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Ex aequo
versão impressa ISSN 0874-5560
Ex aequo no.29 Vila Franca de Xira 2014
O poder do direito e o poder do feminismo: revisão crítica da proposta teórica de Carol Smart1
The power of Law and the power of feminism: a critical revision of Carol Smarts theoretical proposal
Le pouvoir du Droit et le pouvoir du féminisme: analyse critique de la proposition théorique de Carol Smart
Paula Casaleiro*1
*1 Universidade de Coimbra, Portugal
RESUMO
No presente artigo trava-se um diálogo crítico com as teses de Carol Smart, problematizando as posições da autora feminista quanto às relações entre mulher, feminismo e direito. Mais concretamente, discute-se duas das teses de Carol Smart desenvolvidas nas obras Feminism and the Power of Law e Law, Crime and Sexuality: (1) a tese sobre o poder do direito de desqualificar a experiência das mulheres e o conhecimento feminista e de definir as mulheres enquanto sujeitos genderizados (definidas com base no género); e (2) a proposta da autora de reorientação da estratégia feminista, no sentido de descentrar e desconstruir o direito.
Palavras-chave: teoria feminista do direito, direito, pós-modernismo, Carol Smart.
ABSTRACT
This article develops a critical dialogue with Carol Smarts theses, questioning the positions of this feminist author on the relationship between women, feminism and Law. More specifically, it discusses two of the theses developed in Carol Smarts books Feminism and the Power of Law and Law, Crime and Sexuality: (1) the thesis about the power of Law to disqualify women's experience and feminist knowledge and to define women as gendered subjects; and (2) the author's proposal for a reorientation of the feminist strategy, in order to decentralize and deconstruct Law.
Keywords: feminist legal theory, law, postmodernism, Carol Smart.
RESUMÉ
Le présent article entreprend un dialogue critique avec les thèses de Carol Smart, questionnant les positions de l'auteur féministe quant à la relation entre femme, féminisme et droit. Plus précisément, sont examinées deux thèses de Carol Smart qu'elle développe dans les livres Feminism and the Power of Law et Law, Crime and Sexuality: (1) la thèse sur le pouvoir du droit de disqualifier l'expérience des femmes et la connaissance féministe et de définir les femmes comme des sujets gendered (définies sur la base du genre); et (2) la proposition de l'auteur d'une réorientation de la stratégie féministe afin de décentraliser et de déconstruire le droit.
Mots-clés: théorie féministe du droit, droit, postmodernisme, Carol Smart.
No presente artigo trava-se um diálogo crítico com as teses de Carol Smart, problematizando as posições da autora feminista quanto às relações entre mulher, feminismo e direito. Carol Smart é uma socióloga inglesa, que se define como pós-estruturalista e pós-moderna e cujo trabalho inaugural (Women, Crime and Criminology, 1976, Feminism and the Power of Law, 1989, e Law, Crime and Sexuality, 1995) teve um enorme impacto sobre as disciplinas da criminologia e estudos sociojurídicos feministas (Auchmuty e Van Marle, 2012). Algumas das suas obras continuam a ser uma referência incontornável nos estudos sociojurídicos feministas a nível internacional e nacional2, tendo sido, inclusivamente, publicado em 2012 um número especial da revista Feminist Legal Studies, dedicado a um dos seus livros mais conhecidos, Feminism and the Power of Law.
A obra de Carol Smart enquadra-se na corrente pós-moderna da teoria feminista do direito (ou das teorias feministas do direito)3 , que se caracteriza por procurar ultrapassar as categorias e o debate de/entre igualdade e diferença, promovidos pelo feminismo liberal4 e pelo feminismo cultural (ou da diferença)5 (Levit e Verchick, 2006). A teoria feminista pós-moderna do direito argumenta que as abordagens comparativas do tratamento igual («mulheres são como os homens») e do feminismo cultural («as mulheres não são como os homens») assumem erroneamente que todas as mulheres são, grosso modo, iguais, tal como os homens (Levit e Verchick, 2006). Neste sentido, defende, por um lado, que as categorias binárias de homem e mulher são ambas um produto e reprodução de relações de poder, estando especialmente interessada em analisar como mulheres e homens são construídos pelo direito e como o direito reproduz as relações de género (McCorker et al., 2000). Por outro lado, recorre à ferramenta da desconstrução para questionar a existência de verdades absolutas e, em especial, de um direito imparcial e objetivo (Levit e Verchick, 2006).
A abordagem de Smart é crucial para as análises sociológicas do direito, permitindo, por um lado, observar o direito como um discurso hegemónico que não só oprime as mulheres, como contribui para a produção e reprodução das identidades de género e sexuais das mulheres. E, por outro lado, superar o impasse entre o feminismo liberal e cultural, abrindo caminho a novas abordagens feministas6, como a teoria da interseccionalidade7. Para além disso, o seu contributo é incontornável para uma reflexão crítica acerca das estratégias políticas dos movimentos feministas em relação ao direito.
