A doença provocada pelo novo Coronavírus (Coronavirus Disease 2019 - COVID-19) foi identificada pela primeira vez na China em dezembro de 2019 (World Health Organization [WHO], 2020a), tendo sido o primeiro caso registado em Portugal em 2 de março de 2020 (WHO, 2020b). Já em janeiro de 2020, a WHO tinha considerado tal doença como uma emergência de saúde pública de interesse internacional e em 11 de março, pela sua evolução, a epidemia COVID-19 passou a ser considerada uma pandemia (WHO, 2020c), tendo até ao momento (9 de agosto de 2020), sido registados mais de 19.7 milhões de casos e mais de 720 mil mortes em todo o mundo (WHO, 2020d).
De forma a conter a propagação pela COVID-19, foram implementadas pelos diversos países várias medidas, entre as quais, as medidas de isolamento social. Em Portugal, a primeira Resolução do Conselho de Ministros foi divulgada a 13 de março, com medidas excecionais face à pandemia (Decreto-Lei n.º 10-A/2020) e a 19 de março teve início o Estado de Emergência (Decreto n.º 14-A/2020), situação que se manteve até ao dia 2 de maio em virtude das renovações subsequentes (Decreto n.º 17-A/2020; Decreto n.º 20-A/2020). Neste contexto, ocorreram mudanças bastante significativas no modo de funcionamento da sociedade em geral, e do ensino em particular, passando este a ser à distância nos diferentes graus de ensino, incluindo o ensino superior.
Considerando o contexto universitário, Sahu (2020) enumerava no final do primeiro trimestre de 2020, um conjunto de desafios com que as universidades se estavam a confrontar face à situação pandémica, nomeadamente, a mudança do ensino “face a face” para aulas online, questões relativas à incerteza na avaliação, necessidade de suporte aos estudantes internacionais que não puderam ir para casa, restrições nas deslocações de todo o staff, impacto na saúde mental e a necessidade de criação de serviços de suporte que assegurassem a segurança e o bem-estar psicológico da comunidade académica, como por exemplo, ao nível da gestão do stress.
Ainda que o estudo do impacto da situação pandémica atual na saúde mental se encontre numa fase relativamente inicial, a literatura disponível, obtida junto de grupos populacionais (e.g., Ahmed et al., 2020; Antunes et al., 2020) ou de grupos mais específicos como profissionais de saúde (e.g., Lai et al., 2020; Lu et al., 2020) ou estudantes universitários (e.g., Cao et al., 2020; Maia & Dias, 2020) tem apontado para diversos efeitos negativos na saúde mental, particularmente sintomatologia ansiosa e depressiva. Por exemplo, a revisão de Rajkumar (2020) da literatura disponível até março sobre o impacto da COVID-19 na saúde mental sugere especificamente entre 16 a 28% de sintomatologia ansiosa e depressiva, podendo esta também estar associada a perturbação do sono. A revisão integrativa da literatura realizada por Pereira et al. (2020) reforça tais resultados, concluindo que os indivíduos submetidos ao isolamento social tinham maior risco de apresentarem perturbações na saúde mental, em especial, sintomatologia relacionada com o stress, ansiedade e depressão.
A compreensão do impacto da COVID-19 junto de estudantes universitários ao nível da saúde mental tem sido alvo de investigação em diversos países (e.g., Cao et al., 2020; Díaz et al., 2020; Elmer et al., 2020; Kecojevic et al., 2020; Maia & Dias, 2020; Odriozola-González et al., 2020; Son et al., 2020; Tang et al., 2020). Por exemplo, o estudo de Maia e Dias (2020), realizado em contexto português, comparou dois grupos de estudantes universitários, nomeadamente, um grupo com dados recolhidos em períodos normais (2018 e 2019; n = 460) e um outro grupo (n = 159), nos oitos dias seguintes à suspensão das aulas no ensino universitário em termos de ansiedade, depressão e stress, tendo os resultados indicado o impacto negativo da pandemia em tais indicadores. O estudo de Odriozola-González et al. (2020), realizado em contexto espanhol, reforça tal impacto negativo do ponto de vista psicológico, tendo observado que metade dos participantes (mais de 2500 membros da comunidade académica da Universidade de Valladolid) apresentava impacto moderado a severo face ao surto durante as primeiras semanas de confinamento, tendo este sido, no entanto, mais pronunciado no caso dos estudantes em comparação com o restante staff em todas as medidas de saúde psicológica.
