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Psicologia
versão impressa ISSN 0874-2049
Psicologia vol.14 no.1 Lisboa jan. 2000
A emoção expressa dos familiares de esquizofrénicos e as recaídas dos doentes
Expressed Emotion of Schizophrenic Families and the Patients Relapse
Filipe Damas dos Reis1; Julieta Chainho2; Jacinto António3; António Paiva4; Ana Marques5; Ana Real6; Fátima Lourenço7; Jacinta Vieira8; Amâlia Silva9; Vitor Cotovio10; Paulina Santos11
1-11Núcleo de Estudos da Esquizofrenia, Departamento de Psiquiatria e Saúde Mental do Hospital Nossa Senhora do Rosário, Barreiro.
RESUMO
Este trabalho é um estudo de replicação das recaídas de doentes esquizofrénicos, num seguimento de 12 meses, e da emoção expressa (EE) das famílias dos doentes. Numa amostra de 53 doentes esquizofrénicos crónicos, a EE dos familiares foi avaliada pela Camberwell Family Interview (CFI). Os doentes estavam em tratamento psiquiátrico ambulatório com neurolépticos. A análise de conteúdo das entrevistas revelou que 66% das famílias eram do tipo EE alta e 34% do tipo EE baixa. Os scores das escalas da CFI foram: comentários críticos 4,1 (média), a hostilidade foi expressa por 15% dos familiares e a sobre-implicação emocional por 23%. Trinta e sete familiares são do sexo masculino e 41 do sexo feminino. Os familiares do sexo feminino expressaram mais sobre-implicação emocional (37%) que os do sexo masculino (8%). Durante os 12 meses de seguimento, recaíram 57% dos doentes que viviam em famílias de EE alta e 17% dos que viviam em famílias de EE baixa. A comparação com os resultados de diferentes estudos realizados em diferentes países mostra maior semelhança entre os nossos resultados e os dos estudos espanhóis, designadamente em relação ao criticismo dos familiares que é maior nos estudos anglo-saxónicos. Apesar da dimensão cultural da EE, os resultados confirmam a constatação geral de que recaem mais os doentes que vivem em famílias de EE alta.
Palavras-chave Esquizofrenia; emoção expressa; recaídas.
ABSTRACT
This is a replication study of schizophrenic relapse in a 12 months follow-up and the Expressed Emotion (EE) of patients' families. A sample of 53 chronic schizophrenics families was evaluated by Camberwell Family Interview (CFI). Patients are in psychiatric ambulatory treatment with neuroleptics. After interview analysis, 66% families had high EE and 34% low EE Scores of CFI scales are: critical comments 4,1 (mean), hostility was expressed in 15% of relatives and over-involvement in 23%. 37 patients' relatives are male and 41 female. Female relatives show more emotional over-involvement (37%) than male relatives (8%). Follow-up relapse rate is 57% for patients living in high EE families and 17% for patients living in low EE families. Comparing data of different studies, made in different countries, our study, as well as a Spanish one, has lower criticism than English studies. In spite of this EE cultural dimension results agree with the general conclusion that patients relapse rate is greater in those who live in high EE families than in low EE families.
A esquizofrenia é uma doença mental heterogénea nas suas manifestações sintomáticas e formas de evolução. Esta particularidade desde logo levou os clínicos a estudarem os factores de prognóstico dos diferentes cursos da doença. Na sua maioria estes factores relacionam-se com aspectos sociodemográficos, formas de início e tipo de resposta ao tratamento psicofarmacológico.
Brown, Carstairs e Topping (1958) publicaram um estudo sobre a adaptação pós-hospitalar dos doentes mentais crónicos. Nesse estudo os autores verificaram que, após a alta hospitalar, os doentes que viviam sós ou com um membro da fratria recaíam menos que os que viviam com os pais. As percentagens encontradas foram 17% de recaídas para os primeiros e 36% para os segundos. Esta diferença foi atribuída pelos autores ao tipo de clima emocional das diferentes famílias.
