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Psicologia

versão impressa ISSN 0874-2049

Psicologia vol.27 no.1 Lisboa  2013

 

Relacionamentos íntimos juvenis: Programa para a prevenção da violência1

Youth Intimate relationships: Program for the prevention of violence

 

Rosa Saavedraa*, Carla Martins e Carla Machadob.

a Associação Portuguesa de Apoio à Vítima.

b Escola de Psicologia da Universidade do Minho

*Autor para correspondência

 

RESUMO

Este artigo descreve a implementação em Portugal do The Fourth R – um currículo de prevenção universal da violência no namoro e comportamentos de risco associados. Este programa evidenciou‑se na literatura científica devido à sua abordagem holística, metodologia de avaliação do impacto rigorosa e pelos resultados obtidos no aumento do conhecimento dos jovens e na mudança das suas atitudes e dos seus comportamentos. No ano letivo 2008/2009 foi conduzida em Portugal uma primeira implementação e avaliação deste programa. Os resultados preliminares demonstraram alterações nas atitudes de (in)tolerância dos jovens em relação à violência no namoro. No entanto, os resultados do impacto da intervenção nos comportamentos sugerem que este poderá estar limitado ao grupo dos rapazes.

Palavras‑chave: Fourth R, Programa 4d, programa de prevenção, violência no namoro, comportamentos de risco nos adolescentes

 

ABSTRACT

This paper presents the Portuguese implementation of the The Fourth R – a relationship‑based curriculum of universal prevention for dating violence and other associated risk behaviors. This program stood out in the literature for its comprehensive approach, a carefully planned methodology for the impact assessment and the results it has been presenting in changing knowledge, attitudes and behaviors. During the academic year of 2008/2009, a first implementation and assessment of this program was carried out in Portugal. Preliminary results of this pilot implementation pointed out to changes in juvenile attitudes of (in)tolerance towards violence in dating relationships. However, the data on the impact of the intervention on the behavioral level were not so encouraging, suggesting that those results might be limited to boys.

Keywords: The Fourth R; School‑based prevention program; Relationships; Dating violence; Adolescence risk behaviors.

 

Prevenção da violência nos relacionamentos íntimos

O foco de interesse na prevenção da violência nos relacionamentos íntimos sofreu profundas alterações desde 1980. Os primeiros esforços de prevenção centravam‑se principalmente nas relações de casamento ou de união de facto, incluindo numa fase posterior a análise de mulheres separadas ou divorciadas e, finalmente, relações de namoro e relações entre casais do mesmo sexo (Hickman, Jaycox, & Aranoff, 2004). Além disso, de acordo com Wekerle e Wolfe (1999), os primeiros programas de prevenção da violência no namoro dirigidos a adolescentes parecem ter sido uma adaptação forçada de programas previamente concebidos para a população adulta, sobretudo, no que concerne ao conteúdo, às dinâmicas utilizadas e aos instrumentos selecionados para a avaliação do impacto.

Atualmente parece haver algum consenso na percepção de que a adolescência é uma fase de desenvolvimento propícia ao investimento em esforços preventivos. O facto de os padrões de agressão não estarem ainda estabelecidos e de serem considerados ainda em processo experimental pode fornecer uma janela de oportunidade para intervenções, de forma a fortalecer comportamentos interpessoais mais ajustados (Wekerle & Wolfe, 1999). Inicialmente focados na intervenção individual, os programas de intervenção nesta área estão actualmente bastante atentos à inclusão do contexto social e ambiental dos indivíduos, particularmente a família e a comunidade, uma vez que os comportamentos positivos ou negativos dos jovens podem ter lugar nestes diferentes contextos (Burt, 2002). Por outro lado, a ocorrência de comportamentos de risco juvenis sugere que as intervenções devem ser conduzidas não só para a redução dos comportamentos de risco mas, concomitantemente, para a promoção de fatores protetores e de desenvolvimento saudável (Catalano, Hawkins, Berglund, Pollard, & Arthur, 2002; Matos, 2008).

Existem dois programas preventivos no domínio da violência no namoro frequentemente referenciados em estudos comparativos, pela sua qualidade técnica e metodológica (cf. Cornelius & Resseguie, 2007; Whitaker et al., 2006; Whitaker, Baker, & Arias, 2007; Saavedra & Machado, no prelo): o programa Safe Dates (Foshee et al., 1998; Foshee et al., 2004; Foshee, Bauman, & Greene, 2000) e o Youth Relationship Project (Wolfe et al., 1996; Wolfe et al., 2003).

