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Psicologia
versão impressa ISSN 0874-2049
Psicologia vol.14 no.2 Lisboa jul. 2000
A experiência de estágio académico: Oportunidades de formação e desenvolvimento do estudante
The practicum experience: Opportunities for the apprenticeships and development of the college students
Susana Caires**; Leandro S. Almeida**
*-**Universidade do Minho
RESUMO
Neste artigo descrevemos o estágio curricular como oportunidade complementar de formação académica dos estudantes. Vários desafios adaptativos são colocados ao estagiário, dependendo o seu impacte das próprias contingências do estágio e das características do aluno. Tomando uma amostra de 282 estagiários da Universidade do Minho, pertencentes a cursos da área das Ciências Exactas, do Ensino e das Humanidades, analisamos os principais contributos e mudanças experienciados pelos estagiários ao nível da aprendizagem/formação e do desenvolvimento psicossocial. De acordo com a literatura na área, o estágio foi maioritariamente percepcionado, por estes alunos, de forma positiva enquanto oportunidade única de aquisição de competências profissionais específicas, contribuindo também para o desenvolvimento de percepções pessoais mais positivas e para uma maior clarificação das suas escolhas e projectos vocacionais.
Palavras-chave Estágio; ensino superior; aprendizagem; desenvolvimento; transição universidade-mundo profissional.
ABSTRACT
In this article we describe the practicum as a complementary opportunity for the college student's development. In this experience, there are several challenges which the student has to deal with, which impact depends on personal and contextual variables. Taking a sample of 282 Teaching Education, Exact Sciences and Humanities students of the University of Minho, we've analysed the major contributions and changes experienced by these students in terms of their apprenticeships and their psychosocial development. According to the literature, the practicum experience is mainly perceived by these students as an unique opportunity for acquiring specific professional abilities and for developing a more positive sense of self as a person and as a professional, as well as for the clarification of their choices and vocational projects.
Introdução
Apesar do incremento recente da investigação psicológica no Ensino Superior, grande parte dela abarca apenas os problemas e os alunos dos primeiros anos. No entanto, a par dos desafios encontrados nos anos iniciais, e que passam muito pelos processos de adaptação a uma nova realidade académica, social e emocional, também a conclusão do curso e a transição para o mundo profissional encerram um conjunto de experiências importantes no desenvolvimento pessoal e profissional destes jovens (Matos & Costa, 1993; Machado, 1997; Caires & Almeida, 1997).
Após vários anos em que um dos principais papéis desempenhados se reportou ao de aluno/estudante, nesta etapa final da sua passagem pelo Ensino Superior, ou seja, a realização do estágio, o desafio coloca-se sob a forma de uma multiplicidade de tarefas, actividades, cenários e interlocutores, onde terá que assumir simultaneamente o papel de aluno, profissional e adulto. Este "vestir de uma nova pele" acarreta uma série de transformações pessoais (Veenman, 1984; Machado, 1996; Caires & Almeida, 1997). No presente trabalho, procuraremos reflectir sobre quais as áreas do desenvolvimento do estudante do Ensino Superior que parecem ser mais afectadas neste processo de transição para o mundo profissional e para a vida adulta, assim como quais os factores que condicionam as mudanças ocorridas, de que forma e a que nível. De referir que nesta análise será dado particular destaque à perspectiva do estagiário, ou seja, ao modo como este vivência a sua experiência de estágio.
Desenvolvimento e aprendizagens decorrentes do estágio
Calderhead (1992; cit. por Capei et al, 1997) descreve a primeira abordagem do mundo profissional como uma etapa de transição na qual o iniciante tem a oportunidade de aplicar o conhecimento e experiência adquiridos nos bancos da universidade a um contexto da vida real. Tendo até aí estabelecido um intenso e quase exclusivo "contacto com os mais variados aspectos das ciências ou saberes disciplinares... com as disciplinas que analisam e interpretam os seus futuros contextos profissionais... tem agora a oportunidade de 'unificar' as várias disciplinas que constituem a componente académica dos cursos, através da sua articulação com situações reais..." (Ralha et al, 1996). Apesar dos elevados níveis de exigência inerentes a este processo, o contacto com os inúmeros desafios e tarefas que o mundo profissional lhe coloca constitui, sem qualquer dúvida, uma excelente oportunidade de crescimento, implicando o sujeito como um todo: os seus conhecimentos, comportamentos, a sua identidade, as suas relações e afectos, bem como a sua personalidade. É na sinergia e na conflitualidade presente entre estas dimensões do funcionamento do indivíduo, em interacção com todo um conjunto de variáveis contextuais que a aprendizagem/desenvolvimento ocorre (Bullough & Gitlin, 1994; Lobato, 1998; Caires, 1998).