Para avaliar esse clima emocional, Brown e Rutler (1966) elaboraram um guia de entrevista dos familiares a que chamaram Camberwell Family Interview (CFI). Através da análise discriminante identificaram três dimensões nas respostas dos familiares, quando se referiam ao doente, que se relacionavam com a taxa de recaídas num seguimento de nove meses.
Estas dimensões são os comentários críticos, (cc), a hostilidade (Ho) e a sobre-implicação emocional (SIE).
Foram identificadas, para além destas, outras dimensões, como os comentários positivos e o calor afectivo, que não revelaram qualquer relação com as taxas de recaídas no período de seguimento considerado.
Os autores verificaram ainda que os scores das dimensões da CFI variavam pouco no decurso dos nove meses de seguimento.
Ao conjunto das três primeiras dimensões Brown chamou emoção expressa (EE) das famílias. Consoante os valores destas dimensões as famílias são tipificadas em famílias de EE alta ou baixa.
Brown, G. (1972) fez o primeiro estudo de replicação que confirmou o valor preditivo de recaídas da EE alta.
O interesse pelo estudo das famílias dos esquizofrénicos é anterior aos trabalhos de Brown. Contudo, ao contrário deste, os estudos anteriores procuravam na comunicação intrafamiliar as causas da doença. Brown salientou a importância da EE das famílias dos doentes, não na génese da doença mas na sua evolução a relativamente curto prazo.
Posteriormente, Vaughn e Leff (1976) reduziram a extensão da CFI e replicaram os primeiros trabalhos. Os resultados que obtiveram confirmaram os resultados iniciais. Neste estudo recaíram 51% dos doentes que viviam em famílias de EE alta e 13% dos que viviam em famílias de EE baixa. Identificaram ainda um outro factor com relevância na previsão das recaídas, que é o tempo de contacto face-a-face dos doentes com os familiares de EE alta.
Constataram que, nos doentes em que o tempo de contacto face-a-face com familiares de EE alta era superior a 35 horas semanais, 69% destes recaíram e, naquelas em que o tempo de contacto era inferior às 35 horas, recaíram apenas 28%.
A estes estudos sucederam outros que, na sua maioria, confirmaram os resultados, mesmo quando realizados em diferentes culturas. Aceita-se que a EE dos familiares traduz o modo como estes se relacionam com o doente. Por este facto é uma variável atitudinal fortemente influenciada por factores culturais. Esta particularidade dá aos estudos de replicação, quando efectuados em diferentes culturas, informações adicionais no âmbito da psiquiatria transcultural.
Os estudos comparados mostram que os resultados encontrados em famílias anglo-saxónicas são diferentes dos encontrados em famílias indianas e espanholas (Leff & Vaughn, 1985; Gutierrez et al, 1988; Arévalo & Vizcarro, 1989; Montero et dl., 1990).
A CFI não é, em rigor, uma escala de emoções, mas antes uma forma de avaliar as atitudes dos familiares em relação ao doente. Trata-se de uma entrevista individual semi-estruturada, cuja análise de conteúdo é feita no sentido de quantificar as três dimensões que se relacionam com as recaídas: comentários críticos (cc), hostilidade (Ho) e sobre-implicação emocional (SIE).
As duas primeiras dimensões, cc e Ho, têm uma forte relação entre si. São do mesmo tipo e têm subjacentes atitudes de rejeição do doente quando o número dos cc é elevado ou os familiares tiveram um score igual ou superior a 2 na escala da hostilidade. ASIE é de tipo diferente relaciona-se com a superprotecção e envolvimento afectivo do familiar do doente.
Depois dos trabalhos pioneiros de Brown (Brown, Cartairs, & Topping, 1958; Brown & Rutler, 1966), sucederam-se múltiplos estudos de replicação. De 1962 a 1992, estão referenciados 27 estudos com seguimentos de 9 a 12 meses: cinco em Inglaterra, um na Escócia, três na Alemanha, dois em Itália, dois na Polónia, um na Suíça, cinco nos Estados Unidos, um na índia, dois na Austrália, um na Jugoslávia, um na Checoslováquia e três em Espanha (Kavanagh, 1992).
