INTRODUÇÃO
A quarta revolução industrial emerge na contemporaneidade com um mercado de emprego competitivo e instável, exigindo aos indivíduos uma maior flexibilidade e capacidade de resolução de problemas (World Economic Forum, 2018). Este novo paradigma, substituto do paradigma de uma carreira estável e para a vida, exige que as pessoas sejam capazes de gerir a sua própria carreira ao longo do tempo (Wilhelm & Hirschi, 2019). Uma fase particularmente importante e influente no processo de construção da carreira é a passagem para o mercado de emprego (Schoon & Silbereisen, 2009). Neste enquadramento, a literatura sugere que muitos jovens, nomeadamente diplomados do ensino superior, podem não estar preparados para lidar com um mercado de emprego incerto e competitivo, o que se reflete na dificuldade em tomar decisões de carreira e, consequentemente, inserir-se profissionalmente (e.g., Oliveira, 2014; Oliveira & Dela Coleta, 2008; Perrone & Vickers, 2003; Sidiropoulou-Dinakakou et al., 2012; Teixeira & Gomes, 2004). O processo de transição para uma nova etapa de carreira é muitas vezes encarado, por estes diplomados, com uma dualidade de sentimentos. Por um lado, sentem alegria e satisfação por conseguirem finalizar a graduação (Teixeira & Gomes, 2004), por outro, sentem stress, medo, incerteza, perda e baixa confiança, aquando do momento de entrada no mercado de emprego (Perrone & Vickers, 2003; Postigo & Oliveira, 2015). Estes sentimentos podem justificar-se pela incapacidade de os estudantes moldarem o meio, ou seja, gerirem a sua vida no sentido de alcançar os objetivos de carreira pré-estabelecidos (Oliveira et al., 2017). Este processo parece despoletar o questionamento e a reflexão dos estudantes, sobre quem são, onde estão e para onde querem ir (Perrone & Vickers, 2003). Como tal, o processo de transição para o mercado de emprego parece afetar a identidade destes recém-formados que, por um lado, deixam de ser estudantes, mas, por outro, ainda não são trabalhadores (Oliveira, 2014; Perrone & Vickers, 2003; Teixeira & Gomes, 2004). Assim, dois racionais úteis e complementares que permitem compreender o processo de transição universidade-mercado de emprego em universitários são a Teoria de Construção de Carreira (TCC, Savickas, 2005) e a Teoria Sociocognitiva da Carreira (TSCC, Lent & Brown, 2013; Lent et al., 1999). Trata-se de teorias explicativas que identificam fatores psicossociais responsivos e maleáveis aos desafios desenvolvimentistas e contextuais que a transição universidade-mercado de emprego impõe. Para além disso, explicam a maior ou menor presença - ou ativação -, de comportamentos de carreira adaptativos (e.g., planeamento, formulação de objetivos, recolha de informação, negociar transições) ao longo do ciclo de vida.
A TCC (Savickas, 2005; Savickas, 2002) surge como uma atualização da Teoria de Desenvolvimento de Carreira de Donald Super (1980-1990) face ao contexto laboral mais competitivo e instável do século XXI. Por um lado, a TCC substitui o conceito de maturidade vocacional (Super, 1980) pelo conceito de adaptabilidade de carreira (Savickas, 2005), um constructo psicossocial que representa a prontidão e os recursos que cada indivíduo possui para resolver tarefas vocacionais e/ou ocupacionais (Savickas, 2013). Por outro, passa a conceptualizar o conceito de carreira como um processo de construção contínuo, em que as pessoas se preparam com tempo, transitam para uma nova fase de vida e vão constantemente adaptando-se ao meio, de forma a se integrarem socialmente (e.g., Ambiel, 2014; Bardagi & Albanaes, 2015; Savickas & Porfeli, 2012). Em 2012, Savickas aprofunda a sua teoria e propõe que a adaptação ao longo da carreira seja definida a partir de quatro componentes, variantes da adaptabilidade. São elas: a prontidão adaptativa, os recursos adaptativos, as respostas adaptativas e os resultados de adaptação. A prontidão adaptativa é definida como uma variável de tipo traço que caracteriza a flexibilidade