O programa The Fourth R (Wolfe, Jaffe, & Crooks, 2006), apesar de ainda se encontrar ausente dos estudos comparativos, uma vez que se trata de um esforço preventivo mais recente, foi igualmente reconhecido pelas autoras (Saavedra & Machado, no prelo) como um dos programas mais promissores nesta área. A sua abordagem integrada da tríade de comportamentos de risco mais preponderantes na adolescência (violência entre pares e no namoro, comportamentos sexuais de risco e abuso de substâncias), a sua estrutura teórica e a sua metodologia de avaliação experimental, levou as autoras a considerar que este programa era um modelo que devia ser replicado. Os resultados preliminares do The Fourth R devem, no entanto, ser cuidadosamente considerados, uma vez que “refletem alterações ou ganhos no conhecimento e maior consciência face à violência nos relacionamentos, saúde sexual, e consumo e abuso de substâncias, e auto‑relato da agressão relacional, mas não refletem alterações no comportamento per se” (Wolfe, Crooks, Chiodo, Hughes, & Jaffe, 2005, p. 11, tradução realizada pelas autoras). Por outro lado, “foram percebidos ganhos superiores no grupo dos rapazes comparativamente com as raparigas em algumas áreas, em particular, nas atitudes e comportamentos relacionados com a agressividade e a violência relacional” (ibidem, p. 11, tradução realizada pelas autoras). Uma análise realizada dois anos e meio após a implementação, demonstrou uma redução da violência física no namoro, em comparação com um grupo de controlo, o que constitui sem dúvida um resultado positivo mas, uma vez mais, os resultados apontaram para um maior impacto no grupo dos rapazes do que nas raparigas (Wolfe et al., 2009).

Em virtude dos efeitos encorajadores do The Fourth R, e à recomendação presente na literatura, passaremos à descrição do processo de tradução e adaptação deste programa para o contexto português, apresentando posteriormente os resultados preliminares da sua implementação.

The Fourth R – a implementação em Portugal

A versão adaptada do The Fourth, o Programa 4, é composta por 28 sessões, estruturadas nos seguintes módulos: (i) Relacionamentos saudáveis, (ii) Crescimento e sexualidade saudáveis, (iii) Consumo e abuso de substâncias, e (iv) Igualdade de género. Cada unidade integra sete sessões. As dimensões nucleares deste programa são, como o nome sugere, quatro: violência entre pares e no namoro, comportamentos sexuais de risco, consumo e abuso de substâncias e igualdade de género. Em comparação com a versão original, foram adicionadas sete sessões ao The Fourth R, que corresponde à Unidade 4 – Igualdade de Género. A inclusão desta unidade está associada à Tipologia do financiamento na qual a implementação portuguesa foi incluída (Eixo 7: Igualdade de Género), tendo sido autorizada pelos autores do programa original.

Durante a implementação‑piloto do programa, as atividades foram desenvolvidas na disciplina “Área de Projeto”, uma aula semanal de 90 minutos, ao longo de todo o ano letivo. A versão portuguesa do programa não diverge dos pressupostos do The Fourth R original. Os objetivos gerais que suportam esta intervenção estão focados, como previamente definido pela equipa do The Fourth R, na informação, atitudes, valores dos adolescentes e na aprendizagem e treino de novas competências (Wolfe et al., 2005).

Objetivo do estudo

O objetivo específico deste estudo foi avaliar o impacto de um programa de prevenção da violência no namoro (o 4d – a tradução e adaptação portuguesa do The Fourth R), desenvolvido junto de adolescentes em contexto escolar, ao nível do seu conhecimento, atitudes, comportamentos e intenções de comportamento em contextos relacionais.

Método

Amostra

Este estudo foi conduzido numa escola no norte de Portugal, entre setembro de 2008 e junho de 2009. Esta escola‑piloto foi considerada pelo Ministério da Educação como um “território educativo de intervenção prioritária”, comummente designadas como escolas TEIP, caraterizada por elevadas taxas de retenção e fracos resultados escolares e uma vez que está inserida numa comunidade pobre e multi‑problemática.

A comparação entre o grupo de intervenção e o grupo experimental foi realizada através do método quasi‑experimental. A distribuição dos alunos pelos dois grupos não foi realizada de forma aleatória, sendo que o critério de inclusão dos estudantes neste estudo foi a sua frequência no 9º ano de escolaridade de uma das quatro escolas envolvidas no estudo. As escolas foram selecionadas com base na sua disponibilidade em participar neste estudo e em assegurar as condições necessárias para a implementação do programa.

