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Ex aequo
versão impressa ISSN 0874-5560
Ex aequo no.34 Lisboa dez. 2016
https://doi.org/https://doi.org/10.22355/exaequo.2016.34.06
DOSSIER: PERSPETIVAS INTERDISCIPLINARES SOBRE O FEMICÍDIO
Narrativas mediáticas sobre o femicídio na intimidade: análise de um jornal popular Português
Media narratives on intimate femicide: analysis of a popular Portuguese newspaper
Narrativas de los medios sobre el feminicidio en la intimidad: análisis de un periódico popular Portugués
Sofia Neves*, Sílvia Gomes** e Dircelena Martins***
*Instituto Universitário da Maia, 4475-690 Maia, Portugal; Centro Interdisciplinar de Estudos de Género, Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas da Universidade de Lisboa, 1300-663 Lisboa, Portugal. Endereço eletrónico: asneves@ismai.pt . Endereço postal: Instituto Universitário da Maia (ISMAI), Departamento de Ciências Sociais e do Comportamento. A/C Sofia Neves, Avenida Carlos Oliveira – Castêlo da Maia, 4475-690 Avioso S. Pedro, Portugal.
** Instituto Universitário da Maia, 4475-690 Maia, Portugal; Centro Interdisciplinar de Ciências Sociais.Nova da Universidade do Minho, Braga, Portugal. Endereço eletrónico: silvia.gomes@ics.uminho.pt
***Instituto Universitário da Maia, 4475-690 Maia, Portugal. Endereço eletrónico: dircelenamartins@gmail.com
RESUMO
O presente texto visa apresentar e discutir os resultados de um estudo cujo objetivo central foi analisar e caraterizar as notícias de femicídio na intimidade, publicadas entre 2011 e 2014 no jornal Correio da Manhã, discutindo as possíveis implicações das narrativas mediáticas na construção da realidade criminal e na manutenção de estereótipos de género associados ao crime. Foram recolhidas 200 peças jornalísticas, publicadas entre os anos de 2011 e 2014, que foram sujeitas a uma análise de conteúdo temática. Os resultados apontam para o facto de as narrativas mediáticas serem tendencialmente marcadas por um discurso de culpabilização das vítimas e de desresponsabilização dos agressores, o qual parece reforçar a proliferação de estereótipos de género.
Palavras-chave: Género, Femicídio, Intimidade, Meios de Comunicação
ABSTRACT
This paper aims to present and discuss the results of a study whose main goal was to analyse and characterize intimate femicide news, discussing possible implications of media narratives in the construction of the criminal reality and in maintaining gender stereotypes associated with crime. Based on 200 news stories published between 2011 and 2014 in Correio da Manhã newspaper, which were subject to thematic content analysis, the results sustain that media narratives tend to be marked by a victim-blaming speech and an unaccountability of the perpetrators, which seems to reinforce the proliferation of gender stereotypes.
Keywords: Gender, Femicide, Intimacy, Media
RESUMEN
Este artículo tiene como objetivo presentar y discutir los resultados de un estudio cuyo principal objetivo era analizar y caracterizar noticias sobre feminicidio en la intimidad, discutiendo las posibles implicaciones de las narrativas de los medios en la construcción de la realidad criminal y en el mantenimiento de los estereotipos de género relacionados con el crimen. Con base en las 200 noticias publicadas entre 2011 y 2014 en el periódico Correio da Manhã que fueron sujetas al análisis de contenido temático, los resultados sustentan que las narrativas de los medios tienden a estar marcadas por un discurso de culpabilizacion de la víctima y por una falta de responsabilidad de los autores, que parece reforzar la proliferación de los estereotipos de género.
Palabras clave: Género, Feminicidio; Intimidad; Medios de comunicación
Introdução
O femicídio é uma das mais severas manifestações da violência de género na intimidade (McCarthy 2012). Proposto por Diana Russell na década de 1970 (2001a; 2001b; 2001c), o termo invoca o assassinato misógino com base em motivações de ódio de género (Radford 1992). O femicídio é, assim, o homicídio de mulheres que ocorre em função da sua pertença de género (OMS 2012). As relações sociais de género, historicamente caracterizadas como assimétricas, conduzem à legitimação da violência contra as mulheres, especialmente no domínio da família (Pais 1996; Dias 2005; Neves 2008; Neves e Nogueira 2010; Neves et al., 2015). Diferenças de poder entre os sexos sustentam o recurso ao terrorismo patriarcal (Johnson 1995), um continuum de ações que servem o objetivo de reforçar a condição de subalternização das mulheres.
Estima-se que, por ano, em todo o mundo, 66 000 pessoas sejam vítimas de femicídio (Nowak 2012). Um estudo realizado em 66 países concluiu que 13,5% dos crimes são cometidos no contexto da intimidade, sendo as mulheres seis vezes mais vitimadas do que os homens (Alvazzi del Frate 2011; Stöckl et al. 2013; UNODC 2013). Em Portugal, de 2004 a 2014, foram vítimas de femicídio 399 mulheres. Destas, 250 foram mortas pelos parceiros e 86 pelos ex-parceiros (UMAR 2015).
