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Psicologia

versão impressa ISSN 0874-2049

Psicologia vol.12 no.1 Lisboa jan. 1998

https://doi.org/10.17575/rpsicol.v12i1.573 

Ameaça de desemprego: Stress e estratégias de coping em diferentes culturas organizacionais: um estudo no sector bancário

Unemployment threat: Stress and coping in different cultures of work organizations: The case of banking

 

Rita Machado*; Maria Luísa Lima**

*Técnico do Instituto Superior de Gestão Bancária, Lisboa.

**Professora no Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa, Lisboa.

 


RESUMO

Em termos gerais, pretendemos demonstrar que a cultura organizacional poderá constituir um factor de stress organizacional, influenciando a percepção de ameaça de desemprego e o tipo de estratégias de coping utilizadas, podendo assim assumir um papel relevante enquanto variável de prevenção do stress a nível organizacional. Ao longo deste trabalho estarão em análise duas dimensões distintas. Por um lado, uma dimensão individual —percepção da ameaça de desemprego e estratégias de coping utilizadas — tendo como referencial teórico o modelo de stress de Lazarus e Folkman (1984). Por outro lado, uma dimensão organizacional — cultura organizacional — tendo como referencial conceptual o modelo dos valores contrastantes de Quinn (1983). O estudo foi realizado no sector bancário português em virtude das inúmeras transformações que tem sofrido, particularmente nos últimos dez anos. A amostra foi recolhida em seis instituições distintas, tendo sido feita uma análise comparativa das variáveis individuais e organizacionais em estudo. Os resultados mostram que a percepção de ameaça de desemprego está directamente associada à cultura organizacional de objectivos e inversamente às de apoio e inovação. A avaliação de recursos para lidar com a situação de desemprego é maior quando há uma percepção da cultura organizacional orientada para o apoio, inovação e objectivos. Contrariamente às hipóteses formuladas, não se conseguiu identificar um padrão claro de associação entre as estratégias de coping e a cultura organizacional.

Palavras-chave: stress; coping; culturas organizacionais.


ABSTRACT

We intend to show that organizational culture can be seen as a moderator factor on people's perception of loosing their job and can also have an active role on people's choice of the best way to cope with that situation. Organizational culture could be conceptualized as an important factor when dealing with occupational stress prevention. Our study focus on two different levels. On one hand an individual perspective concerning the perception of threat of loosing one's job and the coping strategies people use to face that situation (stress, appraisal and coping model, Lazarus and Folkman, 1984). On the other hand an organizational level to what concerns the organizational culture of the different organizations (QuimTs model of organizational culture, 1983). This study was rim at Portuguese banking sector due a lot of changing it had been through, specially over the last ten years. Our sample was gathered within six different banks to come to a comparative approach of the individual and organizational variables involved. Results show that the threat of being fired is directly associated to the perception of the organizational culture as oriented toward goals, and inversely related to its perception as oriented towards support and innovation. The evaluation of resources to deal with the threat is directly related with a perception of organizational culture oriented towards support, innovation and goals. Contrarily to our hypothesis, no clear pattern of association between coping strategies and organizational culture was found.


 

Introdução

O presente trabalho pretende estudar a possível associação existente entre aspectos de natureza contextual e organizacional (mercado de trabalho e cultura organizacional) e processos cognitivos individuais (percepção de ameaça de desemprego). O estudo foi realizado no sector bancário dado tratar-se de uma área privilegiada para a análise de um contexto em mudança em virtude das fortes transformações por que tem passado, tanto a nível económico-financeiro como estrutural, particularmente nos últimos dez anos.

Num sector que tem vindo a registar uma diminuição do número de efectivos, particularmente acentuada desde 1991, em que as funções administrativas ocupam ainda um lugar de destaque (61%), em que o nível médio de habilitações literárias é relativamente baixo (37% da população não possui o 12.o ano completo), e que apresenta uma estrutura etária ligeiramente envelhecida (52% dos empregados com idade superior a 40 anos), poderemos ser facilmente levados a pensar que risco de desemprego constitui uma (forte) ameaça. Paralelamente, a conjuntura actual do mercado de trabalho é marcada por uma forte instabilidade e insegurança, havendo uma certa precariedade e escassez de alternativas para os recursos humanos existentes.

Tendo em conta o panorama descrito, como é que os sujeitos percepcionam a possibilidade de perder o emprego? Será isso uma ameaça? Que tipo de estratégias desenvolvem para lidar com essa situação? Será que existe alguma relação entre a percepção de ameaça de desemprego e o tipo de cultura da organização em que os sujeitos estão inseridos? Estas são algumas das questões a que procuraremos responder no decurso deste estudo.

Enquadramento teórico

Estarão presentes ao longo deste trabalho duas dimensões distintas: uma dimensão individual e de carácter mais cognitivo, em termos de percepção de ameaça de desemprego e estratégias de coping utilizadas (modelo de stress de Lazarus e Folkman, 1984), e uma dimensão organizacional relativa à caracterização da cultura organizacional das instituições de pertença dos sujeitos (modelo dos valores contrastantes de Quinn, 1983).

Stress e coping

As primeiras utilizações do termo stress, no sentido de adversidade ou tensão, e ainda sem qualquer significação formal enquanto conceito, remontam já ao século XIV (Lumsdem, 1981, citado por Lazarus, 1993). Durante os séculos. VIII e XIX, a sua utilização surge no campo da Física, estando associada a um grande rigor e precisão. Mais tarde, o conceito é transposto para o campo da biologia e da medicina (são exemplo disso os trabalhos de Osler, 1910, e de Cannon, 1932, citados por Lazarus, 1994).

Em termos de evolução do estudo do conceito de stress, podem distinguir-se tradicionalmente duas perspectivas diferentes: a fisiológica e a psicológica.