A amostra total do estudo é constituída por 220 estudantes, 113 (51.4%) no grupo de intervenção e 107 (48.6%) no grupo de controlo (Md = 2). O grupo de intervenção (GI) é composto por 42 (37.2%) raparigas e 71 (62.8%) rapazes (Md = 2), com idades compreendidas entre os 13 e os 18 anos, tendo uma média de 14.5 (DP = .84) e o grupo de controlo (GC) por 46 (43.0%) raparigas e 61 (57.0%) rapazes (Md = 2), com idades compreendidas entre os 14 e os 17 anos, tendo uma média de 14.5 (DP = .84).

A comparação entre os grupos de intervenção e de controlo permitiu‑nos afirmar a inexistência de diferenças entre os dois grupos ao nível da variável sexo (c2(1) = .38, p > .05), idade (t (218) = .42, p > .05), bem como ao nível dos valores das dimensões centrais, incluindo atitudes em relação a violência psicológica masculina, violência física masculina, violência sexual masculina, violência psicológica feminina, violência física feminina, violência sexual feminina, estratégias abusivas de resolução de conflitos em relação a outros, estratégias positivas ou não abusivas de resolução de conflitos em relação a outros e conhecimento sobre relacionamentos.

Dos 220 estudantes que integraram a amostra inicial, 168 (76.4%) completaram o pós‑teste (88.5% daqueles incluídos no grupo de controlo), mas apenas 56 (25.5%) completaram as 3 fases de avaliação (pré‑teste, pós‑teste e follow‑up). O reduzido valor de participação no follow‑up foi justificado, em vários casos, pela transferência de escola por parte do aluno.

Por outro lado, e uma vez que este grupo final tinha características de idade, sexo, conhecimento, atitudes e características comportamentais que diferiram da amostra inicial, incorrendo‑se no potencial enviesamento da avaliação do impacto, a opção foi a análise da intervenção apenas no pré e no pós‑teste.

Instrumentos

Experiências anteriores de avaliação de programas de prevenção em contexto escolar (Saavedra & Machado, 2007; Saavedra & Machado, no prelo) demonstraram desvantagens na utilização dos questionários em suporte papel, sobretudo no que concerne aos elevados custos inerentes à reprodução dos instrumentos e ao volume de trabalho associado à inserção da informação em suporte informático. O desenvolvimento de um questionário online teve como objetivo ultrapassar estas desvantagens. Neste estudo foram utilizados três instrumentos: (1) Relacionamentos – mitos e factos (Saavedra & Machado, 2008); (2) Escala de atitudes acerca da violência (Price, Byers, & Dating violence research team, 1999; Adaptação portuguesa: Saavedra, Machado, & Martins, no prelo); (3) Inventário de conflitos nos relacionamentos de namoro entre adolescentes (Wolfe et al., 2001; Adaptação portuguesa: Saavedra, Machado, Martins, & Vieira, 2011).

O questionário Relacionamentos – mitos e factos é composto por cinco afirmações que os sujeitos deverão identificar como sendo Mitos (afirmações falsas) ou Factos (afirmações verdadeiras).

A Escala de atitudes acerca da violência é um instrumento de auto‑relato, com um total de 76 itens organizados em três subescalas de atitudes face à violência masculina no namoro e três subescalas face à violência feminina no namoro, medindo as atitudes dos sujeitos relativamente à violência psicológica, física e sexual nestas relações. Trata‑se de uma escala com elevado nível de consistência interna (alpha de Cronbach da escala total é de 0.94).

O Inventário de conflitos nos relacionamentos de namoro entre adolescentes é também um instrumento de auto‑relato constituído por 35 itens que permitem avaliar a utilização de estratégias de resolução de conflitos positivas (ou não abusivas) e abusivas nos relacionamentos de namoro entre adolescentes, utilizadas pelo próprio(a) e pelo parceiro(a). O valor e consistência interna do inventário avaliado pelo alpha de Cronbach é de 0.90.

Procedimentos

Os questionários online foram preenchidos na presença de um membro da equipa do projeto. Os procedimentos para esta aplicação foram estandardizados e previamente treinados.

No grupo de intervenção, o pré‑teste foi aplicado uma a duas semanas antes da intervenção, enquanto o pós‑teste foi aplicado uma semana após o final da intervenção, e o follow‑up cerca de doze meses após o final da intervenção. No grupo de controlo, os questionários foram preenchidos nos mesmos períodos. Neste grupo, não foi conduzida nenhuma intervenção planeada entre o pré‑teste e o pós‑teste.

Descrição da intervenção

As principais áreas de ação, quer na versão original do programa quer na sua versão modificada, incluem a clarificação de valores, o fornecimento de informação para uma tomada de decisão informada e uma componente estruturada de competências de desenvolvimento (Wolfe et al., 2005; Wolfe et al., 2006).