A este "salto" do mundo académico para o mundo profissional corresponde a entrada do aluno numa determinada instituição, no seio da qual irá desenvolver o seu estágio. Neste novo contexto é esperado que o neófito passe a adoptar as regras e rotinas da instituição que o acolhe, que aprenda e dê mostras de bons hábitos de trabalho e que consiga estabelecer boas relações com os órgãos de gestão e com os profissionais que directa ou indirectamente com ele trabalham (Ainley & Corbett, 1994; Tavares, 1997; Bullough & Gitlin, 1994). Apesar de algumas das pressões inicialmente sentidas, derivadas da necessidade de se adaptar a um novo cenário, a uma nova rotina, a uma outra postura que lhe é exigida enquanto profissional ou, mesmo, ao profissional que o acompanha na sua passagem pela instituição (o seu supervisor), este contacto com o real e com os contextos de actuação em que potencialmente um profissional da sua área poderá actuar, constitui habitualmente um forte potenciador do seu desenvolvimento socioprofissional. De acordo com Malglaive (1997), tal experiência podê-lo-á ajudar a melhor compreender as tarefas, responsabilidades e, inclusive, as expectativas edificadas em tomo do profissional cujo papel irá em breve assumir. Iguais ganhos parecem ocorrer a nível vocacional, dado constituir uma oportunidade para o aluno testar o seu interesse pela área específica onde se encontra a estagiar (Olson & Osborne, 1991; Young, 1995). Por sua vez, McNally e colaboradores (1994,1997) referem, ainda, o impacte do estágio em termos intra e interpessoais. A interacção com os outros profissionais, a sua aceitação no seio do(s) grupo(s) e o reconhecimento do seu valor como profissional são experienciados como altamente gratificantes e como implicando importantes ganhos em termos da sua auto-estima, auto-eficácia e "competência social".
Apesar dos já referidos ganhos inerentes ao estágio, todo este processo é habitualmente vivenciado de forma pouco "pacífica". De acordo com alguns dos estudos, trata-se de um percurso salpicado por alguns momentos de insegurança, frustração, desilusão, de questionamento sobre si próprio e sua "vocação" para a profissão (Veenman, 1984; Machado, 1997). A melhor ou pior forma como se desenrola este processo, bem como os ganhos que deste poderão advir, parecem fortemente condicionados por um conjunto de factores. De entre a multiplicidade de variáveis que afectam a qualidade deste processo (características do sujeito, formação prévia, expectativas em relação ao mundo profissional, características da instituição de estágio, duração do estágio, tipo de curso/área de formação...), gostaríamos de salientar a supervisão e as diferentes formas de apoio e recursos disponibilizados ao aluno (Alarcão & Tavares, 1987; Duquette, 1994; Galvão, 1996; Toohey et al., 1996). Este acompanhamento parece desempenhar um importante papel, não apenas nas aprendizagens do aluno, mas também na esfera pessoal e emocional. A par da integração do estagiário na nova instituição que o acolhe, o supervisor é também um dos grandes responsáveis pelas aquisições deste "aprendiz de feiticeiro", sendo dele esperado a gradual inserção do estagiário na profissão, o ensino dos seus "comos" e "porquês", bem como das "artes" e "manhas" do ofício (McNally et al., 1994; Duquette, 1994; Serpa, 1997). Tais aquisições ocorrem por intermédio de processos como a modelagem de estratégias, atitudes e comportamentos profissionais, ou pelas orientações e feedback dados pelo supervisor e pelas reflexões e planificações feitas em conjunto (Alarcão, 1996; Matos & Costa, 1993). Oliveira (1992) aponta estes espaços de planeamento e reflexão como uma oportunidade para o aluno aprender a "desenvolver o pensamento reflexivo sobre a sua prática, a relacionar conhecimentos teóricos com as situações práticas e a construir um estilo pessoal de actuação". Ganhos em termos da auto-confiança, auto-imagem e auto-conhecimento do aluno são igualmente referidos a propósito do estágio (Silva, 1997).
No que se refere ao apoio que poderá ser dado ao estagiário pela universidade, este passa, por um lado, pela disponibilização de recursos (bibliografia, computadores.. .) e, por outro, pela estruturação de espaços de formação complementares às actividades desenvolvidas na instituição de estágio. Tais espaços podem passar por seminários e por esquemas de supervisão por parte de docentes ou outros elementos da universidade. Neste espaço, habitualmente organizado em pequeno grupo, os alunos têm a oportunidade de discutir os problemas e dificuldades vivenciados ao longo da sua prática e ensaiar respostas à sua resolução. Segundo alguns autores, a exposição dos seus pontos de vista, a sua discussão em grupo, o confronto com pontos de vista distintos do seu ou, ainda, a apreciação/feedback do supervisor, constituem factores promotores do desenvolvimento destes alunos (Riillough & Gitlin, 1994; Amaral et al., 1996). Ganhos a nível do pensamento estratégico, análise crítica e da capacidade de resolução de problemas, a par de uma maior autonomia epistemológica dos alunos, são algumas das destrezas desenvolvidas — em resultado da reflexão sobre situações práticas e esquemas de feedback—no quadro da supervisão (Vieira, 1993; Infante et al., 1996; Lobato, 1998)."
Com este artigo pretendemos apresentar alguns dados relativos à forma como o estágio é vivenciado pelos estudantes.1 Sobretudo, interessa-nos analisar como esta experiência, organizada no quadro do currículo do curso, contribui para as aprendizagens "finais" do estudante e para o seu desenvolvimento psicossocial. Finalmente, havendo na amostra estagiários de diferentes cursos, pretendemos conhecer em que medida as suas vivências e impacte na formação se diferenciam em função da natureza do curso/estágio frequentado.
