intervenções, constituindo um recurso ímpar para a qualidade do cuidado à PI e família, bem como a sua (re)inserção social e comunitária.
Verificou-se uma redução do número de PI em risco de isolamento no final da intervenção (45,8% para 33,3%), embora esta diferença não tenha sido significativa, é importante destacar que três PI deixaram de estar em risco de isolamento. De salientar que duas revisões sistemáticas da literatura, enfatizaram a importância das TIC como um recurso para prevenir e/ou mitigar o IS e/ou solidão (Ibarra et al., 2020; Shah et al., 2020).
No âmbito desta intervenção, foi avaliado o impacte no AT. Evidenciaram-se diferenças estatisticamente significativas em quatro atividades de cuidados, o que representa uma melhoria em 33,3% nomeadamente, à gestão da doença, do regime terapêutico e conhecimento do processo de saúde doença, sendo um dos focos de intervenções de enfermagem implementados, pelo que, pode ter contribuído para estes resultados. Estes dados sublinham o papel que a telenfermagem pode desempenham no envolvimento dos utentes no autocuidado e gestão da sua situação de saúde/doença (OE, 2021).
Estes dados são relevantes na medida que suportam que as consultas através das TIC são uma possibilidade de suporte, acolhimento, informação, segurança no autocuidado e, portanto, um recurso para a promoção de conforto aos utentes que precisam de cuidados de Enfermagem (OE, 2021; Páscoa & Gil, 2021).
Este estudo apresenta algumas limitações, designadamente o tamanho da amostra (n=24) que limita a generalização dos resultados. Um fator que contribui para um menor número de participantes, foi a recusa de algumas PI em participar devido à situação pandémica, e por consequência o receio de contacto para a realização da entrevista presencial. Por último, os dados foram recolhidos durante a pandemia, pelo que podem refletir a solidão e/ou isolamento decorrente das normas de confinamento impostas, nomeadamente a redução de contactos sociais.
Conclusão
Este estudo analisou o impacte do acompanhamento por consulta não presencial do EF no IS, QdV e autogestão da doença de PI, a viver só na comunidade. Os resultados evidenciaram que a consulta não presencial do EF aumentou significativamente o contacto e acompanhamento pelo EF, reduziu o risco de IS e promoveu uma melhoria de atividades de autocuidado. O uso da Telenfermagem pode ser uma alternativa para o EF quando as intervenções presenciais não são possíveis, como em períodos de pandemia, em casos de isolamento geográfico ou incapacidade de deslocação devido às condições de saúde.