Em dezembro de 2019 foram identificados vários casos de pneumonia de etiologia desconhecida na cidade de Wuhan, na China. Em janeiro de 2020, as amostras clínicas apontavam para a presença de um novo coronavírus, o SARS-CoV-2, responsável por provocar uma síndrome respiratória aguda grave, designada por COVID-19. Dada a sua rápida disseminação, um pouco por todo o mundo, em março de 2020, a Organização Mundial de Saúde (OMS/WHO) declarou a COVID-19 como uma pandemia (Schmidt et al., 2020).
Desde o início da pandemia, e até ao momento presente, já foram registados mais de 120 milhões de casos e mais de 2,5 milhões de mortes em todo o mundo (European Center for Disease Prevention and Control). Em Portugal, até à data da elaboração do presente artigo, estão identificados cerca de 818 000 casos confirmados e mais de 16 000 óbitos1. Face às suas características, este novo vírus constitui-se como a maior emergência de saúde pública das últimas décadas (Schmidt et al., 2020).
Para além dos riscos e preocupações ao nível da saúde física, a situação de pandemia gerada pelo vírus parece ter trazido um conjunto de consequências negativas para a saúde mental dos indivíduos (Afonso & Figueira, 2020). Os estudos que foram conduzidos e publicados em 2020 começaram a dar conta da emergência de um conjunto de sintomas de sofrimento psicológico (Brooks et al., 2020), evidenciando-se diferenças entre homens e mulheres. Por exemplo, García-Fernandez et al. (2021) verificaram que os homens evidenciaram menos stress e menos sintomas de ansiedade e depressão.
Acresce o facto de as situações de confinamento, decretadas em muitos países, como foi o caso de Portugal, poderem agravar esses impactos. Amerio et al. (2020) verificaram, num estudo com mais de 8000 estudantes universitários da zona de Milão, que o facto de terem ficado em casa, em espaços com pequenas dimensões, aumentou o risco de sintomas depressivos. Também Elmer et al. (2020), num estudo com estudantes universitários, que comparou medidas aplicadas antes e depois do confinamento na Suíça, verificou que os níveis de stress, ansiedade e solidão se agravaram.
Mas como lidam os indivíduos com situações de adversidade ou geradoras de stress? As estratégias de coping podem ser definidas como um conjunto de esforços de natureza cognitiva e/ou comportamental com vista à gestão de exigências internas ou externas (Tap et al., 2005). O coping positivo (e.g., suporte social, focalização) refere-se a estratégias que procuram ajudar o indivíduo a lidar com uma dada adversidade de uma forma adequada e ajustada. Pelo contrário, estratégias de coping negativo (e.g., retraimento e a recusa) remetem para mecanismos defensivos que não permitem uma adaptação positiva e adequada a uma dada situação adversa. As estratégias de coping positivas contribuem para a redução do impacto negativo de fatores adversos, tendo um papel fundamental para a redução de sintomas de ansiedade, depressão e stress.
Liu et al. (2020), por sua vez, verificaram diferenças no modo como homens e mulheres lidaram com a fase pandémica inicial: as mulheres reportaram usar mais estratégias de coping, mas menos positivas. Resultados semelhantes foram encontrados numa amostra de estudante universitários polacos (Rogowska et al., 2020): as mulheres reportaram ter recorrido mais frequentemente a estratégias menos adaptativas (i.e., estratégias de coping focado nas emoções, como por exemplo, sentir-se zangado, ficar tenso, preocupado; e evitamento ou recusa), enquanto os homens reportaram usar estratégias mais adaptativas (i.e., estratégias focadas na tarefa).
Face à situação pandémica, Zhang et al. (2020) verificaram que o coping positivo se mostrou um fator protetor para a saúde mental de estudantes universitários, e o coping negativo como fator de risco para a emergência de sintomas de ansiedade, stress e depressão. Um estudo conduzido por Cao et al. (2020), com mais de 7000 estudantes universitários chineses, mostrou que 21,7% da amostra reportou níveis de ansiedade moderados em resultado da pandemia, e que o apoio social estava negativamente correlacionado com a ansiedade.
A suspensão das atividades académicas presenciais em Portugal (letivas e não letivas), a 12 de março de 2020, e a aprovação do estado de emergência que implicou um confinamento obrigatório, veio gerar um conjunto de mudanças na vida dos estudantes universitários em Portugal.