para lidar com a mudança. Esta componente tem sido medida através de constructos como a autoestima, a autoavaliação e a escala de traços básicos de personalidade Big-Five (e.g., Hirshi et al., 2015; Rudolph et al., 2017). Os recursos adaptativos - constructo de natureza psicossocial -, define ferramentas cognitivo-motivacionais que facilitam a resolução de tarefas vocacionais, como é o caso da adaptabilidade. A adaptabilidade, segunda componente no modelo, de acordo com Savickas e Porfeli (2012), inclui as dimensões de preocupação, curiosidade, controlo e confiança em relação ao futuro. Este constructo tem sido medido sobretudo com a Escala sobre Adaptabilidade de Carreira (e.g., Duarte et al., 2012; Gomes, 2017; Hirshi et al., 2015; Monteiro & Almeida, 2015; Rudolph et al., 2017). A terceira componente, respostas adaptativas, designa comportamentos e atitudes que permitem lidar com transições de carreira, sendo frequentemente medida por escalas de planeamento, exploração, autoeficácia e comportamentos de tomada de decisão (e.g., Hirshi et al., 2015; Rudolph et al., 2017), daqui em diante designados por comportamentos de carreira adaptativos. Finalmente, a quarta componente, os resultados adaptativos, refletem uma maior ou menor satisfação de carreira, sucesso, envolvimento no trabalho, empregabilidade percebida, entre outros (e.g., Gomes, 2017; Oliveira, 2014; Pinheiro, 2017; Rudolph et al., 2017; Savickas & Porfeli, 2012). De acordo com a teoria e evidência empírica, a adaptação na carreira segue uma sequência na qual pessoas que apresentam maior volição para a mudança (prontidão adaptativa) apresentarão também maior eficiência no processo autorregulatório (recursos adaptativos) e, consequentemente, mais comportamentos e atitudes (respostas adaptativas) que lhes permitem adaptar-se ao meio (resultados adaptativos) (e.g., Hirshi et al., 2015; Rudolph et al., 2017; Savickas & Porfeli, 2012; Savickas et al., 2018). De facto, a literatura é consensual em afirmar que apesar de independentes, as quatro componentes do modelo de adaptação na carreira (Savickas & Porfeli, 2012) se relacionam entre si (e.g., Gomes, 2017; Hirshi et al., 2015; Pinheiro, 2017, Rudolph et al., 2017).
Por seu turno, a TSCC (Lent et al., 1999; Lent & Brown, 2013), tal como a teoria anterior, surge como uma evolução teórica, mas neste caso ancorada na Teoria Sociocognitiva da Aprendizagem de Bandura (1986). Segundo a TSCC, a adoção de comportamentos de carreira adaptativos (e.g., procura de emprego, estabelecimento de objetivos de vida) dependem do sentido de autoeficácia, das expectativas de resultado e dos objetivos estabelecidos (Lent et al., 1999; Lent & Brown, 2013). A autoeficácia, primeira componente, define-se como a crença acerca das capacidades individuais para alcançar um objetivo ou comportamentos específicos pretendidos (Lent et al., 1999). As expectativas de resultado, segunda componente, representam as crenças individuais sobre as consequências de determinado comportamento (Lent et al., 1999). Como tal, se uma pessoa acreditar que é capaz de realizar um determinado comportamento com sucesso e este lhe trouxer consequências positivas e desejadas, a probabilidade de despender tempo e esforço no mesmo aumenta. Os objetivos, terceira componente, representam a determinação individual para se envolver num dado comportamento (Lent et al., 1999). A par destas três componentes principais, os autores da TSCC destacam ainda a importância que o suporte social e as barreiras contextuais podem ter na adoção de comportamento de carreira adaptativos (Lent et al., 1999; Lent & Brown, 2013). Como tal, a perceção de uma rede de suporte alargada (e.g., família, amigos), que apoia e incentiva comportamento de carreira adaptativos (e.g., exploração, planeamento), contribui para a adoção dos mesmos. Enquanto isso, a perceção de barreiras (e.g., falta de mestria) contribui de forma contrária, inibindo os mesmos (Lent et al., 1999; Lent & Brown, 2013).