Além do impacto geral negativo na saúde mental junto dos estudantes universitários, a investigação realizada também tem chamado a atenção para variáveis como a área e o ciclo de formação (e.g., Odriozola-González et al., 2020), o ano de escolaridade (e.g., Tang et al., 2020), o suporte social (e.g., Husky et al., 2020) ou dimensões temporais (e.g., Huckins et al., 2020) na compreensão de tal impacto, sugerindo assim a importância de análises o mais detalhadas possível ao longo do tempo, com vista a uma intervenção mais dirigida e capaz.
O presente estudo visa contribuir para o aprofundamento da compreensão do efeito da situação de confinamento em estudantes universitários portugueses. Especificamente, tem como objetivo analisar indicadores de stress percebido, sintomas de ansiedade e depressão em estudantes do ensino superior português. Pretende-se, também, analisar os contributos explicativos de um conjunto de variáveis sociodemográficas, académicas e de vivência da pandemia nos indicadores em estudo.
Método
Participantes
O estudo integrou 694 estudantes universitários. Em termos de caraterísticas sociodemográficas, os participantes eram, na maioria, do género feminino, solteiros e com uma média de idades de 24 anos (DP = 7.44, moda = 20, Mdn = 21, mínimo = 18, máximo = 68). Ao nível das caraterísticas socioacadémicas, os respondentes apresentam um perfil heterogéneo conforme observável na Tabela 1. A maioria dos participantes (n = 365, 52.6%) encontrava-se na altura do preenchimento do questionário em isolamento voluntário. No que respeita ao decurso das aulas, a maioria (n = 644, 92.8%) dos participantes encontrava-se a ter aulas online. Quanto ao acompanhamento e supervisão online por parte dos docentes/orientadores, a maioria (n = 559, 80.5%) também referia estar a receber.
A Tabela 1 ilustra a descrição mais detalhada da amostra.
n | % | |
Género | ||
Feminino | 528 | 76.1% |
Masculino | 166 | 23.9% |
Estado Civil | ||
Solteiro(a) | 617 | 88.9 |
Casado(a)/União de Facto | 65 | 9.4 |
Divorciado(a) | 11 | 1.6 |
Viúvo(a) | 1 | 0.1 |
Filhos | ||
Sim | 53 | 7.6 |
Não | 641 | 92.4 |
Trabalhador-Estudante | ||
Sim | 189 | 27.2 |
Não | 505 | 72.8 |
Instituição de Ensino Superior | ||
Público | 629 | 90.6% |
Privado | 65 | 9.4% |
Ciclo de Estudos que frequenta | ||
1.º Ciclo | 552 | 79.5 |
2.º Ciclo | 122 | 17.6 |
3.º Ciclo | 12 | 1.7 |
Pós-Graduação ou curso de especialização | 8 | 1.2 |
Ano Escolar em que está inscrito | ||
1 | 230 | 33.1 |
2 | 197 | 28.4 |
3 | 180 | 25.9 |
4 | 45 | 6.5 |
5 | 29 | 4.2 |
6 | 13 | 1.9 |
Área Científica | ||
Saúde | 174 | 25.1 |
Tecnologia | 69 | 10.0 |
Ciências da Educação e da Formação | 33 | 4.8 |
Ciências | 33 | 4.8 |
Agricultura e Recursos Naturais | 4 | 0.6 |
Arquitetura, Artes Plásticas e Design | 15 | 2.2 |
Direito, Ciências Sociais e Serviços | 145 | 21.0 |
Economia, Gestão e Contabilidade | 179 | 25.9 |
Humanidades, Secretariado e Tradução | 20 | 2.9 |
Educação Física, Desporto e Artes do Espetáculo | 19 | 2.7 |
Instrumentos