A partir de leituras de outras/os feministas, como Maria Drakapolou, Ralph Sandland, Shelley Gavigan, Dany Lacombe e Rosemary Hunter, entre outras/os, e, sempre que possível, de exemplos concretos de lutas travadas no campo jurídico e judicial pelo feminismo em Portugal, pretende-se discutir duas8 das teses de Carol Smart desenvolvidas nas obras Feminism and the Power of Law (1995) e Law, Crime and Sexuality (1999): (1) o poder do direito de desqualificar a experiência das mulheres e o conhecimento feminista e de definir as mulheres enquanto sujeitos genderizados (definidas com base no género); e (2) a proposta de reorientação da estratégia feminista, no sentido de descentrar e desconstruir o direito. O presente artigo procura, desta forma, contribuir para a discussão encetada neste dossiê temático da revista ex aequo sobre epistemologia feminista, revisitando a proposta teórica e de ação política, de Carol Smart, em duas das obras clássicas da teoria feminista do direito.
O Poder (de desqualificar e definir) do Direito
Um dos principais argumentos de Carol Smart é que o direito é um discurso particularmente poderoso devido à sua pretensão de verdade, o que lhe permite silenciar e desqualificar a experiência das mulheres (que encontram a lei) e o conhecimento das feministas (que desafiam a lei) (Smart, 1999: 71). A autora discute os conceitos de verdade, poder e conhecimento, a partir de uma abordagem pós-estruturalista, que se inspira e estende nas teorias do poder e do conhecimento de Michel Foucault, sendo o principal princípio desta posição um ceticismo sustentado em relação aos conceitos de verdade, ciência e objetividade (Sandland, 1995).
Foucault (1980) observa como todo o saber/conhecimento é uma combinação de relações de poder e uma busca de informação, não sendo simplesmente «saber» mas aquilo a que chama «poder/saber». Este autor defende ainda que o saber não é uma procura pela verdade pura, é sim um processo de seleção de informação que permite que algo seja rotulado/designado como «facto»/«verdade ». Assim, Foucault argumenta que fazer a afirmação de que algo é ciência é na verdade um exercício de poder, porque ao reclamar a cientificidade é concedido menos estatuto e valor a outros discursos não-científicos, como a fé ou experiência, que são classificados como conhecimentos menores.
Smart defende que, muito embora o direito não faça afirmações expressas de verdade, faz afirmações que são suficientemente semelhantes às da ciência o direito tem o seu próprio método, linguagem e sistema de resultados para percebermos que o poder do direito se desenvolve de forma semelhante ao da ciência (1999: 76). O poder do direito resulta da sua pretensão de definir a verdade, uma vez que o conhecimento que pode afirmar ser verdade ocupa um lugar superior na hierarquia dos conhecimentos. O fator que investe as reivindicações de verdade do direito com tal grau de poder é o método jurídico. Assim, poder, conhecimento e verdade estão intimamente ligados: eles produzem-se mutuamente.
Ao colocar o direito como uma disciplina moderna, a autora distancia-se do entendimento de direito de Foucault, enquanto um mecanismo regulatório da era pré-moderna. De acordo com a autora, para Foucault o direito não encaixa na discussão de ciência, conhecimento e verdade, porque ele relaciona-o com o regime de poder que antecede o crescimento da epistéme moderna (Smart, 1995: 9). Acresce, ainda, que Foucault considera que é mais interessante estudar os processos de poder fora das instituições jurídicas, porque o poder do discurso jurídico está a diminuir perante outros poderes regulatórios (Smart, 1995).
Carol Smart reconhece que outras formas de regulação não-jurídicas são cada vez mais importantes, mas defende que, por um lado, o direito pode utilizar estes mecanismos de regulação emergentes para aumentar o seu poder e, por outro lado, assiste-se a um processo crescente de juridificação de determinadas áreas. Assim, o direito, o poder jurídico continua a ser um obstáculo considerável ao feminismo (Smart, 1995: 6-8). Além disso «o direito tem o seu próprio método, o seu próprio campo de ensaio, a sua própria linguagem especializada e o seu sistema de resultados. Pode ser um campo de conhecimento que tem um estatuto inferior em relação às ciências consideradas «reais», não obstante, ele separa-se de outros discursos da mesma forma que a ciência» (Smart, 1995: 9)9. O método que os/as profissionais da magistratura usam para decidir casos identificar e categorizar os factos, identificar os princípios legais pertinentes através da seleção de precedentes e/ou da interpretação legal, e aplicar a lei aos factos para chegar a uma conclusão presume-se ser neutro, objetivo e imparcial, e produzir sempre a decisão «correta» (Smart, 1995). Consequentemente, no entender de Smart, o facto do direito preceder a ciência não o exclui da análise verdade/ poder/conhecimento proposta por Foucault (Smart, 1999: 74).
O direito afirma ter o método de estabelecer a verdade dos eventos o método jurídico. A reivindicação do conhecimento jurídico como a única verdade subalterniza o(s) conhecimento(s) não-jurídico(s) e implica que todas as experiências tenham de ser traduzidas na forma jurídica, para obterem algum reconhecimento. A autora observa, então, o direito como uma forma de discurso que pode fazer afirmações de cientificidade e, portanto, de verdade, o que posiciona o direito numa hierarquia de conhecimentos que permite desqualificar os «conhecimentos subjugados» e aumentar o poder do direito. Porém, no entender de Smart (1995), o direito não só desqualifica relatos alternativos da realidade social outros saberes (como o feminismo) e experiências (de mulheres e minorias) mas, pela força da sua pretensão de «verdade», constrói autoritariamente o significado da realidade social.
