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Revista de Enfermagem Referência

versão impressa ISSN 0874-0283versão On-line ISSN 2182-2883

Rev. Enf. Ref. vol.serVI no.4 Coimbra jan. 2025  Epub 11-Set-2025

https://doi.org/10.12707/rvi24.106.38493 

ARTIGO DE INVESTIGAÇÃO (ORIGINAL)

Uso de Metodologias Ativas para o Desenvolvimento da Liderança em Estudantes de Enfermagem: Estudo Qualitativo

Use of Active Methodologies for the Development of Leadership in Nursing Students: A Qualitative Study

Uso de Metodologías Activas para el Desarrollo del Liderazgo en Estudiantes de Enfermería: Estudio Cualitativo

Chennyfer Dobbins Abi Rached1 
http://orcid.org/0000-0002-4499-3716

Márcia Mello Costa De Liberal2 
http://orcid.org/0000-0002-2589-1802

Ariani Aparecida Rodrígues Almeida3 
http://orcid.org/0000-0002-9286-8565

Débora Rodrígues Vaz3 
http://orcid.org/0000-0001-9239-4219

Bruna Franco Massa3 
http://orcid.org/0000-0002-2617-408X

Lucas Cardoso dos Santos3 
http://orcid.org/0000-0002-7337-2759

1 Universidade de São Paulo, Departamento de Orientação Profissional, São Paulo, Brasil

2 Universidade de São Paulo, Universidade Federal de São Paulo, Departamento de Economia, São Paulo, Brasil

3 Universidade de São Paulo, Escola de Enfermagem, São Paulo, Brasil


Resumo

Enquadramento:

Os currículos de licenciatura em Enfermagem devem incluir o desenvolvimento de competências de liderança através de metodologias ativas, preparando os futuros enfermeiros para decisões autónomas, coordenação do cuidado e delegação de tarefas à equipa.

Objetivo:

Conhecer as vivências e perceções de professores quanto à utilização de metodologias ativas para o desenvolvimento da liderança no ensino de licenciatura em enfermagem.

Metodologia:

Estudo qualitativo com 16 docentes do curso de licenciatura em Enfermagem. Os dados foram recolhidos por meio de entrevistas semiestruturadas e analisados segundo Análise de Conteúdo.

Resultados:

Todos os participantes demonstraram conhecer metodologias ativas, sendo a simulação realística a mais conhecida. A discussão em grupo foi a mais utilizada, seguida do estudo de caso, oficinas e aprendizagem baseada em problemas. Contudo, afirmaram não utilizar estas metodologias ativas com o propósito explícito de desenvolver liderança nos estudantes.

Conclusão:

Apesar de os docentes utilizarem diversas metodologias ativas nas unidades curriculares, o seu foco não está direcionado para o desenvolvimento da liderança nos discentes.

Palavras-chave: liderança; bacharelado em enfermagem; educação em enfermagem; currículo

Abstract

Background:

Undergraduate nursing curricula should include the development of leadership skills using active methodologies to prepare future nurses for autonomous decision-making, care coordination, and task delegation within the teams.

Objective:

To explore faculty members’ experiences and perceptions regarding the use of active methodologies for leadership development in undergraduate nursing education.

Methodology:

Qualitative study with 16 faculty members from an undergraduate nursing program. Data were collected through semi-structured interviews and analyzed using the Content Analysis method.

Results:

All participants were familiar with active methodologies, with realistic simulation being the most widely recognized. Group discussion was the most frequently used method, followed by case studies, workshops, and problem-based learning. However, they reported that they did not use these active methodologies explicitly to develop leadership among students.

Conclusion:

Although faculty members use various active methodologies in the course units, they do not focus on developing leadership among students.

Keywords: leadership; education, nursing, baccalaureate; education, nursing; curriculum

Resumen

Marco contextual:

Los planes de estudio de las titulaciones de Enfermería deben incluir el desarrollo de habilidades de liderazgo a través de metodologías activas que preparen a los futuros enfermeros para la toma de decisiones autónomas, la coordinación de cuidados y la delegación de tareas al equipo.