A avaliação da ansiedade e da depressão foi realizada com base na aplicação do Hospital Anxiety and Depression Scale (HADS), desenvolvida por Zigmond e Snaith (1983, traduzida por Lima, 2004, 2005) e composta por catorze itens, respondidos numa escala de 4 pontos (de 0 a 3). Esta escala é dividida em duas subescalas relativas à depressão (e.g., “Tenho-me sentido como se estivesse em câmara lenta”) e à ansiedade (e.g., “Tenho tido uma espécie de sensação de ameaça, como se alguma coisa terrível estivesse para acontecer”), cada uma delas com sete itens. A HADS é normalmente utilizada como uma medida contínua da severidade dos sintomas de ansiedade e depressão. Para tal, basta somar as respostas dos 7 itens de cada uma das escalas, respetivamente, depois de recodificados os itens negativos, obtendo-se assim um score total que varia entre 0 e 21, em que 0-7 = inexistente, 8-10 = ligeira, 11-14 = moderada e 15-21 = severa (Moorey et al., 1991). O ponto de cut-off para sintomas psicológicos é de 11, mas Moorey e colaboradores (1991) referem que a partir de 8 há já sinais ligeiros de perturbação. Neste estudo, os valores de alfa de Cronbach foram de .86 e .74, para as subescalas de ansiedade e depressão, respetivamente. No presente estudo, a estrutura bifatorial da escala apresenta um adequado ajustamento (X2/gl = 9.19, p < .001, CFI = .90, GFI = .93, RMSEA = .06).
O stress percebido foi medido através da adaptação portuguesa de Ribeiro e Marques (2009) da Perceived Stress Scale (Cohen et al., 1983). Na versão portuguesa, a escala é constituída por 13 itens (e.g., “No último mês, com que frequência sentiu que era incapaz de controlar as coisas que são importantes na sua vida?”), respondido numa escala de 5 pontos (1 = nunca e 5 = muitas vezes). Os itens distribuem-se por positivos e negativos, pelo que, para chegar ao valor total, se somam os itens, revertendo os itens formulados pela positiva, para que uma pontuação mais elevada corresponda a maior stress. Neste estudo, o valor de alfa de Cronbach foi de .89. A estrutura unifatorial da escala apresenta um ajustamento aceitável (X2/gl = 34,05, p = .01, CFI = .81, GFI = .87, RMSEA = .09).
Procedimento
Foi desenvolvido um questionário online através da plataforma Google Forms e enviado para as associações de estudantes de ensino superior. Previamente ao envio, foi elaborada uma base de dados com o levantamento de 132 contactos de associações com base numa pesquisa na internet. O questionário esteve ativo entre abril e junho de 2020. O estudo foi aprovado pela Comissão de Ética da NOVA Medical School da FCM-UNL (CEFCM) (n.º 52/2020/CEFCM).
Os respondentes foram informados do carácter anónimo e confidencial dos dados a recolher, salientando-se que a participação era voluntária e que não existiam quaisquer recompensas à participação, monetárias ou de outro cariz.
O preenchimento do questionário durava em média 15 minutos, sendo este apresentado no link por blocos. O primeiro bloco, respeitante a indicadores de saúde mental (i.e., stress percebido, sintomas de ansiedade e depressão). O segundo bloco, relativo à experiência durante o período de confinamento pelo COVID-19. Por último, o grupo de caraterização sociodemográfica e socioacadémica. A amostra final é constituída por 694 estudantes. Os demais questionários não foram incluídos, por não terem um mínimo de 75% de respostas preenchidas.
Os dados foram analisados através do programa IBM SPSS (versão 26.0) e do AMOS. As variáveis em estudo foram caracterizadas com recurso a estatística descritiva e de frequências. O teste-t para amostras independentes foi utilizado para analisar as diferenças entre dois grupos e a one-way ANOVA para explorar as diferenças entre três ou mais grupos. O tamanho da amostra permite que a média não seja muito afetada pelos outliers (Mishra et al., 2019). A regressão linear foi realizada para identificar os fatores preditores de uma dada variável. O nível de significância considerado foi p < .05.