Metodologia
Amostra
O estudo envolveu 283 estagiários da Universidade do Minho repartidos por cursos formando três grandes agrupamentos: (i) o agrupamento 1, correspondente aos alunos das Ciências Exactas e Tecnologias (65 alunos); (ii) o agrupamento 2, abarcando os alunos das Ciências Sociais e Humanas (73 alunos); e (iii) o agrupamento 3 correspondente às Licenciaturas em Ensino (145 alunos). Nos dois últimos agrupamentos a larga maioria dos estudantes é do sexo feminino (87%), havendo já um maior equilíbrio dos dois géneros no 1.° agrupamento (46% de alunas).
Instrumento
Foi utilizado o Inventário de Vivências e Percepções de Estágio — Versão para o Ensino Superior (Caires & Almeida, 1996). Os 32 itens que compõem o questionário surgem organizados em quatro grandes dimensões relativas à experiência de estágio: (i) aspectos socioemocionais (impacte do estágio em termos dos padrões de sono do aluno, apetite, auto-estima, níveis de desgaste físico e psicológico...); (ii) aprendizagem (aquisições resultantes das actividades desenvolvidas ao longo do estágio, grau de confiança dos alunos para, num futuro próximo, assumirem a profissão de uma forma autónoma, entre outros); (iii) adaptação à instituição (qualidade da relação estabelecida com os outros profissionais, grau de adequabilidade dos recursos disponibilizados pela instituição em termos de recursos físicos e materiais, por exemplo); e, finalmente, (iv) apoio/recursos/supervisão (satisfação do aluno com o apoio assegurado pelo(s) seu(s) supervisor(es), com os recursos bibliográficos, informáticos e outros existentes na universidade). Os itens apresentam-se num formato likert de cinco pontos (de discordo a concordo totalmente). Uma vez assinalado o grau de concordância/discordância relativamente à afirmação contida no item, é pedido ao sujeito que justifique, ainda, a sua pontuação, assinalando, de entre um rol de alternativas que lhe são apresentadas, aquela(s) que melhor descreve(m) a sua situação. Neste estudo, mesmo abordando as dimensões (iii) e (iv) do questionário, centrar-nos-emos nas duas primeiras dimensões deste.
Procedimento
O questionário foi preenchido individualmente, tendo o contacto com os estagiários sido realizado, em grande parte da amostra, aquando da sua vinda à Universidade a fim de participarem nos Seminários ou nas sessões de supervisão. Nalguns casos, nomeadamente no agrupamento das Ciências Exactas e Tecnologias, o contacto foi feito pelo telefone dado se encontrarem a estagiar em instituições fora do Distrito de Braga e, por essa razão, se deslocarem raramente à Universidade. Nestas situações, o questionário era enviado pelo correio e, uma vez preenchido, este era reenviado a título gracioso. De referir que cerca de 30% dos sujeitos contactados desta forma não devolveram o seu questionário.
Resultados
Na apresentação dos resultados obtidos tomaremos quer a amostra global, quer os alunos repartidos pelos três agrupamentos mencionados (agrupamento 1: Ciências Exactas e Tecnologias; agrupamento 2: Ciências Sociais e Humanas; e agrupamento 3; Licenciaturas em Ensino). Mesmo centrando os objectivos deste artigo nos contributos do estágio curricular para a aprendizagem e o desenvolvimento psicossocial dos estudantes, faremos uma breve referência a alguns dados descritivos da experiência de estágio, até para melhor enquadrarmos a análise e discussão dos resultados.2
No que toca às dificuldades de adaptação à instituição de estágio, os resultados sugerem níveis baixos de dificuldade, quer na amostra global (M=2,06; DP=1,13), quer nos três agrupamentos. Nas Licenciaturas em Ensino tais dificuldades foram vivenciadas a um nível mais baixo (M3=1,9), sendo mais elevadas nas Ciências Sociais e Humanas (M2=2,37). A "excessiva burocracia" sinalizada por 23% dos sujeitos, a "pouca abertura da instituição a novos elementos" (22%) e a "falta de apoio por parte dos vários agentes" (21%) foram as razões mais mencionadas para as dificuldades sentidas.
Quando questionados acerca da adequação (quantidade e qualidade) dos recursos disponibilizados pela instituição para o desenvolvimento das suas actividades de estágio, os alunos, em geral, dizem-se relativamente satisfeitos (M=3,46), situando-se um nível mais baixo de satisfação junto dos alunos das Ciências Sociais e Humanas (M2=3,04). Mais satisfeitos, ainda, mostram-se os três agrupamentos na apreciação do clima de relacionamento com os demais profissionais da instituição (médias superiores a 4 na likert de cinco pontos), assim como com os ''clientes" das respectivas instituições.