Objetivo:

Conocer las experiencias y percepciones de los docentes sobre el uso de metodologías activas para desarrollar el liderazgo en la docencia del Grado de Enfermería.

Metodología:

Se trata de un estudio cualitativo con 16 profesores del Grado de Enfermería. Los datos se recogieron mediante entrevistas semiestructuradas y se analizaron mediante análisis de contenido.

Resultados:

Todos los participantes estaban familiarizados con las metodologías activas, dentro de las que la simulación realista era la más conocida. La discusión en grupo era la más utilizada, seguida de los estudios de casos, los talleres y el aprendizaje basado en problemas. Sin embargo, afirmaron que no utilizaban estas metodologías activas con el propósito explícito de desarrollar el liderazgo en los estudiantes.

Conclusión:

Aunque los profesores utilizan diversas metodologías activas en las unidades curriculares, no se centran en desarrollar el liderazgo de los alumnos.

Palabras clave: liderazgo; bachillerato en enfermería; educación en enfermería; curriculum

Introdução

No meio académico, a liderança é compreendida como um processo no qual os líderes influenciam seus grupos através do exemplo ou interação, comunicando informações de maneira eficaz, com o objetivo de motivar comportamentos que conduzam a melhores resultados (Rached et al., 2020). Na contexto da Enfermagem, o enfermeiro assume funções de chefia e organização, além de avaliar os serviços de saúde, sendo essencial mobilizar a equipa em torno de objetivos comuns para alcançar melhores resultados. Assim, a competência de liderança revela-se imprescindível para garantir cuidados de qualidade.

No contexto da formação em saúde, o desenvolvimento da liderança enquanto competência é vital para profissionais capazes de tomar decisões assertivas, coordenar equipas e promover mudanças. As Diretrizes Curriculares do Curso de Bacharelado em Enfermagem no Brasil preveem a formação para competências gerais, incluindo liderança e administração (Resolução CNE/CES nº 3, 2001). Assim, é fundamental que a formação de base inclua estratégias educacionais que promovam a liderança desde os primeiros anos.

Os métodos ativos de aprendizagem, como a simulação e a integração entre teoria e prática, são essenciais para o desenvolvimento de competências profissionais. Estes permitem ao estudante vivenciar cenários reais, promovendo o pensamento crítico, a autonomia e a tomada de decisões (Barros et al., 2021). No entanto, apesar da relevância destes métodos, continua a existir uma lacuna significativa na formação em Enfermagem no que diz respeito ao desenvolvimento da liderança como competência (Oliveira et al., 2020; Rached et al., 2022; Siqueira & Rached, 2022). Este défice pode comprometer o trabalho em equipa e a qualidade dos cuidados em saúde (Amaral et al., 2023; Siqueira & Rached, 2022). Assim, torna-se essencial explorar métodos e estratégias de ensino que contribuam para a formação de líderes em Enfermagem, promovendo o aperfeiçoamento do currículo e do ensino da liderança. O objetivo deste estudo é investigar as perceções de docentes sobre o utilização de metodologias ativas no desenvolvimento da liderança no ensino de licenciatura em Enfermagem.

Enquadramento

A liderança tem sido estudada sob diversas perspetivas. Inicialmente, o foco incidia sobre os traços inatos de líderes, conhecido como “abordagem da personalidade” (Barbosa et al., 2021). No períodos pós-guerra, a atenção voltou-se para os padrões de comportamento e os estilos de liderança (Rached et al., 2022). Atualmente, a perspetiva situacional defende que a competência de liderança é influenciada pelas circunstâncias específicas em que o líder atua (Al-Thawabiya et al., 2023), refletindo-se em diferentes estilos de liderança, como transformacional, autocrática, democrática, liberal e transacional.