Os trabalhos de Selye (1956,1965,1983) são os pioneiros e provavelmente os mais marcantes dentro da perspectiva fisiológica, tendo sido o primeiro autor a referir-se ao stress como uma resposta a uma situação de tensão e conceptualizando-o como um fenómeno essencialmente biológico e orgânico. Este modelo baseia-se em processos de homeostase, através dos quais o organismo vai responder a condições adversas que ameacem o seu equilíbrio interno, sendo o stress considerado uma resposta não específica a diferentes estímulos e exigências com que o organismo se confronta. Selye definiu uma síndrome geral de adaptação (GAS), constituída por três fases. Num primeiro momento — Alerta — dá-se o reconhecimento da ameaça. Depois de reconhecer o stressor, o organismo prepara uma resposta através do aumento das suas funções vitais (respiração, função cardiovascular, etc...), ou seja, mobiliza-se para a acção. Num segundo momento, assiste-se a um esforço do organismo para enfrentar a situação. Os vários sistemas estão mobilizados para a acção e atinge-se um estádio de resistência, que se manterá até que as reservas se esgotem ou o agente stressox esteja ultrapassado. Deste modo, se o organismo não consegue ultrapassar a ameaça (o stressor persiste ou as capacidades para lidar com o stress são reduzidas), é alcançado o estádio da exaustão.

A perspectiva psicológica para o estudo do stress centra-se na interpretação individual de determinados acontecimentos exteriores e na avaliação que é feita dos recursos individuais disponíveis para lidar com essa situação. Neste âmbito, o stress éencarado como um processo e traduz-se numa resposta multidimensional que se estende a vários níveis — fisiológico, cognitivo, emocional e comportamental — na sequência de uma avaliação cognitiva.

O modelo de stress de Lazarus e Folkman (1984) constitui uma das principais referências teóricas no âmbito da perspectiva psicológica do estudo do stress, atribuindo ao indivíduo um grande protagonismo em termos de "controlo e gestão" do stress. Esse protagonismo traduz-se no desempenho de um papel activo, extensível a dois níveis: na avaliação da situação em que se encontra e na avaliação dos seus recursos para gerir a situação de ameaça.

Assim, perante uma determinada situação (ameaça potencial), um indivíduo será confrontado com uma sequência processual que tem início na percepção da situação em causa, na sua avaliação e no desencadeamento de estratégias de adaptação para lhe fazer face. Esta concepção salienta assim uma dimensão cognitiva dessa avaliação, que é composta por dois momentos: uma avaliação primária, que consiste na avaliação do significado individual do acontecimento (exemplo: "Trará este acontecimento algum prejuízo ou benefício para mim?"), e outra secundária, que ocorre quando um acontecimento é considerado ameaçador e consiste na análise dos recursos disponíveis para enfrentar essa situação (exemplo: "Será que posso fazer alguma coisa para minimizar ou evitar os aspectos ameaçadores desta situação?").

Uma vez terminado o processo de avaliação cognitiva, e se uma determinada situação foi considerada ameaçadora (avaliação primária) e os recursos disponíveis para a enfrentar foram classificados como insuficientes (avaliação secundária), será desencadeada então uma experiência de stress, que é seguida de um esforço cognitivo e comportamental para a enfrentar (coping). Neste sentido, podem surgir estratégias de coping de resolução de problemas que são formas de lidar com o stress centradas no problema e que operam ao nível da diminuição da ameaça real, como, por exemplo, o desencadeamento de acções para eliminar, prevenir ou reduzir o efeito do factor ameaçador e estratégias de coping de regulação emocional, que são formas de lidar com o stress centradas nas emoções e que operam ao nível da modificação da avaliação da situação.

Cultura organizacional

O interesse pelo estudo da cultura organizacional teve origem nos finais da década de 70, registando um amplo desenvolvimento ao longo da década de 80, paralelamente à redução do interesse pelo conceito de clima organizacional.

Na base de tal interesse alguns autores (por exemplo, Neves e Jesuíno, 1994; Trice e Beyer, 1993; Harvey e Brown, 1996) identificam o estabelecimento de uma possível associação entre os níveis de sucesso (económico) de uma empresa e a respectiva cultura. Subjacente a esta ideia está uma presumível influência dos efeitos da cultura em outras variáveis organizacionais, designadamente na eficácia e na produtividade. A linearidade desta associação tem sido, no entanto, posta em causa por diversos autores, que referem a necessidade da existência de determinados factores facilitadores (por exemplo, Peters e Waterman, 1982; Deal e Kennedy, 1982; Wilkins e Ouchi, 1983, citados por Trice e Beyer, 1993).

Relativamente ao conceito de cultura organizacional encontram-se, ao longo da literatura, inúmeras definições nem sempre concordantes entre si. Para efeitos deste trabalho tomemos como referência uma das definições mais frequentemente citadas: "A cultura pode ser definida como um padrão de pressupostos básicos inventado, descoberto ou desenvolvido por um dado grupo à medida que foi aprendendo a lidar com os seus problemas de adaptação externa e integração interna, e que foi funcionando suficientemente bem para ser considerado como válido e, portanto, ensinado aos novos membros como o modo correcto de percepcionar, pensar e sentir, relativamente a esses problemas" (Schein, 1990, p. 111).

Schein considera existirem três níveis fundamentais que englobam os vários componentes da cultura. Os artefactos constituem o nível mais superficial e referem-se aos aspectos visíveis numa organização, mas nem sempre são facilmente decifráveis. Englobam aspectos físicos (ambiente físico, decoração, tecnologia) e comportamentais (rituais, cerimónias, etc.) associados ao local de trabalho. O nível dos valores situa-se ainda num plano consciente, englobando aspectos como valores e crenças e desempenhando uma função normativa em termos de orientação sobre o modo como lidar com determinadas situações ou acontecimentos. Os pressupostos básicos encontram-se a um nível subconsciente e constituem a essência da cultura de um grupo. São criados ao longo da vivência do mesmo à medida que este vai aprendendo a lidar com problemas de adaptação (meio externo) e integração (meio interno). Constituem assim soluções encontradas pelos grupos para resolver determinados problemas, que foram consideradas eficazes e como tal interiorizadas pelos seus membros, tomando-se indiscutíveis e sendo unanimemente aceites.

Quinn (1988) postula a existência de uma grande complexidade a nível organizacional, pelo que as organizações são conceptualizadas como entidades dinâmicas e inseridas num ambiente (interno e externo) dominado por forças/tensões em permanente interacção e contradição. Os gestores vêem-se assim frequentemente confrontados com a necessidade de fazer escolhas complexas entre diferentes opções e, porque as várias alternativas são em si mesmas paradoxais, as estratégias a adoptar serão necessariamente paradoxais, integrando as várias contradições.