Resultados
Stress, sintomas de ansiedade e depressão
Na Tabela 2 apresentam-se os sintomas de ansiedade, depressão e stress, por níveis. O stress percebido apresenta uma média ligeiramente acima do ponto central da escala. No que respeita aos sintomas de ansiedade, cerca de metade dos participantes apresenta sintomas de ansiedade moderados a severos (n = 351, 50.6%). No que respeita à sintomatologia depressiva, é inexistente, para aproximadamente metade dos participantes (n = 334, 48.1%).
Média | Inexistente | Ligeira | Moderada | Severa | |
Sintomas de Ansiedade | 10.44 (DP = 4.8) | 209 (30.1%) | 134 (19.3%) | 201 (29.0%) | 150 (21.6%) |
Sintomas de Depressão | 8.02 (DP = 4.0) | 334 (48.1%) | 180 (25.9%) | 132 (19.0%) | 48 (6.9%) |
Stress Percebido | 3.35 (DP = .64) | - | - | - | - |
A seguir, apresentamos as diferenças nos indicadores de saúde mental, considerando o género, ser trabalhador-estudante, o ciclo de estudos e a área do curso.
Os participantes do género feminino apresentam médias estatisticamente mais elevadas nos indicadores de saúde mental em estudo, ou seja, sintomas de ansiedade, t(234,38) = -6.017, p < .001, sintomas de depressão, t(692) = -2.400; p = .017, e stress percebido, t(231,829) = -4.376, p < .001, conforme Tabela 3.
Género | M | DP | t | p | |
Sintomas de Ansiedade | Masculino | 8.52 | 5.32 | -6.017 | <.001 |
Sintomas de Depressão | Feminino | 11.04 | 4.49 | -2.400 | .017 |
Stress Percebido | Masculino | 7.37 | 4.22 | -4.376 | <.001 |
Ao nível do ciclo de estudos (Tabela 4), os estudantes do 1.º ciclo apresentam médias estatisticamente mais elevadas nos sintomas de ansiedade, t(692) = 2.655, p = .008, e sintomas de depressão, t(692) = 2.316, p = .021), quando comparados com os restantes ciclos de estudo. No mesmo sentido, denota-se uma tendência para maior stress percebido por parte dos estudantes do 1.º ciclo, t(692) = 1.833, p = .067.
Numa análise mais detalhada das diferenças por ano escolar em que está inscrito, observam-se diferenças significativas na ansiedade, F(5) = 2.246, p = .048). Através do Post-Hoc Tukey é possível verificar que essas diferenças se encontram entre: o 1.º e o 6.º anos (M = 10,57, M=6,84, p = .072), o 2.º e o 6.º (M = 10.55, M = 6.84, p = .077), o 3.º e 6.º (M = 10.51, M = 6.84, p = .085), o 4.º e o 6.º (M = 11.00, M = 6.84, p = .067). Os estudantes do 4.º ano apresentam médias mais elevadas de ansiedade, enquanto os do 6.º ano são os que experienciam menores índices de ansiedade.
Ciclo Estudos | M | DP | t | p | |
Sintomas de Ansiedade | 1.º Ciclo | 10.68 | 4.82 | 2.655 | .008 |
2.º Ciclo ou outros | 9.49 | 4.74 | |||
Sintomas de Depressão | 1.º Ciclo | 8.19 | 3.96 | 2.316 | .021 |
2.º Ciclo ou outros | 7.32 | 4.09 | |||
Stress Percebido | 1.º Ciclo | 3.37 | 0.64 | 1.833 | .067 |
2.º Ciclo ou outros | 10.68 | 4.82 | 2.655 | .008 |
Considerando a área científica do curso, criaram-se quatro categorias: Saúde (n = 174); Direito, Ciências Sociais e Serviços (n = 145); Economia, Gestão e Contabilidade (n = 179); Outras (n = 160). As médias dos indicadores de saúde mental são mais elevadas na área do Direito, Ciências Sociais e Serviços (Tabela 5).