Os conceitos de liderança envolvem quatro elementos centrais: é um processo, envolve influência, ocorre num grupo e visa alcançar metas com uma visão comum (Cummings et al., 2010). A liderança tem evoluído de um modelo hierárquico para uma abordagem mais colaborativa, centrada no trabalho em equipa, em que o enfermeiro atua como elo entre os membros da equipa. No entanto, a formação de enfermeiros voltada para o desenvolvimento da competência de liderança continua a ser limitada (Oliveira et al., 2020; Santos et al., 2023).

As metodologias ativas têm um potencial transformador no ensino da liderança em Enfermagem, promovendo uma educação emancipadora que favorece a reflexão crítica e a transformação social (Caveião et al., 2018). Revisões de literatura indicam que práticas pedagógicas que evitam o modelo de aulas expositivas tendem a superar a pedagogia passiva, destacando-se a simulação como uma estratégia eficaz para o ensino da liderança (Lins et al., 2018). A simulação estimula os princípios da liderança transformacional e contribui para o desenvolvimento dos estudantes enquanto líderes e membros da equipa, a par de outras estratégias como a aprendizagem baseada em problemas e o uso de filmes (Conrad et al., 2011).

Questão de investigação

Quais as vivências e percepções dos docentes relativamente ao uso de metodologias ativas no desenvolvimento da liderança no ensino de graduação em enfermagem?

Metodologia

Trata-se de um estudo qualitativo (Bosi & Gastaldo, 2021) desenvolvido numa instituição de ensino superior pública estadual, situada na capital do estado de São Paulo, Brasil, que se debruçou sobre os métodos e as estratégias de ensino utilizadas para o desenvolvimento da liderança, bem como sobre o valor atribuído por docentes de um curso de bacharelado em Enfermagem.

O curso de bacharelado em Enfermagem em análise é oferecido desde 1942. O currículo atual está estruturado em ciclos - necessidades, cuidado e prática profissional - compostos por módulos semestrais, com unidades curriculares ministradas por diferentes departamentos e unidades da instituição, em conformidade com as Diretrizes Curriculares Nacionais (Resolução CNE/CES nº 3, 2001). O curso contempla 42 unidades curriculares obrigatórias e 28 optativas, distribuídas por oito semestres, em regime integral, com duração total de 4 anos e uma carga horária de 4.170 horas.

Os participantes da investigação foram os professores coordenadores das unidades curriculares obrigatórias dos três ciclos do currículo. A amostra foi selecionada por conveniência, com base na análise das ementas das unidades curriculares obrigatórias, diponíveis no Projeto Pedagógico da Instituição. Foram consideradas elegíveis as unidades curriculares que mencionavam o uso de metodologias ativas ou que abordavam temas relacionados com a liderança, como moral, ética, sociedade, valores profissionais, comunicação, trabalho em equipa, planeamento e gestão. Unidades curriculares de base, como Anatomia, Biologia Molecular, Bioquímica, Epidemiologia, Estatísticas em Saúde, Microbiologia, entre outras, bem como as opcionais não foram incluídas na análise. No total, foram selecionadas 16 unidades curriculares, com maior representação do ciclo do cuidado (7), seguido do ciclo das necessidades (4) e ciclo da prática profissional (3). Os critérios de inclusão foram ser professor coordenador de uma das disciplinas elegíveis e aceitar participar da investigação. Não foram aplicados critérios de exclusão.

Após a seleção das unidades curriculares, os 16 professores coordenadores foram identificados, sendo um para cada unidade curricular selecionada. Os docentes foram convidados a participar na investigação por meio de mensagem enviada por correio eletrónico, com apoio da coordenação do curso, e todos aceitaram participar, não sendo realizada saturação dos dados. A colheita de dados ocorreu entre os meses de março a agosto de 2022, conduzida pela primeira autora, do género feminino, enfermeira e doutora em Saúde Coletiva com experiência no desenvolvimento de pesquisas qualitativas na área da liderança em enfermagem. Após o envio dos convites, as entrevistas semiestruturadas foram agendadas e realizadas individualmente através de videoconferência (Google Meeting®) e outras ferramentas para comunicação à distância, sendo todas áudiovideogravadas, em data, horário e local escolhidos pelos participantes, sem a presença de outras pessoas no ambiente que pudessem interferir nas respostas. A utilização de um ambiente online foi considerada para facilitar a adesão dos participantes e o agendamento das entrevistas.