O modelo dos valores contrastantes de Quinn (1983a, 1983b, 1985) surge na sequência de trabalhos desenvolvidos no âmbito da eficácia organizacional em que, partindo da recolha de opiniões de teóricos e investigadores, no âmbito das organizações, se procuraram definir semelhanças e diferenças entre vários critérios de eficácia organizacional. Os resultados encontrados apontam no sentido da existência de um referencial teórico comum, ou mapa cognitivo semelhante, entre os vários inquiridos. Este facto permite a "arrumação" dos factores de eficácia organizacional em torno de três eixos de pólos opostos (valores contrastantes), que representam dilemas com que as organizações se deparam ao longo da sua existência. A saber:

Flexibilidade/controlo: esta dimensão relaciona-se com a estrutura organizacional e pode variar desde a ênfase colocada ao nível da flexibilidade até à que é colocada ao nível da estabilidade. Este eixo pode ser entendido como a resposta ao seguinte dilema: orientação para a abertura e a mudança ou para a estabilidade e a autoridade.

Interno/externo: esta dimensão relaciona-se com a colocação da tónica organizacional a um nível micro, preocupando-se com o bem-estar e desenvolvimento das pessoas, ou a um nível macro, centrando-se no desenvolvimento e bem-estar da organização. Esta dimensão pode ser traduzida pelo seguinte dilema: preocupação com o desenvolvimento e o bem-estar das pessoas ou com a própria organização em termos da sua competitividade.

Meios/fins: esta dimensão está relacionada com a colocação da tónica organizacional ao nível dos processos (por exemplo: planeamento e definição de objectivos) ou ao nível dos resultados finais (por exemplo: produtividade). Esta dimensão pode ser traduzida pelo seguinte dilema: preocupação com os processos ou com os resultados? Preocupação permanente com a relação entre os objectivos e os meios para os alcançar não só em termos temporais (curto, médio ou longo prazos), mas também em termos de equilíbrio entre meios e fins.

A integração destes três eixos torna possível a identificação de quatro modelos de eficácia organizacional: modelo das relações humanas, modelo de sistema aberto, modelo dos processos internos e modelo dos objectivos racionais. Segundo Quinn, a adaptação do modelo a diferentes problemas requer ligeiras modificações nos indicadores utilizados para cada um dos eixos. Vejamos então uma adaptação do modelo (figura 1) dos valores contrastantes ao estudo da cultura organizacional (Neves e Jesuíno, 1994).

 

 

Desenvolvendo cada um dos quadrantes do modelo, podemos identificar quatro tipos de cultura organizacional:

Cultura de apoio (modelo das relações humanas): é caracterizada por uma ênfase de orientação para a flexibilidade e para o interno, em que a participação e o consenso, geradores de "espírito de grupo", constituem os meios para alcançar os fins (desenvolvimento dos recursos humanos).

Cultura de inovação (modelo da organização como sistema aberto): é caracterizada por uma ênfase de orientação para a flexibilidade e para o externo, na qual a flexibilidade e a rapidez de resposta são os meios para alcançar os fins (crescimento e aquisição de recursos).

Cultura burocrática (modelos dos processos internos): é caracterizada por uma ênfase de orientação para o controlo e para o interno, em que os sistemas de informação para a gestão são os meios que asseguram os fins (estabilidade, controlo e continuidade).

Cultura racional (modelo dos objectivos racionais): é caracterizada por uma ênfase de orientação para o externo e para o controlo, em que o planeamento e a fixação de objectivos constituem os meios para alcançar os fins (produtividade e eficácia).

Em função das suas características e do seu funcionamento, cada organização poderá ser representada nos quatro quadrantes anteriormente descritos, apresentando uma determinada configuração (perfil de cultura organizacional) que representa exactamente o seu posicionamento nas referidas dimensões. Esta representação repartida ilustra a incongruência (a integração de contradições e paradoxos) presente em todas as organizações, não sendo alcançado nunca o estado de congruência perfeita e, existindo sempre um determinado nível de tensão.

A cultura é assim encarada como uma variável, operacionável e mensurável através de um instrumento. Na perspectiva da dicotomia, definições de conteúdo (a organização tem uma cultura) versus definições de processo (a organização é uma cultura) para a análise do conceito de cultura organizacional (Gomes, 1994), podemos situar este modelo nas abordagens que consideram que a organização tem uma cultura, sendo esta encarada como um subsistema interno da organização que auxilia os seus membros nos processos de adaptação aos meios interno e externo, por oposição às abordagens que admitem que a organização é uma cultura, sendo encarada como um um sistema de conhecimentos, normas e valores que cada um dos seus membros vai interpretar. Deste modo, a cultura organizacional poderá ser vista como uma causa, um efeito ou um factor moderador, podendo então influenciar os membros da respectiva organização nomeadamente no que se refere à percepção da ameaça de desemprego.

Paralelamente, poderão encontrar-se diferentes percepções de cultura organizacional consoante a área funcional, a posição hierárquica, o grupo profissional, etc., a que os sujeitos pertençam dentro de uma mesma organização. Esta assunção enquadra-se no paradigma da diferenciação que conceptualiza a cultura de uma organização como sendo naturalmente constituída por diferentes subculturas, havendo assim uma autonomia individual e grupal (exemplo Lopes e Reto, 1989; Barley e Louis, 1983, citados por Trice e Beyer, 1993), por oposição ao paradigma da integração, que defende a homogeneidade cultural e apela para a necessidade da existência de uma cultura consensual, consistente e una no seio da organização (exemplo, Hofstede, 1987; Jesuíno, 1986, citados por Ferreira et al., 1996), e ao paradigma da fragmentação que se afasta das definições tradicionais de cultura organizacional na medida em que assenta na ideia da existência de ambiguidade e falta de consenso (exemplo, Martin, 1991, Meyerson, 1991, citados por Gomes, 1996).

Partindo do presssuposto de que cada tipo de configuração de cultura organizacional representa uma resposta da organização para integrar os dilemas com que é confrontada, poderemos, pois, considerar a cultura como a solução encontrada pela organização para enfrentar as várias tensões a que está sujeita. A configuração representa assim a própria integração dos dilemas e poderá ser encarada como um primeiro diagnóstico (ou solução provisória) para uma solução mais estrutural a tomar futuramente. Do mesmo modo, mas a um nível individual, as estratégias de coping constituem formas possíveis de lidar com situações de stress e, estabelecendo um paralelismo entre os dois níveis em análise, individual e organizacional, poderemos traçar a associação que se encontra no quadro 1.

