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Psicologia
versão impressa ISSN 0874-2049
Psicologia vol.12 no.1 Lisboa jan. 1998
https://doi.org/10.17575/rpsicol.v12i1.570
Factores sociais na percepção de riscos
Social factors affecting risk perception
Maria Luísa Lima*
*Professora no Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa, Lisboa.
RESUMO
Neste texto procura-se fazer uma introdução a uma área de estudos relativamente recente nas ciências sociais: a percepção de riscos, tentando-se em primeiro lugar caracterizar o objecto deste domínio de investigação e diferenciá-lo da abordagem do risco pelas ciências naturais. Analisam-se em seguida, num breve resumo histórico, as diversas tendências que, agora dentro da psicologia, se têm interessado por este tema. Finalmente, na última parte do texto, defende-se a necessidade de uma abordagem psicossociológica da percepção de riscos.
Tal abordagem permite considerar, na compreensão das estimativas de probabilidade que os indivíduos fazem dos riscos a que estão sujeitos, dois aspectos fundamentais: (1) o contexto social em que estas estimativas são produzidas e (2) as funções individuais destas estimativas. Para ilustrar esta perspectiva apresentam-se resumidamente resultados de pesquisas que mostram como a diversidade do risco subjectivo pode ser explicado por factores de ordem individual (manutenção da saúde mental em condições de ameaça crónica), factores de ordem interpessoal (envolvimento amoroso), factores de ordem grupal (normas e crenças grupais) e factores de ordem ideológica.
Palavras-chave: percepção de riscos; factores sociais; níveis de análise.
ABSTRACT
This article is an introduction to a recently developed area in social Sciences: risk perception. First of all a characterisation of this area of research is presented, as opposed to the conception of risk by the natural Sciences. Then, a brief historical review of the different approaches to this field in psychology is presented. Finally, in the last part of the text, a social psychological approach to the issue of risk perception is advanced. Such an approach allows a more comprehensive understanding of the way lay people estimate the probabilities of different hazards, considering (1) the social context in which risk estimates are produced and (2) the individual functions of those estimates. To illustrate this approach, several pieces of research are presented showing that the variability of subjective risk can be explained by individual factors (the need to maintain mental health under continuous threat), interpersonal factors (love commitment), group factors (group identity, group norms and group beliefs) and ideological factors (political identity).
Perspectivas dos leigos e dos especialistas sobre a percepção de riscos
A questão dos riscos ambientais tem, nos últimos anos, constituído uma área importante de debate tanto ao nível do público, como da própria comunidade científica. Este texto pretende descrever e sistematizar a forma como este tema tem sido abordado nas ciências sociais e especificamente na área da Psicologia. Pretende-se ainda ilustrar, com pesquisas realizadas em Portugal, como esta temática pode ser abordada na perspectiva da psicologia social.
Por "percepção de risco" entende-se a forma como os não especialistas (referidos frequentemente como leigos ou público) pensam sobre o risco, e inclui um conjunto de crenças e valores que dão significado a um acontecimento ameaçador (Pidgeon et al., 1992). Como se acrescenta percepção à palavra risco, fica de algum modo implícito que este existe, de uma forma mais objectiva, para além do modo como é percebido. E há, de facto, uma outra área de investigação, conhecida por "avaliação do risco", na qual as ciências naturais têm desenvolvido instrumentos e modelos para .determinar os níveis de risco objectivo a que as populações estão sujeitas. Assim, risco percebido e percepção do risco referem-se à perspectiva dos leigos sobre esse mesmo risco e que é estudada pelas ciências sociais, enquanto o risco objectivo e a avaliação do risco se referem às características dos acontecimentos e são estudadas pelas ciências naturais. O problema é que frequentemente os resultados da avaliação dos riscos são completamente diferentes dos da percepção do risco. Por exemplo, os resultados dos estudos de avaliação de riscos mostram que os riscos associados a uma central nuclear ou a uma incineradora são extremamente baixos, mas os estudos de percepção de risco mostram que os mesmos riscos são vistos pelas populações que vivem nos locais próximos a estes empreendimentos como assustadores e inaceitáveis. Por outro lado, os riscos associados a sismos ou ao tabaco são descritos como muito elevados pelo mesmo tipo de metodologias de avaliação, mas desprezados pelo público, que resiste a ser envolvido em projectos de prevenção. Trata-se, portanto, de casos em que há uma grande diferença entre os chamados riscos objectivo e subjectivo: nos primeiros casos, os leigos, em comparação com os especialistas, sobreavaliam os riscos, e nos segundos casos subavaliam-no.
O estudo da controvérsia entre especialistas e leigos não é novo na psicologia social. Tanto no âmbito das teorias implícitas da personalidade (Chapman e Chapman, 1982), como ainda das representações sociais (Moscovici, 1961) esta questão tem sido frequentemente levantada. Contudo, nestes casos mais clássicos, a pesquisa mostra que existe uma apropriação dos conceitos técnicos pelos leigos, ou uma indiferenciação entre as posições de técnicos e leigos, o que permite a comunicação entre indivíduos, uma vez que a mesma palavra se refere a conceitos semelhantes.