Neste sentido, Carol Smart defende, à semelhança de outras autoras pósmodernas10, que o direito não se limita a oprimir as mulheres, constrói-as. O direito é um dos muitos discursos através do qual os sujeitos são constituídos. Embora o sujeito seja constituído em e através de múltiplos discursos, o direito é um discurso particularmente autoritário. Contudo, o discurso do direito não é homogéneo. O direito é um dos discursos que reproduz constantemente as mulheres como sujeitos genderizados e que naturaliza as diferenças entre os sexos (Smart, 1999: 82). Ou seja, as identidades de género e também o corpo sexuado são constantemente produzidos e reproduzidos através e no discurso jurídico. De acordo com Ben Golder (2004), isto não quer dizer que as mulheres reais não existam, mas sim a afirmação um pouco mais subtil de que não podem ser conhecidas a não ser através do discurso11.
Assim, Smart defende que o feminismo deve explorar as formas pelas quais diferentes discursos e práticas discursivas e, em especial, o direito, produzem e reproduzem as mulheres enquanto sujeitos sexuais e genderizados, enquanto, por exemplo, prostitutas, vítimas de violência sexual, mães, criminosas, lésbicas ou trabalhadoras. Neste sentido, Smart propõe à semelhança de outras autoras pósmodernas como Mary Joe Frug (1992), que o feminismo passe a encarar o direito não como «sexista» ou «masculino», mas como uma «estratégia» de género.
Os epítetos o «direito é sexista», o «direito é masculino» e o «direito tem género» correspondem, de acordo com Smart, a três estágios da reflexão da teoria feminista sobre o direito e consequentemente a três grandes correntes dos estudos feministas do direito: feminismo liberal «direito é sexista»; feminismo radical «direito é masculino»; e feminismo pós-moderno «direito tem género» (law is gendered) 12 (Smart, 1999). Carol Smart, acompanhando as críticas do feminismo pós-moderno13, «acusa» as duas primeiras correntes, as teorias feministas liberais e as teorias feministas radicais, de essencialismo, devido quer a falsas generalizações ou universalismos (falar sobre mulheres e sobre interesses das mulheres pressupõe muitas vezes um tipo específico e privilegiado de mulheres, ignorando as diferenças de raça, classe, etc.), como a erros «naturalistas» (utilização da categoria mulher como uma categoria natural e auto-explicativa), ou ao designado imperialismo de género (primazia das discriminações com base no sexo sobre outras). Para além disso, o foco instrumentalista das suas análises perpetua a ideia do direito unitário, ora como libertador ora como opressor das mulheres (passivas), em vez de problematizar o direito e lidar com as suas contradições internas. Na sequência destas críticas às teorias feministas liberais e radicais, Carol Smart propõe a passagem para a ideia de que o «direito tem género».
Carol Smart observa o direito como uma estratégia de produção de género. Isto permite-nos analisar o direito como um processo de produção de identidades de género em vez de, simplesmente, observar a aplicação do direito a sujeitos com um género a priori. O direito constrói e reconstrói o significado de masculino e feminino, masculinidade e feminilidade, e contribui para a perceção de sensocomum da diferença, em que assentam as práticas sexuais e sociais que o feminismo procura desafiar (Smart, 1999: 79), ou seja, as relações patriarcais. Por outras palavras, o direito não cria relações patriarcais, mas de uma maneira complexa e frequentemente contraditória, reproduz as condições materiais e ideológicas nas quais estas relações podem sobreviver (Smart, 1999).
Tanto Lacombe (1998) como Gavigan (2000) consideram que esta abordagem tem também tendências essencialistas, à semelhança das abordagens criticadas por Smart. Lacombe (1998) sugeriu que Smart vai demasiado longe no seu argumento de que a lei é uma ferramenta que reforça eternamente as paredes da prisão do patriarcado. Lacombe identifica o problema desta posição da seguinte forma: «reduz a complexidade das práticas sociais e das lutas a uma lógica unitária que trabalha principalmente através do direito para reproduzir um corpo social unificado » (1998: 158). Com efeito, o direito não pode ser visto simplesmente como uma força determinante na definição de mulher; o direito deve ser pensado como um local de luta sobre os significados de género. Ou seja, o discurso jurídico deve ser entendido como um discurso complexo e contraditório e um local de luta discursiva, que nem sempre opera da mesma forma, nem produz os mesmos resultados, como sugerem Kapur (2006: 102) e Dorothy Chunn e Lacombe (2000).