Para além dos estudos sobre a prevalência do femicídio, outros têm-se debruçado sobre a construção social do crime pelos media. Sendo estes uma das mais relevantes fontes de informação (Carvalho 2007; Morelli e Rey 2011), contribuem para a construção da opinião pública, definindo não apenas «sobre o que se fala», mas especialmente o que se fala e como se fala (Gomes 2013).
Assiste-se, atualmente, a um crescente interesse dos media pela intimidade (Barroso 2007). Se, entre 1965 e 2005, a violência de género na intimidade estava quase ausente das narrativas mediáticas portuguesas (Dias 2006), hoje o panorama é bem diferente (Meyers 1997; Rubinstein 2005; Ryan, Anastario e Da Cunha 2006; Simões 2007; Sims 2008). A explicação para esta mudança de paradigma pode estar relacionada com a própria visão jornalística do que constitui notícia, guiando-se pelos critérios que valorizam mais o incomum, o extraordinário ou o bizarro (Meyers 1997). O valor da notícia está muitas vezes associado ao seu caráter sensacionalista, sendo os casos de femicídio mais suscetíveis ao viés mediático (Taylor e Sorenson 2002).
As narrativas dos media sobre o femicídio na intimidade não estão desvinculadas da ideologia patriarcal dominante, reproduzindo estereótipos de género (Meyers 1997; Simões 2007; Castro et al. 2012). Assim, tendem a fazer proliferar visões de culpabilização das vítimas e de desresponsabilização dos agressores, acentuando a tónica do crime passional, logo, da conflitualidade interpessoal movida pela paixão (Bullock e Cubert 2002; Belknap 2007; Taylor 2009). A análise social, de um modo geral, e a análise de género, em particular, estão habitual-mente omissas do discurso jornalístico, surgindo o crime descontextualizado da sua moldura cultural (Taylor e Sorenson 2002; Taylor 2008; Jankey 2009). Para esta evidência parece contribuir, entre outros fatores, a seleção das fontes jornalísticas, que deixa habitualmente de parte a apreciação de peritos/as na matéria (Carlyle et al. 2008; Wozniak e McCloskey 2010) e privilegia a informação oriunda das forças policiais, da vizinhança e de familiares próximos das vítimas e/ou dos agressores.
A referência ao comportamento sexual promíscuo das mulheres é frequentemente associada à avaliação negativa das suas competências como mães e esposas (Pereyra 2001; Taylor 2008; 2009; Angélico et al. 2014), assim como a não apresentação de denúncia, a retirada da queixa (quando tal é possível) ou a não colaboração com o sistema de justiça surgem como fatores de reforço da sua ineficácia na prevenção do femicídio (Richards et al. 2011; Gillespie et al. 2013).
Pese embora o facto de um número expressivo de femicídios resultar de historiais prévios de vitimação – 75% das mulheres assassinadas pelos parceiros ou ex-parceiros foram vítimas destes antes de serem mortas (Campbell et al. 2007) –, apenas um quarto dos crimes são noticiados considerando-se essa relação (Bullock e Cubbert 2002). Wozniak e McCloskey (2010) comprovaram esta tendência, verificando que, em 72% das notícias sobre estes crimes, nenhuma alusão à existência de historial prévio de vitimação é feita pela imprensa. Quando essa relação é abordada (Consalvo 1998), raramente são problematizadas as questões da legítima defesa, gerando-se nos/as leitores/as a dúvida sobre a veracidade da vitimação (Wozniak e McCloskey, 2010).
A acrescentar às táticas diretas de culpabilização das vítimas, são comuns as táticas indiretas, mais centradas nos comportamentos dos agressores. Fatores como a impulsividade, o descontrolo, a patologia, o ciúme, a dependência de substâncias, a vitimação sofrida ou testemunhada na infância, figuram habitual-mente como causas explicativas da violência (Meyers 1997; Pereyra 2001; Carlyle et al. 2008; Taylor 2008; 2009; Richards et al. 2011; Angélico et al. 2014), servindo simultaneamente como agentes potencialmente atenuadores da sua responsabilidade. Em última instância, todas estas táticas podem ter como efeito a desproteção das vítimas, uma vez que concorrem para a subvalorização do risco de femicídio (Carlyle et al. 2008).
Tendo todas estas questões em perspetiva, o presente artigo propõe a caracterização das narrativas mediáticas do jornal Correio da Manhã.
Narrativas mediáticas do Correio da Manhã sobre o femicídio na intimidade
O objetivo central deste estudo foi analisar e caraterizar as notícias de femicídio na intimidade publicadas entre 2011 e 2014 no jornal popular1 Correio da Manhã (CM)2, discutindo as possíveis implicações das narrativas mediáticas na construção social do crime e na manutenção de estereótipos de género a ele associados.