No caso do risco, os especialistas e o público estão a falar de objectos completamente diferentes quando usam essa palavra. Tomemos como exemplo o caso do risco de rebentamento de uma barragem. Quando os engenheiros hidráulicos o calculam, procuram chegar a uma estimativa da probabilidade do rebentamento de uma barragem a partir de parâmetros como a sua idade, o material de construção, a probabilidade de ocorrência de um sismo ou de uma cheia superior à capacidade de armazenamento da barragem, etc. (Viseu, 1996; Almeida et al., 1997); isto é, preocupam-se com os acontecimentos que podem provocar o rebentamento da barragem. Mas quando pedimos às pessoas para falarem sobre esse risco, elas não se centram nas causas, mas pensam nas consequências: visualisam a onda de cheia que a barragem provocaria, a destruição e as mortes que faria no seu caminho (Lima, 1997a). Por isso, não estão a falar do mesmo acontecimento: os especialistas mostram-se preocupados com as causas de um acidente, enquanto as populações se preocupam com as suas consequências.
É muito importante ter presente esta diferença quando estamos a lidar com o tema do risco, porque é um direito dos cidadãos serem informados sobre os riscos que correm, mas as mensagens que satisfazem os especialistas não respondem às questões importantes para as populações, uma vez que os resultados da avaliação de riscos é resumida numa probabilidade de ocorrência extremamente baixa. Nos anos 70, alguns autores (Sowby, 1965; Cohen e Lee, 1979) tentaram produzir comparações entre riscos, de forma a tornar mais compreensível para o público em geral os valores envolvidos nos resultados da avaliação desses riscos. Por exemplo, mostraram que o risco de morte associado a andar uma hora de motorizada é o mesmo do que ter 75 anos durante uma hora, mas este tipo de comparações também não se mostrou muito útil porque compara acontecimentos que não são cursos de acção alternativos e, deste modo, também não fazem sentido as pessoas a quem era dirigido. Deste modo, a grande questão no debate entre especialistas e leigos a propósito do risco é, de facto, como é que podem comunicar entre si sobre temas tão importantes como a saúde ou a morte (Lima, 1997).
A psicologia e o estudo do risco
Após esta clarificação sobre o tema do risco, gostaria de situar a Psicologia neste debate e caracterizar as diferentes formas como os psicólogos têm conceptualizado o risco.
A primeira área da Psicologia envolvida nesta questão foi a psicologia cognitiva. A pesquisa sobre a tomada de decisão esteve dominada durante muitos anos por paradigmas com origem na economia e que prescreviam normativamente a melhor forma de optar por um curso de acção. A teoria da utilidade esperada (Von Neumann e Morgenstern, 1947) e a sua extensão, a teoria da utilidade subjectiva esperada (Savage, 1954), eram as duas grandes referências para a tomada de decisão racional. Resumidamente propõem que para decidir entre diferentes alternativas de acção é necessário: 1) listar as diferentes alternativas disponíveis; 2) para cada acção, listar todas as suas consequências; 3) para cada consequência avaliar a sua utilidade (grau de atracção ou de evitamento associado à sua ocorrência) e a sua probabilidade subjectiva (a probabilidade de ocorrência uma vez a acção tomada); 4) calcular a utilidade subjectiva de cada consequência multiplicando a probabilidade subjectiva pela utilidade; e 5) somar todas as utilidades subjectivas das consequências para cada curso de acção para obter a sua utilidade subjectiva esperada. A opção com valores mais elevados seria a mais recomendável, mas este modelo racional de tomada de decisão tem-se mostrado fraco preditor das tomadas de decisão humanas, e os psicólogos cognitivos tentaram contribuir para compreender porquê. O importante programa de pesquisas desenvolvido por Tversky e Kahneman nos anos 70 (Tversky e Kahneman, 1971, 1974; Kahneman e Tversky, 1972, 1973) mostrou que normalmente avaliamos probabilidades utilizando heurísticas ou atalhos que por vezes enviesam o resultado final da estimativa. Por exemplo, tendemos a sobrestimar a probabilidade de ocorrência de acontecimentos que experienciámos recentemente, os quais são fáceis de imaginar e de lembrar (e. g., Lichenstein et al., 1978) heurística da disponibilidade; tendemos a ignorar as probabilidades anteriores dos acontecimentos e a dimensão das amostras em que baseamos as nossas avaliações heurística da representatividade.
A consequência da utilização destas heurísticas é que obtemos estimativas de probabilidades de acontecimentos que estão por vezes incorrectas, mas que nos permitem ultrapassar falhas de informação e tomar decisões na vida de todos os dias. Esta visão da cognição humana teve claras consequências na análise da forma como os leigos pensam acerca dos riscos: sendo a avaliação de probabilidades um conceito-chave na avaliação de riscos, a perspectiva destes autores mostra que os não especialistas reduzem esta tarefa complexa a uma avaliação simples, chegando a resultados que são enviesados de forma previsível (Slovic et al., 1974). Esta abordagem da forma como os leigos pensam o risco encontra-se, portanto, ainda muito enquadrada num quadro referencial normativo: supõe-se ser possível avaliar os riscos de forma exacta, mas a mente humana nem sempre faz esta avaliação da forma mais correcta.