O presente estudo pretendeu analisar: 1) O estado emocional de uma amostra de estudantes universitários durante o primeiro confinamento decretado em Portugal, provocado pela COVID-19; 2) Que estratégias de coping foram mais reportadas pelos estudantes desta amostra durante esse período; 3) Qual o papel mediador das estratégias de coping no reporte de sintomas de ansiedade, stress e depressão pelos jovens universitários.
Tendo em conta a literatura, espera-se que:
Hipótese 1: Existam diferenças nos níveis de ansiedade, stress e depressão em função do sexo, sendo as mulheres a reportar valores mais elevados nas três dimensões de saúde mental em análise.
Hipótese 2: Existam diferenças no tipo de estratégias de coping reportadas por homens e mulheres como tendo sido adotadas na altura do confinamento, esperando-se que sejam as mulheres a reportar ter recorrido a estratégias negativas com mais frequência, enquanto os homens reportarão ter recorrido mais frequentemente a estratégias positivas.
O terceiro objetivo consiste em averiguar qual a relação entre ansiedade, depressão e stress e estratégias de coping, tendo em conta que, tal como explicitado anteriormente, a literatura demonstra a existência de uma relação entre estas variáveis. Alguns estudos indicam que a sintomatologia depressiva, em concreto, é mediada pelas estratégias de coping (Lengua & Stormshak, 2000). Assim, o presente estudo pretende averiguar se o efeito do sexo em sintomas de ansiedade, depressão e stress é mediado pelas estratégias de coping. Em concreto, espera-se que:
Hipótese 3: As estratégias de coping medeiem a relação entre o sexo do participante e os níveis de ansiedade, stress e depressão: níveis inferiores de stress, ansiedade e depressão serão explicados pelo recurso a estratégias de coping positivas, que serão mais frequentemente adotadas por participantes do sexo masculino; enquanto que níveis mais elevados de stress, ansiedade e depressão serão explicados por estratégias de coping negativas, que serão mais frequentemente adotadas por participantes do sexo feminino.
Método
Participantes
Participaram 353 estudantes universitários, sendo 79,0% do sexo feminino. A idade variou entre os 18 e os 30 anos (M = 21.48; DP = 2.30), sendo quase a totalidade solteiros (97.2%) e de nacionalidade portuguesa (98.0%). A maioria reside atualmente na região de Lisboa e Vale to Tejo (53.2%), seguindo-se as regiões Norte (19.7%) e Centro (14.1%) do país. Quanto à escolaridade, 70.1% dos estudantes encontra-se a frequentar a Licenciatura e 26.6% o Mestrado. As principais áreas de estudo dos participantes são a área de Direito, Ciências Sociais e Serviços (51.9%), a das Tecnologias (12.1%) e a de Economia, Gestão e Contabilidade (10.1%). No que diz respeito à residência, a maioria dos participantes refere morar com a família nuclear ou com o(a) namorado(a)/companheiro(a)/cônjuge (71.2%), 18.5% com colega(s) de casa ou quarto, e 6.7% residem sozinhos. Durante o período de quarentena provocado pela pandemia de COVID-19, a grande maioria dos respondentes residia com a família nuclear ou com o(a) namorado(a)/companheiro(a)/cônjuge (89.9%), 4.5% residia sozinho, e 3.6% com colega de casa/quarto.
Instrumentos
Foram aplicados a Escala de Ansiedade, Depressão e Stress (EADS-21) de Pais-Ribeiro et al. (2004) e a Escala Toulousiana de Coping (ETC), de Tap et al. (2005). Para caracterização sociodemográfica dos participantes, foram desenvolvidas 10 questões pelos investigadores baseados em instrumentos próprios anteriores.