Uma análise de agregação de 26 destes estudos, correspondendo a 1.323 doentes, num seguimento de 9 a 12 meses, revelou percentagens de recaídas de 23%, para os doentes com famílias de EE baixa, e de 50%, para os doentes com famílias de EE alta (Kavanagh, 1992).
Foi para confirmar estes resultados numa amostra de doentes portugueses que decidimos efectuar este estudo com doentes esquizofrénicos crónicos e em tratamento psiquiátrico ambulatório.
Amostra
A amostra é constituída por 53 doentes esquizofrénicos crónicos, de ambos os sexos, com idades compreendidas entre os 18 e os 50 anos. Todos fazem tratamento com neurolépticos e frequentam a consulta externa de psiquiatria do Departamento de Psiquiatria e Saúde Mental do Hospital Nossa Senhora do Rosário.
Todos vivem com a família, 89% (47) em área urbana e 11% (6) em área rural-urbana. Globalmente a caracterização dos doentes é a que consta do quadro 1
Os diagnósticos dos doentes, segundo a DSM III-R (APA, 1987) são os que constam do quadro quadro 2
O nível global de funcionamento psicossocial dos doentes foi avaliado pelos médicos assistentes através da global assessement function scale (GAF) (APA, 1987). A média das cotações é 47, a mediana 50 e o desvio-padrão 15, num intervalo de 10 a 80.
Esta média corresponde à presença de sintomas graves ou grave incapacidade social, ocupacional ou escolar. Em síntese, podemos dizer tratar-se de uma amostra com predomínio de doentes diagnosticados com esquizofrenia paranóide, com marcada sintomatologia e de evolução crónica. A maioria dos doentes são solteiros, do sexo masculino e sem actividade profissional. Residem maioritariamente em zona urbana. A percentagem de doentes com recaídas no ano anterior ao início do estudo é 34% (18 doentes).
Aos 53 doentes da amostra correspondem 78 familiares, 41 do sexo feminino e 37 do sexo masculino.
Os graus de parentesco dos familiares, com mais de 18 anos, que coabitam com os doentes estão distribuídos nas seguintes proporções: mães 41% (32), pais 33,3% (26), irmãos 7,6% (6), cônjuges 5% (4), filhos 3,8% (3), avós 2,5% (2), madrastas 2,5% (2), tias 2,5% (2), cunhada 1,3% (1).
Nem todos os agregados familiares são constituídos pelo mesmo número de pessoas. Assim, 21 famílias são constituídas por duas pessoas, 4 por três e 2 por quatro.
Os tipos de lar-residencial são: parentais 79,2% (42), conjugal 7,6% (4), fraterno 7,6% (4), de outro tipo 5,6% (3).
Método
O objectivo deste trabalho é o estudo prospectivo das recaídas dos doentes esquizofrénicos durante 12 meses de seguimento. Pretende-se saber se existe relação entre as recaídas dos doentes e a emoção expressa (EE) dos familiares em relação ao doente.
Para avaliar a EE dos familiares seguiu-se o método da Cambarwell Family Interview (CFI) (Leff & Vaughn, 1985). Trata-se de uma entrevista semiestruturada, durante a qual são abordadas questões relacionadas com a doença e o comportamento do doente. As entrevistas foram gravadas e o seu conteúdo analisado por dois avaliadores independentes.
A análise de conteúdo tem por finalidade avaliar os seguintes parâmetros do discurso dos familiares: número de comentários críticos (cc), a hostilidade (Ho) e a sobre-implicação emocional (SIE). Estes três parâmetros são os usados na generalidade dos trabalhos de investigação para tipificar a EE dos familiar es.
Os comentários críticos são apreciações de conteúdo desfavorável acerca do doente, quer quanto ao seu comportamento quer quanto à sua personalidade.
A sua cotação é feita atendendo-se ao conteúdo depreciativo do discurso e à tonalidade vocal com que é expresso. A tonalidade vocal é determinante para a cotação de um comentário crítico.