Da mesma forma, Gavigan defende que a mulher que emerge da análise do discurso jurídico, desenvolvida por Carol Smart, pode ser vista como discursivamente unidimensional: «constituída como ela é pelo discurso (jurídico), ela não tem nem experiência nem agência: ela não tem nem fôlego nem amplitude» (Gavigan, 2000: 105). Neste sentido, Susan Boyd (1999) argumenta também que Smart, ao concentrar a sua análise na construção discursiva do sujeito jurídico, em detrimento de outras práticas materiais que constituem o sujeito, reforça a centralidade do poder do direito. A própria Carol Smart incluiu uma pequena, mas importante, nota de advertência no «Postscript» a Law, Crime and Sexuality: «nunca devemos esquecer que as mulheres se constroem discursivamente Se esquecermos isso, corremos o risco de «desempoderar» as «mulheres» e inflacionar o poder de discursos mais organizados» (Smart, 1999: 231). Neste sentido, Smart defende que o feminismo deve investigar a construção discursiva das mulheres desenvolvida pelas próprias mulheres num discurso feminista. Ao explorar o discurso patriarcal dominante em conjunto com os discursos feministas de resistência, o feminismo será capaz de afastar o primeiro e forjar um discurso feminista alternativo, que constituirá o feminino de uma forma mais positiva.
Feminismo e Direito: da inutilidade à cumplicidade das reformas legais feministas
Carol Smart apresenta, assim, uma crítica sustentada do direito e, como consequência, dos próprios compromissos feministas com o direito. A primeira parte do seu argumento é, como se viu, que o direito representa as mulheres de uma forma que não se limita a ignorar ou deixar as mulheres de fora, mas que desqualifica ativamente a experiência e o conhecimento das mulheres (Smart, 1995: 2, 11, 21). Porém, Smart observa que o direito não só faz reivindicações de verdade, mas também pretende ser uma força para o bem. Ele representa-se a si mesmo como tendo o poder de corrigir erros e de alcançar a justiça (Smart, 1995: 11-12).
A autora argumenta, no entanto, que no que diz respeito às mulheres esta afirmação é falsa. O direito é mais suscetível de gerar prejuízos para as mulheres do que de gerar mudanças sociais benéficas (Smart, 1995: 81). Neste contexto, Smart cunha o termo juridogenic «como uma forma de conceptualizar o mal que o direito pode gerar como consequência das suas operações» (Smart, 1995: 12). No entender da autora «não devemos cometer o erro [de pensar] que o direito pode fornecer a solução para a opressão que celebra e sustenta» (Smart, 1995: 49). Não obstante, os movimentos feministas têm sido seduzidos pela reivindicação do direito de ser uma força para o bem e um meio de proteção dos grupos mais fracos em relação aos mais fortes, e não conseguiram perceber o potencial muito mais juridogenic (das reformas) do direito (Smart, 1995).
O argumento de que é mais provável que o direito seja prejudicial do que útil para as mulheres é baseado em dois tipos de provas, uma empírica e outra teórica. Primeiro, de acordo com Smart, a história dos esforços feministas de reforma do direito revela o fracasso do direito em legitimar as reivindicações das mulheres. No entender de Hunter (2012), o fracasso do direito em legitimar as reivindicações das mulheres parece confirmar-se, tendo em atenção as tentativas de reformas discutidas por Smart no livro Feminism and the Power of Law; veja-se, por exemplo, os esforços sucessivos de Catharine MacKinnon para rever a lei da violação ou os decretos anti-pornografia. Porém, se considerarmos outras áreas ou outros países, as reformas não foram necessariamente um fracasso, como é o caso, em Portugal, da revisão do Código Civil, concretamente do Direito da Família, entre 1976-77 (Decreto-Lei nº 496/77, de 25 de novembro), a institucionalização da Comissão da Condição Feminina (Decreto-Lei nº 485/77, de 17 de novembro) e da atual Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género, ou a Lei da igualdade no trabalho e no emprego (Decreto-Lei nº 392/79, de 20 de setembro), no período após a revolução democrática de 1974 (Monteiro e Ferreira, 2012). E, embora a capacidade efetiva de influência destes movimentos tenha vindo a reduzir-se em Portugal (Monteiro e Ferreira, 2012), a despenalização do aborto, pela Lei nº 16/2007, de 17 de abril, e autonomização do tipo legal de crime intitulado violência doméstica, aprovada pela Lei nº 59/2007, de 4 de setembro, mais recentemente, provam que os esforços dos movimentos não foram em vão (Duarte, 2007, 2012; Santos e Alves 2009).
Importa ainda considerar que o fracasso do direito em legitimar as reivindicações das mulheres não significa que os esforços feministas não sejam úteis noutros campos (não-jurídicos), podendo, inclusivamente, abrir caminho a reformas futuras do direito. Em Portugal, por exemplo, por um lado, na revisão do Código Penal que deu lugar à Lei nº 59/2007, de 4 de Setembro, a reivindicação das organizações de cariz feminista para a Lei adotar o conceito de violência de género, em vez de violência doméstica, não teve sucesso (Duarte, 2012). Porém, a alteração legal e as sucessivas campanhas têm contribuído para uma maior sensibilização da opinião pública em relação à violência de género e um aumento das denúncias. Por outro lado, a luta pela despenalização do aborto demorou mais de três décadas e só culminou após o referendo de 2007 (Santos e Alves, 2009: 47). Neste sentido, acompanho Sandland (1995) que sugere a necessidade de resistir a uma leitura excessivamente pessimista das reformas legais. Ele argumenta que não há ninguém que não reconheça, por exemplo, que uma reforma tem valor simbólico, independentemente do seu «sucesso» em alcançar mudança material (Sandland, 1995: 3233).