Entende‑se que a prestação de informação e a aprendizagem de competências, em conjunto com a possibilidade de conduzir extensas discussões e antecipar as consequências de diferentes comportamentos possam conduzir à clarificação de valores e limites para jovens e espera‑se uma maior motivação para a adoção de comportamentos saudáveis. No entanto, é essencial não ignorar o que os jovens entendem como consequências positivas de comportamentos de risco. É precisamente uma reflexão dos prós e contras das várias alternativas comportamentais que irá permitir uma tomada de decisão informada e responsável de cada um pelas suas escolhas (ibidem).

Tal como mencionado anteriormente, cada unidade inclui sete sessões organizadas do seguinte modo (ver quadro 1):

 

 

Esta implementação, de acordo com o descrito no quadro 1, perfaz uma duração de aproximadamente 37 horas (21 sessões de 90 minutos das unidades 1, 2 e 3 e 7 sessões de 45 minutos).

Resultados

Impacto da intervenção

De seguida são descritos os resultados da análise detalhada do impacto do programa no grupo de intervenção e do grupo de controlo em dois períodos de avaliação – pré‑teste e pós‑teste – nos seguintes domínios: a) conhecimento sobre relacionamentos b) atitudes em relação a violência no namoro, e c) estratégias de resolução de conflitos nos relacionamentos de namoro. Note‑se que em virtude de terem sido realizados testes t simultâneos, de acordo com a correção de Bonferroni, o ponto de corte de p será .025 para a análise do impacto da intervenção no conhecimento, .004 para a análise das atitudes e .0125 para a análise das estratégias de resolução de conflitos.

Conhecimento sobre relacionamentos

No geral, no grupo de intervenção, o número de respostas corretas foi significativamente superior no pré‑teste (M = 3.47, DP = .92) do que no pós‑teste (M = 2.98, DP = .92, t(98) = 4.33, p < .025, r = .40). No grupo de controlo os resultados seguiram a mesma tendência (pré‑teste: M = 3.27, DP = .92, pós‑teste: M = 2.82, DP = 1.16), t (65) = 2.89, p <. 025, r = .34).

Atitudes em relação a violência no namoro

Os resultados do grupo de intervenção (Teste T amostras emparelhadas) demonstraram a existência de diferenças estatisticamente significativas entre os dados recolhidos no pré‑teste e no pós‑teste em quase todas as subescalas. Após a intervenção, existiu um decréscimo significativo na legitimação de atitudes de violência no namoro nas escalas de violência psicológica masculina, (pré‑teste: M = 32.3, DP = 8.4, pós‑teste: M = 29.2, DP = 9.0, t(95) = 3.64, p < .004, r = .35), violência sexual masculina (pré‑teste: M = 25.6, DP = 6.8, pós‑teste: M = 23.3, DP = 5.8, t(96) = 3.92, p < .004, = .37), violência psicológica feminina (pré‑teste: M = 26.7, DP = 7.0, pós‑teste: M = 23.2, DP = 7.8, t(96) = 4.75, p < .004, r = .44), violência física feminina (pré‑teste: M = 27.8, DP = 7.9, pós‑teste: M = 24.1, DP = 8.2, t(95) = 4.2, p < .004, r = .35.40) e violência sexual feminina (pré‑teste: M = 23.1, DP = 6.2, pós‑teste: M = 20.7, DP = 6.9, t(96) = 4.40, p < .004, r = .40) –, sendo a única excepção a violência física masculina. Apenas na subescala violência física masculina as diferenças entre os dois momentos de avaliação são não significativas (pré‑teste: M = 24.1, DP = 7.9, pós‑teste: M = 22.9, DP = 8.9, t(95) = 1.45, p >.004). No grupo de controlo, não foram percebidas, nas diferentes subescalas, quaisquer diferenças significativas entre o pré e o pós‑teste.

Estratégias de resolução de conflitos

No grupo de intervenção não se evidenciaram diferenças significativas entre o pré (M = 30.4, DP = 7.0) e o pós‑teste (M = 30.5, DP = 8.4, t(46) = ‑.13, p >.0125) em relação ao uso de comportamentos abusivos como forma de resolução de conflitos nos relacionamentos de namoro (Teste T para amostras emparelhadas). Contudo, foram encontradas diferenças significativas na adoção de estratégias positivas ou não abusivas de resolução de conflitos, percebidas através de um aumento das estratégias de resolução de conflitos positivas (pré‑teste: M = 20.8., DP = 5.1, pós‑teste: M = 22.8, DP = 5.4, t(46) = 2.98, p <.0125, r = .40) . No grupo de controlo não se evidenciaram diferenças significativas entre o pré‑teste e o pós‑teste em relação ao uso de comportamentos abusivos como forma de resolução de conflitos em relações íntimas (pré‑teste: M = 30.2, DP = 4.9, pós‑teste: M = 33.2, DP = 7.6, t(33) = ‑2.05, p >.0125) = t(33) = ‑2.05, p > .0125), nem em relação à adoção de estratégias positivas ou não abusivas de resolução de conflitos, (pré‑teste: M = 30.9, DP = 5.2, pós‑teste: M = 34.1, DP = 9.3,: t(33) = ‑1.61, p > .0125).