 

 

Nesta mesma linha encontram-se alguns trabalhos desenvolvidos no âmbito das funções da cultura organizacional que teorizam que determinados aspectos da cultura desempenham, a nível do grupo, uma função idêntica aos mecanismos de defesa, a nível individual (Schein, 1985; Hirschhom, 1987; Menzies, 1960, citados por Schein, 1990).

Esta função da cultura enquanto redutora da ansiedade funcionaria da seguinte forma: a partilha de pressupostos básicos entre os membros de um determinado grupo conduziria ao desenvolvimento de padrões de comportamento e formas de percepcionar, pensar e sentir a organização semelhantes, facto que levaria ao aparecimento de um sentimento de conforto e estabilidade no seio do grupo. Esta aprendizagem partilhada pelo grupo poderia actuar como redutora da ansiedade em situações de incapacidade de compreensão ou antecipação de determinados aspectos relativos ao contexto exterior ao grupo.

Stress organizacional e factores de risco em contexto de trabalho

A etiologia do stress no trabalho constitui um amplo foco de interesse e investigação desde a década de 70, tendo sido realizados diversos estudos que tentaram explorar os possíveis efeitos e a influência dos vários factores de risco neste contexto. Staw (1984) associa o interesse crescente pelos trabalhos nesta área, especialmente a partir dos finais desta década, a uma maior preocupação relativamente ao impacte e aos efeitos das experiências laborais sobre os indivíduos.

As abordagens clássicas do estudo do stress ocupacional procuravam identificar as fontes geradoras de stress em contexto de trabalho e estudar as suas consequências nos indivíduos em termos de desenvolvimento de sintomas e manifestações de doença, centrando-se na óptica de uma relação de causa-efeito. Como exemplo de fontes geradoras de stress podem referir-se, entre outras, factores intrínsecos ao trabalho (Porter e Lawlwer, 1965; Kirmeyer e Dougherty, 1988), ambiguidade e conflito na definição dos papéis organizacionais (Cooper e Marshall, 1976; Hammer e Tosi, 1974; Van Sell et al., 1981), desenvolvimento da carreira (Burke, 1988), relações interpessoais (Kahn et al., 1964; French e Caplan, 1970, citados por Cooper e Marshall, 1976), etc.

As novas abordagens ao estudo do stress organizacional estão enraizadas em novas concepções da organização que têm como pressuposto central a ideia de uma influência recíproca entre indivíduos e empresas, havendo uma preocupação constante em desenvolver organizações saudáveis, ou seja, ambientes de trabalho equilibrados que assegurem um perfeito ajustamento entre o indivíduo e a organização. O stress é assim considerado uma variável biopsicossocial que actua ao nível da relação entre os aspectos inerentes ao contexto de trabalho e à saúde individual, surgindo então como resultado das respostas individuais às pressões e exigências do contexto de trabalho (por exemplo Ivancevich et al, 1982; Eisenberger et al., 1990; Jones et al, 1995; Luthans, 1995; Michela et al, 1995; Van der Velde e Class, 1995).

Estes novos paradigmas para o estudo do stress organizacional enquadramse numa perspectiva de tipo integrador em que os vários factores identificados como fontes de stress ocupacional são articulados em conceitos mais abrangentes caracterizadores do próprio funcionamento das organizações. Assim, é o peso relativo das diferentes fontes geradoras de stress que vai caracterizar o clima ou a cultura das organizações, o que, por sua vez, influencia os níveis de stress organizacionais e individuais. Nesta sequência, e contrariamente ao que acontecia no âmbito da abordagem clássica, existe uma grande preocupação com a gestão do stress organizacional, que é uma tarefa conceptualizada como devendo ser partilhada pelos indivíduos e pelas organizações.

Modelo conceptual de análise e hipóteses de trabalho

Com base nas diversas perspectivas teóricas que temos vindo a apresentar construímos um modelo conceptual de análise que pretende explicar a formação do processo de stress a nível individual (figura 2).

 

 

Perante uma situação que pode constituir uma ameaça potencial (poder vir a perder o emprego), um indivíduo inicia um processo de avaliação cognitiva condicionado por factores de ordem pessoal (grau de envolvimento/compromisso, crenças de controlo e percepção de vulnerabilidade) e situacional (novidade, previsão e incerteza).

A cultura organizacional, sendo distinta de organização para organização, irá "induzir" nos indivíduos diferentes níveis de stress, através da sua influência no processo de avaliação cognitiva de uma situação potencialmente ameaçadora. A cultura organizacional assume assim o estatuto de uma variável que vai influenciar o processo de avaliação cognitiva tanto ao nível da avaliação primária (carácter ameaçador da situação), como ao nível da avaliação secundária, ou seja, a cultura enquanto recurso percepcionado como apoio para enfrentar a ameaça.

Pensando concretamente na ameaça de desemprego, admitir a existência de uma associação entre cultura e stress implica a conceptualização da cultura organizacional como um factor decisivo ou influenciador do próprio processo de avaliação de uma situação potencialmente ameaçadora. A cultura organizacional, expressa em termos de nível de stress "induzido", juntamente com inputs provenientes do meio exterior à organização, nomeadamente no que se refere às condições do mercado de trabalho (marcado por uma grande margem de incerteza e um baixo nível de previsibilidade em relação ao futuro, bem como um alto grau de novidade materializado nas alterações constantes e nas exigências em termos de tarefas e competências individuais.), iria influenciar o processo de avaliação da ameaça e consequentemente o nível de stress associado a essa situação.

Para além deste papel influenciador no processo de avaliação cognitiva, a cultura organizacional poderá ser igualmente encarada como influenciadora do tipo de estratégias de coping utilizadas pelos sujeitos para lidar com situações de stress. Esta ideia baseia-se na definição de cultura organizacional de Schein, e levar-nos-ia a encarar a cultura como definidora de directizes de funcionamento colectivo, em termos de normas, valores, regras, procedimentos, etc..., ou mesmo como "indutora" de algoritmos comuns de funcionamento individual, concretamente no que se refere ao tipo de estratégias de coping mais ou menos eficazes em determinado contexto.

