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Psicologia
versão impressa ISSN 0874-2049
Psicologia vol.14 no.1 Lisboa jan. 2000
Terapêutica medicamentosa da esquizofrenia A utilização de neurolépticos orais versus neurolépticos depôt monitorizados: um estudo retrospectivo de três anos (1994 /1996)
Treatment of schizoprenics patients. Depot neuroleptics versus oral neuroleptics. A three years comparative trial
Luiz Cortez Pinto*; António Paiva2; Julieta Chainho3; Filipe Damas dos Reis4
1Assistente de Psiquiatria Graduado em Chefe de Serviço do Hospital Júlio de Matos, Lisboa;
2Assistente de Psiquiatria do Hospital Nossa Senhora do Rosário, Barreiro;
3Assistente de Psiquiatria do Hospital S. Bernardo, Setúbal
4Assistente de Psiquiatria Graduado em Chefe de Serviço do Hospital Nossa Senhora do Rosário, Barreiro.
RESUMO
A não aderência à terapêutica é uma complicação muito frequente no tratamento dos doentes com esquizofrenia. Este estudo compara a eficácia do tratamento de doentes com diferentes terapêuticas: neurolépticos orais e neurolépticos depôt monitorizados, num período de três anos. Reviram-se os processos clínicos de 183 doentes com o diagnóstico de esquizofrenia, que estiveram sujeitos a tratamento com neurolépticos por um período superior a três anos. Constituíram-se dois grupos: um sujeito apenas a neurolépticos orais (no) e outro a fazer neurolépticos depôt monitorizados (ndm). O grupo ndm teve menor número de recaídas, menos internamentos e duração de internamentos mais curta do que o grupo no. A utilização de ndm mostrou ser uma melhor opção nos doentes com dificuldades de adesão terapêutica.
Palavras-chave Esquizofrenia; neurolépticos depôt; neurolépticos orais.
ABSTRACT
Non compliance is a major problem in the treatment of schizophrenic patients, the present study compares the efficacy between oral neuroleptics and depot neuroleptics in preventing non-compliance. Medical charts of 183 schizophrenic patients receiving neuroleptics for a period longer than three years were enrolled in a study to compare the efficacy of two different neuroleptics treatments. One group receives only oral neuroleptics (no) and the other depot neuroleptics (ndm). The group on depot neuroleptics had fewer relapses, rehospitalizations, and lesser hospitalisation days. Switching a patient on no to ndm could be a good option for treatment-refractory patients or those with poor oral compliance.
Introdução
A esquizofrenia é uma doença de evolução crónica, que afecta mais os homens do que as mulheres (Iacono & Beiser, 1992), sendo a maioria solteiros. Grande número destes doentes não se conseguem manter profissionalmente activos (Morton et al, 1994), tendo a maior parte indicação para tratamento medicamentoso prolongado (Johnson, 1981).
Apesar de anteriormente ter havido várias tentativas (com resultados equívocos) para tratar a esquizofrenia (Matos, 1911), considera-se que a terapêutica verdadeiramente eficaz da Esquizofrenia apenas foi iniciada em 1950, com a descoberta, por Carpentier, do medicamento Cloropromazina, protótipo da série dos neurolépticos, e a constatação por Laborit das suas propriedades psicofarmacológicas. Em 1954, Delay e Deniker utilizaram a Cloropromazina no tratamento das psicoses, e em 1958, Jansen descobre o Haloperidol, neuroléptico com efeito mais incisivo do que a Cloropromazina no controlo dos sintomas positivos da esquizofrenia (Kaplan & Sadock, 1993). Os Neurolépticos impuseram-se desde então como terapêutica de primeira linha no tratamento da esquizofrenia. Apesar da eficácia dos neurolépticos, há situações raras, em que estes são pouco eficazes (Jalenques, 1996).
As intervenções terapêuticas na esquizofrenia não se esgotam na administração de medicamentos, sendo necessário, na maior parte dos doentes, que a terapêutica farmacológica seja acompanhada por reabilitação psicossocial (Rosenhec et al, 1998) para além de outras intervenções psicoterapêuticas.
No final da década de 70 foram introduzidos neurolépticos com administração por injecção intramuscular e que permitiam manter os doentes equilibrado por um período de duas a quatro semanas. Estes foram denominados neurolépticos depôt (Healey, 1993). Têm sido descritas as vantagens das preparações depôt n aderência terapêutica dos doentes com dificuldades de compliance (Barnes, 1988) na prevenção das recaídas (Kissling, 1991). Os neurolépticos depôt permitem ainda evitar problemas relacionados com a absorção oral, mantendo níveis séricos mais estáveis (Gerlach, 1995). Alguns autores, no entanto, indicam como inconveniente das preparações depôt a maior incidência de efeitos secundários (Wistedt, 1981 Gibson, 1981).
Os neurolépticos depôt mais utilizados são os decanoatos de Haloperidol, de Flufenazina, de Flupentixol, de Zuclopentixol e de Perfenazina (Bazire, 1997), sendo os dois primeiros os mais frequentemente utilizados no nosso país.