Resultados por sexo

De seguida será apresentada uma comparação das diferenças de sexo antes e após da intervenção (Teste T amostras independentes), com um exame mais específico da evolução do grupo de intervenção durante as diferentes fases de avaliação, de acordo com o sexo dos indivíduos (Teste T amostras emparelhadas).

Sexo e conhecimento

A análise das diferenças de sexo no número de respostas corretas antes e após a intervenção revelaram não existirem diferenças significativas, nem antes (raparigas: M = 3.38, DP = .89, rapazes: M = 3.55, DP = .92, t(111) = ‑.95, p > .025), nem após a intervenção (raparigas: M = 3.10, DP = 1.05, rapazes: M = 2.90, DP = .82, t(97) = 1.08, p > . 025).

A análise dos resultados por sexo (Teste T amostras emparelhadas) demonstrou que a diminuição da média de respostas corretas encontrada no grupo de intervenção foi afetada pelo sexo dos sujeitos, uma vez que foi significativa nos rapazes (pré‑teste: M = 3.57, DP = .95, pós‑teste: M = 2.90, DP = .81, t(59) = 4.41, p< .025, r =.50), mas não nas raparigas (pré‑teste: M = 3.33, DP = .87, pós‑teste: M = 3.10, DP = 1.05, t(38) = ‑1,33, p >.025).

Sexo e atitudes em relação à violência no namoro

O nível de concordância com atitudes legitimadoras da violência foi, nas escalas em que se verificaram diferenças significativas, maior nos rapazes do que nas raparigas (Teste T amostras Independentes): resultados do pré‑teste evidenciam este facto para as subescalas violência sexual masculina (raparigas: M = 22.8, DP = 4.6, rapazes: M = 27.2, DP = 7.1, t(109.33) = ‑4.02, p <.004, r = .36) e violência sexual feminina (raparigas: M = 20.4, DP = 5.6, rapazes: M = 25.4, DP = 6.1, t(108) = ‑4.26, p <.004, r = .38). Estas diferenças foram significativas e mantiveram‑se após a intervenção (violência sexual masculina – raparigas: M = 21.2, DP = 4.6, rapazes: M = 24.7, DP = 6.1, t(92.78) = ‑3,24, p <.004, r =.32) e violência sexual feminina – raparigas: M = 17.5, DP = 4.7, rapazes: M = 22.7, DP = 7.3, t(97) = ‑4.31, p <.004, r = . 40).

No entanto, uma análise separada dos resultados por sexo (Teste T amostras emparelhadas) permitiu‑nos confirmar que o decréscimo estatístico significativo nestas escalas (violência sexual masculina e violência sexual feminina) após a intervenção ocorria apenas no grupo dos rapazes: violência sexual masculina (pré‑teste: M = 27.6, DP = 7.2, pós‑teste: M = 24.7, DP = 6.1, t(58) = 3.65, p<.004, r = .43), violência sexual feminina (pré‑teste: M = 25.2, DP = 5.9, pós‑teste: M = 22.8, DP = 7.2, t(58) = 3.76, p<.004, r = .42).

Sexo e as Estratégias de Resolução de Conflitos

De acordo com a análise efetuada (Teste T amostras independentes), antes da intervenção, o uso de estratégias abusivas de resolução de conflitos não foi significativamente diferente entre rapazes e raparigas (raparigas: M = 31.2, DP = 6.2, rapazes: M = 29.8, DP = 7.0, t(62.51) = .91, p> .0125). Este resultado foi replicado no pós‑teste (raparigas: M = 29.2, DP = 4.0, rapazes: M = 34.2, DP = 15.8, t(43.33) = ‑1.80, p > .0125). De facto, a análise do impacto da intervenção de acordo com o sexo dos sujeitos (Teste T amostras emparelhadas) demonstra que o processo interventivo não resultou em alterações significativas na variável estratégias abusivas de resolução de conflitos, independentemente do sexo (raparigas: t(15) = 1.60, p >.0125; rapazes: t(30) = ‑.54, p >.0125).