A segunda forma de evidência que Smart invoca para as feministas «evitarem o canto da sereia da lei» (Smart, 1995: 160) é teórica e remete para o método jurídico. No entender de Smart, as categorias e estruturas jurídicas limitam e distorcem a agenda feminista. As reivindicações das mulheres não podem, segundo a autora, ser simplesmente encaixadas nas construções jurídicas existentes: a linguagem e os métodos e procedimentos jurídicos são fundamentalmente antifeministas, uma vez que não têm qualquer relação com as preocupações das mulheres (Smart, 1995). Todavia, tal como acontece com a caracterização do fracasso das reformas do direito de Smart, a sua caracterização da linguagem, dos métodos e procedimentos jurídicos como «fundamentalmente antifeministas» é, no entender de Hunter (2012), sem dúvida, absolutista, uma vez que o método jurídico é consideravelmente mais aberto e produz resultados menos determinados do que Smart sugere.
A própria Carol Smart sustenta que o desenvolvimento do direito é desigual. [C]onceb[o] o direito como operando numa série de dimensões ao mesmo tempo. O direito não é identificado como uma simples ferramenta do patriarcado ou do capitalismo. Analisar o direito desta forma permite observar o direito tanto como um meio de «libertação» e, ao mesmo tempo, como um meio de reprodução da ordem social opressora. O direito tanto facilita a mudança, como é um obstáculo à mudança. (Smart, 1999: 154)
Contudo, Smart parece «ceder» ao lado opressor do direito em ambos os livros, menosprezando o lado «libertador», emancipatório e de mudança social do direito. Talvez seja, então, Smart, citando Hunter, quem concede demasiado ao afirmar a inutilidade ou o perigo dos esforços feministas de reforma da lei (2012).
Na sequência destes argumentos, as estratégias feministas que utilizem o direito, como os projetos de jurisprudência feminista, são acusadas, por Smart, tanto de cumplicidade, como de irrelevância. Smart defende, simultaneamente, que uma estratégia que adote os termos jurídicos não só preserva o lugar do direito na hierarquia dos discursos, como, ao estimular o recurso ao direito em busca de soluções, fetichiza o direito em vez de desconstruí-lo (1995: 88). Smart considera que essas estratégias cedem ao direito o mesmo poder que é utilizado contra as reivindicações das mulheres. Acresce ainda que, sendo o direito visto como uma grelha de relações de poder e não como uma estrutura hierárquica, as lutas jurídicas tornam-se menos significativas e fundamentais para a manutenção ou derrube das relações de género existentes (Sandland, 1995: 13).
As conceções de Smart do direito como juridogenic e do método jurídico como fundamentalmente antifeminista podem ser «acusadas» de absolutismo; contudo, não podemos esquecer que Smart escreveu no contexto do final da década de 1980. Sendo a teoria feminista do direito atualmente uma área científica estabelecida, reconhecida e respeitada, é difícil de imaginar como esta foi, no passado, ignorada ou mesmo rejeitada, acusada de ser um conjunto de ideias lunáticas de mulheres descontentes, que não respeitavam o princípio da objetividade do direito (Auchmuty e Van Marle, 2012). O desenvolvimento da teoria feminista do direito e o sucesso de algumas das reformas legais de inspiração feminista provaram que a observação de Carol Smart estava errada (Auchmuty e Van Marle, 2012). Porém, é de salientar, por um lado, que, de acordo com Rosemary Auchmuty e Karin Van Marle (2012) e Helen Carr e Hunter (2012), a própria Carol Smart reconheceu, mais recentemente, que o direito pode por vezes ser usado de forma positiva. Por outro lado, autoras como Hunter (2012) e Van Marle (2012) consideram que, com algumas exceções, a argumentação de Smart deve ser levada tão a sério hoje em dia como antes, e representa um alerta importante para os riscos que a teoria feminista do direito e o ativismo jurídico feminista correm na atualidade.
De qualquer forma, se o direito não é (ou era) a resposta para Carol Smart, qual deve ser a estratégia feminista no entender desta autora?
A Estratégia Feminista de Carol Smart: Descentrar e (Des)construir
Na sequência da sua crítica ao direito, Smart sugere um redirecionamento da estratégia feminista a partir de uma conceção pós-moderna do direito, afastando- se da visão instrumentalista «moderna» do direito. Ou seja, em vez de considerar o direito como um conjunto de regras que podem ser remodeladas pelas reformas jurídicas de inspiração feminista, concebe o direito como um discurso hegemónico que pode ser desconstruído e remodelado através da mobilização do contradiscurso feminista (Chunn e Lacombe, 2000).