Apreciando o apoio prestado pelos seus supervisores (interno ou da universidade e externo ou da instituição), o nível de satisfação dos alunos é elevado em relação ao supervisor externo (média em tomo de 4) e moderado em relação ao supervisor interno (nível 3). Apenas nos alunos das Ciências Sociais e Humanas a satisfação em relação aos dois supervisores não se mostrou diferenciada. No que se refere às características mais positivas da pessoa do supervisor e da qualidade da relação edificada com o aluno, é de assinalar a maior incidência de respostas que apontam o apoio emocional dado pelo seu supervisor (referido por cerca de 19% dos alunos em relação ao supervisor da universidade e 34% relativamente ao supervisor da instituição). As diferenças percentuais aqui verificadas poder-se-ão explicar pelo facto de grande parte do estágio ser passado em contacto com o supervisor da instituição, havendo maiores oportunidades para a construção de uma relação mais próxima entre ambos. Outros aspectos valorizados nos supervisores passaram pela sua disponibilidade, competência profissional, feedback recebido e estrutura dada à supervisão.
Em relação a aspectos negativos identificados pelos alunos em termos da pessoa ou da relação com o supervisor, de salientar a falta de apoio emocional por parte do seu supervisor da universidade (n=33). Quanto à qualidade da supervisão e do feedback assegurado pelos seus supervisores, os principais comentários referem-se às excessivas críticas e ao seu carácter "destrutivo", ao feedback vago e algo superficial ou, ainda, excessivamente teórico. A presença de regras e objectivos pouco claros, nomeadamente em termos da avaliação dos alunos, a relativa incoerência em termos das pistas avançadas ou o seu baixo nível de estruturação, são igualmente referidos pelos alunos. Apouca disponibilidade dos supervisores para acompanharem o estagiário foi também referida, assim como a sua fraca competência profissional (lacunas a nível científico, baixo conhecimento do supervisor interno em relação à realidade do mundo do trabalho, pouca preparação a nível metodológico ou, ainda, falta de experiência como supervisor).
A apreciação da "suficiência" dos recursos existentes na universidade para dar resposta às necessidades dos estagiários atingiu um médio nível de satisfação (M=3,16; DP=1,14). É, no entanto, de registar a existência de diferenças estatisticamente significativas em termos das médias das respostas dos três grupos [F(2; 279)=16,64; p<0,01], mostrando-se os alunos das Ciências Exactas — estagiando vários deles fora de Braga/Guimarães — menos satisfeitos com os recursos formativos disponibilizados pela universidade (Ml=2,53; DP1=1,27), seguidos pelos alunos das Ciências Sociais e Humanas (M2=3,12; DP2=0,94), verificando-se uma maior satisfação entre os alunos das Licenciaturas em Ensino (M3=3,46; DP3=1,14).
O estágio e as oportunidades de aprendizagem
No quadro 1 são apresentadas as percepções dos alunos em relação ao estágio enquanto oportunidade de formação académico-profissional.
Podemos constatar que a grande maioria da amostra afirma ter adquirido um elevado nível de competências (média em tomo de 4), observando-se um grau intermédio de pontuação em termos das dificuldades sentidas na articulação entre a teoria e a prática. A variância da pontuação é muito similar, quer em relação aos dois itens em análise, quer em relação aos três agrupamentos. Olhando as médias dos três agrupamentos, não se verificou qualquer diferença estatisticamente significativa nas médias obtidas, quer nas competências adquiridas [F(2; 278) =0,73; p=0,48], quer relativamente às dificuldades sentidas na articulação teoria-prática [F(2; 279)=0,164; p=0,85].
Procurando analisar as respostas dadas na explicitação das pontuações em relação à percepção das competências adquiridas, a especificidade das tarefas inerentes a cada um dos estágios deu lugar a discursos diferentes. Por exemplo, entre os alunos das Licenciaturas em Ensino, o desenvolvimento de competências pedagógicas destacou-se entre as demais aquisições mencionadas pelos alunos em relação à sua profissão específica. Entre os alunos das Ciências Sociais e Humanas, os maiores ganhos parecem ter surgido em termos das competências de atendimento e competências de intervenção, tendo sido também feita menção à aquisição de competências a nível da formação, avaliação e certificação. No que se refere aos alunos das Ciências Exactas, as suas especificações apontam para a existência de ganhos na área da informática (programação, análise de sistemas...), controlo de qualidade e domínio de novas tecnologias.
Relativamente às competências profissionais mais gerais (salientadas por 66% da amostra global), são dignas de nota as referências ao desenvolvimento de um maior profissionalismo e sentido de responsabilidade, à aquisição de maiores competências a nível da linguagem e comunicação em contextos profissionais específicos ou, ainda, aos ganhos registados em termos de competências de planificação e organização de tarefas e actividades. De salientar também a referência a outro tipo de competências como o falar em público, a capacidade de análise dos problemas e tomada de decisões, o trabalho em equipa ou, ainda, o maior espírito de iniciativa, dinamismo e autonomia. Foram também significativos alguns ganhos a nível pessoal. Entre eles, de destacar o aumento da sua capacidade de tolerância à frustração, de auto-domínio, auto-confiança e de adaptação a novos contextos/situações. Uma maior capacidade de expressão, uma maior segurança e à-vontade, quer no desempenho das tarefas profissionais quer na interacção com os outros ou, ainda, maiores níveis de maturidade e assertividade. Mediante a forte ênfase dada pelos sujeitos a este tipo de ganhos, parece pois evidente o importante contributo do estágio em termos do auto-conhecimento destes indivíduos e do seu desenvolvimento em termos pessoais e sociais. Centradas numa vertente mais académica da sua formação, surgem respostas alusivas ao desenvolvimento de competências de investigação, de integração da teoria na prática ou de aprofundamentos no seu conhecimento científico. O traquejo, a edificação de uma visão mais realista do mundo do trabalho, a aquisição de experiência profissional e o desenvolvimento de competências práticas surgem, por último, também mencionados.