Um grupo de investigadores na área dos processos de decisão tentou analisar a forma como as pessoas pensam nos riscos que correm, mas recorrendo a dimensões mais qualitativas (e mais próximas da maneira como os leigos se referem aos riscos) em vez do habitual recurso à estimativa de probabilidades. Esta perspectiva é conhecida por perspectiva psicométrica ou por percepção de riscos, e foi inaugurada com a publicação de um estudo em que Fischhoff, Slovic e Lichenstein (1978) pediam a sujeitos a avaliação de uma série de tecnologias em dimensões como o grau de conhecimento existente sobre a tecnologia, o controlo percebido sobre a ameaça, a voluntariedade da exposição, etc. Este estudo foi depois replicado pelos mesmos autores (Slovic et al, 1980; Slovic, 1987) e repetido um pouco por todo o mundo (Keown, 1989; Gardner & Gould, 1989; Bastide et al., 1989; Vlek e Stallen, 1981; Lima, 1994), mostrando um padrão semelhante de resultados: os leigos classificam os riscos que correm de forma previsível, e que se podem resumir com recurso a três grandes dimensões: a primeira opõe riscos incontroláveis e fatais e riscos controláveis e com consequências menos graves; a segunda opõe riscos vistos como desconhecidos, com efeitos invisíveis e a longo prazo, a riscos mais familiares e com consequências visíveis a curto prazo; e, por fim, a terceira dimensão prende-se com o número de pessoas expostas a este risco.
O trabalho deste grupo de autores foi muito importante por diversas razões. Em primeiro lugar, mostrou que é possível quantificar e prever a forma como os cidadãos pensam sobre o risco e, partir desta altura, podemos dizer que a concepção de risco pelo público passou a ser vista de uma forma mais respeitável: nem a consequência de formas irracionais de pensamento, não era apenas resultado de um défice ou de um erro do nosso processamento cognitivo, mas passou a ser considerada como um tipo particular de cognição só compreensível numa estrutura multidimensional (contrariamente à concepção dos de risco especialistas, que é unidimensional). Contudo, se a abordagem do risco percebido pela perspectiva psicométrica permite reconsiderar as diferenças entre a perspectiva dos técnicos e dos leigos, centra-se também numa simplificação das posições do público, eliminando ou iludindo a diversidade dos posicionamentos dos diversos grupos de indivíduos. De facto, a própria consistência da estrutura da percepção de riscos encontrada nos muitos estudos realizados nesta área conduz quase necessariamente à ideia de que as tecnologias e os perigos são acontecimentos exteriores aos indivíduos e que têm características percepcionadas de forma consensual.
A fase seguinte dos trabalhos na área da percepção de riscos aparece no que se tem vindo a estruturar como a psicologia da saúde, mas que começou por ser apenas o estudo dos comportamentos de risco. A questão em estudo prende-se com a articulação entre a percepção de riscos e os comportamentos de prevenção. Vários modelos teóricos tentaram relacionar os dois conceitos, alguns provenientes da psicologia social (a teoria da acção reflectida de Fishbein e Ajzen, 1975; a teoria do comportamento planeado de Ajzen, 1987) e outros de áreas de pesquisa mais aplicada (o modelo das crenças de saúde de Becker et al., 1975; ou a teoria da motivação para a protecção de Rogers, 1983), mas nenhuma encontra uma relação directa entre as duas. Os diversos modelos incluem também a importância dos benefícios percebidos, do controlo percebido ou da percepção de auto-eficácia como moderadores da relação entre as cognições associadas aos riscos e as intenções comportamentais. Mas o aspecto desta linha de pesquisa que gostava de salientar aqui prende-se com a constatação de uma enorme variabilidade na percepção dos riscos associados a um acontecimento específico. Contrariamente à estrutura consistente de resultados encontrados com o paradigma psicométrico, os trabalhos sobre os comportamentos de prevenção mostram que, quando nos centramos sobre um risco específico (Sida, cancro, sismos, etc.), obtemos uma enorme variabilidade na forma como ele é percepcionado.
E é realmente neste ponto que a psicologia social começou a estudar a percepção de riscos, considerando as estimativas de risco (tanto produzidas por especialistas como por leigos) como construções sociais. Neste âmbito, podemos dizer que a psicologia social está alguns anos atrasada relativamente a outras ciências sociais que, com os trabalhos de Mary Douglas e Aaron Wildawsky (1982), salientam a importância da identificação dos riscos como uma forma de preservação das sociedades e dos grupos, e, portanto, como um fenómeno eminentemente social e cultural. Em sociedades complexas como a nossa, identificam diferentes tipos de organizações com visões do mundo ou racionalidades compatíveis com os seus objectivos. Cada um destes tipos de organizações, para garantir a sua continuidade e preservar os seus valores, seleccionaria riscos diferentes como os mais ameaçadores. Por exemplo, em organizações de tipo burocrático os riscos mais temidos seriam os que pudessem pôr em risco a ordem social (crime, terrorismo, por exemplo), enquanto uma racionalidade igualitária se protegeria de riscos que pudessem ameaçar a população em geral, tal como são em geral as ameaças ambientais (diminuição da camada de ozono, poluição, etc.).