No entender da autora, o objetivo do feminismo deve ser não tanto identificar reformas que tornem o direito conforme a ideais mais verdadeiros de igualdade e justiça, mas desafiar o direito como significante do poder masculino. Uma vez que ao aceitar os termos do direito para desafiar o direito, o feminismo concede sempre demasiado, Smart argumenta que a luta deve ser no sentido de descentrar o direito, de resistir ao movimento em direção a mais direito. O exemplo da campanha da Women on Waves, organizada no âmbito da luta pela despenalização do aborto em Portugal por um conjunto de organizações feministas, parece ir ao encontro do argumento de que o feminismo concede sempre demasiado. Todas as viagens dos barcos da ONG holandesa assentam no cumprimento da lei e numa forte componente jurídica na preparação das campanhas, o que conduz a uma moderação nas ações complementares a serem adotadas e a um estreitamento do repertório de protesto (Duarte, 2007).
Em suma, a estratégia feminista deve, segundo Smart, concentrar-se em desafiar o poder do direito de definir as mulheres e desqualificar o conhecimento feminista (Smart, 1995: 2, 164), por forma a estabelecer o feminismo como uma fonte de poder e resistência (Smart, 1995: 74), prevendo várias formas de realizar este desafio. Em primeiro lugar, as feministas deveriam descentrar o direito, recusando-se a aceitar «a ideia de que o direito deve ocupar um lugar especial na ordenação da vida quotidiana» (Smart, 1995: 5). Isto envolve não apenas questionar a ideia do direito como uma força para o bem, mas questionar a ideia do direito como uma força em tudo. Mas o que significa concretamente descentrar o direito? Smart impulsionou as feministas a considerarem estratégias não-jurídicas, como projetos de investigação, em vez de recorrerem ao direito ou envolverem- se apenas em propostas políticas. A fim de resistir à hegemonia da ordem jurídica, o direito «deve ser combatido a nível concetual» (Smart, 1995: 5). A estratégia apropriada é, em suma, desconstruir o direito, em vez de inconscientemente sermos cúmplices dele.
Contudo, o que fazer com as mulheres que, diariamente, são colocadas perante o direito como rés ou vítimas, em processos criminais e, como testemunhas, em casos de direito de família? Como refere Hunter (2012), em alguns casos a ação legal constitui a única via possível de escapar de uma situação extrema (por exemplo, o julgamento ou a expulsão) ou a única via de reparação de uma lesão (por exemplo, a discriminação). Deve a estratégia feminista ignorá-las? E terá o combate a nível concetual do direito efeitos pragmáticos por si só?
A fim de desafiar e resistir ao discurso jurídico, e como corolário do descentramento do direito, Smart sublinha a importância do feminismo produzir o seu próprio contradiscurso sobre a vida das mulheres. O papel do feminismo deve ser «construir uma realidade alternativa à versão que se manifesta no discurso jurídico» (Smart, 1995: 160), recusando a imagem do feminismo como impotente. Por oposição às afirmações de verdade do direito, devemos insistir na legitimidade do conhecimento feminista «e na capacidade do feminismo para redefinir os problemas das mulheres, que o direito muitas vezes vota à insignificância» (Smart, 1995: 165). Em suma, Carol Smart propõe a desconstrução do direito para criar espaço para o feminismo, uma forma de conhecimento que, até à altura, tinha sido continuamente desqualificada pelo direito (Currie, 1995). Neste contexto, Smart elogia o «Direito das Mulheres»14 de Tove Stang Dahl como uma ilustração de como as feministas poderiam desenvolver as suas próprias categorias jurídicas, estruturas e princípios baseados na realidade material da vida das mulheres (Smart, 1995: 23-25), em vez de conceitos jurisprudenciais desencarnados (Smart, 1995: 158).
Finalmente, tanto Drakopoulou (1997: 115) como Sandland (1995: 20) discutem a natureza exclusiva das prescrições de Smart para a estratégia feminista com os argumentos de que a resistência ao direito é o único objetivo ético para o feminismo e que desafiar o poder do direito para definir as mulheres é a única forma adequada e eficaz das feministas criticarem o direito. Estas prescrições sugerem que há uma «verdade» sobre a estratégia feminista, da mesma forma que há uma «verdade» sobre as mulheres a que as feministas têm acesso. Hunter (2012) nota que, enquanto Smart contesta a reivindicação do direito de falar a verdade sobre as mulheres, ela não adota a mesma abordagem crítica em relação ao feminismo. Na verdade, Smart argumenta que o discurso jurídico deturpa e marginaliza a experiência das mulheres, mas, pelo contrário, o conhecimento feminista sobre as mulheres é autêntico e o feminismo tem a capacidade e a legitimidade de identificar as injustiças que sofrem as mulheres. Por que motivo o feminismo tem acesso à «verdade» sobre as mulheres? Se as reivindicações de verdade do direito são apenas os efeitos do poder, o mesmo também não se poderá aplicar às reivindicações de verdade feministas? Ou ainda, como questiona Drakopolou (1997: 116-117), se, como afirma Smart, o discurso jurídico (e outros discursos disciplinares) tem um efeito constitutivo tão poderoso, que versão não-construída da realidade das mulheres está disponível fora do direito para as feministas compararem com as construções jurídicas? Estas questões alertam- nos para a necessidade de uma análise crítica dos pressupostos da epistemológicos das teorias feministas, como se pretende desenvolver no presente dossiê temático da revista ex aequo.