Por outro lado, relativamente à variável estratégias de resolução de conflitos positivas, antes da intervenção, não existia qualquer diferença estatística significativa entre rapazes e raparigas (raparigas: M = 21.4, DP = 4.5, rapazes: M = 20.4, DP = 5.1, t(73) = .88, p >.0125) (Teste T amostras independentes). Apesar disto, o impacto da intervenção foi significativo no grupo dos rapazes que demonstraram um aumento no uso de estratégias positivas ou não abusivas na resolução de conflitos (pré‑teste: M = 20.7, DP = 5.8, pós‑teste: M = 23.0, DP = 6.2, t(30) = ‑2.79, p < .0125, r =.45) (Teste T amostras emparelhadas).

Discussão

A maioria dos programas realizados no domínio da prevenção da violência procura avaliar o impacto da intervenção através de indicadores como o conhecimento acerca dos tópicos abordados e as crenças ou atitudes dos sujeitos (Whitaker et al., 2006). Nesta intervenção, à semelhança da implementação do programa original, avaliamos estes dois domínios, mas acrescentamos um terceiro, as estratégias de resolução de conflitos, de natureza mais comportamental, uma vez que a contribuição dos dois indicadores antes enunciados na redução de comportamentos abusivos ou nas alterações comportamentais não pode ser extrapolada ou deduzida (ibidem). Contudo, mesmo quando a dimensão comportamental é foco de análise, o principal desafio tem sido a determinação do impacto da intervenção ao nível dos comportamentos, bem como a avaliação da manutenção deste impacto a médio e longo prazo.

Os resultados divulgados por Wolfe e colaboradores (2009) relativamente à avaliação da implementação deste programa revelam um aumento do conhecimento dos jovens, uma diminuição de atitudes de tolerância face à violência e, dois anos e meio após a sua aplicação, uma redução da violência física no namoro. Os nossos dados permitem‑nos corroborar alguns destes resultados, designadamente, ao nível das atitudes e ao nível dos comportamentos. Todavia, estamos conscientes da necessidade de ampliar o período de avaliação de modo a reconhecer mudanças a médio e a longo prazo.

No que diz respeito ao conhecimento sobre os relacionamentos, a maior parte dos participantes respondeu corretamente a três de cinco questões apresentadas. A literatura nesta área (cf. Wolfe et al., 2006), refere que os jovens pensam que conhecem mais sobre os mais diversos tópicos do que realmente conhecem, devido ao facto de as suas principais fontes de informação serem os seus pares que, frequentemente, têm níveis semelhantes de conhecimento.

Nesta implementação o conhecimento dos participantes não foi afetado pela intervenção. Todavia, é possível que este facto tenha sido agravado pelo reduzido número de perguntas do questionário (cinco), limitando a ausência de efeitos. De igual modo consideramos que existem aspetos abordados durante o programa que não são refletidos nas questões de avaliação de conhecimento, como os recursos das escolas e da comunidade para fornecer ajuda e apoio em casos de violência. Deste modo, em futuras avaliações, o número de questões deverá ser superior e questões sobre estratégias e recursos de apoio deverão ser incluídas.

Em relação ao segundo tópico da nossa análise, as atitudes acerca da violência no namoro exercida por rapazes e raparigas, os participantes revelaram níveis relativamente baixos de legitimação de violência no namoro. Os rapazes apresentaram níveis mais elevados de legitimação de violência no pré‑teste, em algumas escalas, nomeadamente no que diz respeito à violência psicológica masculina e violência sexual masculina e à violência sexual feminina. Esta legitimação superior da violência por parte dos rapazes tem sido encontrada em diferentes estudos e por diferentes autores (e.g. Cano, Avery‑Leaf, Cascardi, & O´Leary, 1998; Katz, Kuffel, & Coblentz, 2002; Machado, Caridade, & Martins, 2009; Matos, Machado, Caridade, & Silva, 2006). Tal tem sido sobretudo explicado pelo facto de os rapazes serem socializados para adoptar comportamentos mais agressivos nas suas relações interpessoais.

O impacto do programa ao nível das atitudes foi significativo em todas as escalas exceto uma – violência física masculina. Esta exceção poderá ser explicada pelos baixos níveis de legitimação de violência física por parte dos rapazes, previamente ao programa.

No que diz respeito ao impacto do sexo, esta variável assumiu um papel pouco significativo nos resultados da avaliação das atitudes. As diferenças evidenciadas por rapazes e raparigas antes e após a intervenção não foram tão relevantes como antecipáramos quando consideramos a inclusão desta variável.