Partindo da articulação das duas dimensões em estudo — avaliação de uma ameaça potencial e estratégias de coping e cultura organizacional — foram definidas as seguintes hipóteses de trabalho:

H1: percepção da ameaça e cultura organizacional

A percepção de ameaça de desemprego estará directamente associada às culturas organizacionais de orientação para as regras (burocráticas) e para os objectivos (racionais) e inversamente às culturas de orientação para o apoio e para a inovação.

H2: avaliação de recursos e cultura organizacional

A avaliação dos recursos disponíveis para lidar com uma situação de desemprego estará directamente associada à percepção de uma cultura organizacional de orientação para o apoio, para a inovação e para os objectivos e inversamente à percepção de uma cultura organizacional de orientação para as regras.

H3: estratégias de coping e cultura organizacional

A percepção da cultura organizacional como essencialmente orientada para o apoio estará directamente associada à utilização de estratégias de coping de regulação emocional: fuga. A percepção da cultura organizacional como essencialmente orientada para as regras (burocrática) estará directamente associada à utilização de estratégias de coping de regulação emocional: culpabilização. A percepção da cultura organizacional como essencialmente orientada para a inovação estará directamente associada à utilização de estratégias de coping de resolução de problemas e de regulação emocional: fuga. A percepção da cultura organizacional como essencialmente orientada para os objectivos (racional) estará directamente associada à utilização de estratégias de coping de resolução de problemas e de regulação emocional: culpabilização.

Método

Sujeitos

Participaram neste estudo 132 sujeitos provenientes de seis instituições bancárias, sendo 60% da amostra constituída por homens. A média de idades era de 32,4 anos e 37% da amostra possuía habilitações inferiores ao 12.o ano, enquanto que 27% tinha pelo menos a frequência do ensino superior. Os sujeitos pertenciam a seis instituições bancárias, três públicas (59% dos sujeitos) e três privadas. Em termos organizacionais, a maioria da amostra (61%) desempenhava funções administrativas, 29% funções técnicas e 7% funções de chefia. A amostra é constituída maioritariamente por indivíduos bem integrados na instituição onde se encontram. De facto, apenas 5% dos inquiridos estão lá há menos de um ano, e 30% trabalham nela há mais de 10 anos. Assim sendo, compreende-se que a maioria dos sujeitos tenha passado por processos de reestruturação recentes na sua instituição, sendo a maior parte dos mesmos de natureza funcional e estrutural, seguidos de fusões com outros grupos financeiros e privatizações, surgindo por último a referência à prática de políticas restritivas, nomeadamente redução do número de efectivos, reformas antecipadas e despedimentos.

Instrumentos

Foi construído um questionário composto por diversas partes relativas às diferentes dimensões em estudo.

Ameaça de desemprego

Construiu-se um índice de ameaça de desemprego através da agregação de quatro indicadores (a=0,74) que avaliavam o grau de ameaça sentido face a uma situação de desemprego. Exemplo: "Acha que a possibilidade de desemprego o afecta particularmente?" Era pedido aos sujeitos que respondessem numa escala de (1) nada a (4) muito.

Avaliação de recursos

Utilizaram-se dois indicadores (α=0,75), em que o sujeito avaliava os seus recursos disponíveis para enfrentar uma situação de ameaça de desemprego numa escala de (1) muito insuficientes/nenhuns a (4) completamente satisfatórios/muitos. Exemplo: "Até que ponto considera que tem meios para enfrentar esta situação?"

Estratégias de coping

Utilizaram-se cinco medidas de estratégias de coping, que remetiam para subdimensões subjacentes ao modelo teórico de base e que foram definidas a priori, nomeadamente, resolução de problemas (estratégia de coping de resolução de problemas), procura de apoio, culpabilização, evitamento e pensamento mágico (estratégias de coping de regulação emocional). Para cada um dos tipos destas estratégias pedia-se aos sujeitos que definissem o grau em que tinham recorrido à sua utilização, numa escala de (1) nunca/nada a (4) sempre/muitas vezes.

Identidade profissonal

Foi utilizada a escala de identidades profissionais (Caetano e Vala, 1994) que operacionaliza a identidade profissional em três subdimensões: identificação com o grupo profissional, com o departamento e com a organização. Cada uma destas subdimensões foi medida através de dois indicadores, cuja resposta era dada numa escala de (1) nada verdade a (4) totalmente verdade. Exemplo: "Eu sou uma pessoa que se identifica com o banco X".

Cultura organizacional

Foi utilizado o questionário de cultura organizacional—Focus 93 (Neves ejesuíno, 1994), tendo sido feita a operacionalização desta variável através de dois conjuntos de questões. Um primeiro conjunto, relativo a expressões comportamentais de cultura organizacional (dimensão descritiva), em que era pedido aos sujeitos que referissem a frequência da ocorrência de determinados comportamentos e hábitos na sua organização, numa escala de (1) nunca a (6) sempre. No segundo conjunto de questões, relativo a aspectos subjacentes à cultura organizacional (dimensão avaliativa), era pedido aos sujeito que avaliassem até que ponto a sua organização se caracterizava por cada um dos valores/normas apresentados, numa escala de (1) de modo nenhum a (6) muitíssimo.

Os vários itens do questionário remetiam para quatro orientações definidoras da cultura organizacional subjacentes ao modelo teórico utilizado: apoio, inovação, regras e objectivos.

Procedimento

Os dados foram recolhidos através de aplicações colectivas do instrumento a grupos de 10 a 20 sujeitos, tendo sido igualmente feitas algumas aplicações individuais.

Resultados

A apresentação e análise dos resultados será feita em dois momentos diferentes. Começaremos por apresentar os resultados relativos a cada uma das variáveis operacionalizadas, seguindo-se a sua articulação através do teste das hipóteses formuladas.

Ameaça de desemprego: a percepção de ameaça de desemprego não parece constituir um facto particularmente grave ou ameaçador (x=2,53; a=0,51).

Avaliação de recursos: os recursos disponíveis para enfrentar uma situação potencialmente ameaçadora são, de um modo geral, considerados satisfatórios pelos sujeitos (x=2,55; α=0,52).