Ciclo Estudos | M | DP | t | p | |
Sintomas de Ansiedade | Área de Saúde | 10.16 | 4.62 | 5.51 | .001 |
Áreas de Direito, Ciências Sociais e Serviços | 11.83 | 4.52 | |||
Áreas de Economia, Gestão e Contabilidade | 10.19 | 4.85 | |||
Sintomas de Depressão | Área de Saúde | 9.76 | 5.08 | 2.35 | .071 |
Áreas de Direito, Ciências Sociais e Serviços | 7.62 | 3.71 | |||
Áreas de Economia, Gestão e Contabilidade | 8.46 | 4.03 | |||
Stress Percebido | Área de Saúde | 8.30 | 4.05 | 4.23 | .006 |
Áreas de Direito, Ciências Sociais e Serviços | 7.49 | 4.11 | |||
Áreas de Economia, Gestão e Contabilidade | 3.33 | 0.57 |
Os resultados da one-way ANOVA mostram diferenças estatisticamente significativas entre os grupos para os sintomas de ansiedade, F(3) = 5.510, p = .001, e stress percebido, F(3) = 4.23, p = .006, e para os sintomas depressivos não existem diferenças significativas, F(3)= 2.352, p = .071. Considerando o Post-Hoc de Tukey, é possível analisar, especificamente, em que grupos se observam essas diferenças significativas. No que respeita aos sintomas de ansiedade, as diferenças estatisticamente significativas encontram-se entre a categoria das Áreas de Direito, Ciências Sociais e Serviços (M = 11.83) e as outras categorias, tanto Saúde (M = 10.6; p = .011), quanto Economia, Gestão e Contabilidade (M = 10.91, p = .012) e as outras áreas (M = 9.76; p = .001). No stress percebido, registam-se diferenças estatisticamente significativas entre a categoria outras áreas (M = 3.19) e a categoria das Áreas de Direito, Ciências Sociais e Serviços (M = 3.43, p = .008); e entre as categorias outras áreas e Economia, Gestão e Contabilidade (M = 3.40, p = .019).
Não se observam diferenças estatisticamente significativas entre estudantes e estudantes-trabalhadores, nas variáveis em estudo (Sintomas de ansiedade, t(692) = -1.860, p = .063, Sintomas de depressão, t(692) = -0.020, p = .983), stress percebido, t(692) = -1.516, p = .130).
Apresentam-se em Material Suplementar os níveis de ansiedade (de inexistente, ligeira e moderada ou severa) por caraterísticas sociodemográficas e socioacadémicas e vivências da pandemia. A título ilustrativo, são as mulheres quem mais experiencia níveis de ansiedade moderada e severa (n = 294, 42.4%), bem como os estudantes do 1.º ciclo (n = 293, 42.2%) e com idades entre os 18 e os 24 anos (n = 285, 41.1%). Os estudantes muito ou muitíssimo preocupados com a pandemia (n = 356, 36.4%), bem como os que consideram que a mesma terá bastante a elevado impacto no seu percurso educacional (n = 315, 44.2%) e laboral (n = 248, 34.7%), são os que experienciam níveis de ansiedade moderada e severa.
Ainda a respeito das vivências, a maior parte dos participantes encontram-se satisfeitos a totalmente satisfeitos com o acompanhamento e supervisão (n = 494, 71.2%). Os horários específicos de estudo dos participantes variam, sobretudo, entre nunca a algumas vezes (n = 471, 67.9%). Quanto ao local específico de estudo, 50.0% (n = 347) dos participantes referem ter sempre.
Questionados acerca do impacto da pandemia no percurso académico e laboral, a maior parte dos participantes refere que terá bastante a elevado impacto (percurso académico: n = 259, 76.2%, percurso laboral: n = 440, 63.4%). Relativamente ao surto pandémico, a maioria dos participantes refere que a instituição não estava preparada ou até parcialmente preparada (n = 494, 71.3%). Quanto ao grau de adaptação, a maioria dos participantes refere que a instituição se encontrava entre parcialmente a totalmente preparada (n = 533, 76.7%).