Contudo, no geral, os resultados deste estudo demonstram uma alteração positiva nas atitudes dos sujeitos. Estes resultados poderão ter sido coadjuvados pelo facto de ao longo da intervenção terem sido abordados tópicos como por exemplo as diferenças entre uma relação saudável e não saudável, os direitos e as responsabilidades numa relação, a identificação de comportamentos abusivos e a identificação de fatores que conduzem a relacionamentos sexuais saudáveis. Acreditamos que esta abordagem terá facilitado o reconhecimento de abuso físico, psicológico e sexual, bem como o confronto de ideias prevalecentes de que o controlo e os ciúmes são demonstrações de amor (O´Keefe, 2005), e que o estatuto da relação (e.g., nível de compromisso) é uma desculpa para utilizar e tolerar violência (Katz, Kuffel, & Coblentz, 2002). Um ambiente de não‑julgamento e conteúdos apropriados do ponto de vista desenvolvimental permite que os adolescentes discutam as suas escolhas, responsabilidades e as consequências dos seus comportamentos (Wolfe, 2006).

Esta diminuição de atitudes conducentes à violência no namoro é um resultado importante, uma vez que as atitudes acerca da violência no namoro são um fator de risco frequentemente identificado na literatura como tendo um impacto significativo na utilização de comportamentos violentos (cf. Stith, Smith, Penn, Ward, & Tritt, 2004), o que justifica a usual inserção deste tópico como um dos componentes básicos de programas de prevenção (Foshee, Linder, MacDougall, & Bangdiwala, 2001; Jackson, 1999; Whitaker et al, 2006).

No terceiro tópico da análise, as estratégias de resolução de conflitos, não foi detetada qualquer alteração significativa na redução de comportamentos abusivos no namoro. Três razões podem, no entanto, justificar o impacto limitado do programa na redução de estratégias abusivas para lidar com conflitos: as limitações do instrumento de avaliação comportamental utilizado; a ausência dos recursos pedagógicos que poderiam promover a aprendizagem de novas competências e levar a consequentes alterações no campo comportamental; o curto intervalo de tempo decorrido entre a implementação e a avaliação que torna expectáveis as limitações ao nível das mudanças comportamentais.

Apesar deste resultado, houve, contudo, após a intervenção, um aumento significativo na utilização de estratégias positivas e não abusivas de resolução de conflitos na amostra total, devido, essencialmente, a alterações no grupo dos rapazes. Considerando que os critérios para programas de prevenção bem‑sucedidos no domínio do interpessoal dependem não só da redução de comportamentos abusivos, mas também em alterações que possam aumentar a utilização de estratégias positivas para lidar com conflitos (Wekerle & Wolfe, 1999), este é um resultado encorajador.

O facto de o impacto ter sido notado maioritariamente em rapazes pode ser analisado com base na informação anterior que aponta para diferentes fatores de risco e diferentes variáveis associadas à violência entre géneros (cf. Foshee et al., 2001). Por exemplo, de acordo com Foshee e colaboradores (2001), o envolvimento de amigos em episódios de violência é um fator que prevê mais fortemente violência no namoro nas raparigas, enquanto a aceitação por parte dos pares da violência no namoro parece prever a ocorrência de violência no namoro nos rapazes. O Programa 4d direcionou a sua atuação para a influência negativa do comportamento de pares e incluiu atividades pensadas para ajudar os adolescentes a resistir à pressão dos pares. Assim, estes resultados poderão ser compreendidos se tivermos em conta que maior saliência poderá ter sido dada à confrontação de atitudes de pares que legitimam o exercício da violência no namoro, resultando num maior impacto da intervenção nos rapazes, mais influenciados por esta dimensão (Ibidem).

Outra possível explicação para os efeitos do sexo nesta variável pode ser a forma como os conteúdos foram abordados no programa de prevenção, uma vez que não nos podemos esquecer que “diferenças de género são um assunto sensível e crítico na violência no namoro” (Wekerle, & Wolfe, 1999, p. 437 tradução do autor), e que durante a adolescência poderá não existir uma fronteira concreta entre vítima e perpetrador, com ambos os parceiros a apresentarem comportamentos mútuos de perpetrador/vítima (Avery‑Leaf, Cascardi, O´Leary, & Cano, 1997; Magdol, Moffitt, Caspi, Newman, Fagan, & Silva, 1997). O facto de especial atenção ter sido dada em não retratar os rapazes como perpetradores de violência e o reconhecimento de que frequentemente são, de facto, vítimas de violência no namoro por parte de raparigas, poderá ter tido um maior efeito na motivação dos rapazes em participar no programa e nas suas atividades, resultando nas alterações mais positivas neste grupo.