Quando questionados acerca do seu grau de preparação para encarar o mundo profissional num futuro próximo ("competência percebida"), a média da amostra situou-se a um nível elevado (M=3,90; DP=0/90)/ havendo diferenças entre os três agrupamentos. Assim, enquanto que os alunos das Ciências Exactas e das Licenciaturas em Ensino se dizem bastante confiantes em relação a este aspecto (Ml =3,92; DPI =0,82 e M3=4,19; DP3=0,75) o mesmo não se verifica entre os estagiários das Ciências Sociais e Humanas (M2=3,31; DP2=0,96), sendo estatisticamente significativa esta diferença [F(2; 278)=27,97; p<0,01]. Esta situação, no caso das "engenharias", poderá significar que, enquanto profissionais, estes alunos manterão as mesmas tarefas e exigências tidas no estágio, o que também ocorre nas Licenciaturas em Ensino (o estágio já envolve dar aulas e ter alunos próprios, regências, aulas assistidas). No caso das Ciências Sociais e Humanas uma nova aprendizagem poderá ser exigida a estes futuros profissionais, de acordo com o tipo de problemas e metodologias de trabalho inerentes à instituição a que se venham a vincular profissionalmente.
No que toca à importância atribuída pelos estagiários à observação e ao desenvolvimento de um trabalho em conjunto com um profissional mais experiente (modelo de mestria), a amostra global pontuou as suas respostas num nível médio/elevado (M=3,64; DP=1,7), havendo algumas diferenças intergrupos. Enquanto que nas Licenciaturas em Ensino a média das respostas se situa mais próxima de um nível elevado (M3=3,78; DP3=1,13), à semelhança dos alunos das Ciências Exactas (Ml=3,56; DP1=1,13), o mesmo não se verifica entre os alunos das Ciências Sociais e Humanas (diferenças não estatisticamente significativas). A diferença observada poderá explicar-se pelo facto de alguns alunos estagiarem com um profissional que não é da sua área (54,8% dos alunos das Ciências Sociais e Humanas contra 26,6% dos alunos das Ciências Exactas, e nenhum das Licenciaturas em Ensino). Quando questionados acerca da importância, para a sua formação, de momentos como a troca de impressões com os colegas e a discussão de problemas em conjunto (modelo de parceria), os alunos pontuaram uma média ligeiramente mais elevada do que no item anterior (M=3,76; DP=1,00 contra M=3,64; DP=1,17 no modelo de mestria). O maior à-vontade habitualmente presente na relação entre colegas para expor dúvidas e partilhar dificuldades poderá explicar a média mais elevada, mesmo que a boa relação tendencialmente existente com o supervisor explique que tal diferença de médias seja mínima. Comparando as médias dos alunos dos diferentes agrupamentos, observam-se diferenças estatisticamente significativas [F (2; 279) =3,81; p<0,05]. Os alunos das Ciências Exactas atribuem menor importância a esta troca de experiência com os colegas (Ml =3,50; DPI=1,13), enquanto os alunos do 2.° e 3.° agrupamentos pontuam a um nível mais elevado (M2=3,71; DP2=0,99 e M3=3,90; DP3=0,92). Curioso será notar que, se compararmos as respostas destes alunos, por agrupamento, tendo em conta os modelos de parceria e de mestria, é entre os alunos da Licenciatura em Ensino que se observam níveis de resposta mais elevados. Por outro lado, enquanto os alunos das Ciências Exactas valorizaram mais os modelos de mestria, entre os estagiários das Ciências Sociais e Humanas e os das Licenciaturas em Ensino surgem mais valorizados os modelos de parceria. De novo, o facto de a maioria dos alunos das Ciências Exactas realizar o seu estágio individualmente e, para além disso, em instituições muito afastadas da universidade (pouco contacto com os colegas), faz com que grande parte das suas aprendizagens dependa da observação e trabalho em conjunto com o seu supervisor ou outros profissionais da instituição (modelo de mestria), sendo poucas as oportunidades para a partilha com os colegas.