Escala de Ansiedade, Depressão e Stress (EADS-21). Esta escala tem como objetivo avaliar sintomas associados à ansiedade, depressão e stress em indivíduos com uma idade superior a 17 anos. Trata-se de uma versão adaptada e traduzida para a população portuguesa da Depression Anxiety Stress Scale (DASS; Lovibond & Lovibond, 1995). A versão portuguesa da escala é constituída por 21 itens, sendo que cada dimensão (depressão, ansiedade e stress) é avaliada com sete itens. As respostas são dadas numa escala de Likert de 4 pontos (0 “Não se aplicou nada a mim” a 3 “Aplicou-se a mim a maior parte das vezes”). Considerando a especificidade do estudo, foram feitas adaptações em alguns itens: foi alterado o tempo verbal de todos os itens, do pretérito perfeito simples (“1. Tive dificuldades em me acalmar.”) para o pretérito perfeito composto (“1. Tenho tido dificuldades em me acalmar.”).
A cotação da EADS-21 é feita através da soma dos resultados dos sete itens de cada dimensão, em separado, sendo que a pontuação mínima é 0 e a máxima é 21. Uma pontuação mais elevada corresponde a um estado afetivo mais negativo em cada dimensão. Relativamente à consistência interna da escala, no estudo de Pais-Ribeiro et al., (2004), a consistência interna foi de 0.74 para a de ansiedade, de 0.85 para a dimensão de depressão, e 0,81 para a de stress. No presente estudo, a análise de consistência interna da escala total é excelente (α = 0.95, Cohen, 2016) e assim permanece para as dimensões ansiedade, depressão e stress (α = 0.85, α = 0.90 e α = 0.89, respetivamente). Foi realizada uma análise fatorial confirmatória (AFC) sobre essa estrutura de três fatores. Os resultados da AFC apresentaram um bom ajustamento (Schreiber et al., 2006): (2 (186) = 498.99, p < 0.001; χ2/df = 2.68; CFI = 0.93; TLI= 0.92; RMSEA = 0.07; SRMR = 0.04.
Escala Toulousiana de Coping (ETC). A ETC é uma escala de auto-relato que permite analisar a forma como os indivíduos reagem face a situações difíceis. Originalmente desenvolvida por Esparbès et al. (1993), a escala foi adaptada para português por Tap et al., (2005). A ETC encontra-se organizada em cinco subescalas: Controlo (13 itens), i.e., autocontrolo da situação, na coordenação dos comportamentos e na contenção das emoções; Distração social (10 itens), i.e., ignorar momentaneamente o problema, distraindo-se através da interação com outros; Suporte Social (7 itens), i.e., a necessidade ou busca ativa de ajuda, através de suporte emocional, informativo ou de trabalho colaborativo; Retraimento, conversão e aditividade (13 itens), i.e., rutura das interações sociais, evitamento de contacto, afastamento dos outros; e Recusa (8 itens), i.e., incapacidade de perceber e de aceitar a realidade da situação. A escala de resposta é de tipo Likert, com 5 pontos (de 1 “Nunca” a 5 “Sempre”). As cinco subescalas permitem encontrar totais de coping positivo (ou adaptativo), ao agrupar o Controlo, o Suporte Social e a Distração Social, e totais de coping negativo (ou defensivo), com a junção das estratégias Retraimento, conversão e aditividade e Recusa. Estes totais são apurados através da média da soma dos itens para cada subescala.
Considerando que o estudo se estava a realizar num contexto de confinamento obrigatório, foram adaptados 11 itens à situação específica de pandemia. Por exemplo, o item “Vou ao cinema ou vejo televisão para pensar menos nisso”, foi reescrito do seguinte modo: “Jogo ou vejo televisão para pensar menos nisso”.
No estudo de Tap et al. (2005) o valor de consistência interna da escala total foi de 0.78. Para cada subescala, os valores obtidos para a consistência interna foram os seguintes: 0.82 para o Controlo, 0.76 para o Retraimento, Conversão e aditividade, Conversão e Aditividade, 0.72 para a Distração Social, 0.70 para o Suporte Social, e 0.66 para a Recusa. No presente estudo, a consistência da escala total apresentou um valor adequado de 0.76 (Kline, 2016). No caso das subescalas, registou-se variabilidade na consistência: 0.82 para a de Controlo, 0.70 para a de Retraimento, conversão e aditividade, 0.53 para a de Distração Social, 0.75 para a de Suporte Social, e 0.66 para a de Recusa. Dado que a média de correlação inter-itens (0.19) se situava no intervalo (0.15 - 0.50) sugerido Clark & Watson (1995), a subescala da Recusa foi ainda mantida na análise das hipóteses, ao contrário do que foi decidido para a subescala Distração Social que acabaria por não ser contemplada.