Uma psicologia social da percepção do risco
Ao nível da psicologia social, apenas alguns investigadores entraram claramente na área da percepção de riscos. Na Europa podemos referir os trabalhos de Eiser, Van der Pligt e Spears (1979; Van der Pligt et' al., 1986; Van der Pligt, 1985, 1992) sobre a energia nuclear e alguma da pesquisa sobre a Sida. Glynnis Breakwell (1996) propôs recentemente um quadro conceptual para entender a percepção de riscos no âmbito dos significados socialmente construídos e partilhados acerca do ambiente. Na sua perspectiva, desde a fase da identificação (pelos técnicos) de uma substância como potencialmente perigosa até à estabilização de uma percepção de risco pelo público, podemos ver um processo social em acção. Qualquer destes autores que referi situam a investigação no âmbito da percepção do risco numa perspectiva claramente psicossocial. Isto é, consideram explicita ou implicitamente que a percepção de riscos não pode ser compreendida sem considerarmos a sua associação com outras representações significativas para os sujeitos e sem considerarmos também o posicionamento social desses mesmos actores sociais. Embora esta perspectiva não tenha ainda um grande apoio empírico, centra-se num ponto que fica muitas vezes esquecido quando se aborda a questão da percepção do risco: o contexto social em que ele é produzido.
Há, no entanto, um outro aspecto que, na minha opinião, não deve ser esquecido neste domínio de investigação: o medo. O conceito de risco percebido é tradicionalmente concebido numa perspectiva cognitiva. Contudo, e ainda na minha opinião, a percepção de riscos tem muito mais a ver com medo do que com uma estimativa correcta de probabilidades. As dimensões clássicas encontradas nos estudos psicométricos sobre a percepção de riscos (controlabilidade, nível de conhecimento) podem ser facilmente identificadas na literatura sobre stress (e. g., Lazarus e Folkman, 1984). Deste modo, para além de uma visão mais social da percepção dos riscos, tentarei mostrar na terceira parte deste artigo a importância dos esforços individuais de gestão da ameaça, que leva frequentemente a estratégias de minimização do risco.
Assim, na última parte deste trabalho irei apresentar brevemente alguns trabalhos que se enquadram claramente numa abordagem psicossocial da percepção do risco e que ilustram os dois pressupostos que defini atrás: 1) as estimativas subjectivas de risco só podem ser compreendidas no quadro do contexto social dos indivíduos; e 2) para além destas funções sociais, as estimativas de risco também servem funções individuais. Como a questão que me ocupa se prende com diferentes tipos de explicação para a variabilidade da percepção do risco, organizarei a apresentação que se segue de acordo com os níveis de explicação em psicologia propostos por Willem Doise (1982).
Factores intrapessoais na percepção do risco
O primeiro grupo de pesquisa que vou referir prende-se com a relação entre o risco objectivo e subjectivo, e pretende mostrar a importância dos factores individuais na percepção de riscos. Alguns dos estudos que desenvolvemos nos últimos anos centraram-se exactamente em riscos muito bem descritos em termos objectivos: o risco sísmico e o de rebentamento de barragens. Em ambos os casos, os especialistas desenvolveram modelos intensivos de avaliação de riscos e estabeleceram áreas físicas com diferente probabilidade de ocorrência de um desastre. Usando estes dados, pretendemos analisar a correspondência entre o risco percebido e o objectivo: será possível encontrar uma relação directa entre os dois? Será possível manter a saúde mental e aceitar viver em ambientes que representam uma ameaça constante?
Num dos estudos que realizámos com estudantes universitários (Lima, 1994, 1997b), comparámos a percepção do risco sísmico em duas áreas com diferentes probabilidades objectivas de ocorrência de um tremor de terra. Verificámos que na zona de maior risco objectivo (Açores) havia uma maior consciência da ameaça do que na zona de menor risco sísmico (Lisboa), e deste modo existia uma boa correspondência com o risco objectivo. No entanto, os mesmos sujeitos que manifestavam uma maior consciência da ameaça viam o risco sísmico como mais controlável e conhecido pelas populações e pelos cientistas, percebiam maiores níveis de auto-eficácia na minimização dos efeitos de um sismo e manifestavam-se mais optimistas quanto à sua ocorrência no futuro.
Noutro estudo (Lima, 1997a), entrevistámos indivíduos residentes no Algarve, em zonas de risco no caso do rebentamento de um conjunto de barragens existentes no rio Arade. Neste caso, quanto mais próxima a casa estiver da barragem, maior o risco objectivo a que o residente está exposto, uma vez que o tempo de aviso é muito baixo. Neste estudo, tal como para o caso dos sismos, verificámos que a exposição a um maior risco objectivo (viver muito perto da barragem) estava associada a uma maior consciência da ameaça e a uma menor estimativa da probabilidade de rebentamento da barragem.