No que toca à importância atribuída pelos estagiários à observação e ao desenvolvimento de um trabalho em conjunto com um profissional mais experiente (modelo de mestria), a amostra global pontuou as suas respostas num nível médio/elevado (M=3,64; DP=1,7), havendo algumas diferenças intergrupos. Enquanto que nas Licenciaturas em Ensino a média das respostas se situa mais próxima de um nível elevado (M3=3,78; DP3=1,13), à semelhança dos alunos das Ciências Exactas (Ml=3,56; DP1=1,13), o mesmo não se verifica entre os alunos das Ciências Sociais e Humanas (diferenças não estatisticamente significativas). A diferença observada poderá explicar-se pelo facto de alguns alunos estagiarem com um profissional que não é da sua área (54,8% dos alunos das Ciências Sociais e Humanas contra 26,6% dos alunos das Ciências Exactas, e nenhum das Licenciaturas em Ensino). Quando questionados acerca da importância, para a sua formação, de momentos como a troca de impressões com os colegas e a discussão de problemas em conjunto (modelo de parceria), os alunos pontuaram uma média ligeiramente mais elevada do que no item anterior (M=3,76; DP=1,00 contra M=3,64; DP=1,17 no modelo de mestria). O maior à-vontade habitualmente presente na relação entre colegas para expor dúvidas e partilhar dificuldades poderá explicar a média mais elevada, mesmo que a boa relação tendencialmente existente com o supervisor explique que tal diferença de médias seja mínima. Comparando as médias dos alunos dos diferentes agrupamentos, observam-se diferenças estatisticamente significativas [F (2; 279) =3,81; p<0,05]. Os alunos das Ciências Exactas atribuem menor importância a esta troca de experiência com os colegas (Ml =3,50; DPI=1,13), enquanto os alunos do 2.° e 3.° agrupamentos pontuam a um nível mais elevado (M2=3,71; DP2=0,99 e M3=3,90; DP3=0,92). Curioso será notar que, se compararmos as respostas destes alunos, por agrupamento, tendo em conta os modelos de parceria e de mestria, é entre os alunos da Licenciatura em Ensino que se observam níveis de resposta mais elevados. Por outro lado, enquanto os alunos das Ciências Exactas valorizaram mais os modelos de mestria, entre os estagiários das Ciências Sociais e Humanas e os das Licenciaturas em Ensino surgem mais valorizados os modelos de parceria. De novo, o facto de a maioria dos alunos das Ciências Exactas realizar o seu estágio individualmente e, para além disso, em instituições muito afastadas da universidade (pouco contacto com os colegas), faz com que grande parte das suas aprendizagens dependa da observação e trabalho em conjunto com o seu supervisor ou outros profissionais da instituição (modelo de mestria), sendo poucas as oportunidades para a partilha com os colegas.
Desenvolvimento psicossocial
A realização do estágio acarreta várias mudanças pessoais nos alunos. Algumas destas mudanças situaram-se a um nível psicofisiológico, por exemplo, alterações nos seus padrões de sono e de apetite (Caires, 1998), confirmando os dados de outros estudos onde a experiência de estágio é tomada como stressante e desgastante (Veenman, 1984; Jesus & Esteve, 1997; Caires & Almeida, 1998). Outras mudanças, aquelas que nos importa mais reter neste artigo, decorrem de alterações na identidade, auto-conceito e área vocacional. No quadro 2 apresentamos os resultados nas percepções dessas mudanças por parte dos estagiários.
Os valores obtidos situam-se num valor intermédio da escala likert usada (1 a 5). As questões na área vocacional, essencialmente associadas ao próprio curso, apresentam menos alterações ou dificuldades sentidas (tais oscilações poderão ser mais frequentes no início da frequência de um curso do que na fase da sua conclusão). Em relação às percepções de alteração do auto-conceito, tomando apenas os sujeitos que sentiram de algumas até bastantes alterações (likert de 3 a 5), olhando o quadro 3 podemos verificar a presença de um número significativo de alunos que experienciou mudanças a este nível (70% da amostra total). De entre estes, de assinalar a maior percentagem daqueles em que a mudança se verificou no sentido positivo. Metade desta população sentiu ganhos na sua auto-estima, percentagem próxima daqueles que dizem ter experienciado oscilações, e apenas 3% afirmam que o estágio afectou de forma negativa as suas percepções pessoais.
Os valores sugerem, por um lado, o estágio como tendo implicações a nível intrapessoal, ou seja, uma experiência onde estão presentes sentimentos contraditórios de insegurança e desafio, de frustração e satisfação (entre muitos outros), os quais vão surgindo em resultado do confronto consigo próprio, com a profissão e com o mundo do trabalho, e que fazem desta experiência um importante momento de crise e, simultaneamente, de crescimento pessoal e profissional. Por outro lado, e apesar de algum do desgaste (físico e psicológico) implicado por esta experiência, das elevadas exigências colocadas à pessoa do estagiário e da existência de alguns momentos de alguma "desestruturação" pessoal, a grande maioria destes alunos "sobrevive" e, em grande número, com elevados ganhos. Apenas uma pequena minoria "sucumbe" às pressões inerentes ao estágio.