A hostilidade corresponde à expressão de um sentimento negativo e generalizado em relação ao doente, mais pelo que ele é do que pelo que faz.
A hostilidade pode revestir-se de dois aspectos: como generalização do criticismo ou através de comentários de rejeição.
Os comentários de rejeição são a forma mais directa de expressão de um sentimento negativo e de franco desagrado.
A hostilidade é uma avaliação global: ou existe ou não existe. Nem sempre está associada a um número elevado de comentários críticos. Pode mesmo existir numa entrevista em que o entrevistado não faça comentários críticos.
A sobre-implicação emocional é uma dimensão de natureza diferente da dos parâmetros anteriores. Pode apresentar dois aspectos: como comportamentos pretéritos do entrevistado relatados na entrevista ou como comportamentos manifestos do entrevistado durante a realização da entrevista.
Os primeiros correspondem a reacções emocionalmente exageradas do familiar, localizadas no passado. Por exemplo, a ansiedade directamente relacionada como o bem-estar do doente ou uma identificação exagerada entre o familiar e o doente.
Por vezes são comportamentos de auto-sacrifício pelo doente. O familiar vive mais para o doente do que para si próprio. São também deste tipo os comportamentos de superprotecção e inadequados à idade do doente.
Os comportamentos manifestados durante a entrevista e classificados como sobre-implicação emocional, são a auto-explicitação de atitudes acompanhadas de emoções e dramatizações (choro, raiva, ansiedade).
A cotação destas três variáveis faz-se da seguinte forma.
1) Comentários críticos: contabiliza-se o número de comentários deste tipo durante a entrevista.
2) Hostilidade: segue-se uma escala de 4 pontos: (0) ausente, (1) hostilidade com generalização, (2) hostilidade com rejeição, (3) hostilidade com generalização e rejeição.
3) Sobre-implicação emocional: uma escala de 6 pontos: (0) ausente, a (5) marcadamente alta.
Adopta-se como critério para um familiar ser considerado de EE alta, ter um número de cc=6 e/ou Ho e/ou SIE=3.
A presença de pelo menos um destes parâmetros com estes scores é suficiente para classificar o familiar como de EE alta. No caso de a família ser constituída por mais de um familiar, considera-se como família de EE alta aquela em que pelo menos um dos familiares tem uma EE alta. Como família de EE baixa aquela cujos membros são todos do tipo EE baixa.
Assim, depois de classificadas as 33 famílias da amostra, estas são divididas em dois grupos, as de EE alta e as de EE baixa.
Em seguida comparam-se as recaídas dos doentes durante o seguimento segundo o tipo da EE das famílias.
A identificação dos doentes que recaem é feita pelos médicos assistentes. Entende-se por recaída o ressurgimento dos sintomas psicóticos, nos doentes que estavam em remissão sintomática, ou a descompensação ou agravamento dos sintomas, nos doentes que tinham sintomas residuais.
Os médicos assistentes avaliaram, no início do estudo, cada doente com a escala GAF. Na análise estatística comparam-se ainda as variáveis anteriores com o sexo, a idade dos doentes e o tempo de evolução da doença. Os médicos desconheciam a que grupo de EE pertenciam as famílias dos doentes.
Resultados
As cotações das entrevistas feitas por dois avaliadores independentes reveláramos seguintes coeficientes de correlação: cc: r=0,74 (p<0,01); Ho: Fi=0,27 (p<0,04); SIE: Fi=0,48 (p<0,01). Dos 78 familiares avaliados pela CFI, 50% (39) têm EE alta e 50% (39) EE baixa. A comparação entre o sexo e a EE dos familiares revelou as diferenças observáveis no quadro 3.
Constata-se haver predomínio de EE alta nos familiares de sexo masculino e de EE baixa nos de sexo feminino. A média dos cc é 4,1 num intervalo de G a 25.