Neste estudo, a expertise dos autores, todos enfermeiros com experiência prévia no desenvolvimento de investigação, foi fundamental na elaboração do instrumento, que foi testado por meio de um piloto, sem acréscimo de novas perguntas. O questionário incluiu perguntas para caracterizar os participantes, como o tempo de coordenação da unidade curricular, a carreira docente, o conhecimento, a experiência e as vivências no uso das metodologias ativas para o desenvolvimento da competência de liderança. Em caso de resposta afirmativa, foi questionado se o seu uso tinha como propósito o desenvolvimento da liderança nos estudantes, e qual o tipo de liderança que se pretendia desenvolver, solicitando que discorressem sobre o modelo de liderança mencionado. Também foi questionado sobre a adesão dos docentes à utilização de metodologias ativas nas unidades curriculares coordenadas pelo participante, a necessidade de formação e capacitação docente para o uso dessas metodologias, e, em caso afirmativo, para quais metodologias. Por último, questionou-se quais metodologias ativas o participante considerava viáveis para implementação na sua unidade curricular. A duração média da entrevista foi de 30 minutos. Não houve necessidade de repetir entrevistas, e anotações e impressões foram registadas logo após a colheita de dados. As transcrições foram devolvidas aos participantes para comentários, mas sem alterações nos resultados.

O processamento dos dados foi realizado com o software Atlas.ti, utilizando a Análise de Conteúdo de Bardin (2011) em três etapas, com a participação de todos os autores. Primeiramente, foi feita uma leitura exploratória das transcrições. Em seguida, os textos foram organizados em categorias conforme os seus significados. Por fim, os resultados foram tratados e interpretados. A codificação, baseada nos relatos dos participantes, resultou em duas categorias principais: uso de metodologias ativas e desenvolvimento da liderança. Todos os participantes foram representados em ambas as categorias.

Para garantir o sigilo dos participantes, foi atribuído um código alfanumérico composto pela letra “P” (participante), sucedida de um algarismo quando utilizados excertos oriundos das entrevistas.

O Termo de Consentimento Livre e Esclarecido foi enviado aos participantes por meio de um link para um formulário eletrónico via videoconferência, antes da realização da entrevista. O documento continha informações sobre a participação e a gravação da entrevista. Os arquivos foram armazenados digitalmente pela investigadora principal, que também esclareceu os objetivos da investigação e o caráter voluntário da participação. Não houve conflito de interesses. O estudo foi aprovado pela Comissão de Ética da instituição, sob o número CAAE 35407720.5.0000.5392, em 26 de outubro de 2020, conforme a Resolução n. 466/2012.

Resultados

Participaram desta investigação os 16 professores coordenadores das disciplinas selecionadas, não ocorrendo, portanto, recusas. Relativamente à caracterização profissional dos docentes entrevistados, verificou-se que o tempo médio na coordenação da disciplina foi de 3,92, enquanto o tempo médio como docente na instituição foi de 10,7, e na carreira de docente em geral de 18 anos.

O uso de metodologias ativas

O conhecimento acerca das metodologias ativas foi apresentado a partir de diferentes conceções, abrangendo desde docentes que compreendiam o seu uso e relevância para o processo ensino-aprendizagem, até aqueles com uma compreensão mais limitada. Verificou-se ainda a perceção de que professores com formação docente mais recente tendem a apresentar maior facilidade na sua implementação, especialmente quando detêm formação específica na área de educação.

O uso das metodologias ativas tem ocorrido de forma pontual por parte dos professores nas disciplinas, recorrendo-se a diferentes estratégias, ainda que, por vezes, de forma não intencional e ou sem um planeamento estruturado.