Para aceder a estes comportamentos de carreira, a literatura destaca múltiplas variáveis às quais se deve atender (e.g., exploração, autoeficácia, tomada de decisão) (e.g., Johnston, 2018; Rudolph et al., 2017), indo ao encontro das teorias mencionadas. Porém, a única medida específica para avaliar tais dimensões, já validada entre estudantes do secundário e universitário, é o Student Career Construction Inventory (SCCI, Savickas et al., 2018). Este inventário inclui um total de 18 itens distribuídos por quatro comportamentos adaptativos: cristalização do autoconceito vocacional, recolha de informação ocupacional, preparação para a tomada de decisão, e compromisso com uma escolha ocupacional. A SCCI, apesar de útil e fiel ao conceito de comportamentos de carreira adaptativos, não reflete uma visão ampla e integrativa dos contributos teóricos principais sobre tais constructos (e.g., as teorias TCC e TSCC). Uma medida alternativa recente que permite cumprir melhor este objetivo é a Escala de Desenvolvimento de Carreira de Universitários (EDCU), desenvolvida mais recentemente por Teixeira et al. (2019) para o contexto educativo brasileiro. Desenhada para fins de investigação e avaliação de intervenções de carreira, a EDCU procura atender à necessidade teórica de uma escala específica, baseada na teoria, que permita uma avaliação mais ampla e integradora de comportamentos de carreira adaptativos. Assim, a EDCU é composta por um total de 31 itens que pretendem medir comportamentos de exploração de carreira, tomada de decisão e identidade de carreira, identificados nas perspetivas desenvolvimentista e construtivista (Savickas, 2005; Super, 1980), e o locus de controlo e a autoeficácia, identificados na perspetiva sociocognitiva (Bandura, 1977; Lent & Brown, 2013; Lent et al.,1999). A dimensão de exploração de carreira é definida como a procura por novas experiências, reflexão sobre si e sobre a própria carreira. A identidade é definida como a integração de aspetos profissionais à visão pessoal. A decisão de carreira é definida como a clareza na formulação dos objetivos profissionais. O locus de controlo é definido como a crença de que o sucesso se deve ao esforço da própria pessoa. Finalmente, a autoeficácia consiste na crença que as pessoas têm sobre as suas capacidades para lidar com uma determinada tarefa.
Dada a utilidade da EDCU para avaliar comportamentos de carreira adaptativos de forma rápida e integradora, o presente estudo pretende testar o modelo e estrutura dimensional proposto pelos autores da escala, bem como a sua precisão, numa amostra de estudantes universitários portugueses. Com base na literatura, espera-se obter um ajustamento do modelo de medida aos dados aceitável e valores de precisão satisfatórios com a EDCU, em universitários portugueses.
MÉTODO
Participantes
Os participantes foram recrutados com um método de amostragem não-probabilístico, por conveniência. De forma a responder aos objetivos do presente estudo, aleatorizou-se, posteriormente, os sujeitos por duas subamostras.
A subamostra A inclui um total de 111 estudantes universitários portugueses, com idades entre os 19 e os 35 anos (M = 22.67, DP = 2.56), todos de etnia caucasiana (100%) e 88 (79.3%) mulheres. Analisando as áreas de estudo (Direção-Geral do Ensino Superior, 2018), 69 (62.2%) encontravam-se a estudar na área de Direito, Ciências Sociais e Serviços; 11 (9.9%) na área de Ciências; 11 (9.9%) na área das Tecnologias; sete (6.3%) na área da Saúde; seis (5.4%) na área das Ciências da Educação e Formação de Professores; seis (5.4%) na área Economia, Gestão e Contabilidade; e um (.9%) na área de Arquitetura, Artes Plásticas e Design. A maioria dos participantes desta subamostra apresentou uma média de classificações escolares entre os 12 e os 15 valores (n = 77, 69.4%) e uma minoria apresentou uma média superior a 18 valores (n = 1, 0.9%).