Preditores sociodemográficos, académicos e de vivência da pandemia da sintomatologia de ansiedade
Dos indicadores em estudo, a ansiedade revela a média mais elevada entre os estudantes. Assim, numa perspetiva de melhor compreender os possíveis contributos explicativos das variáveis sociodemográficas, académicas e de vivência da pandemia procedeu-se a uma análise de regressão hierárquica apenas para esta dimensão (Tabela 6).
( | t | p | |
Bloco 1 | |||
Género | 0.204 | 5.461 | .000 |
Idade | -0.154 | -2.876 | .004 |
Filhos | 0.066 | 1.166 | .244 |
Bloco 2 | |||
Género | 0.232 | 6.514 | .000 |
Idade | -0.080 | -1.428 | .154 |
Estado Civil | 0.063 | 1.163 | .245 |
Filhos | 0.029 | 0.597 | .551 |
Trabalhador-estudante | 0.027 | 0.639 | .523 |
Ciclo de estudos | -0.064 | -1.611 | .108 |
Área Científica do curso | 0.007 | 0.202 | .840 |
Ano escolar | -0.056 | -1.495 | .135 |
Aulas online | 0.016 | 0.417 | .677 |
Acompanhamento e supervisão online por parte dos docentes/orientadores | -0.031 | -0.782 | .435 |
Satisfação com acompanhamento e supervisão | -0.324 | -8.099 | .000 |
Bloco 3 | |||
Género | 0.156 | 4.465 | .000 |
Idade | -0.077 | -1.443 | .149 |
Estado Civil | 0.042 | 0.806 | .420 |
Filhos | 0.021 | 0.464 | .643 |
Trabalhador-estudante | 0.041 | 1.023 | .307 |
Ciclo de estudos | -0.053 | -1.391 | .165 |
Área Científica do curso | -0.010 | -0.278 | .781 |
Ano escolar | -0.060 | -1.691 | .091 |
Aulas online | 0.011 | 0.298 | .766 |
Acompanhamento e supervisão online por parte dos docentes/orientadores | -0.022 | -0.589 | .556 |
Satisfação com acompanhamento e supervisão | -0.204 | -4.652 | .000 |
Preocupação coma pandemia | 0.117 | 3.234 | .001 |
Horário de estudo específico estabelecido | 0.010 | 0.287 | .774 |
Local de estudo específico estabelecido | -0.016 | -0.428 | .669 |
Momentos de “isolamento ra estudar | -0.127 | -3.275 | .001 |
Impacto da pandemia no percurso académico | 0.195 | 4.951 | .000 |
Impacto da pandemia no percurso laboral | 0.054 | 1.430 | .153 |
Grau de preparação da Instituição de Ensino Superior | -0.058 | -1.338 | .181 |
Grau de adaptação da Instituição de Ensino Superior | -0.029 | -0.629 | .529 |
Nota: Género: 1 = Masculino; 2 = Feminino; Estado Civil: 1 = Solteiro; 2 = Casado; 3 = Divorciado; 4 = Viúvo; Filhos: 1 = Sim; 2 = Não; Ciclo de estudos: 1 = 1.º ciclo; 2 = 2.º ciclo; 3 = 3.º ciclo; 4 = Pós-Graduação ou curso de especialização; Área científica: 1 = Saúde; 2 = Tecnologia; 3 = Ciências da Educação e da Formação; 4 = Ciências; 5 = Agricultura e Recursos Naturais; 6 = Arquitetura, Artes Plásticas e Design; 7 = Direito, Ciências Sociais e Serviços; 8 = Economia, Gestão e Contabilidade; 9 = Humanidades, Secretariado e Tradução; 10 = Educação Física, Desporto e Artes do Espetáculo; As frequências das demais variáveis incluídas neste bloco são apresentadas no Material Suplementar.