No sentido de explorar a natureza dos recursos disponíveis para enfrentar uma situação ameaçadora, procedeu-se a uma análise de regressão múltipla, tomando como variáveis independentes a antiguidade, a idade, o sexo, as habilitações literárias, a identificação com o banco, com o departamento e com o grupo profissional e a natureza da função desempenhada. Há a destacar a associação encontrada com a variável identidade profissional, particularmente na subdimensão de identificação com o grupo profissional, que revelou ser o seu melhor preditor (R=0,34; R2=0,11; Erro=0,49).

Estratégias de coping: as respostas obtidas foram sujeitas a uma análise factorial em componentes principais com rotação varimax, que nos permitiu chegar à seguinte organização dos 20 itens do questionário em tomo de três factores.

Factor 1 estratégias de resolução de problemas — desencadeamento de acções para eliminar, prevenir ou reduzir o efeito do factor ameaçador. Factor 2 estratégias de regulação emocional (culpabilização) — atribuição de responsabilidade pessoal relativamente à situação.

Factor 3 estratégias de regulação emocional (juga) — comportamentos de negação, evitamento e recurso a pensamento mágico (fantasias optimistas em relação ao futuro).

Relativamente aos tipos de estratégias de coping, a análise factorial encontrada não se afasta significativamente das categorias definidas a priori, embora pontualmente alguns aspectos se tenham revelado pouco pertinentes ou aglomerados em categorias mais abrangentes. Há a salientar o facto de a resolução de problemas ter surgido associada à procura de apoio, constituindo um grupo de estratégias de coping direccionadas para a resolução efectiva dos problemas tanto por uma via racional (estratégias "puras" de resolução de problemas), como por uma via emocional (estratégias de regulação emocional: procura de apoio).

O nível da variância explicada (47%) leva-nos a pensar que conseguimos encontrar dimensões que representam fielmente o tipo de estratégias usadas pelos sujeitos. No que diz respeito à utilização dos diferentes tipos de estratégias de coping, verificou-se globalmente um maior uso de estratégias de resolução de problemas (x=2,01; a=0,64), seguidas das estratégias de regulação emocional: culpabilização e fuga (x=1,78 e a=0,63; x=1,41 e α=0,38).

Identidade profissional: o nível de identidade profissional na nossa amostra é relativamente elevado (x=2,99; a=0,73), sendo de salientar que, apesar de as diferenças serem pequenas, o grau de identificação dos sujeitos com o departamento em que trabalham é maior (x=3,07; a=0,87) comparativamente aos níveis de identificação com o grupo profissional e com a organização de pertença (x=2,96 e α=0,89; x= 2,94 e α=0,84).

Cultura organizacional: para a caracterização da cultura organizacional dos vários bancos foi feita uma análise factorial em componentes principais com rotação varimax, tendo sido pedidos como critério quatro factores de acordo com as hipóteses teóricas subjacentes à construção do questionário. A estrutura factorial obtida reencontra os mesmos factores:

Factor 1 orientação para os objectivos, em que se agrupam itens referentes à organização caracterizada pela utilização de processos racionais (gestão por objectivos, planeamento operacional, eficácia, etc...), com vista a alcançar objectivos organizacionais.

Factor 2 orientação para inovação, em que são agrupados itens referentes à organização, que se caracteriza pela assunção de riscos a partir da informação do meio exterior, pela flexibilidade, pela criatividade, pela competição, etc...

Factor 3 orientação para o apoio, em que são agrupados itens referentes aos conceitos de participação, cooperação, confiança e compreensão mútuas e crescimento individual.

Factor 4 orientação para as regras, em que se agrupam itens relativos à formalização do trabalho, respeito pela hierarquia, divisão do trabalho e controlo de procedimentos, enquanto características organizacionais.

O nível da variância explicada pela análise factorial (45%) leva-nos a pensar que a estrutura encontrada retrata em grande parte a percepção/pensamento dos sujeitos acerca da cultura da organização onde estão inseridos.

Uma vez identificados os vários factores representativos das diferentes orientações de cultura organizacional, subjacentes ao modelo teórico utilizado, procedemos ao cálculo dos valores médios dos quatro factores em cada um dos bancos de origem dos sujeitos (ver representação numérica, quadro 2, e figura 3).

 

 

 

 

Uma leitura global dos dados permite-nos dizer que, apesar de aparentemente não existirem grandes diferenças entre os valores médios dos quatro factores para os vários bancos, nota-se uma maior predominância da vertente de orientação para as regras, como tendência típica da cultura do sector em estudo, e um menor predomínio das culturas de orientação para o apoio.

Teste das hipóteses

No sentido de testar as hipóteses definidas foram feitas correlações (coeficiente de Pearson) entre as várias variáveis.

H1: percepção de ameaça e cultura organizacional

Os resultados da correlação entre a percepção de ameaça de desemprego e os diversos tipos de percepção de cultura organizacional apoiam a nossa hipótese, ou seja, a percepção de ameaça de desemprego está inversamente associada às culturas de apoio e de inovação (r=-0,46 e p=0,04; r=-0,17 e p=0,05) e directamente às culturas de objectivos e de regras (r=0,l7 e p=0,06; r=0,14 e p=0,15), embora neste último caso a associação não seja significativa.

H2: avaliação de recursos e cultura organizacional

Tal como era previsto na hipótese, verificámos que a avaliação dos recursos disponíveis para lidar com uma situação de ameaça de desemprego está directamente associada à percepção da cultura organizacional como sendo essencialmente orientada para o apoio, a inovação e os objectivos (r=0,17 e p=0,051; r=0,24 e p=0,006; r=0,25 e p=0,004). A hipótese não se confirmou no caso das culturas de orientação para as regras, que apresentaram uma associação com a avaliação de recursos de sentido inverso ao previsto (r=0,13 e p=0,15), ainda que esta associação não seja significativa.

H3: estratégias de coping e cultura organizacional

Para o teste desta hipótese procedeu-se à análise da correlação entre as variáveis relativas às dimensões percepcionadas de cultura organizacional e as estratégias de coping encontradas na análise factorial (resolução de problemas e regulação emocional: culpa e fuga), e ainda um indicador global de coping ("score total") relativo à utilização total destas estratégias. Assim, a nossa análise versará as dimensões empíricas de coping e não as dimensões teóricas do modelo subjacente.