A comparação dos cc com o sexo dos familiares não revelou diferenças significativas, conforme se pode verificar no quadro 4. A Ho verificou-se em 15% (12) dos familiares, 11% (4) do sexo masculino e 20% (8) do sexo feminino. Não há diferença significativa entre a Ho e o sexo dos familiares (p>0,19, biomial).
A SIE com score superior ou igual a 3 foi avaliada em 23% (18) dos familiares, 8% (3) do sexo masculino e 37% (15) do sexo feminino.
Os familiares do sexo feminino revelam significativamente mais SIE que os do sexo masculino (p<0,04, biomial).
As famílias da amostra são predominantemente do tipo EE alta, 66% (35), e 34% (18) do tipo EE baixa.
A idade dos doentes correlaciona-se de forma inversa com a EE das famílias, rpbi=-0,37 (p<0,05). Quanto mais novos são os doentes maior a probabilidade de as famílias serem de EE alta.
O tempo de evolução da doença também se correlaciona de forma inversa com a EE das famílias, rpbi=-0,41 (p<0,05). Quanto mais tempo de evolução maior a probabilidade de as EE serem baixas.
Durante os 12 meses de seguimento, recaíram 23 doentes (43%), 7 do sexo feminino (30,4%) e 16 do sexo masculino (69,6%). Não há diferenças significativas entre recaídas e sexo dos doentes (x2=0,07). A proporção de recaídas em função da EE pode observar-se no quadro 5. Recaíram mais os doentes cujas famílias têm EE alta e menos os doentes de famílias com EE baixa.
As correlações entre os scores da escala GAF, a idade dos doentes (r=0,08), o tempo de evolução da doença (r=0,7), as recaídas dos doentes durante o seguimento (rpbi=0,23) e a EE das famílias (rpbi=0,29), não são significativas.
Análise dos resultados
Amostra e método
A amostra é de dimensão média, se comparada com a maioria dos estudos realizados. Revela uma desproporção nos sexos dos doentes, pois há um predomínio de doentes do sexo masculino. São doentes com esquizofrenia crónica, com elevado tempo médio de evolução da doença, 8,7 anos. Na maioria são solteiros, 83%, e vivem com os progenitores 79,2%.
Todos estavam em tratamento ambulatório na altura do estudo. Este aspecto distingue este trabalho de outros, em que os doentes se encontravam internados por descompensação, tendo os familiares sido entrevistados nessa altura.
Apesar de os doentes estarem a tomar psicofármacos há, na amostra, uma percentagem elevada de recaídas nos 12 meses de seguimento, 43%. Este facto atesta o carácter crónico dos doentes, muitos deles com sintomatologia residual.
Os cuidados prestados pelo departamento a estes doentes seguem uma filosofia de internamentos de curta duração, o que transfere para as famílias o ónus dos cuidados ambulatórios. Este facto aumenta a sobrecarga das famílias e pode afectar as atitudes dos familiares em relação aos doentes, designadamente aqueles com mais grave sintomatologia residual.
As EE dos familiares
Há na amostra idêntico número de familiares com EE alta e EE baixa. Contudo, são os familiares do sexo feminino que têm mais EE baixa, 76,2%. Relativamente à EE alta não há tão marcada diferença, 56% para os do sexo masculino e 44% para os do sexo feminino.
O número médio dos cc não difere consoante o sexo dos familiares. A média global, 4,1, é semelhante à de outros estudos (e. g., Kavanagh, 1992).
A Ho, não associada ao criticismo, foi observada em 15% dos familiares da amostra, valor também semelhante ao de outros estudos. A sobre-implicação emocional revelou, para os diferentes sexos, maior proporção nos familiares do sexo feminino.
A proporção de famílias da amostra com EE alta, 66%, e EE baixa, 34%, é também semelhante à encontrada noutros estudos (Kavanagh, 1992), particularmente nos estudos ibéricos (na Galiza, Gutierrez et al, 1988; em Madrid, Arévalo & Vizcarro, 1989; e em Valência, Montero et al., 1990), conforme exposto no quadro 6.