A subamostra B é composta por um total de 105 estudantes universitários portugueses, com idades entre os 19 e os 36 anos (M = 22.42, DP = 2.08), sendo a maioria de etnia caucasiana (n = 104; 99%) e mulheres (n = 86; 81.9 %). Analisando as áreas de estudo (Direção-Geral do Ensino Superior, 2018), 64 (61%) encontravam-se a estudar na área de Direito, Ciências Sociais e Serviços; 16 (15.2%) na área das Tecnologias; oito (7.6%) na área das Ciências; oito (7.6%) na área de Economia, Gestão e Contabilidade; cinco (4.8%) na área da Saúde; três ( 2.9%) na área das Ciências da Educação e Formação de Professores; e um (1%) na área de Arquitetura, Artes Plásticas e Design. A maioria dos participantes desta subamostra apresentou uma média de classificações escolares entre os 12 e os 15 valores (n = 73, 69.5%) e uma minoria apresentou uma média superior a 18 valores (n = 2, 1.9%).
Medida
A Escala de Desenvolvimento de Carreira de Universitários (EDCU) de Teixeira e colaboradores (2019) é uma escala composta por um total de 31 itens distribuídos por cinco subescalas consistentes. No estudo original, a subescala identidade de carreira é avaliada com seis itens (e.g., Item 2 “Consigo imaginar-me no futuro a trabalhar na profissão que escolhi”). O locus de controlo com cinco itens (e.g., Item 15 “Para eu me dar bem profissionalmente, vou precisar de contar com a ajuda da sorte”). A autoeficácia profissional é avaliada com nove itens (e.g., Item 20 “Domino as capacidades necessárias para exercer a minha profissão eficazmente”). A decisão de carreira com cinco itens (e.g., Item 10 “Tenho planos profissionais já bem estabelecidos”). E, a exploração ampliada com seis itens (e.g., Item 26 “Avalio constantemente quais as capacidades que preciso melhorar para atingir os meus objetivos profissionais”). A escala apresenta itens invertidos, nomeadamente os itens quatro ao seis, na subescala de identidade de carreira; os itens 12 ao 16, na subescala de locus de controlo; o item 11 da subescala de decisão de carreira; e, os itens 18, 21 e 24 da subescala de autoeficácia profissional (ver anexo 1). A escala de respostas é do tipo Likert e varia de 1 (a frase é totalmente falsa a seu respeito) a 5 (a frase é totalmente verdadeira a seu respeito) pontos.
No estudo original da escala, após o estudo piloto e a análise de re-teste com uma amostra independente, foi apreciado o ajustamento de dois modelos de medida aos dados. Os seus autores consideraram um modelo de medida penta-fatorial e um modelo hierárquico, no qual as respostas adaptativas foram consideradas como fator de segunda ordem. Os índices de ajustamento escolhidos pelos referidos autores foram os seguintes: Qui-quadrado com os respetivos graus de liberdade (χ2/gl); Comparative Fit Index (CFI); Root Mean Square Error Aproximation (RMSEA); Akaike Information Criterion (AIC); Bayes Information Criterion (BIC) e Browne-Cudeck Criterion (BCC). Ambos os modelos de medida apresentaram índices de ajustamento aceitáveis (modelo penta-fatorial: 𝜒2/gl = 2.73, GFI = .82, CFI = .82, RMSEA = .07, AIC = 1305.00, BIC = 1318.29, BCC = 1559.81; modelo hierárquico: 𝜒2/gl = 2.49, GFI = .82, CFI = .85, RMSEA = .07, AIC = 1205.83, BIC = 1218.83, BCC = 1441.34). Contudo, o modelo hierárquico apresentou melhores índices de ajustamento.