Sandland (1995), nomeadamente, contesta a insistência de Smart na desconstrução do direito, em vez da reforma do direito. Por um lado, ele argumenta que não é possível decidir a priori entre a desconstrução e a reforma do direito (Sandland, 1995: 28, 35). Além disso, questiona: serão a desconstrução e a reforma do direito necessariamente excludentes, ou poderá a desconstrução do direito ser, por vezes, realizada através da reforma do mesmo? No entender deste autor, um processo de desconstrução que não se envolve com o direito deixa o funcionamento do direito pronto para minar os ganhos obtidos noutros lugares, mantendo o poder do direito fundamentalmente incontestado (Sandland, 1995: 47). Como defende Madalena Duarte a propósito da violência doméstica, é fundamental que ativistas e autoras/es feministas continuem a perspetivar a arena jurídica como um importante espaço de debate e reflexão que desafie o cânone mais tradicional do direito, reconhecendo-o simultaneamente como reflexo e reprodutor de um status quo em que prevalecem as relações sociais desiguais de género, mas sem permitir que o Direito se feche em si mesmo (2012: 71).
Reflexões conclusivas
A abordagem de Carol Smart foi e continua a ser central para as análises sociojurídicas do direito, bem como, para o ativismo jurídico feminista. Porém, não posso deixar de concordar com as críticas de autoras/es como Hunter (2012), Gavigan (2000), Lacombe (1998) ou Sandland (1995), entre outras/os, que revelam como algumas das suas posições têm um caráter essencialista.
A conceção do direito como um discurso poderoso, que desqualifica a experiência das mulheres e o conhecimento feminista e que produz e reproduz as identidades genderizadas e sexuais das mulheres, permitiu ultrapassar falsas generalizações ou universalismos, bem como erros «naturalistas» ou o designado imperialismo de género das abordagens feministas anteriores. Contudo, a abordagem de Smart cai, igualmente, num determinismo, ao reduzir a complexidade das práticas sociais e das lutas a uma lógica unitária que trabalha, principalmente, através do direito para reproduzir um corpo social unificado, a mulher do discurso jurídico (Gavigan, 2000; Lacombe, 1998). Com efeito, o direito não pode ser visto simplesmente como uma força determinante na definição de «mulher», mas o direito deve ser pensado como um local de luta sobre os significados de género (Chunn e Lacombe, 2000; Kapur, 2006).
Do mesmo modo, a estratégia feminista não deve correr o risco de fetichizar o direito, e as lutas feministas não devem ser travadas exclusivamente ou mesmo principalmente na arena jurídica, como defende Carol Smart. Pelo contrário, o direito é apenas um local onde a hegemonia, ou nos seus próprios termos o «discurso phallogocentric», deve ser desafiada. Porém, quando Smart concebe o direito como tendo um caráter juridogenic e o método jurídico como sendo fundamentalmente antifeminista, afirmando que a estratégia feminista deve unicamente resistir e desafiar (a)o poder do direito, ela cai, novamente, no determinismo de que tanto se quer afastar. Por um lado, o discurso jurídico deve ser entendido como um discurso complexo e contraditório, que nem sempre opera da mesma forma, nem produz os mesmos resultados, como sugere Kapur (2006: 102) e a própria Smart (1999) com o conceito de desenvolvimento desigual do direito. Por outro lado, a natureza exclusiva das prescrições de Smart para a estratégia feminista sugerem que há uma «verdade» sobre a estratégia feminista (Drakopoulou, 1997). Ora, se as reivindicações de verdade do direito são apenas os efeitos do poder, o mesmo também se pode aplicar a reivindicações de verdade feministas (Hunter, 2012).
Por fim, importa referir que os desenvolvimentos não só na academia, como no direito (law-as-legislation e law-as-practice), provaram que Smart estava errada ao defender que a estratégia feminista não se devia «comprometer» com as reformas e método jurídicos (Auchmuty e Van Marle, 2012: 68). Não obstante, as teses de Carol Smart foram e continuam a ser essenciais para o desenvolvimento tanto da(s) teoria(s) feminista(s) do direito, como para o ativismo jurídico feminista, que ela criticava. Como tal, o (atual) poder do feminismo deve muito à crítica, pós-estruturalista e pós-moderna, de Carol Smart ao poder do direito.
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Artigo recebido em 10 de setembro de 2013 e aceite para publicação em 26 de janeiro de 2014.
Notas
*1É investigadora júnior do Centro de Estudos Sociais e doutoranda do programa «Direito, Justiça e Cidadania no Século XXI» das Faculdades de Economia e Direito da Universidade de Coimbra. É mestre em Sociologia pela Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra. Desde 2005, tem colaborado em diversos projetos no Centro de Estudos Sociais sobre acesso ao direito e à justiça, direito da família e menores e desigualdades de género.
Centro de Estudos Sociais, Universidade de Coimbra, Praça Dom Dinis, 3000-995 Coimbra, Portugal. pcasaleiro@ces.uc.pt1O título do deste artigo não é inocente, remetendo para uma das obras mais conhecidas da autora Feminism and the Power of Law e, em especial, para a frase que conclui a introdução do livro: «embora este seja um livro sobre o poder do direito, pretende conferir poder e encorajar (a)o discurso feminista» (1995: 3).