Contudo, em qualquer dos dois estudos podemos argumentar que as amostras expostas a diferentes níveis de risco têm muitas outras diferenças, nomeadamente ao nível cultural: os Açores são muito diferentes de Lisboa, uma zona rural no interior do Algarve é muito diferente de Portimão, etc. No entanto, um estudo realizado por Sílvia Silva (1997; Silva e Lima, 1997), apresentado com maior detalhe neste número da revista, vem exactamente esclarecer esta dúvida. No seu trabalho, a autora utilizou residentes de uma mesma cidade que estavam expostos a diferentes níveis de risco de rebentamento de barragem (a zona mais elevada da cidade de Silves não ficará inundada, enquanto a zona ribeirinha corre riscos graves). Neste estudo, encontra-se o mesmo padrão de resultados: os residentes em zonas de alto risco manifestam níveis mais elevados de optimismo e uma maior percepção de controlo de que os moradores da zona mais segura.
Este conjunto de resultados mostra que os níveis elevados de ameaça são concomitantes com estratégias cognitivas de minimização do risco e do seu impacte. Interpretámos estes resultados no quadro do modelo da adaptação cognitiva proposto por Shelley Taylor (1983, 1989; Taylor e Brown, 1988, 1994) para compreender as respostas cognitivas a ameaças. Este modelo teórico propõe que o bem-estar pessoal e a saúde mental dependem em grande parte da percepção de controlo sobre o meio, de uma visão positiva do próprio e de uma perspectiva optimista sobre o futuro, e que estas percepções são, em muitos casos, ilusórias. Em condições de consciência da ameaça pessoal, tais ilusões cognitivas tornar-seiam mais salientes e permitiriam gestão da situação através da percepção de um aumento dos recursos pessoais e da diminuição do risco percebido. Assim, a minimização deste risco percebido pode ser entendida como uma estratégia de sobrevivência psicológica a situações de ameaça continuada, modelo que tem sido preferencialmente aplicado na área da saúde. Contudo as hipóteses deste modelo não se limitam a este tipo de aplicações e, no âmbito da psicologia do ambiente, esta perspectiva de explicação intra-individual tem-se mostrado heurística (e. g., Lehman e Taylor, 1987).
Factores interpessoais na percepção do risco
Para além desta necessidade individual de gestão da ameaça que se manifesta na diminuição do risco percebido, os factores interpessoais também têm um papel importante nas estimativas de risco. O conjunto de investigações analisam o efeito do amor nas nossas visões do risco. Centrámo-nos num a que se expõem as pessoas apaixonadas e jovens: o risco de Sida. Carla Costa (1997), num trabalho que também está apresentado num artigo desta revista, mostrou que a percepção de vulnerabilidade à Sida estava inversamente relacionada com a confiança na relação e no parceiro: quanto maior a confiança no parceiro, menor a percepção de vulnerabilidade à Sida. Mas no seu estudo não compara directamente a percepção de vulnerabilidade à Sida para o próprio e o parceiro, e por isso realizámos um outro estudo em que essas comparações fossem possíveis. Pedimos a 142 estudantes universitários, dos quais 63 estavam envolvidos em relações amorosas, para avaliarem essa relação (nas dimensões de intimidade, paixão e compromisso) e também a probabilidade de contrair Sida (numa escala de O=probabilidade de 0%; a 100=probabilidade de 100%) relativamente a si próprio e a uma série de outros alvos. Olhando para os resultados da totalidade da amostra, encontramos o padrão típico do optimismo irrealista: o próprio é visto como aquele que tem menos probabilidade de contrair a doença, enquanto os chamados grupos de risco são vistos como os mais vulneráveis (figura 2).