Em primeiro lugar, há à referir que não se verificou qualquer associação entre a percepção da cultura organizacional como essencialmente orientada para o apoio ou a inovação e a utilização de estratégias de coping, facto que poderá estar associado aos baixos níveis de ameaça de desemprego percepcionados neste tipo de culturas.

Os resultados relativos à utilização total de estratégias de coping (indicador global de coping) só são significativos no caso das culturas burocrática (r=0,15 e p=0,09) e racional (r=0,23 e p=0,01), o que nos pode indicar que neste tipo de cultura os indivíduos tenderão a ser mais activos na resposta a situações de ameaça. Fazendo uma análise mais discriminada verificámos existir uma tendência para uma associação directa entre a percepção da cultura organizacional como essencialmente orientada para as regras e a utilização de estratégias de coping de regulação emocional: culpa, embora não significativa (r=0,13 e p=0,14). Verificámos ainda que a percepção da cultura organizacional como essencialmente orientada para os objectivos está directamente associada à utilização de estratégias de coping de resolução de problemas e de regulação emocional: culpa (r=0,16 e p=0,07; r=0,21 e p=0,01).

Discussão ,e conclusões

Os resultados obtidos permitem-nos concluir que a possibilidade de desemprego parece constituir uma ameaça relativamente moderada no sector bancário. Numa tentativa de explicação para este facto, poderão invocar-se diferentes ordens de factores, alguns relacionados com as características do nosso estudo e outros ligados a aspectos estruturais e culturais associados ao sector em análise. No primeiro grupo de factores há a destacar um afastamento pontual da nossa amostra em relação a algumas características do sector em estudo, concretamente no que diz respeito à média de idades (inferior à do sector) e às habilitações literárias (superiores às do sector), factores que poderão ter contribuído para uma avaliação mais favorável dos recursos individuais disponíveis para enfrentar uma situação potencialmente ameaçadora. Ao nível do segundo grupo de factores salientam-se o quadro legal vigente (que dificulta os despedimentos), a representação colectiva de segurança, a solidez e estabilidade associadas ao sector em causa (sector comparativamente bem remunerado e, por excelência, gerador de riqueza) e a posição e o estatuto do sindicato (órgão forte e poderoso na conquista de regalias sociais para os trabalhadores).

Ainda no âmbito da análise das variáveis individuais, e relativamente às estratégias de coping utilizadas para lidar com situações de stress, encontrámos algumas diferenças em relação ao modelo teórico de base, especialmente no que se refere ao tipo de estratégias integradas em cada uma das categorias teóricas do modelo. Em termos práticos, verificámos ser igualmente eficaz, no sentido da resolução efectiva de um problema, o recurso a estratégias de resolução de problemas tanto por uma via racional (estratégias "puras" de resolução de problemas), como por uma via afectiva (estratégias de regulação emocional: procura de apoio). Este resultado encontra reforço teórico na revisão de literatura efectuada, concretamente no que diz respeito à igualdade da eficácia do recurso a estratégias de coping de resolução de problemas e de regulação emocional (Taylor, 1986).

Pensando na origem anglo-saxónica do modelo teórico utilizado e na clara divisão existente entre estes dois tipos de estratégias, poderemos pensar, com base nos resultados encontrados, na possibilidade da existência de um estilo particular de coping em que as dimensões racional e afectiva se mesclam no sentido de uma solução eficaz. Poderemos assim colocar a hipótese da existência de um estilo, ligeiramente diferente do conceptualizado no modelo teórico de base, e que poderemos designar por "estilo latino de coping". De acordo com este estilo de coping, perante uma situação que se revela ameaçadora (por exemplo, perder o emprego), seria igualmente eficaz "traçar um plano de acção para resolver o problema e segui-lo" (responder a um anúncio, por exemplo) ou "pedir um conselho a um amigo". Convém salvaguardar que esta interpretação está enraizada em estereótipos culturais e como tal deverá ser encarada, mas poderá revelar-se útil na medida em que nos permite avançar uma possível explicação para diferentes padrões de comportamento. Para além disso, a dimensão da nossa amostra não nos permitiria igualmente qualquer extrapolação de maior abrangência.

Ainda ao nível das estratégias de coping é curioso referir que as estratégias de regulação emocional: fuga são as que apresentam uma associação mais directa e significativa com a percepção de ameaça de desemprego, seguidas das estratégias de resolução de problemas (r=0,26 e p=0,003; r=0,20 e p=0,02, respectivamente). Este facto poderá inscrever-se igualmente na existência do hipotético "estilo latino de coping", na medida em que a vertente emocional/ afectiva seria considerada mais eficaz enquanto redutora do stress.

Analisando agora as variáveis organizacionais há a referir que não se encontraram diferenças significativas relativamente ao tipo de cultura organizacional dos diferentes bancos, havendo a destacar uma tendência geral de culturas predominantemente orientadas para as regras e de um peso mais fraco da vertente de orientação para o apoio. Este facto, juntamente com os elevados níveis de identidade profissional encontrados, poderá levar-nos a questionar a existência de uma cultura organizacional de sector profissional por oposição a culturas individuais e diferenciadas entre instituições. Assim sendo, tratar-se-ia de um sector de actividade marcado por fortes directrizes de funcionamento e ancestralidade comuns, eventualmente definidoras ou influenciadoras das organizações que nele operam.

A esta forte identificação com o grupo profissional poderemos acrescentar a utilização pela maioria dos sujeitos (cerca de 83% da amostra) da designação "bancário" para a sua definição profissional, sendo este tipo de designação uma referência directa ao sector de actividade e não a uma função determinada. Deste modo, somos levados a encarar a identificação com o grupo profissional como potenciadora de uma avaliação favorável dos recursos para enfrentar uma situação de ameaça de desemprego. Assim, poderá colocar-se a hipótese de a identificação com o grupo profissional conter implicitamente a ideia da partilha de skills e competências profissionais mais ajustadas para fazer face a situações de incerteza laborai.