Quanto às alterações introduzidas a propósito das suas concepções enquanto profissionais (quadro 4), dos 197 sujeitos que referiram a existência de algumas a elevadas reformulações a este nível (pontuação de 3 a 5 na escala likert), 74% apontaram-nas no sentido da descoberta de maiores potencialidades profissionais. Para outros (13%), o confronto com as exigências da profissão teve implicações negativas em termos da sua auto-eficácia, (re)iniciando o questionamento das suas capacidades para fazer face a tais exigências. A maioria dos alunos, no entanto, encontrou no estágio a oportunidade para confirmar o seu interesse e "vocação" para a profissão escolhida (e.g. "descobri o prazer de ensinar e do contacto com os alunos"). O desenvolvimento de novas áreas de interesse, derivadas de uma exploração mais aprofundada das diferentes facetas da profissão surgiu também entre as respostas destes alunos. Este questionamento vocacional parece-nos também presente nas respostas dos estagiários à questão sobre a antecipação da sua realização profissional futura na área do curso e do estágio. Com efeito, apenas 53% dos estagiários responderam afirmativamente, havendo inclusive 27% que antecipam a sua não realização profissional nessa área (maior percentagem de respostas positivas junto dos alunos do 1.° agrupamento, verificando-se uma situação inversa no 2.° agrupamento).
Finalmente, importa considerar as respostas dos alunos nos itens do questionário que lhes solicitavam a indicação de três sentimentos positivos e três sentimentos negativos associados à sua experiência de estágio. Os sentimentos, de acordo com o enfoque, foram distribuídos por três grandes categorias: (i) intrapessoais (mudanças operadas na pessoa do estagiário, sentimentos em relação a si próprio...), (ii) interpessoais, e (iii) aquisições/aprendizagens. Os sentimentos mais ligados à dimensão intrapessoal destacaram-se pela sua elevada incidência (n=336). Sentimentos como realização pessoal e profissional, elevados níveis de motivação e entusiasmo ou, ainda, o atingir de maiores níveis de maturidade e crescimento pessoal, constam entre os sentimentos mais citados nesta categoria. O desenvolvimento do sentido de responsabilidade, uma maior autonomia, a aquisição de maiores níveis de auto-confiança e à-vontade, bem como os ganhos em termos da auto-estima, foram igualmente mencionados pelos estagiários.
No que se refere à dimensão interpessoal, os sentimentos mais frequentemente assinalados prendem-se com as boas relações estabelecidas com os colegas, com o(s) supervisor(es) e/ou outros profissionais presentes no seu estágio, sob a forma de espírito de grupo, cumplicidade e companheirismo. O estágio foi, assim, uma oportunidade para fazer novos conhecimentos, alargar o seu leque de relações ou sentir-se bem-vindo na instituição. Quanto aos sentimentos mais ligados às aquisições resultantes da experiência de estágio e do contacto com o mundo do trabalho, podemos encontrar com maior frequência respostas do tipo "aprendizagem", "crescimento profissional", "consolidação", "aquisição" e "aplicação" de conhecimentos. A oportunidade de contactar com a realidade do mundo do trabalho e de ganhar algumas destrezas que lhe permitam uma melhor adaptação ou, ainda, a aquisição de uma maior experiência e traquejo em termos da aplicação de competências ligadas à sua área profissional constam, também, entre as respostas incluídas nesta categoria.
No que diz respeito aos sentimentos negativos, podemos salientar algumas das respostas que, quer pela sua maior incidência quer pela peculiaridade das mesmas, nos parecem dignas de referência. Entre alguns dos sentimentos mais frequentes podemos assinalar o stress vivenciado por aproximadamente 40% destes alunos, traduzido em termos como "angústia", "ansiedade", "desespero" ou "tensão". De entre os sentimentos evocados pela amostra mais ligados a uma dimensão "intrapessoal", podemos salientar a referência a alguma sintomatologia depressiva. Tristeza, irritabilidade, depressão, desmotivação, isolamento ou labilidade emocional surgem entre o rol de sentimentos enunciados (14% dos alunos). Acrescentem-se, ainda, os elevados níveis de desgaste físico e psicológico, derivados do excesso de trabalho, do stress vivenciado e das deslocações diárias para o local de estágio. Frustração, insegurança em relação às suas próprias capacidades, medo de falhar, sentido de impotência ou ineficácia, dúvida e desorientação foram também várias vezes encontrados nas respostas destes alunos. Medos em relação ao que o futuro profissional lhes reserva (nomeadamente em termos de emprego), desilusão em relação ao mundo do trabalho e à profissão escolhida ou, ainda, um baixo sentido de realização profissional, constam igualmente entre o rol de sentimentos negativos evocados.
Numa dimensão mais ligada à faceta interpessoal dos estágios podemos referir a alusão a sentimentos como inveja, mágoa, hipocrisia, falsidade, desconfiança e competição, que parecem traduzir a existência de algumas tensões relacionais, quer com os colegas de estágio, quer com outros actores que fizeram parte do seu estágio. Mais concretamente ligados à figura do(s) supervisor(es) parecem estar sentimentos como falta de compreensão, rejeição, injustiça, desrespeito ou arrogância e prepotência. Ligados ainda à supervisão, mas numa vertente mais "formal", foi possível identificar sentimentos como "desilusão em relação ao modelo", "abandono", "indiferença", "pouca autonomia", "desinteresse" ou "não reconhecimento", "irresponsabilidade" e "falta de preparação" do supervisor.