2Cfr. a título de exemplo, Chunn e Lacombe (2000) e Duarte (2012).
3A teoria feminista do direito, à semelhança do próprio feminismo, não é uma disciplina unificada, existindo múltiplas correntes e formas de as classificar, desde o feminismo da diferença, passando pela teoria da dominação até ao feminismo pós-moderno e o ecofeminismo, entre outras (Levit e Verchick, 2006). Neste sentido, algumas/uns autoras/es preferem falar de teorias feministas do direito no plural. Não obstante as diferenças, as teorias feministas do direito distinguem- se no feminismo por destacarem o papel do direito na definição da sociedade e na prescrição da mudança, enquanto outras teorias feministas relativizam ou questionam mesmo o papel do direito nestas áreas (Levit e Verchick, 2006). Para uma discussão mais aprofundada das diferentes correntes da teoria feminista do direito e das tensões subjacentes, consultar Levit e Verchick (2006) e McCorker et al. (2000), entre outros.
4O feminismo liberal defende reformas legais com base no modelo da igualdade formal, que enfatizam as similitudes entre homens e mulheres e a desejabilidade de soluções idênticas para problemas jurídicos semelhantes. Ou seja, de acordo com esta estratégia, a igualdade para as mulheres poderia ser alcançada através da eliminação das diferenças de género na lei.
5O feminismo da diferença caracteriza-se pela procura de um tratamento especial, que concretize a igualdade material, através da valorização da diferença. O direito não pode/deve tratar homens e mulheres do mesmo modo, quando claramente as suas posições na sociedade são, ainda, tão diferenciadas. Além disso, para esta corrente o direito é um produto e instrumento da cultura masculina, uma vez que as normas jurídicas são construídas com base em modelos, categorias e valores predominantemente masculinos e são aplicadas e interpretadas maioritariamente por homens, refletindo o ponto de vista destes (MacKinnon, 1987; Olsen, 1990).
6No entender de Chunn e Lacombe (2000), embora o trabalho de Carol Smart não analise como a raça, a etnicidade ou a orientação sexual contribuem para os efeitos desiguais do direito, ao concetualizar o direito como um processo hegemónico e de desenvolvimento desigual, como se verá em seguida, estimulou novas perspetivas refletivas que evitaram a dicotomização e o imperialismo de género.
7A propósito da teoria da intersecionalidade consultar Crenshaw (1991) e Hill Collins (2001).
8Note-se que as obras de Smart estendem-se muito para lá destas duas teses, tratando de questões como as mulheres vítimas de violência e abuso sexual, e criminosas (Smart, 1999) ou o direito da família e das crianças (cfr. The Ties that Bind: Law, Marriage, and the Reproduction of Patriarchal Relations, de 1984), que as limitações de espaço e tempo não nos permitem aqui explorar.
9Todas as traduções são da responsabilidade da autora.
10Cfr. Frug (1992) e Butler (1999), entre outras.
11Como exemplo de um artigo que assume esta posição consultar Mackinnon (2000).
12Esta categorização não é isenta de críticas, nem «absoluta». A título de exemplo, Drakopoulou (1997: 112-113) considera que este formato evolutivo implica ordem, mudança e progresso expresso em termos de desenvolvimento histórico, o que foge de uma presença sincrónica e poliglota de muitos feminismos, proposta pela própria Smart. Cada abordagem feminista tende então a ocupar um momento histórico particular e cada uma parece mais desenvolvida e sofisticada do que a anterior, consequentemente, o pós-modernismo aparece ele próprio um resultado inevitável dos desenvolvimentos na teoria feminista e a submissão a ele parece inevitável e não uma questão análise ou inclinação pessoal. Além disso, podemos encontrar nas obras de outras autoras, como a de Levit e Verchick (2006) e de McCorkel et al. (2000), propostas alternativas de categorização.
13Cfr. Frug (1992), Patterson (1992) e Butler (1990), entre outras/os.
14A Womens Law (Direito das Mulheres) é um ramo do Direito, que se caracteriza por atravessar todos os campos em que tradicionalmente se divide o Direito, enquanto corpo de normas ou conjunto de estudos científicos. É uma disciplina cujo objeto de estudo será a descrição pormenorizada e clara das regras que condicionam a vida jurídica das mulheres e, simultaneamente, a defesa de soluções que melhorem essa mesma situação (Dahl, 1993). De referir, contudo, que em Portugal (à semelhança de outros países, onde os estudos feministas se desenvolveram mais cedo e rapidamente) a aceitação universitária do estudo do Direito das Mulheres foi lenta e difícil (Beleza, 2002, 2010). No entender de Teresa Beleza (2002), um dos problemas na aceitação académica do tema Direito das Mulheres é a dificuldade do seu enquadramento sistemático, na medida em que para poder ser pensado como campo autónomo de investigação é necessário transcender as barreiras disciplinares tradicionais dos campos do Direito. Por outro lado, a forma jurídica de pensar não comporta, tradicionalmente, a questão mulheres (ou a questão género) como um problema autónomo, isto é, como uma série de questões que possam ser analisadas tendo como ponto de vista essencial a situação jurídico-social das mulheres.