Passando agora à questão central deste estudo — articulação das variáveis individuais e organizacionais —, poderá dizer-se que os resultados revelam globalmente uma orientação no sentido das hipóteses de trabalho inicialmente definidas, havendo, no entanto, a salvaguardar o facto de nenhuma das correlações encontradas ser elevada. Assim, parece haver uma relação entre o tipo de cultura organizacional e a percepção de ameaça de desemprego, podendo destacar-se a ideia da existência de factores de ordem afectiva (culturas de apoio) e racional (culturas de inovação e de objectivos) enquanto dimensões moderadoras dos níveis de ameaça percepcionados.

Enquadrando a nossa análise no modelo dos valores contrastantes relativamente às culturas de apoio e inovação — existindo uma maior preocupação com o desenvolvimento dos recursos humanos e sendo valorizados aspectos como a cooperação, o envolvimento e a confiança, que poderão contribuir para a percepção de suporte social —, é natural que os indivíduos se sintam mais protegidos, não constituindo a possibilidade de desemprego uma ameaça. Em culturas essencialmente orientadas para a inovação, poderemos interpretar este sentimento de protecção como oriundo de uma maior familiaridade com situações de incerteza, instabilidade e mudança decorrentes de um maior contacto com o meio externo à organização.

Contrariamente, em culturas de orientação para as regras e os objectivos, a partilha do eixo de controlo poderá ser um elemento explicativo da proximidade dos resultados encontrados. Deste modo, a existência de mais supervisão, de estandardização de procedimentos (ainda que em níveis diferentes) e de maior previsibilidade e controlo em termos de contexto laborai poderá constituir um elemento de maior vulnerabilidade à mudança, explicando os níveis de percepção de ameaça encontrados.

No que diz respeito à avaliação dos recursos é possível destacar em cada um dos tipos de cultura organizacional alguns aspectos eventualmente responsáveis por esta avaliação favorável de recursos. Nas culturas de orientação para os objectivos (racionais), a familiaridade com o estabelecimento de objectivos e o feedback recebido do desempenho individual poderão constituir factores inspiradores de confiança na medida em que permitirão um maior controlo percebido sobre as actividades a desenvolver e uma autocorrecção do próprio desempenho. Nas culturas de orientação para a inovação, a familiaridade com situações de mudança e a necessidade de desenvolvimento de uma atitude "agressiva" e dinâmica em termos laborais poderão constituir factores facilitadores para enfrentar situações potencialmente ameaçadoras. Nas culturas de orientação para o apoio, a possibilidade de existir um maior grau de envolvimento e a "indução" de uma maior percepção de suporte social poderão tornar os indivíduos mais autoconfiantes, mais optimistas em relação ao futuro e com uma maior percepção de controlo, o que conduzirá talvez a uma avaliação mais favorável dos recursos disponíveis para enfrentar uma situação de ameaça.

Contrariamente à nossa previsão, as culturas de orientação para as regras não estão inversamente associadas à avaliação dos recursos para lidar com uma situação de desemprego, pelo que a nossa sustentação teórica desta hipótese — admitindo que o grau de envolvimento e o grau de controlo induzido seriam menores neste tipo de cultura e consequentemente poderiam surgir sentimentos de menor autoconfiança —, não parece ter sido demonstrada.

Neste momento somos levados a concluir, à semelhança dos trabalhos desenvolvidos no âmbito dos novos paradigmas para o estudo do stress organizacional, que a cultura organizacional poderá constituir uma fonte geradora de stress ocupacional. A ilustrar esta ideia refira-se a avaliação de diferentes níveis de ameaça de desemprego em função do tipo de cultura em que os sujeitos estão inseridos. Por outro lado, é curioso referir que é uma variável organizacional (identidade profissional) que se mostra mais associada a uma avaliação favorável dos recursos individuais, facto indicativo de serem os aspectos associados ao contexto profissional, especialmente questões ligadas a uma interpretação e significação pessoal e não tanto questões "objectivas" e conjunturais, que se revelam mais eficazes na construção de uma avaliação favorável dos recursos para enfrentar uma situação potencialmente ameaçadora. Nesta sequência, é nos dado pensar que aspectos desta natureza poderão constituir um campo privilegiado a explorar em trabalhos de prevenção do stress organizacional.

Seguidamente, vejamos algumas aplicações práticas deste estudo. Numa perspectiva de saúde organizacional, e partindo do conhecimento do tipo de cultura de uma organização (o seu posicionamento relativo nos vários quadrantes do modelo dos valores contrastantes de Quinn, por exemplo), poderemos tentar avaliar o nível de stress organizacional induzido (incidência relativa das várias fontes geradoras de stress ocupacional, nomeadamente papel do indivíduo na organização, desenvolvimento da carreira, relações interpessoais, etc.), e consequentemente antecipar a avaliação individual dos recursos disponíveis para enfrentar uma situação potencialmente ameaçadora e por último a grau de ameaça percepcionado.

Numa óptica de intervenção e desenvolvimento organizacional, o conhecimento destes três vectores de informação, relativos ao indivíduo e à organização poderão viabilizar uma actuação eficaz a dois níveis. Por um lado, em termos de concepção e implementação de programas de prevenção e gestão do stress organizacional — se soubermos quais são, dentro de cada organização, as áreas potencialmente geradoras de stress e se estivermos conscientes da influência da informação do meio envolvente (meio externo e mercado de trabalho) nas percepções individuais de ameaça, é possível actuar exactamente ao nível da modificação dos factores críticos ou de risco para o stress ocupacional. Por outro lado, em termos de políticas de funcionamento interno e de gestão de recursos humanos, poderemos destacar a crescente importância de medidas de desenvolvimento individual (formação, desenvolvimento da carreira, etc.) e de medidas conducentes ao reforço da identidade profissional enquanto factores preventivos de stress e consequentemente redutores da percepção de ameaça de desemprego (pela via do reforço da avaliação dos recursos individuais).

Para finalizar, gostaríamos de fazer referência à importância da continuidade dos trabalhos no âmbito do cruzamento de variáveis individuais e organizacionais, tal como fizemos neste estudo. Apesar de se tratarem de campos de análise muito diferenciados, constitui uma área de investigação extremamente útil na medida em que nos poderá permitir, conceptualmente, a associação de variáveis de níveis de análise diferentes e, empiricamente, algum avanço ao nível da descoberta de factores facilitadores da compatibilização de interesses individuais e organizacionais.

 

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