Emoção expressa das famílias e recaídas dos doentes
Os resultados deste estudo confirmam a hipótese de que os doentes que vivem com famílias de EE alta têm mais probabilidades de recaírem do que aqueles que vivem com famílias de EE baixa; todavia é de salientar que apesar de alguns doentes esquizofrénicos viverem com famílias de EE alta, 43% não recaem nos 12 meses de seguimento. Naqueles que vivem com famílias de EE baixa a percentagem dos que recaem é bastante menor do que a daqueles que não recaem, respectivamente 17% e 83%.
Este facto levanta aigumas questões relativas à interpretação dos possíveis efeitos da EE alta nos doentes. Haverá, como já foi demonstrado, outros factores que intervêm nas recaídas dos doentes, para além do clima emocional familiar. Entre estes estão o tempo de contacto face-a-face dos doentes com os familiares hipercríticos e hostis, assim como os acontecimentos vitais stressantes para os doentes, factores que não foram avaliados neste estudo.
A semelhança do referido por Leff e Vaughn (1985) verificou-se uma correlação inversa entre a idade dos doentes e a EE das famílias. O mesmo acontece com o tempo de evolução da doença. Tal facto pode eventualmente relacionar-se com o burn-out dos familiares à medida que vêem gorar-se as expectativas de cura devidas à própria evolução da doença.
Análise comparada de diferentes estudos
Das cerca de três dezenas de trabalhos sobre EE referenciados (Kavanagh, 1992), seleccionámos alguns que, devido ao facto de terem sido realizados em contextos culturais diferentes, permitem comparar os resultados, atendendo a esta importante variável.
Os aspectos culturais são, nestes estudos, um factor importante, uma vez que as atitudes avaliadas estão fortemente relacionadas com eles (Arévaio & Vizcarro, 1989b; Leff & Vaughn> 1985).
Relativamente às dimensões da CFI o quadro 7 deixa transparecer algumas dessas diferenças.
A observação do quadro mostra como dado mais saliente a diferença das médias dos cc. Nos países de cultura anglo-saxónica a média dos cc é superior à dos países ibéricos. A média menor foi obtida no estudo efectuado na índia.
Os valores percentuais da Ho e SIE parecem, nos diferentes estudos, relacionar-se com factores que dependem da amostra dos doentes e de factores geodemográficos. Nos meios rurais ou em países menos desenvolvidos, caso do estudo da Galiza ou de Candigarh na índia, os familiares das amostras revelam menos Ho e menos SIE. Nos estudos efectuados em meio urbano, parece haver mais Ho e mais SIE (Bebbington & Kuipers, 1992).
A interpretação destas comparações depende das características das amostras dos doentes com as quais os estudos foram realizados. No quadro 8 podem observar-se as características gerais das amostras com que se obtiveram os resultados do quadro anterior.
As amostras inglesas e madrilena têm um maior equilíbrio na proporção dos sexos dos doentes. Ada Galiza e a nossa são as que revelam maior preponderância de doentes do sexo masculino. O estado civil solteiro tem maior percentagem nas amostras da Galiza, de Los Angeles e do Barreiro.
São mais jovens e com menos tempo de evolução os doentes dos estudos de Valência e Los Angeles. As percentagens de doentes que vivem com os pais são maiores nos estudos de Los Angeles e nos estudos ibéricos.
O estudo da índia, Candigarth, foi efectuado com uma amostra de doentes com primeiro surto da doença.
Outras variáveis de comparação das amostras dos estudos ibéricos, não comparadas anteriormente, podem observar-se no quadro 9.
A análise dos dois últimos quadros mostra haver maior semelhança entre a nossa amostra e as da Galiza e de Madrid. Com a primeira, há semelhanças no tempo de evolução da doença, proporção de sexos, estado civil, idade dos doentes e proporção de pais da amostra. A metodologia foi semelhante. Os doentes estavam também em tratamento psiquiátrico ambulatório. Com a amostra de Madrid as semelhanças encontram-se nas idades dos doentes, no tipo de lares onde vivem, na percentagem de recaídas durante o seguimento e na percentagem de mães em coabitação com o doente. Os doentes viviam em meio urbano, mas estavam internados no início do estudo. Os doentes da amostra da Galiza viviam num meio "rural-costeiro", zona de pescadores.