Procedimento
O questionário foi disponibilizado na plataforma Qualtrics, e partilhado em diversas redes sociais. Na divulgação, foi explicado que os participantes só poderiam ser jovens universitários com idades até 30 anos. O período de recolha de respostas foi feito do dia 7 a 17 de abril de 2020 e, em média, os participantes demoraram cerca de 10 minutos no seu preenchimento.
Foi elaborado um consentimento informado baseado nas orientações da comissão de ética da universidade das investigadoras, tendo sido facultada informação sobre os objetivos do estudo e utilização dos dados, bem como a participação voluntária no mesmo. Após leitura do consentimento, os participantes acediam às questões apenas se confirmassem que tinham compreendido a informação facultada sobre o estudo.
Relativamente à dimensão da amostra necessária para testar modelos de mediação, foi acautelado o poder do teste ao efeito indireto. Assim, e para garantir no mínimo um poder de teste de 0,90 para o efeito indireto, a amostra deveria rondar os 140 participantes. Ao fim das duas semanas de aplicação do instrumento, foram obtidas 353 respostas completas. Dessa forma, o poder do teste ao efeito indireto passou a ser praticamente um.
Em termos de procedimento de análise de dados, foi realizada uma análise descritiva, usando para o efeito medidas univariadas (média, desvio-padrão e grau de assimetria). A análise da validade das medidas foi sustentada pela análise fatorial confirmatória e pela análise da consistência interna (Alpha de Cronbach). Para testar as hipóteses referentes à comparação entre homens e mulheres nas dimensões da EADS-21 e da ETC, e devido à assimetria de algumas distribuições, a avaliação da diferença das médias foi sustentada em estimação por bootstrapping a partir de 5000 amostras bootstrap. Para testar a hipótese de mediação foi usada a macro PROCESS (Hayes, 2021). A decisão sobre a significância do efeito indireto baseou-se na estimação bootstrap por via da construção de intervalo de confiança a 95% para 5000 amostras bootstrap.
Resultados
A Tabela 1 apresenta as pontuações médias obtidas pela amostra completa em ambos os instrumentos aplicados. Quanto à sintomatologia de ansiedade, depressão e stress, verifica-se que os participantes reportaram ter experienciado, com maior frequência, sintomas de stress (M = 8.77, DP = 4.93) e com menos frequência sintomas de ansiedade (M = 4.48, DP = 4.37). Na avaliação da perceção das estratégias de coping adotadas, os participantes mais frequentemente reportam recorrer a estratégias positivas, como o Controlo e o Suporte Social (M = 3.58, DP = 0.59 e M = 3.03, DP = 0.75 respetivamente). Por outro lado, relatam adotar menos frequentemente estratégias de coping negativas, como sejam as representadas pelas subescalas Retraimento, conversão e aditividade e Recusa (M = 2.83, DP = 0.57 e M = 2.60, DP = 0.63 respetivamente).
Níveis de ansiedade, depressão e stress em função do sexo
Tal como esperado (Tabela 2), as mulheres reportam níveis médios mais elevados de ansiedade (Mmasculino = 2.96; Mfeminino = 4.81), de depressão (Mmasculino = 6.31; Mfeminino = 7.90) e de stress (Mmasculino = 5.83; Mfeminino = 9.44), e as diferenças são significativas (p < 0.001 e os intervalos de confiança não incluem o zero). Assim, a hipótese 1 é suportada.
Nota: NFeminino = 282; NMasculino = 71. M = Média; DP = Desvio-padrão. (1) Devido à assimetria de algumas distribuições a inferência sobre a diferença das médias foi obtida por Bootstrapping a partir de 5000 amostras bootstrap.
Estratégias de coping em função do sexo
De forma a averiguar se existem diferenças entre as estratégias de coping e a variável sexo, foram comparados os níveis médios por bootstrapping (Tabela 3). Verificou-se que as mulheres utilizam mais estratégias de retraimento e de suporte social, e a diferença é significativa (Mfeminino = 2.89, Mmasculino = 2.57, p < 0.001, 95% IC = -0.46; -0.18; Mfeminino = 3.12, Mmasculino = 2.72, p < 0.001, 95% IC = -0.58; -0.22, respetivamente). Por sua vez, os homens recorrem mais a estratégia de recusa (Mmasculino = 2.76, Mfeminino = 2.56, p = 0.021, 95% IC = 0.30; 0.37). A hipótese 2 é parcialmente confirmada.