“Atualmente as metodologias ativas são utilizadas pontualmente por alguns professores na disciplina” (P10); “Acredito que muitos docentes utilizam as metodologias ativas, mas não sabem que estão utilizando” (P3); “Talvez estejamos utilizando fragmentos de cada uma, sem seguir a metodologia oficial” (P5).

A simulação realística foi a metodologia ativa conhecida por todos os participantes, seguida da sala de aula invertida, dramatização, discussão em grupos, aprendizagem baseada em equipa e gamificação. Por outro lado, as metodologias menos referidas incluíram narrativas digitais, mapas conceptuais, escape room educacional, estudo de caso, aprendizagem baseada em problemas, oficinas, elaboração de síntese e filmes. No entanto, quando questionados sobre quais metodologias ativas são efetivamente utilizadas nas disciplinas que coordenam, a discussão em grupos surgiu como a mais amplamente aplicada, seguida da dramatização, simulação realística e sala de aula invertida, havendo uma menor representação das narrativas digitais.

Cada docente também respondeu sobre a adesão às metodologias ativas por parte dos demais professores das disciplinas que coordenam. Neste caso, a discussão em grupos, a simulação realística e a dramatização foram as estratégias mais referidas pelos professores coordenadores como tendo boa adesão entre seus pares e com maior viabilidade para implementação.

Os professores, de forma maioritária, reconhecem a importância das metodologias ativas para a formação dos estudantes e afirmam que o corpo docente demonstra disponibilidade para aprofundar os seus conhecimentos e competências no uso dessas abordagens: “Os docentes estão engajados em aprender novas metodologias, porque o perfil de alunos mudou e o ensino não é suficiente somente com as metodologias tradicionais” (P6); “Metodologias ativas são bem-vindas e com preparo dos professores, todas podem ser utilizadas, pois são muito eficientes em possibilitar que os alunos, auxiliados pelos professores, construam seu próprio conhecimento de forma crítica” (P10).

Contudo, percebem inúmeros desafios para a implementação das metodologias ativas, entre os quais destacam-se: o formato do currículo, a ausência de atualização pedagógica para os docentes, a falta de familiaridade com essas metodologias, as limitações do espaço físico das salas de aula, o perfil dos estudantes, a elevada relação entre o número de estudantes matriculados e o número de professores por disciplina, bem como a realização de aulas virtuais síncronas: “Vejo dificuldade em implementá-las em um currículo apertado. Considero necessário rever o currículo da graduação desde o ingresso até o final” (P11); A utilização das metodologias ativas depende do docente estar confortável com aquela disciplina” (P15); É preciso alunos maduros; por isso acredito que os alunos deveriam ter contato com as metodologias ativas antes do ensino superior” (P4).

Quanto à necessidade de formação prévia para a implementação de determinadas metodologias ativas, os professores destacaram com maior frequência a simulação realística, a aprendizagem baseada em equipe, a gamificação, a discussão em grupo, a sala de aula invertida e a dramatização. Relataram ainda uma compreensão limitada de que as metodologias ativas seriam aplicáveis apenas a algumas situações pedagógicas específicas, além de apontarem que os campos práticos de ensino frequentemente não se configuram como cenários propícios para a sua aplicação: “Em disciplinas práticas é difícil aplicar metodologias ativas; as supervisões são muito rápidas” (P8); “A não ser pelos encontros pontuais dos alunos com o supervisor de estágio, não temos muitas oportunidades de aplicação das metodologias ativas” (P1).

O desenvolvimento da liderança pelo discente

Nessa segunda categoria, foi possível identificar que nem todos os professores compreendem os diferentes modelos de liderança, nem utilizam metodologias ativas com o objetivo de desenvolver essa competência.