Outras características, como a percentagem de recaídas dos doentes, independentemente do tipo da EE familiar e dos scores da CFI aproximam a nossa amostra da do estudo de Arévalo e Vizcarro realizado em Madrid.
As percentagens de recaídas durante o seguimento são semelhantes, 42% na amostra de Madrid e 43% na do Barreiro.
Também as percentagens de famílias com EE alta das amostras são da mesma grandeza, 58% para o estudo de Madrid e 66% para o do Barreiro. No estudo de Gutiérrez e colaboradores efectuado na Galiza a percentagem da EE alta é apenas de 34%.
Estas semelhanças e diferenças relacionam-se possivelmente com os tipos de meio, os padrões de organização social e o nível socioeconómico das famílias.
Nos meios urbanos as famílias parecem ser mais críticas, hostis e sobre-implicadas emocionalmente que nos meios rurais.
Porém, os resultados mostram que qualquer que seja o meio geodemográfico ou o tipo de evolução da doença, primeiros surtos ou evolução crónica, as recaídas relacionam-se com o tipo de EE das famílias com as quais os doentes vivem.
Apesar de a CFI, na versão de Vaughn e Leff, ser uma forma abreviada da versão original de Brown e Rutler, esta é ainda um instrumento demasiado complexo para ser aplicado na actividade clínica quotidiana. No entanto, trata-se de uma técnica com especial interesse nos trabalhos de investigação, uma vez que os vários estudos de replicação lhe vieram conferir a capacidade de previsão das recaídas dos doentes. Nos 24 estudos referenciados por Kavanagh (1992), 16 revelaram diferenças significativas nas recidivas dos doentes e 8 não.
Os critérios de cotação das famílias como EE alta não foram os mesmos desde o início dos estudos. No segundo trabalho de Brown (1972), o ponto de corte dos cc foi 7. Em 1976, Vaughn e Leff adoptaram o valor 6. Também os scores da SIE mudaram. Inicialmente foi adoptado o score 4, como ponto de corte e, em 1986, MacMillan adoptou o valor 3. Desde então estes valores têm-se mantido.
Estes aspectos relacionados com os pontos de corte dos scores da CFI são de grande relevância, uma vez que a percentagem dos doentes que recaíram se relaciona directamente com eles.
A teoria da vulnerabilidade-stress enquadra a EE alta das famílias no contexto dos factores stressantes do meio, susceptíveis de provocarem reagudizações nos doentes vulneráveis. A adopção de determinado ponto de corte dos cc ou da SIE, implica assim uma relação com a intensidade das atitudes de intolerância dos familiares em relação aos doentes. O criticismo e a sobre-implicação emocional deveriam nesta óptica atingir um valor limiar suficiente para descompensar o doente (Fossati & Allilaire, 1998; Nicholson, 1998).
A pretendida universalidade dos valores adoptados nos pontos de corte não tem em conta o relativismo cultural dos padrões de comportamento dos familiares em relação aos doentes, nem os sistemas de cuidados de saúde que abrangem as populações.
Outros aspectos relativos à caracterização das amostras dos doentes, como o tempo de evolução da doença, a idade e o sexo dos doentes, não parecem afectar a EE das famílias nem estar relacionados com as recaídas durante o seguimento.
Os nossos resultados estão de acordo com os de outros trabalhos efectuados. Recaem 3,4 vezes mais, em 12 meses de seguimento, os doentes que vivem com famílias de EE alta do que os que vivem com famílias de EE baixa.
Os aspectos culturais da EE são salientados na comparação com os outros estudos realizados em diferentes países. Os scores das dimensões da CFI do nosso estudo são idênticos aos dos estudos espanhóis, o que está de acordo com as semelhanças culturais dos dois povos e os distingue dos anglo-saxónicos, nomeadamente em relação à média dos cc dos familiares das amostras, que é mais baixa nos estudos ibéricos.
Referências
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