As excessivas exigências e a sobrecarga de trabalho, o excesso de responsabilidades, os horários muito "apertados" ou, no outro extremo, a rotina, a existência de "tempos mortos", a pouca responsabilidade ou a ausência de desafios, fizeram parte do rol de sentimentos reportados às tarefas/actividades do estágio (18% dos alunos). O muito tempo e disponibilidade exigidos pelo estágio, com repercussões negativas em termos do tempo para si próprio e para os outros (afastamento dos colegas e amigos, estabelecimento de relações mais superficiais e centradas em questões profissionais), foram também mencionados. Finalmente, saudades da vida académica, o desagrado relativamente ao ter que assumir uma "postura séria", o facto de não ter oportunidade de ficar na instituição onde estagiou ou, ainda, as más condições de trabalho (ausência de um espaço físico próprio, falta de material...) foram respostas pontuais obtidas.
Conclusão
Os estágios curriculares emergem na tradição académica portuguesa como componente final da graduação dos estudantes. Apostando numa formação mais prática do que teórica, assim como na formação no posto de trabalho, os estágios são entendidos como oportunidades excelentes de transição do mundo académico para o mundo profissional. Esta transição é vivenciada pelos estagiários, quer através de uma componente de desafio, quer por uma outra pautada por algum desgaste físico e psicológico. O sentido mais positivo ou negativo destas vivências acaba por reflectir quer as características dos alunos, quer as características do estágio e as condições encontradas na instituição de acolhimento. O confronto do estudante com as exigências do estágio, no entanto, é tomado neste artigo como potencializador da formação c desenvolvimento destes jovens, mesmo que não independentes dos recursos humanos e materiais disponibilizados pelas instituições envolvidas no estágio (local de estágio e universidade).
Reportando-nos ao impacte do estági em termos das aprendizagens/formação dos alunos, os resultados obtidos permitem-nos apontar a aquisição de um elevado nível de competências pela generalidade da amostra, sendo estas competências quer na área mais técnico-científica do curso, quer na área socioprofissional. Alguns exemplos apontados pelos estudantes, como o manuseio de tecnologias, a leccionação, a realização de consultas, a aquisição de uma linguagem própria ao grupo profissional, o planeamento em equipa e o exercício da autonomia, ilustram a especificidade do contributo dos estágios na formação destes jovens. No entanto, mesmo reconhecendo a importância desta componente prática na formação dos futuros profissionais, a generalidade dos estudantes apontou algumas dificuldades na articulação teoria/prática, independentemente do tipo de curso/estágio realizado. Este ponto poderá justificar um maior cuidado na organização e articulação da supervisão, nomeadamente quando as percepções de ajuda e de disponibilidade da parte dos supervisores externos (mais ligados à prática) suplantam as dos supervisores internos (mais ligados à componente científica). Importa também referir o papel dos pares neste tipo de vivências. As parcerias estabelecidas pelos próprios estudantes — sobretudo os que realizam o estágio na mesma instituição—mostraram-se outra fonte de apoio e formação bastante valorizada pelos estudantes (situação menos evidenciada junto dos alunos das Engenharias em virtude de um maior número deles realizarem o seu estágio individualmente e repartidos por instituições mais dispersas).
Uma outra área de impacte do estágio passa pelo desenvolvimento psicossocial dos estudantes. Os valores obtidos sugeriram alterações significativas nos seus padrões e estilos de vida mas igualmente em dimensões pessoais como o auto-conceito e perspectiva de carreira (questões vocacionais). As mudanças de auto-conceito foram sentidas por metade da amostra como positivas e apenas 3% apontaram mudanças em sentido negativo (diminuição da auto-estima). Uma alta percentagem apresentou, ainda, uma oscilação no sentido da mudança em termos do seu auto-conceito, reflectindo alguma vulnerabilidade por parte do estagiário aos diversos condicionalismos presentes ao longo de todo o processo. Mesmo assim, e face às possíveis desestruturações pessoais decorrentes das exigências colocadas pelo estágio, a maioria dos estudantes "sobrevive" e com ganhos evidentes nas suas percepções enquanto pessoa e profissional, bem como na confirmação e/ou clarificação dos seus projectos vocacionais.
Mediante os resultados aqui apresentados, e que a literatura nesta área ajuda a corroborar, são múltiplas as evidências que apontam a pertinência do estágio na formação dos estudantes do Ensino Superior. O importante contributo desta componente mais prática em termos do desenvolvimento pessoal e profissional destes jovens faz da investigação sobre os estágios uma área extremamente profícua e de grande relevância na análise da qualidade da formação assegurada a estes alunos e da sua inserção no mercado trabalho. Porque estes processos nem sempre são claros, e porque alguns alunos experimentam dificuldades adaptativas significativas, importa alargar a investigação e a intervenção psicológica ao domínio dos estágios no Ensino Superior, por forma a apoiar de forma mais adequada estes alunos e a potenciar as aquisições e as transformações esperadas com a sua concretização.
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Notas
1Este artigo enquadra-se num projecto de investigação da primeira autora, sob supervisão do segundo, registado no Projecto Institucional XI do Centro de Estudos em Educação e Psicologia (CEEP-UM).
2Elementos mais discriminados e aprofundados tomando as respostas desta amostra de alunos podem encontrar-se na tese de mestrado da primeira autora (Caires, 1998).