Tem sido prática corrente, em alguns departamentos de psiquiatria dos hospitais gerais e em hospitais psiquiátricos, a administração de neurolépticos depô Monitorizados (ndm), ou seja, com o controlo regular dos doentes por técnicos de saúde mental, que se encarregam da administração do neuroléptico depôt e monitorizam a regularidade da comparência dos doentes no hospital. Em algumas situações, o técnico toma a iniciativa de convocar os doentes eventualmente em falta e quando se justifica, a administração do neuroléptico depôt é feita no domicílio do doente.
Avaliada num curto espaço de tempo, a eficácia da terapêutica com neurolépticos orais é semelhante à da terapêutica com neurolépticos depôt monitorizado: (Malcon & Herrington, 1990). Em programas terapêuticos de longa duração, devido a dificuldades de compliance, são de esperar diferenças entre os dois regimes terapêuticos (Gibson, 1981; Barnes, 1991).
Metodologia
Para avaliar a diferença entre os dois regimes terapêuticos mais utilizados, neurolépticos depôt monitorizados (ndm) e Neurolépticos Orais (no), constituíram-se doís grupos de amostra de doentes de ambos os sexos com o diagnóstico de psicose esquizofrénica (ICD 9 — 295), em tratamento no Departamento de Psiquiatria e Saúde Mental do Hospital Nossa Senhora do Rosário, no Barreiro. Ambos os grupos tinham esquizofrenia diagnosticada há dois ou mais anos antes do início do estudo.
O primeiro grupo fez ininterruptamente ndm durante três anos (de 1994 a 1996). O segundo grupo fez no mesmo intervalo de tempo apenas no.
As variáveis estudadas ao longo de três anos de follow-up foram:
1 O número de consultas efectuadas;
2 O número de doentes internados;
3 O número de internamentos;
4 O número de dias de internamento.
Para comparar as variáveis utilizou-se o teste t.
Caracterização das amostras
Num universo de 183 doentes, em que 129 eram do sexo masculino e 54 do sexo feminino, constituíram-se dois grupos. O grupo no com 85 indivíduos (54 homens e 31 mulheres) esteve sujeito a tratamento com neurolépticos orais durante os três anos de duração do estudo. O grupo ndm com 98 indivíduos (75 homens e 23 mulheres) fez, durante o mesmo período de tempo, neurolépticos depôt monitorizados.
Verificou-se que a média de idades era de 38 anos, sendo 77% dos indivíduos solteiros e a maior parte, 56%, sem profissão. A comparação dos dois grupos, no que respeita à idade, estado civil e actividade profissional (quadro 1), não revelou diferenças significativas.
Resultados
Comparadas as diferentes variáveis que nos propusemos estudar, verificou-se que a média do número de consultas (quadro 2), ao longo dos três anos de duração do estudo (cerca de quatro consultas por ano), não mostrou diferenças significativas (p>0,4) entre os dois grupos, o que se poderá dever à maior frequência de descompensações da doença, nos doentes com no, que os levam a procurar a consulta, e nos doentes com ndm ao maior apoio, aos doentes pelos técnicos.
No que respeita ao número de doentes internados (quadro 3) por descompensação psicótica, verificou-se que foram internados 44 com no e apenas 22 com ndm sendo esta diferença muito significativa.
Como se pode verificar, a média do número de internamentos por doente (quadro 4), ao longo do tempo de duração do estudo, foi significativamente inferior (cerca de 1/3) nos doentes com ndm.
Também a duração do tempo de internamento (quadro 5), foi significativamente inferior (cerca de 1/4) nos doentes com ndm.
Conclusões
A análise das variáveis estudadas permite concluir que, embora não haja diminuição do número de consultas em qualquer dos grupos estudados, o número de doentes internados foi cerca de metade nos doentes com ndm em relação aos doentes com no, o número de internamentos (considerando que cada doente pode ser sujeito a um ou mais internamentos) foi inferior a 30% no grupo com ndm e o total de dias de internamento foi inferior a 25% nos doentes com ndm em relação aos doentes com no. Fica assim demonstrada a maior eficácia dos ndm na prevenção de internamentos, na diminuição das recaídas, bem como na recuperação durante o internamento.
O aparecimento de novos neurolépticos orais ditos Atípicos (Olazanpina, Risperdona e outros) com menores efeitos secundários, representa um importante avanço terapêutico (Tollefson et al, 1998). No entanto, os custos muito mais elevados dos neurolépticos atípicos (Glazer & Ereshefsky, 1996) associados a factores de menor compliance, devido a exigência do cumprimento de uma prescrição diária rigorosa (Kane, 1996), podem obrigar os terapeutas a estratégias nem sempre fáceis de cumprir para que o doente compareça regularmente nas consultas (Marder, 1998).
Devido ao baixo preço, melhor compliance e facilidade de controlo terapêutico, são os autores da opinião que os ndm continuam a ser uma alternativa vantajosa aos no, incluindo os neurolépticos atípicos, para tratamento dos doentes esquizofrénicos no actual contexto socioeconómico português.
Referências
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