Para a explicação dos sintomas de ansiedade, conforme é possível observar na Tabela 6, o primeiro bloco integra as variáveis sociodemográficas, r2 = 7%; F = 12.392; p < .001, no segundo foram acrescentadas as académicas, r2 = 17%; ∆r2 = 10%; F = 12.747; p < .001, e no terceiro bloco consideraram-se também alguns indicadores associados à pandemia, r2 = 28%; ∆r2 = 11%; F = 13.377; p < .001.
Ao analisarmos em pormenor, é possível verificar que, no primeiro bloco, as variáveis sociodemográficas que contribuem para a explicação dos sintomas de ansiedade são o género (β = 0.204, p < .001) e a idade (β = -0,154 p = .004), esta numa direção negativa, ou seja, quanto maior a idade, menos sintomas de ansiedade. Ao acrescentarmos o segundo bloco, variáveis académicas, a significativa é a satisfação com o acompanhamento e supervisão (β = -0.324, p < .001), ao diminuir conduz ao aumento da ansiedade.
No terceiro bloco, às variáveis sociodemográficas e académicas foram acrescentados os indicadores associados à pandemia. A preocupação com a pandemia (β = 0.117 p < .001) contribui para a explicação dos sintomas de ansiedade, bem como a perceção do impacto que a pandemia terá no percurso académico (β = 0.195, p < .001) e, numa direção negativa, ter conseguido momentos de isolamento para estudar (β = -0.127, p = .001).
Discussão
Os estudos mostram que a atual pandemia já produziu efeitos ao nível sintomas psicológicos de ansiedade, stress e depressão (e.g., Wang et al., 2020). Ao longo dos anos, os estudos têm apontado para elevada prevalência de sintomas psicológicos em estudantes universitários (e.g., Bruffaerts et al., 2018). Assim, articulando a fase que atravessamos e a população universitária, o principal objetivo deste estudo era analisar a saúde mental dos estudantes de ensino superior, no período de 1.º surto COVID-19 em Portugal.
Os resultados deste estudo reforçam investigações recentes no ensino superior (Odriozola-González et al., 2020) que destacam os efeitos psicológicos da vivência de confinamento, destacando-se no presente estudo a sintomatologia de ansiedade com mais de metade dos participantes com sintomas de ansiedade moderados a severos.
Em termos sociodemográficos, são as mulheres que apresentam médias mais elevadas, o que vai ao encontro dos resultados de estudos realizados noutros países (e.g., Rehman, et al., 2020; Wang et al., 2020), constituindo o género um preditor significativo da ansiedade. Uma das justificações apontadas na literatura relaciona-se com uso de estratégias de coping menos eficazes (Kelly et al., 2008). Em termos académicos, as médias mais elevadas observam-se nos estudantes do 1.º ciclo, bem como das áreas de direito, ciências sociais e serviços. Também no estudo realizado por Odriozola-González e colegas (2020), os estudantes das áreas das humanidades e sociais apresentaram índices mais elevados na sintomatologia ansiosa e depressiva. Como hipóteses para a diferença entre áreas científicas, estes autores apontaram esta ser resultante de atitude mais paradigmática ou de diferentes formas de ver o mundo. Este resultado já tinha sido encontrado em estudos pré-pandemia que referem que estudantes de artes e humanidades têm maior tendência de desenvolver doença mental quando comparados com outras áreas (e.g., Lipson et al., 2016). Sugerimos que estudos futuros possam explorar este resultado. Estudos pré-pandemia já haviam reportado que estudantes dos primeiros anos de licenciatura tendem a reportar níveis mais elevados de ansiedade e depressão (e.g., Claudino & Cordeiro, 2006).
As análises mais detalhadas, aos indicadores associados à pandemia, mostram que os estudantes se encontravam preocupados com a pandemia. Simultaneamente, quanto a horários, espaço e momentos específicos para estudar, os resultados sustentam a maior dificuldade dos participantes na definição de horários de estudo. Contudo, ao nível da análise dos preditores, os resultados destacam a falta de momentos de “isolamento” para estudar, denotando os desafios sentidos pelos estudantes no que se refere a encontrar momentos com as condições de concentração necessários ao estudo.