Mas quando dividimos os resultados da amostra em dois subgrupos (os que vivem relações apaixonadas e os que, embora estejam a viver uma relação amorosa, a consideram menos intensa) o padrão de resultados modifica-se. Em primeiro lugar, os indivíduos envolvidos em relações menos apaixonadas mantêm o mesmo padrão de se considerarem a si próprios como menos vulneráveis à Sida (M=25,5) do que o parceiro (M=28,9), enquanto os envolvidos em relações mais apaixonadas consideram estas probabilidades menos elevadas e vêm o seu parceiro como mais seguro (M=16,7) do que o próprio (M=17,0) (Ftipo de relação (1;63)=4,82, p<0,03; Falvo (1;63)=2,72, p<0,10; Falvoxrelação (1;63)=3,62, p<0,06). O segundo resultado interessante é que as pessoas envolvidas em relações apaixonadas tendem a sobrestimar os riscos quando o alvo é geral (população em geral, estudantes, pessoas da mesma idade, heterossesuais, homossexuais, etc.) e a minimizar os riscos quando o alvo é alguém particular (o próprio, o parceiro, o melhor amigo) comparativamente com os indivíduos envolvidos em relações menos intensas. Estes resultados mostram a importância dos factores interpessoais na avaliação de riscos. No caso particular em estudo, a paixão, produzindo uma avaliação particularmente favorável da pessoa amada, induz também a uma percepção dela como segura relativamente à Sida, mais segura até do que o próprio sujeito. Deste modo, podemos compreender que a utilização de preservativos possa ser considerada dispensável. Factores grupais na percepção do risco Vamos agora avançar mais uma etapa no modelo e considerar os efeitos das variáveis de grupo na percepção de riscos. Noutro estudo que realizámos numa região sísmica (Lima, 1994, 1997b) mostrámos que as imagens associadas aos tremores de terra são modificadas pela identificação social com a região. Neste estudo os sujeitos (estudantes da Universidade dos Açores) faziam uma associação livre à palavra "sismo" e completavam uma escala sobre o seu nível de identificação com os Açores. Todos os sujeitos açorianos tinham já experiência de sismos, e as suas associações eram, portanto, muito vívidas e concretas, Mas os indivíduos com níveis baixos de identidade local (os que não gostavam de viver nos Açores, que não se identificavam com a sua cultura e que tencionavam sair destas ilhas quando acabassem o curso) falavam dos sismos de forma fortemente emocional e negativa (associando-os a palavras como doenças, sangue, medo e morte), enquanto os mais identificados com a região focalizavam-se mais nos factos e as suas imagens de sismos tinham um carácter mais objectivo, escondendo assim as características mais emocionais e negativas do desastre (associavam sismo a palavras como ambulância, reconstrução, solidariedade e ajuda). Interpretámos estes resultados como uma ilustração do efeito da identidade local na conotação do desastre: os sujeitos que apresentam uma fraca identidade local atribuem um significado negativo, que se traduz num discurso muito emocional e paralisante, enquanto os indivíduos com uma forte identidade local, embora não vejam os sismos de forma positiva, relacionam-no com a acção posterior de ajuda, eliminando assim o seu conteúdo ansiogénico. Esta diferença de imagens associadas aos sismos vem mostrar que mesmo um desastre tão consensualmente negativo como é um terramoto pode ser percepcionado de forma diferente de modo a apoiar uma estratégia cognitiva de manutenção de uma identidade social positiva. Num outro estudo realizado por Rita Machado (1997), e também relatado neste número da revista, a autora mostra como um outro tipo de identidade social a identidade organizacional se associa à percepção do risco de despedimento. Neste estudo, os sujeitos que estavam mais identificados com a empresa onde trabalhavam percebiam-se com mais recursos pessoais face ao despedimento do que os seus colegas com menor identidade organizacional, e deste modo apresentavam uma menor percepção do risco de despedimento. Contudo, as variáveis grupais que influenciam a percepção do risco não se resumem apenas à que analisámos a identidade social. As estimativas de risco fazem sentido nos quadros de referência dos indivíduos e no âmbito das categorias subjectivas em que se incluem. Nesta perspectiva, a percepção de riscos é o resultado de um esforço partilhado com outros para dar sentido ao mundo em que vivemos. Alguns outros resultados empíricos permitem-nos ilustrar este ponto. Num estudo acerca das atitudes face à construção de uma central de incineração de resíduos sólidos urbanos (Lima, 1996b), e na linha dos resultados obtidos por Eiser, Van der Pligt e Spears (1979), verificámos que os residentes na área próxima da construção da incineradora e que estavam a favor deste projecto tinham uma avaliação do risco da incineradora muito diferente do dos que estavam contra: estes últimos consideravam os riscos associados ao projecto como mais assustadores e incontroláveis do que os que eram a favor. Mas ambas as posições ao nível da percepção do risco estavam sustentadas por crenças diferentes acerca das consequências do projecto (expectativas) e diferentes valores atribuídos a estas consequências. Os benefícios eventuais do projecto (mais empregos, mais estradas, economia local mais forte, etc.) eram vistos pelos indivíduos favoráveis ao projecto como muito prováveis e muito importantes, enquanto os indivíduos que lhe eram contrários as viam como menos prováveis e menos importantes. Acontecia o contrário para as eventuais consequências negativas (ou custos) do projecto (poluição do ar, barulho, menor qualidade de vida, etc.): enquanto os indivíduos com uma atitude negativa face à incineradora as viam como consequência prováveis e importantes, os que eram favoráveis ao projecto minimizavam a sua importância e consideravam-nas como menos prováveis (quadro 1). Tanto os efeitos de