Numa análise global, podemos concluir que este programa parece ser eficaz a vários níveis, nomeadamente no que diz respeito à alteração de atitudes de legitimação da violência e à promoção de comportamentos pro‑sociais. Futuras aplicações devem, no entanto, integrar alterações de forma a facilitar a mudança no conhecimento acerca dos relacionamentos, promover o decréscimo de comportamentos abusivos e o aumento de comportamentos pro‑sociais, tanto em rapazes como em raparigas.

Finalmente, deve ser salientado que esta implementação‑piloto foi executada sem a totalidade dos materiais necessários, incluindo os vídeos "Competências para relacionamentos saudáveis"2 e "Exemplos de role‑play e estratégias para dinamização,"3. Apesar de a tradução destes materiais e de a sua execução por actores portugueses ter levado algum tempo, e termos por isso decidido avançar para a implementação do programa sem eles, tais materiais estão agora prontos para utilizar em futuras implementações do programa. Estamos seguros que a participação em atividades de resolução de conflito, complementadas com estes materiais, facilitará a aquisição de competências e que esta dimensão do programa será, deste modo, melhor sucedida no futuro.

Implicações

Dados relativos a um estudo conduzido em Portugal sobre os custos económicos e sociais da violência contra mulheres em relações íntimas apontaram para um custo médio de cerca de 140€ por ano para cobrir despesas de saúde das vítimas femininas (Lisboa et al., 2006). Além deste impacto económico, os custos da violência íntima incluem despesas relacionadas com o impacto psicológico na saúde das vítimas e das suas famílias e dinheiro perdido devido a várias baixas médicas de trabalho (ibidem). No lado oposto – prevenção primária – o custo de implementação do The Fourth R é de cerca de 13€ por estudante (Wolfe et al., 2009), e estes gastos resultam num investimento sustentável de longo prazo. Deste modo, a necessidade de investir em esforços preventivos é reforçada por vários argumentos, um dos quais, se os outros não fossem suficientes, relacionado com os custos económicos da violência e os gastos relativamente baixos associados à prevenção primária. Outro argumento que é importante considerar é que, quando se previne a violência perpetrada por jovens, não se está apenas a prevenir os danos físicos e psicológicos imediatos que a violência causa; mais importante ainda, deve ser reconhecido que estes comportamentos são tipicamente replicados no futuro, o que multiplicará, a longo‑prazo, os seus custos (Henton, Cate, Koval, Lloyd, & Christopher, 1983).

Tendo estas considerações em mente, a implementação‑piloto procurou avaliar o impacto de um programa de prevenção de violência no namoro e riscos comportamentais associados, num contexto diferente para o qual tinha sido desenhado, de forma a avaliar a sua eficácia. Procurou também avaliar a sua sensibilidade e ajustamento cultural. Tais esforços resultaram na validação da eficácia deste modelo interventivo em termos da redução de atitudes legitimadoras de violência no namoro e no aumento de competências positivas ou não‑abusivas na resolução de conflitos, apesar de este impacto comportamental se dever sobretudo a alterações no grupo dos rapazes.

 

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*Autor para correspondência

A correspondência relativa a este artigo deverá ser enviada para: Rosa Saavedra, Associação Portuguesa de Apoio à Vítima, Rua Aurélio Paz dos Reis, 351, 4250­068 Porto.

Correio eletrónico: rosasaavedra@apav.pt

 

Enviado a 6 de Outubro de 2012. Aceite a 13 de Janeiro de 2013

 

Notas

1Este texto foi elaborado no âmbito do projecto Projeto “Violência nas Relações Juvenis de Intimidade” (PTDC/PSI/65852/2006), financiado pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia, e o estudo aqui apresentado foi desenvolvido no âmbito da tese de doutoramento da primeira autora, também com o apoio da FCT (SFRH/BD/28483/2006).

2Vídeo no qual os estudantes podem ver a aplicação de três estilos comunicativos – passivo, agressivo e assertivo – e as competências que eles aprenderam – negação, adiamento e negociação. A intenção, não sendo a de identificar cada estilo / competência, é que os alunos possam observar que para cada situação ou conflito, existem várias respostas possíveis e uma resposta inapropriada pode ser dada se a pessoa não for capaz de adoptar um estilo assertivo de comunicação (Wolfe et al., 2006).

3Neste vídeo, encorajados por um professor, os alunos representam situações de conflito perante um público (colegas). Os estudantes representam cada cenário até ao ponto em que o conflito se desenrola. O professor discute de seguida com a turma formas de resolver o conflito e os alunos participam demonstrando diferentes resultados.