Neste contexto, os programas dirigidos aos estudantes para sensibilização e recomendações sobre horários e rotinas tomam ainda maior relevância. A situação de confinamento e o ensino online trazem alterações na organização do dia a dia, pelo que o apoio na gestão do tempo pode ser um recurso positivo para a adaptação dos alunos à educação em tempo de pandemia.
Ao nível da análise dos efeitos das variáveis em estudo sobre os sintomas de ansiedade, destacamos a importância do suporte / acompanhamento dos docentes e supervisores e os horários específicos para estudar. Este tipo de resultado, suportado na literatura na área da pedagogia do ensino superior (e.g., Fry et al., 2009; Klem & Connell, 2004), aponta elementos essenciais para que os profissionais possam delinear estratégias de intervenção mais dirigidas, as quais, deverão passar pelo acompanhamento dos estudantes, mas também pela dotação de competências de estudo. Yang e colegas (2020) referem que o desenvolvimento de novas diretrizes para aconselhamento, as intervenções psicológicas online ou destinadas a grupos específicos, estão a ser identificadas como medidas necessárias nessa situação. Parece-nos, portanto, essencial, que, para que as estratégias e intervenções sejam delineadas, o conhecimento da realidade experienciada no nosso país seja um marco relevante. Em síntese, os resultados do presente estudo alertam para a necessidade de uma monitorização dos estudantes do ensino superior em virtude daquilo que parecem ser sintomatologias emergentes em alguns casos, e intensificadas noutros, destacando-se como perfil de risco para a sintomatologia ansiosa, ser mulher, estar preocupado com a pandemia, ter baixa satisfação com o acompanhamento e supervisão por parte dos professores, ter dificuldade de ter momentos de concentração para estudar e sentir-se preocupado com o impacto da pandemia no percurso académico.
Este estudo permite-nos conhecer os níveis de ansiedade, depressão e stress dos estudantes universitários no período inicial de COVID-19 na sociedade portuguesa. Será que os elevados sintomas de ansiedade foram uma resposta imediata e adaptativa face à pandemia ou estão a manter-se consistentes no tempo, passando a ser reveladores de resposta não saudável? Para garantir uma monitorização do efeito deste vírus na saúde mental dos estudantes do ensino superior, consideramos importante que, a seguir ao arranque do próximo ano letivo, haja uma nova recolha de informação. Adiciona-se ainda o interesse de acompanhar os alunos que ingressam pela primeira vez no ensino superior, para os quais o vírus acresce aos processos habituais de adaptação e transição. Também, providenciar serviços de apoio psicológico orientados e adaptados a estas circunstâncias, com vista a mitigar o impacto emocional da pandemia nos estudantes do ensino superior.
Assim, ainda que os impactos ao nível da saúde mental sejam consistentes com situações pandémicas anteriores (e.g., Ćosić et al., 2020), importa também salientar - como refere Afonso (2020) -, que os estudos publicados sobre quarentenas profiláticas anteriores se baseiam em estudos com amostras relativamente pequenas, e por períodos relativamente curtos, nunca se tendo observado uma quarentena massiva de milhões de pessoas em simultâneo, e sem um término à vista, o que corresponde a um aspeto negativo para a resiliência da saúde mental. Reitera-se assim a premência da continuidade de investigação do impacto do COVID-19 na saúde mental dos estudantes, pois a magnitude e intensidade dos efeitos poderão sofrer alterações consoante o horizonte temporal da situação que atravessamos se mantenha.
Declaração de contribuição de autoria CRediT
Sónia P. Gonçalves: Concetualização; Metodologia; Validação; Visualização; Redação do rascunho original; Redação - revisão e edição. Isabel S. Silva: Concetualização; Redação do rascunho original; Redação - revisão e edição. Joana Vieira dos Santos: Análise formal; Visualização; Redação do rascunho original; Redação - revisão e edição.