Procedimento
Inicialmente, foi enviada uma mensagem por correio eletrónico aos autores da versão original da EDCU em português do Brasil, pedindo autorização para efetuar e analisar a versão para português de Portugal. Após receção da autorização, elaborou-se o projeto de investigação, o qual foi aprovado pelo comité de ética para a investigação em Ciências Sociais e Humanas da instituição proponente (parecer CEICSH 023/2019). De seguida, procedeu-se à revisão item a item da escala original. No final desta etapa, houve necessidade de analisar a escala no seio da equipa de investigação. Após haver acordo interjuízes, procedeu-se à reflexão falada da escala, com quatro dos participantes da amostra total, dois rapazes e duas raparigas. Desta forma, foi obtida a versão final, a qual foi enviada aos autores da escala original, para validação. Com intuito de tornar os itens compreensíveis, realizaram-se alguns ajustes simples (e.g., item 9 “Tenho metas definidas em relação à minha profissão e um plano para alcançá-las”) e outros mais profundos (e.g., item 2 “Consigo imaginar-me no futuro a trabalhar na profissão que escolhi”) relativamente à estrutura frásica, tendo em consideração as regras gramaticais da língua portuguesa (consultar Anexo1 e Teixeira et al., 2019).
A EDCU foi aplicada juntamente com um questionário sociodemográfico, no qual constavam perguntas sobre o sexo, a idade, a etnia, a área de estudo e a média de classificações no curso. Antes da administração do instrumento, contactaram-se diversas universidades de norte a sul de Portugal com o objetivo de obter autorização institucional para a realização do estudo. Posteriormente, investigadores de psicologia, com autorização dos diretores de curso e docentes das respetivas universidades, procederam à aplicação do instrumento em formato online através da plataforma Qualtrics, numa única sessão, de cinco a 10 minutos. De forma a controlar o fluxo de respostas, o instrumento deixou de estar disponível após o período de recolha pré-estabelecido.
Análises
Com a subamostra A, efetuaram-se análises fatoriais exploratórias (AFE) para determinar o número de fatores e respetivos itens com recurso ao software Statistical Package for the Social Science (IBM SPSS), versão 25.0 para Macintosh. Começou-se por verificar os pressupostos inerentes à análise, nomeadamente o valor do índice Kaiser-Meyer-Olkin (KMO) e do teste de esfericidade de Bartlett. Consideraram-se os valores de KMO superiores a .70 e de teste de Bartlett estatisticamente significativos, como adequados (Field, 2009). Os fatores foram extraídos através do método de Componentes Principais (principal component analysis - PCA) com rotação varimax, um método apropriado para o estudo de escalas cuja dimensionalidade e estrutura já foram objeto de estudos prévios (Field, 2009). A análise da solução fatorial teve como critérios de seleção principais: a matriz de correlação dos itens; a apreciação do teste de Cattell (1966); os eigenvalues de cada fator extraído, considerando valores iguais ou superiores a 1, de acordo com o critério de Kaiser (Field, 2009); os valores de comunalidade, privilegiando-se valores superiores a 0.25 (Tabachnick & Fidell, 2013); as saturações fatoriais com valores iguais ou superiores a .40; a contribuição da solução encontrada para a explicação da variância total do conjunto de itens (≥ 50%); a coerência com o enquadramento teórico subjacente à medida e com a estrutura fatorial da EDCU definidas pelos autores da escala; e a simplicidade da solução fatorial. Em concordância com estes critérios de seleção, verificou-se ser necessário eliminar os itens 19, 20, 22 e 25, uma vez que apresentavam saturações fatoriais elevadas em mais do que três fatores em simultâneo, penalizavam a variância explicada pela solução fatorial e geravam incoerências com o enquadramento teórico e com a estrutura fatorial da EDCU no estudo original. Deste modo, considerou-se a solução retida com 27 dos 31 itens. Ainda nesta subamostra, foram efetuadas análises à consistência interna da escala, tendo em consideração a solução fatorial identificada. Para tal, consideraram-se os seguintes indicadores: Alfa de Cronbach ((), cujos valores superiores a .70 indicam boa precisão (Nunnally, 1970); Variância Média Extraída (VME), cujos valores iguais ou superiores a .50 indicam boa precisão (Fornell & Larcker, 1981) e Confiabilidade Compósita (CC), cujos valores superiores ou iguais a .60 indicam boa precisão (Bagozzi & Yi, 1988). A VME e a CC foram calculadas com recurso ao Microsoft Excel, versão 16.39 para Macintosh. As fórmulas aplicadas foram, respetivamente, ( λ 2 ) /ENT#091; 𝜆 2 + 𝜀𝐸𝑁𝑇#093; e ( 𝜆 ) 2 /ENT#091;( 𝜆 ) 2 + 𝜀 ENT#093; (Bagozzi & Yi, 1988; Fornell & Larcker, 1981).