Nota: NFeminino = 282; NMasculino = 71. M = Média; DP = Desvio-padrão. (1) Devido à assimetria de algumas distribuições a inferência sobre a diferença das médias foi obtida por Bootstrapping a partir de 5000 amostras bootstrap.
Mediação das estratégias de coping na relação entre sexo e saúde mental
Foi testado o efeito de mediação de quatro estratégias de coping: Controlo, Retraimento, conversão e aditividade, Suporte Social, e Recusa na relação entre o sexo e as dimensões de saúde mental (ansiedade, depressão e stress). A Tabela 4 apresenta os resultados com efeito indireto significativo, sendo este apenas registado por via das estratégias de coping negativo Retraimento, conversão e aditividade, e a estratégia Recusa.
A relação entre sexo e ansiedade, depressão e stress é significativamente mediada pela estratégia de Retraimento, conversão e aditividade (B = 1.54 e Boot IC 95% = 0.88; 2.25, B = 1.94 e Boot IC 95% = 1.07; 2,85 e B = 1.87 e Boot IC 95% = 1.04; 2.67, respetivamente). As mulheres registaram níveis mais elevados de ansiedade, de depressão e de stress, com o Retraimento, conversão e aditividade a mediar a relação entre o sexo e estas três dimensões de saúde mental. Verificou-se que são as mulheres que mais recorrem a esta estratégia negativa de coping, sendo a relação totalmente mediada pelo Retraimento, conversão e aditividade no caso da ansiedade e da depressão.
Também foi verificado que a Recusa medeia significativamente a relação entre o sexo e as três dimensões de saúde mental (ansiedade: B = -0.32 e Boot IC 95% = -0.66; -0.05, depressão: B = -0.57 e Boot IC 95% = -1.12; -0.10 e stress: B = -0.34 e Boot IC 95% = -0.71; -0.05). A Recusa explica a relação entre sexo e saúde mental, mas neste caso as mulheres recorrem menos a essa estratégia de coping negativa.
Nota: N = 353. O erro padrão está reportado entre parêntesis e os limites do intervalo de confiança a 95% estão reportados entre parêntesis rectos. A decisão estatística sobre o efeito indireto baseou-se em estimativas bootstrap (5000 amostras bootstrap). Devido ao número elevado de modelos de mediação optou-se por reportar somente os casos nos quais o efeito indireto foi significativo. * p < 0.05 ** p < 0.01 *** p < 0.001.
Discussão
O presente estudo teve como objetivo analisar a forma como uma amostra de estudantes universitários, residentes em Portugal, reagiu à pandemia provocada pela COVID-19 na primeira fase do período de confinamento ocorrido no país, tendo-se considerado para o efeito, sensivelmente, o primeiro mês de confinamento (entre 24 de março e 17 de abril de 2020).
Tal como esperado, os resultados indicam que as estudantes do sexo feminino reportaram níveis mais elevados de ansiedade, depressão e stress. Estes são, no entanto, inferiores aos encontrados por Maia e Dias (2020) num estudo efetuado nos oito dias que decorreram entre o período de suspensão das aulas no ensino universitário (10 de março de 2020) e o decreto que instituiu o estado de emergência em Portugal (17 de março de 2020). O impacto negativo provocado pela COVID-19 em estudantes universitários e as diferenças encontradas em função do sexo foram também encontradas noutros países. Rodriguez-Hidalgo et al. (2020), por exemplo, num estudo com estudantes universitários no Equador, verificaram que o sexo feminino reporta maior medo da doença. Também Fawaz e Samaha (2020), numa amostra de estudantes universitários Libaneses, e utilizando a mesma medida que a utilizada no presente estudo (a EADS-21), encontraram resultados semelhantes, evidenciando-se diferenças entre homens e mulheres nos níveis de stress, em particular.