minimização como os de acentuação do risco estavam sustentados por um conjunto forte de crenças diferentes. A acentuação do risco é apoiada por uma centração nos custos do projecto, enquanto a minimização é sustentada por uma focalização nos benefícios. Estes resultados mostram que a percepção de risco não é um tipo de cognição isolada ou uma estimativa de probabilidades feita num vacuum de acontecimentos neutros, mas antes apoiada por um conjunto de crenças que a tomam significativa e resistente à mudança. Contudo, as percepções de risco também podem ser usadas no contexto claro da competição intergrupal. Um estudo realizado recentemente por Alexandra Marques Pinto (1998) centra-se exactamente neste tipo de interpretação para a vulnerabilidade percebida no desgaste profissional (burnout) dos professores. Cerca de 900 docentes do ensino secundário responderam a um questionário onde avaliavam a probabilidade de diferentes alvos terem um esgotamento. Os resultados gerais mostram que este fenómeno é claramente visto como uma doença profissional, uma vez que é considerado como muito mais provável nos professores (M=53 / l%) do que nas pessoas em geral (M=35,7%), sendo, como é habitual neste tipo de estudos, o risco do próprio visto como muito baixo (35,4%). Mas quando vamos analisar as diferenças por grupos percebemos que há uma competição intergrupal pela vitimização: os professores provisórios consideram que têm maior probabilidade de ter um esgotamento do que os definitivos, e os definitivos consideram que têm maior probabilidade de ter um esgotamento do que os provisórios (Finteracção (1;616)=19,75; p<0,0001); os docentes em início de carreira julgam este grupo mais vulnerável ao esgotamento do que o grupo dos professores mais experientes, enquanto os que têm mais anos de ensino se consideram mais em risco comparativamente com os colegas com menos experiência (Finteracção (4;1578)=12,54; p<0,0001); e passa-se o mesmo com os professores mais velhos comparativamente com os mais novos, e até por grupo disciplinar. A percepção de risco aparece aqui como uma forma de competição pela vitimização do seu grupo (não da sua pessoa), e estes resultados só são compreensíveis à luz de conflitos entre grupos de docentes. De facto, os resultados dos grupos de discussão constituídos por professores sobre este tema (Pinto, 1997) permitiram à autora compreender que é comum entre eles associarem o desgaste profissional ao empenhamento profissional e, portanto, ao afirmarem que o grupo a que pertencem tem mais probabilidades do que os outros de ser vítima de burnout estão a dizer que o seu grupo é composto por pessoas mais empenhadas e preocupadas com os alunos. Neste sentido, as avaliações de risco só fazem sentido se as enquadrarmos no contexto intergrupal onde se inserem os sujeitos. Factores ideológicos na percepção de riscos O último nível de explicação no modelo proposto por Willem Doise refere-se às explicações de nível ideológico, e neste âmbito um estudo realizado recentemente por Paula Castro (Castro e Lima, 1998) parece-me particularmente ilustrativo na medida em que tenta caracterizar os factores ideológicos que influenciam a cognição ambiental. Embora este trabalho não se centre na percepção do risco, a autora descreve duas formas completamente diferentes de conceber o ambiente, que são apoiadas por identidades sociais, valores sociais e visões da ciência diferentes. De acordo com os seus resultados, a uma representação da natureza como algo de frágil, com um equilíbrio delicado e facilmente perturbado, está associada uma forte crença em valores ambientalistas (comunhão com a natureza, conservação das paisagens, por exemplo), a identificação com o grupo dos activistas ambientais e uma visão da ciência como socialmente construída e culturalmente determinada. Uma outra visão da natureza salienta as capacidades humanas para dominar as forças naturais e para gerir eventuais problemas ambientais. Esta última visão da natureza está associada ao apoio a valores sociais mais tradicionais e egoístas (sucesso, poder, ambição), a identificação com grupos políticos de direita e uma visão mais positivista da ciência. Pensamos que, apesar de esta perspectiva não ser explorada pela autora, os indivíduos que partilham uma visão da natureza como delicada tenham maior percepção de risco associada a quase todas as actividades tecnológicas e humanas, comparativamente com os que manifestam uma maior confiança no engenho humano. Esta perspectiva acentua então a importância de factores de nível ideológico na compreensão da percepção de riscos. A articulação entre diferentes níveis de análise As investigações que resumimos acima salientam a pertinência dos diversos níveis de explicação em psicologia para a compreensão das variações na percepção de riscos. Mas como é que estes diferentes níveis de explicação se inter-relacionam? Também desenvolvemos alguns estudos para tentar compreender essa articulação. Vimos já que a minimização do risco está associada a uma estratégia de auto-valorização e de autoprotecção em situação de ameaça (nível de explicação intra-individual). Procurámos perceber o que acontece quando negamos aos sujeitos a possibilidade de usarem esta estratégia numa situação de ameaça. No caso de ameaças incontroláveis, alguns autores (Rothbaum et al, 1982) já descreveram um padrão de percepção de controlo secundário das mesmas ameaças. A confiança noutros mais poderosos ou na sorte pode ser vista como uma estratégia para reencontrar um sentimento de domínio sobre o ambiente. Noutro conjunto de pesquisas que também se centrava sobre o risco sísmico (Lima, 1994, 1996a), mostrámos que a saliência do carácter incontrolável da ameaça activava automaticamente cognições de controlo secundário com significado e génese social (crenças de controlo religioso, por exemplo). Nesses estudos, manipulava-se