Com a subamostra B, efetuaram-se, num segundo momento, análises fatoriais confirmatórias (AFC) com recurso ao software Analysis of Moment Structures (AMOS), versão 26.0 para Windows. Começou-se por verificar os pressupostos inerentes à análise: tamanho da amostra recomendado entre 100 a 200 participantes (Boomsma, 1985; Schumacker & Lomax, 2010); normalidade multivariada (existente perante um coeficiente de Mardia ≤ 3); ausência de outliers (existente perante a Distância de Mahalanobis com significância > .001); ausência de multicolinearidade (verificado perante r < .90); e presença de linearidade entre as variáveis (correlações estatisticamente significativas) (e.g., Garson, 2012; Marôco, 2010; Tabanick & Fidell, 2013). Tendo-se verificado ausência de normalidade multivariada, recorreu-se à técnica de bootstrapping com 500 amostras (Gilson et al., 2013). Face à presença de um outlier, optou-se por efetuar a análise com e sem esta observação extrema (Pinto et al., 2013). No total, especificaram-se quatro modelos de medida. Dois modelos penta-fatoriais: o modelo 1 com 31 variáveis observadas e cinco variáveis latentes interrelacionadas (locus de controlo, autoeficácia profissional, exploração ampliada, identidade de carreira e decisão de carreira); e o modelo 3 com 27 variáveis observadas e as mesmas cinco variáveis latentes. Os restantes dois modelos consideraram uma estrutura hierárquica: o modelo 2 com 31 variáveis observadas, cinco fatores de primeira ordem (locus de controlo, autoeficácia profissional, exploração ampliada, identidade de carreira e decisão de carreira) e um fator de segunda ordem (respostas adaptativas); o modelo 4 com 27 variáveis observadas e os mesmos cinco fatores de primeira ordem e o mesmo fator segunda ordem. Para cada variável, fixou-se um peso fatorial em 1 e os erros foram estimados livremente (Oliveira et al., 2018). Posteriormente, efetuou-se a apreciação do ajustamento dos quatro modelos de medida aos dados com recurso aos seguintes índices: CFI e GFI, cujos valores superiores ou iguais a .90 indicam um bom ajustamento; RMSEA, considerado bom para valores entre .05 e .10; AIC, cujos valores menores indicam um melhor ajustamento; e o Bollen-Stine Chi-square Goodness of Fit Test com 500 amostras, considerado bom para valores de significância superiores a .05 (Gilson et al., 2013; Marôco, 2010; Oliveira et al., 2018).
RESULTADOS
No que concerne à AFE, os resultados indicaram adequabilidade da amostra (KMO = .82) e que as correlações entre os itens eram suficientemente altas para se efetuar AFE, χ2 (351) = 1688.51, p < .001. Os resultados da PCA com rotação varimax permitiram identificar cinco eigenvalues cujos valores de Kaiser eram superiores a 1. Como apresentado na Tabela 1: o primeiro fator foi denominado exploração ampliada e inclui seis itens; o segundo fator foi denominado locus de controlo e inclui cinco itens; o terceiro fator foi denominado autoeficácia profissional e inclui cinco itens; o quarto fator foi denominado identidade de carreira e inclui seis itens; e o quinto fator foi denominado decisão de carreira e inclui cinco itens. A escala apresenta bons índices de precisão, apesar dos valores de VME para os três últimos fatores se encontrarem abaixo de .50 (Fornell & Larcker, 1981).