Um questionário Canadiano, conduzido entre abril e maio de 2020, com mais de 46 000 pessoas, mostra que é nos mais jovens (15-24 anos) que este impacto parece ser, de facto, mais expressivo: apesar do stress ser uma resposta fisiológica perante situações adversas, a incerteza sobre a própria doença, sobre a vivência universitária (aulas e avaliações online, por exemplo), sobre o futuro (procura do primeiro emprego) ou o isolamento social decorrente do confinamento numa idade em que a relação entre os pares é fundamental, são fatores de stress cumulativos que podem gerar sinais de algum sofrimento psicológico (Rodríguez-Hidalgo et al., 2020). Fawaz e Samaha (2020), em concreto, verificaram uma relação negativa entre satisfação com o ensino online e os sinais de ansiedade, stress e depressão.
Apesar de na pesquisa aqui apresentada se terem medido apenas sinais de stress, ansiedade e depressão, a literatura tem verificado que as perturbações de ansiedade, depressão e stress são mais prevalentes nas mulheres do que nos homens (OMS, 2001), o que chama a atenção para o facto das mulheres se encontrarem numa situação de maior vulnerabilidade em termos de saúde mental.
Em estudos futuros, poderá ser importante analisar em que medida outras variáveis podem impactar as diferenças de sexo encontradas, nomeadamente os papeis de género assumidos durante a pandemia. Alguns estudos apontam para o facto de as diferenças nos papéis de género entre homens e mulheres se terem evidenciado mais com o surgimento da pandemia, assumindo as mulheres o papel de cuidadoras em casa, sendo esta evidência não só nacional, como internacional (com menores a cargo, prestando apoio ao ensino à distância, e desempenhando tarefas domésticas; Santos et al., 2021), o que vem reforçar a diferença já prevalente em Portugal (Amâncio & Santos, 2021; Coelho & Casaca, 2017). Apesar dessas diferenças terem sido encontradas em amostras que incluem mulheres adultas, seria pertinente compreender em maior profundidade os papeis assumidos por mulheres mais jovens, no contexto familiar (e.g., cuidadoras de irmãos mais novos).
Por outro lado, o presente estudo chama a atenção para o facto de as estratégias de coping mais negativas terem um papel relevante na relação entre sexo e saúde mental, indo ao encontro da literatura: a relação entre sexo e ansiedade, depressão e stress é explicada por estratégias de coping negativo, nomeadamente o Retraimento, conversão e aditividade para a ansiedade e depressão, e a Recusa para os três indicadores de saúde mental. Apesar de as mulheres terem reportado recorrer a estratégias de coping negativas mais frequentemente que os homens (como o Retraimento), também o fazem para o Suporte Social. Esta última tem sido apontada como uma estratégia de coping positiva importante, funcionando como fator de proteção no bem-estar e na saúde mental dos indivíduos, particularmente durante o isolamento social provocado pela pandemia de COVID-19 (Moore & Lucas, 2020). Mais recentemente, Zhen et al. (2021) dão, por exemplo, conta da importância do suporte parental enquanto fator de proteção numa amostra de jovens adultos americanos durante o primeiro confinamento (abril de 2020).
Globalmente, estes resultados podem ter implicações importantes no modo como podem ser pensadas intervenções de cariz mais universal, promotoras de bem-estar, com consequentes impactos positivos na saúde mental de jovens adultos. Na sua revisão sistemática com meta-análise, Huang et al. (2018) verificam que intervenções entre pares (peer support) são as mais eficazes na redução de sintomas gerais de depressão e ansiedade entre estudantes universitários, o que sugere que este pode também ser um modelo de intervenção adequado para enfrentar as consequências da pandemia de COVID-19 na saúde mental desta população (ver também Arenas et al., 2021). Neste sentido, importa destacar que as instituições de ensino superior se constituem como agentes privilegiados de promoção do bem-estar e de saúde mental dos membros da sua comunidade, particularmente dos seus estudantes. Assim, devem ser adotadas estratégias que promovam ou reforcem sistemas de mentoria entre pares, que funcionem, ainda que de forma virtual, no sentido de minimizar o isolamento social. Os serviços e unidades dos campus universitários (e.g., associação de estudantes; unidades de desporto), assumem aqui também um papel fundamental para o fortalecimento de redes sociais e do suporte social entre pares e para a promoção de rotinas saudáveis. Disponibilizar recursos sobre autoconhecimento, gestão de stress e estratégias de coping positivas, bem como ferramentas de monitorização da saúde mental. Apostar na disponibilização de apoio psicológico, numa lógica de intervenção indicada, são também aspetos a ter em conta (Browning et al., 2021). Lai et al. (2020), por exemplo, verificaram que a promoção da resiliência, de pensamentos positivos e de exercício físico, são preditores de melhores níveis de saúde mental.