Apenas sete dos entrevistados conseguiram responder a perguntas relacionadas com os modelos de liderança, e quatro afirmaram já ter utilizado metodologias ativas com o propósito de desenvolver a liderança nos estudantes durante as suas aulas nas disciplinas que coordenam: “Não trabalho o desenvolvimento de liderança na disciplina” (P2).

Apesar do conhecimento e aplicação das diferentes metodologias ativas, conforme mencionado na categoria anterior, os participantes informaram que não as utilizaram com a intenção de desenvolver a liderança nos estudantes: “Embora o desenvolvimento de liderança seja um dos objetivos da disciplina, esta não dispõe de muitas oportunidades de aplicação das metodologias ativas” (P4).

Percebeu-se que a liderança é frequentemente compreendida com um tema a ser abordado apenas pelas disciplinas da área de gestão em Enfermagem: “Precisamos desenvolver mais liderança e não só gestão” (P9); “Acredito que será bem valioso revisitar o planejamento da nossa disciplina e as avaliações dos discentes” (P12).

Apesar da fragilidade nas respostas apresentadas pelos professores, alguns modelos de liderança foram citados, destacando-se a liderança democrática, cogestão, dialógica e participativa: “Buscamos desenvolver todos os tipos de liderança, excepto a autoritária” (P1); “Busco desenvolver um tipo de liderança que combina a linha democrática com a dialógica dos trabalhadores e gestores” (P13).

Os estilos de liderança liberal, baseado em valores e autêntico, foram mencionadas cada um por um docente, e nenhum dos participantes afirmou desenvolver o estilo de liderança autoritária nos alunos.

Discussão

Embora as metodologias ativas estejam presentes no curso de graduação em Enfermagem, a sua aplicação ainda ocorre de forma intencional no desenvolvimento da liderança. Embora muitos professores reconheçam os benefícios dessas metodologias e a necessidade de capacitação, a sua utilização continua limitada. Este cenário é corroborado por Wagner e Filho (2022), que destacam que apenas uma pequena parte dos docentes de Medicina utiliza metodologias ativas, devido à falta de formação adequada. Este cenário evidencia a necessidade de incorporar metodologias ativas na formação docente desde os cursos de especialização, com atualizações contínuas e estruturadas, como sugerem Fieldkircher e Souza (2022). A falta de sistematização destas metodologias limita não apenas o trabalho docente, mas também a avaliação dos resultados obtidos, conforme apontado por Medeiros et al. (2022).

Entre as metodologias mais frequentemente utilizadas estão a discussão em grupos, dramatização, simulação realística, sala de aula invertida e gamificação (Dias et al., 2020). A simulação realística, em particular, tem se mostrado eficaz no desenvolvimento de habilidades essenciais para a liderança em Enfermagem, como o pensamento crítico, a pró-atividade e a resolução de problemas, como observado por Silva et al. (2021). Além disso, abordagens como problematização e simulação têm sido cada vez mais adotadas para promover o desenvolvimento de habilidades de liderança no ensino superior (Varanda et al., 2023). A prática de Enfermagem envolve a gestão eficiente de equipas e a promoção da liderança, o que exige habilidades de colaboração interdisciplinar e comunicação aberta, como destacado por Oliveira et al. (2020).

A falta de capacitação de líderes de Enfermagem, tanto na formação inicial quanto na educação permanente, é um dos principais desafios enfrentados pelos profissionais. Isso impacta diretamente a qualidade do cuidado prestado aos pacientes e a satisfação das equipas de Enfermagem (Mutro et al., 2020). A competência de liderança, essencial para alcançar os objetivos assistenciais, deve ser desenvolvida desde a graduação e continuada ao longo da carreira, por meio de programas de formação específicos (Sousa et al., 2023). A desconexão entre o conteúdo teórico e a prática real, evidenciada por Varanda et al. (2021) e Mutro et al. (2020), aponta para a necessidade de um ensino mais integrado à prática diária dos enfermeiros.