Nota. Os valores apresentados a negrito representam o fator principal onde o item satura. VME = Variância Média Extraída; CC = Confiabilidade Compósita
Prosseguindo o estudo, efetuaram-se análises de correlação de Pearson entre as subescalas, considerando os 27 itens, valores mínimos, máximos, médias e desvios-padrão (Tabela 2). As subescalas apresentam correlações positivas e estatisticamente significativas entre si, exceto a subescala do locus de controlo. Assim, o pressuposto da linearidade não está cumprido, apenas para algumas relações do locus de controlo com outras subescalas (e.g., exploração ampliada). Contudo, optou-se por manter esta subescala na análise, uma vez que se verificam relações entre o locus de controlo e a autoeficácia, bem como com o fator de segunda ordem (Levers-Landis et al., 2011). Os resultados apontam para correlações positivas e moderadas (.30 < r < .50, Cohen, 1998) entre a identidade - decisão de carreira, decisão de carreira - exploração ampliada, autoeficácia profissional - decisão de carreira e autoeficácia profissional - identidade de carreira. Assim, a adoção de mais comportamentos de tomada de decisão pode ser incentivada por uma identidade de carreira fortalecida pela adoção de atitudes de carreira e por crenças de autoeficácia profissional. Além disso, esta última também parece contribuir para uma melhor conciliação entre os valores e interesses do próprio e o percurso de carreira escolhido.
* p <.05;
** p < .01;
*** p < .001
Nota. EDCU = Escala de Desenvolvimento de Carreira; IC = Identidade de Carreira; DC = Decisão de Carreira; LC = Locus de Controlo; EA = Exploração Ampliada; AP = Autoeficácia Profissional
Posteriormente, através de AFC, testaram-se os quatro modelos de medida. Os valores dos índices de ajustamento dos modelos de medida encontram-se especificados na Tabela 3.
Nota. Modelo1 = Modelo com 31 variáveis observadas e cinco variáveis latentes interrelacionadas; Modelo 2 = Modelo com 31 variáveis observadas, cinco fatores de primeira ordem e um fator de segunda ordem; Modelo 3 = Modelo com 27 variáveis observadas e cinco variáveis latentes interrelacionadas; Modelo 4 = Modelo com 27 variáveis observadas, cinco fatores de primeira ordem e um fator de segunda ordem
*p<.05
Os valores de RMSEA indicam um bom ajuste dos modelos de medida aos dados. Porém, o índice GFI aponta para um fraco ajustamento (valores inferiores a .80) e os valores de CFI apontam para um ajustamento sofrível (valores entre .80 e .90) (Marôco, 2010). Para além disso, a comparação dos resultados derivados das análises com e sem o único outlier detetado indica a existência de eventual enviesamento dos resultados na presença desse outlier, sendo, por isso, de privilegiar os resultados sem outlier. Os modelos de medida sem o outlier apresentaram índices de ajustamento moderadamente desejáveis em termos estatísticos. Não se apresentam resultados decorrentes dos índices de modificação sugeridos pelo AMOS, uma vez que estes remetiam para correlação entre erros - opção estatística pouco recomendada (Marôco, 2010; Tabachnick & Fidell, 2013) - e, mesmo testando os modelos com correlações entre erros, os índices de ajustamento mantiveram-se globalmente idênticos.
Assim, entre os resultados sem outlier, quando se comparam os índices de ajustamento dos quatro modelos de medida, verifica-se que o ajustamento é melhor para o modelo 3 com 27 variáveis observadas e cinco variáveis latentes interrelacionadas (AIC = 658.46, GFI = .73, CFI = .83, RMSEA = .08) (Figura 1).
DISCUSSÃO
O objetivo deste estudo consistiu em testar a estrutura dimensional e a precisão da EDCU numa amostra de estudantes universitários portugueses, de forma a que investigações e intervenções de carreira futuras pudessem fazer uso da escala em Portugal. Com base na literatura, equacionou-se que a escala apresentaria índices de ajustamento aos dados aceitáveis e boa precisão. Os resultados indicam índices de ajustamento da medida aos dados moderadamente satisfatórios e bons índices de precisão, apoiando essa hipótese de investigação.