No mesmo estudo, os autores dão conta de que os impactos negativos provocados pela COVID-19 são maiores em estudantes internacionais que ficaram nas suas universidades de acolhimento, do que naqueles que regressaram a casa, pelo que importa considerar futuramente estudantes internacionais nas amostras dos estudos que são conduzidos em Portugal e de pensar estratégias que visem a promoção da sua saúde mental para este grupo em particular. Também os serviços devem apoiar estudantes bolseiros, pertencentes a grupos minoritários, ou a grupos de risco, tendo em conta que alguns estudos apontam para o facto dos impactos negativos da COVID-19 se fazerem sentir de forma mais expressiva não só nas mulheres, mas também nestes grupos em particular (Browning et al., 2021).
A pandemia de COVID-19, a experiência de confinamento e a máxima de isolamento social trouxeram fatores de risco adicionais para a saúde mental dos indivíduos. Os estudantes do ensino superior não são exceção, enfrentando mudanças não só ao nível da aprendizagem e avaliação a nível académico, mas também nas suas vidas sociais e familiares, tendo frequentemente de enfrentar o isolamento nas suas terras-natal e com as suas famílias nucleares. No entanto, a pandemia também veio proporcionar uma oportunidade de estabelecer conexões digitais como nunca tinha sido feito, o que potencia o recurso a parcerias colaborativas, comunitárias e estratégicas (Thakur, 2020), numa lógica sistémica.
Não obstante a relevância destes resultados, os mesmos reportam apenas a um período concreto decorrente do primeiro confinamento obrigatório estipulado em Portugal. Estudos futuros deveriam medir os impactos da COVID-19 um ano após a Organização Mundial de Saúde (OMS/WHO) a ter declarado como uma doença pandémica (Schmidt et al., 2020), tendo em conta o peso que a fadiga pandémica veio trazer às populações (WHO, 2020), e o impedimento desta doença na vivência académica dos estudantes do ensino superior.
Conclusão
O presente estudo vem contribuir para o mapeamento que tem sido feito sobre o impacto psicológico da situação pandémica em estudantes universitários, tendo em conta que os estudos que têm vindo a ser levados a cabo indicam que a saúde mental das populações se tem vindo a deteriorar com a pandemia (OECD, 2021).
A saúde mental tem sido um dos eixos estratégicos da agenda da Organização Mundial de Saúde há mais de meio século. A COVID-19 veio alertar para a fragilidade dos sistemas de saúde, mas trouxe também consigo a oportunidade de refletir sobre reformas nacionais a este propósito. Sendo os estudantes universitários um grupo com especial vulnerabilidade para as questões da saúde mental (DSM-V; APA, 2013), e sendo também eles a próxima geração ativa em Portugal, importa tornar prioritárias estratégias que visem a promoção do seu bem-estar. Os dados aqui encontrados permitem identificar um conjunto de variáveis que parecem impactar psicologicamente jovens universitários e salientar que intervenções podem ser pensadas de modo universal ou indicado para colmatar esses impactos. Este estudo vem, também, chamar a atenção para a necessidade de dar continuidade ao debate científico em torno dos papéis de género e de que modo estes continuam a marcar as novas gerações de mulheres, impactando não só as suas expectativas futuras (Coelho & Casaca, 2017), mas também a sua saúde mental, bem como refletir sobre estratégias sistémicas que procurem colmatar esta problemática.
Declaração de contribuição de autoria credit
Joana Dias Alexandre: Concetualização; Metodologia; Administração do projeto; Recursos; Supervisão; Validação: Visualização; Redação - revisão e edição; Helena Carvalho: Análise formal; Metodologia; Recursos; Validação; Visualização; Redação - revisão e edição; Ana Margarida Fonseca: Concetualização; Curadoria dos dados; Investigação; Metodologia; Administração do projeto; Catarina Alexandra Castro: Validação; Visualização; Redação - revisão e edição.