experimentalmente a saliência da ameaça incontrolável. Os sujeitos na condição experimental viam um pequeno vídeo de três minutos sobre terramotos (testado anteriormente para provocar medo e a percepção de vulnerabilidade pessoal), enquanto os que estavam na condição controlo não viam o filme. A variável dependente neste estudo era a activação de um esquema de controlo secundário, avaliada através de uma tarefa computadorizada de localização de uma palavra no ecrã. Pedia-se aos sujeitos que carregassem o mais depressa possível numa de duas teclas, conforme a palavra estímulo se encontrasse acima ou abaixo de uma linha horizontal que dividia o ecrã. Apareciam 52 palavras no ecrã, sendo 26 delas associadas a esquemas de controlo secundário (i. e., "Deus" para o controlo secundário religioso; ou "governo" para o controlo secundário político) e 26 neutras, emparelhadas com as outras em termos de tamanho e frequência na língua. Num dos estudos, os sujeitos eram pré-testados para incluir na experiência indivíduos com níveis elevados e baixos de crenças religiosas relativamente a sismos, de acordo com uma escala construída para o efeito (Lima, 1990). Os resultados mostram que, na condição controlo, tanto no caso dos sujeitos religiosos como no dos não religiosos o tempo de reacção é igual para palavras neutras e religiosas. No caso em que a ameaça incontrolável é saliente (condição experimental), os tempos de reacção mantêm-se equivalentes nos dois tipos de palavras nos sujeitos não religiosos, mas os religiosos processam mais rapidamente as palavras associadas à religião. Num segundo estudo, os sujeitos foram seleccionados por manifestarem um nível particularmente alto ou baixo de confiança nas autoridades e, neste caso, paralelamente ao que acontecera com os religiosos, só os indivíduos com confiança nas autoridades processam preferencialmente as palavras associadas ao controlo secundário, mas isto acontece apenas na condição experimental. Estes resultados permitem-nos ver que, em condições de ameaça que exceda as capacidades individuais de controlo, os sujeitos activam espontaneamente crenças de controlo secundário de modo a restabelecerem o sentimento de domínio da situação em que se encontram. Deste modo, a impossibilidade de utilização de uma estratégia de nível intra-individual levava os sujeitos a procurarem nas crenças grupais uma forma de gerir a situação de ameaça, mas nestes estudos não se media directamente a associação entre a percepção de controlo secundário e a percepção de risco. No estudo sobre a percepção de risco de rebentamento de barragens a que já nos referimos (Lima, 1997a), analisámos conjuntamente a avaliação subjectiva deste risco, a percepção de controlo pessoal sobre o risco e um tipo de percepção de controlo secundário (confiança nos técnicos das barragens). Os resultados mostram que, nos sujeitos que vêm o risco de rebentamento de barragens como incontrolável pelo próprio, a confiança nos técnicos está inversamente associada à estimativa de risco: isto é, quanto maior a confiança, menor a percepção de risco (r=-0,30, n=81, p<0,007). Mas no caso dos sujeitos que sentem controlo sobre este tipo de ameaça, a mesma relação não apresenta resultados estatisticamente significativos (r=-0,19, n=71, p<0,10). Isto indica, tal como Rothbaum e colaboradores (1982) mostraram, que quando as crenças de controlo pessoal são possíveis é a elas que o indivíduo recorre, neste caso para diminuir a sua percepção de risco, mas quando não o podem ajudar são as crenças de controlo secundário que têm a mesma função: garantir a imunidade pessoal ao perigo. Deste modo, as crenças individuais e as que são claramente sociais (pela sua origem e conteúdo) apoiam-se mutuamente com a finalidade última de garantir a sobrevivência psicológica do indivíduo ameaçado. Conclusões Dos resumos de pesquisa que apresentei, penso que é possível constatar que a abordagem psicossociológica não só faz sentido, como é necessária no domínio da percepção do risco. Vimos, para casos de riscos tão diferentes como a Sida, os terramotos, o burnout, a construção de incineradoras ou o rebentamento de barragens, que as avaliações feitas pelas pessoas dos riscos que correm têm de ser lidas a diferentes níveis, os quais vão desde a procura da manutenção da saúde mental e da gestão do medo até à defesa da posição relativa do seu grupo. Por isso mesmo, a psicologia social, que sempre se manteve numa posição de charneira entre a psicologia individual e a sociologia, parece-me particularmente vocacionada para abordar um fenómeno que, em si mesmo, integra uma interacção contínua entre o individual e o social: por um lado, a percepção de riscos refere-se sempre a potenciais ameaças para o sujeito e, por outro, o significado destas ameaças é construído e difundido através dos meios de comunicação social e das redes sociais em que o indivíduo se move. Por outro lado, integrando a psicologia social múltiplas tensões, que Doise (1982) sistematizou em quatro níveis distintos de explicação para o comportamento humano, permite também uma abordagem multidimensional de um fenómeno complexo como é a percepção de riscos. Só no âmbito de uma disciplina que permita uma pluralidade de olhares para um mesmo fenómeno podemos entender que diariamente utilizemos as nossas crenças e valores, as nossas identidades sociais, as nossas relações pessoais e os nossos pensamentos individuais para transformar o mundo em que vivemos num local onde (pelo menos perceptivamente) estejamos a salvo de perigos. Referências Ajzen, I. (1985). From intentions to actions: A fheory of planned behavior. In J. Kuhl, & J. Beckmann (Eds.). Action control: from cognition to behavior (pp. 11-39). Berlim. Springer-Verlag. [ Links ] Almeida, A. B., Ramos, C. M., Franco, A. B., Lima, M. L., & Santos, M. A. (1997). 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