Este estudo contribui para o conhecimento científico ao explorar as metodologias ativas no ensino de liderança em Enfermagem. Embora existam limitações devido à amostra específica, os resultados indicam que existem oportunidades para expandir a investigação, aprofundar a discussão sobre metodologias ativas e enriquecer as diretrizes para o desenvolvimento contínuo da liderança nas instituições de ensino. A reflexão sobre estas limitações poderá oferecer um caminho para a implementação de estratégias mais eficazes, contribuindo para uma formação mais robusta dos futuros profissionais de Enfermagem.

Conclusão

O presente estudo identificou as metodologias ativas utilizadas nas disciplinas do curso de graduação de Enfermagem com foco no desenvolvimento da competência liderança e revelou que, apesar do uso de diferentes estratégias pedagógicas, o desenvolvimento desta competência pelo discente não se apresenta como objetivo explícito das disciplinas. Esta constatação sugere uma oportunidade de alinhar mais claramente as práticas pedagógicas com os objetivos de formação da competência liderança, um aspeto essencial para a prática profissional dos enfermeiros que necessitam não apenas conhecimentos teóricos e técnicos, mas também de habilidades e atitudes de liderança para coordenar equipas, tomar decisões autónomas e promover cuidado de qualidade.

As contribuições e recomendações do estudo residem na importância e necessidade emergente de a temática de liderança ser inserida de forma transversal no currículo dos cursos de Enfermagem, pois observou-se que essa temática é abordada de forma pontual e incipiente. Destaca-se, igualmente, a necessidade de reorientação dos modelos pedagógicos de ensino, da oferta de formação continuada aos docentes, bem como da implementação de processos sistemáticos de avaliação e acompanhamento do ensino-aprendizagem. Tais ações podem contribuir para a formação de profissionais de Enfermagem mais preparados para atuar em ambientes de cuidado dinâmicos, com competência de liderança, entre outras, que impactam diretamente a qualidade do cuidado prestado e o trabalho em equipa.

Dentre as limitações do estudo, destaca-se a não inclusão dos demais professores envolvidos nas disciplinas selecionadas, bem como dos estudantes, o que restringiu a amplitude dos resultados desta investigação.

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13Como citar este artigo: Rached, C. D., Liberal, M. M., Almeida, A. A., Vaz, D. R., Massa, B. F., & Santos, L. C. (2025). Uso de metodologias ativas para o desenvolvimento da liderança em estudantes de enfermagem: estudo qualitativo. Revista de Enfermagem Referência, 6(4), e38493. https://doi.org/10.12707/RVI24.106.38493

Recebido: 25 de Outubro de 2024; Aceito: 16 de Abril de 2025

Autor de correspondência Márcia Mello Costa De Liberal E-mail: m.liberal@unifesp.br

Conceptualização: Rached, C. D., Liberal, M. M., Almeida, A. A., Vaz, D. R., Massa, B. F., Santos, L. C.

Tratamento de dados: Rached, C. D., Almeida, A. A., Vaz, D. R., Massa, B. F., Santos, L. C.

Análise formal: Rached, C. D., Almeida, A. A., Vaz, D. R., Massa, B. F., Santos, L. C.

Investigação: Rached, C. D., Almeida, A. A., Vaz, D. R., Massa, B. F., Santos, L. C.

Metodologia: Rached, C. D., Almeida, A. A., Vaz, D. R., Massa, B. F., Santos, L. C.

Administração do projeto: Rached, C. D.

Software: Rached, C. D., Almeida, A. A., Vaz, D. R., Massa, B. F., Santos, L. C.

Supervisão: Rached, C. D.

Validação: Rached, C. D.

Visualização: Rached, C. D., Almeida, A. A., Vaz, D. R., Massa, B. F., Santos, L. C., Moreira, A. C.

Redação - rascunho original: Rached, C. D., Liberal, M. M., Almeida, A. A., Vaz, D. R., Massa, B. F., Santos, L. C.

Redação - análise e edição: Rached, C. D., Liberal, M. M., Almeida, A. A., Vaz, D. R., Massa, B. F., Santos, L. C.

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