Os índices de ajustamento obtidos na AFC para os modelos 1 e 2 na amostra portuguesa, com 31 variáveis observadas, apresentaram-se ligeiramente abaixo dos índices encontrados no estudo original (Teixeira et al., 2019). Ao complementar esses resultados com os derivados da AFE, tal parece ser compreensível pela sobreposição fatorial de alguns itens. Assim, após se eliminarem quatro itens, obtiveram-se tanto uma solução fatorial mais simples na AFE, como índices de ajustamento mais desejáveis. Ainda que neste estudo se tenha verificado melhor ajustamento do modelo dos cinco fatores interrelacionados (modelo 3) aos dados da presente amostra, reconhece-se a pertinência de replicar este trabalho a partir de outras amostras de maior dimensão. Assim, será possível obter evidência adicional para clarificar se o modelo penta-fatorial prevalece o melhor ajustado aos dados de outros estudantes universitários, ou se haverá possibilidade de considerar o modelo de medida hierárquico. Neste estudo, os valores dos índices foram semelhantes entre o modelo de medida penta-fatorial e o modelo hierárquico, embora melhores para o primeiro. Contudo, estudos próximos poderão ajudar a perceber a viabilidade de considerar um modelo de medida hierárquico. A utilização de um modelo hierárquico apresenta vantagens tanto para a investigação, como para a prática. Estes são mais flexíveis na sua utilização e parcimoniosos na explicação das covariâncias entre os fatores de primeira ordem (Oliveira et al., 2018). Assim, poderão tornar a interpretação das pontuações derivadas de uma medida mais simples e facilitar a avaliação das respostas adaptativas no modelo de adaptação à carreira (Savickas, 2005; Savickas & Porfeli, 2012).
Embora os resultados deste estudo contribuam para a teoria e para a prática psicológica de carreira, é importante considerar as suas limitações. Primeiro, é de notar que a AFC é sensível ao tamanho da amostra e à complexidade do modelo de medida (Boomsma, 1985; Schumacker & Lomax, 2010), o que significa, por exemplo, que os valores dos índices de ajustamento podem ser mais baixos em amostras de reduzida dimensão. Como tal, é importante que futuros estudos repliquem as análises, recorrendo a uma amostra mais alargada de estudantes universitários portugueses. Em segundo lugar, é importante notar que, ao contrário do SCCI (Savickas et al., 2018), a EDCU inclui a dimensão de autoeficácia (Teixeira et al., 2019). A explicação partilhada pelos autores do SCCI para a exclusão deste constructo, é que a autoeficácia é uma dimensão situada entre os recursos adaptativos e as respostas adaptativas. Com efeito, não só seria pertinente validar o SCCI junto de estudantes universitários portugueses, como também seria importante comparar as medidas de forma a aprofundar o papel da autoeficácia nas respostas adaptativas e verificar qual a medida que melhor se ajusta à população portuguesa. Não obstante, ao reconhecer a importância da convergência entre teorias da carreira (Savickas, 2002), a EDCU parece constituir um instrumento promissor para apoiar práticas de avaliação psicológica de carreira coerentes com uma perspetiva teórica integradora. Tal poderá ser igualmente tido em conta em estudos comparativos das propriedades psicométricas do SCCI e da EDCU em Portugal. Poderá também ser considerado ao nível da eventual disponibilização futura dessas medidas a psicólogos, para que possam selecionar aquela que, além de apresentar robustez psicométrica, esteja também mais alinhada com a sua opção teórica.
Quanto a investigações futuras, estas poderiam ainda analisar a validade da EDCU por relação a outras variáveis (e.g., o autoconceito, os interesses profissionais e as expectativas de resultados no âmbito da carreira), bem como testar a sua estabilidade temporal através de um estudo de cariz longitudinal. A partir de estudos psicométricos complementares da EDCU, seria possível consolidar as suas propriedades e prosseguir, por exemplo, em estudos luso-brasileiros de comportamentos adaptativos de carreira e em estudos comparativos de grupos (e.g., estudantes do ensino superior no norte, centro, sul e arquipélagos de Portugal).
Em síntese, os resultados do presente estudo apontam para a utilidade da EDCU em traduzir respostas adaptativas de estudantes universitários portugueses, algo igualmente verificado com estudantes brasileiros (Teixeira et al., 2019). Além disso, embora sejam necessários mais estudos psicométricos em Portugal e noutros países, os resultados do presente estudo permitem dar continuidade à literatura sobre o modelo de adaptação à carreira, tanto em Portugal, como no Brasil. Inclusive, a escala poderá ser utilizada na prática psicológica, como meio de avaliação do impacto de práticas de aconselhamento de carreira de universitários.