As 200 notícias recolhidas foram analisadas através de uma grelha de registo3, integrando variáveis referentes à forma e ao conteúdo, tendo sido sujeitas posteriormente a uma análise temática de conteúdo (Bardin 1991; Esteves 2006). As análises descritivas simples foram efetuadas com recurso ao IBM SPSS Statistics, versão 22.0.
Regularidades nas narrativas mediáticas sobre o femicídio na intimidade: análise quantitativa
Do total das vítimas, 41% (N = 82) tinham idades entre os 40 e os 65 anos e 31% (N = 63) entre os 26 e os 40 anos. A grande maioria (95,5%) era de nacionalidade portuguesa (N = 191). Quanto à profissão, encontrou-se a seguinte distribuição: 10,5% (N = 15) eram trabalhadoras qualificadas (e.g., professora)4, sendo que, dentre as restantes, 13,5% (N = 27) eram trabalhadoras não qualificadas (e.g., empregada de limpeza). Quanto ao número de filhos, 30,5% (N = 61) das vítimas tinham um filho, 19,5% (N = 39) tinham dois filhos e 1,5% (N = 3) das vítimas estavam grávidas na altura do crime.
Relativamente aos femicidas, 51% (N = 103) tinham entre 40 e 65 anos, seguindo-se a faixa etária dos 26 aos 40 anos, com 20% (N = 40). Quanto à atividade profissional, 93% estavam ativos profissionalmente na altura do crime e 7% estavam desempregados.
Em 62,5% (N = 125) dos casos, os femicidas eram parceiros das vítimas e exparceiros em 37,5% (N = 75). Dos casos em que a duração da relação foi revelada (N = 38), em 50% (N = 19) deles, as relações de intimidade entre vítimas e agressores tinham uma duração superior a 11 anos, em 29% (N = 11) dos casos duravam de 1 a 5 anos e em 21% (N = 8) de 6 a 10 anos.
O ano que apresenta um maior número de notícias é o de 2014, com uma percentagem de 40,5% (N = 81), seguindo-se o ano de 2013 com 23,5% (N = 47), o de 2012 com 20% (N = 40) e o de 2011 com 16% (N = 32).
O distrito que surge mais referenciado nas narrativas mediáticas em termos da ocorrência do crime é o Porto, em 21,5% dos casos (N = 43). Lisboa é o segundo distrito mais referenciado, com uma percentagem de 19% (N = 38), seguido de Setúbal, com 11% (N = 22).
Em 73,5% (N = 147) dos casos, o local do crime é a casa, surgindo a rua em segundo lugar, em 17,5% (N = 35) das situações.
Quanto à forma, verifica-se que o elemento chave do título mais referenciado é a vítima, em 49,5% (N = 99) dos casos, seguido do agressor, em 31,1% (N = 63) das situações. Enquanto os títulos informacionais primários dão conta da natureza e da gravidade do crime [«Degola mulher e vai ver televisão» (CM2012_04_012)5], os títulos informacionais secundários6 são mais detalhados, explicando as motivações e apresentando elementos identificativos das partes [«António Marques, 79 anos, não conseguia lidar com os ciúmes. Deu um tiro na cara de Maria Augusta, 75, e pôs fim à vida num barracão junto à casa» (CM2012_05_014)].
Em relação à chamada de capa7, em 51% (N = 102) dos casos, o CM apresenta as notícias de femicídio em manchete8. Em 40,5% (N = 81) dos casos, ocupam um quarto da página.
A principal fonte de informação referenciada é a Polícia, em 90% (N = 180) dos casos, como apontam Carlyle et al. (2008) e Wozniak e McCloskey (2010), seguindo-se os/as cidadãos/ãs em 36,5% (N = 73). Estes/as são a principal fonte de informação citada, em 43,5% (N = 87) das notícias.
A maioria das notícias (79,5% – N=159) é acompanhada de imagem. Em 18% (N = 36) dos casos com imagens da vítima, do agressor, da polícia e dos bombeiros, em 17% das situações (N = 34) da vítima, dos bombeiros, da Cruz Vermelha, da polícia e/ou familiares e em 12,5% (N = 25) dos casos as imagens são alusivas à vitimação.
Observa-se que em 45% (N = 90) das notícias o crime foi consumado e em 55% (N = 110) foi perpetrado na forma tentada. Em 13,5% (N = 27) dos casos o agressor consumou o suicídio e em 9,5% (N = 19) verificou-se a tentativa. No que concerne à relação entre femicídio e suicídio consumado, esta existe em 11,5% (N = 23) dos casos. Em 3,5% (N = 7) dos casos houve tentativa de femicídio e tentativa de suicídio do agressor.
Em 39,5% (N = 79) dos casos, foram usadas armas de fogo, seguindo-se as armas brancas em 38,5% (N = 77) dos crimes. É de salientar ainda que 21 mulheres foram brutalmente assassinadas, o que corresponde a uma percentagem de 10,5% [«Convencido de que a vítima já estava morta, foi a casa buscar uma pá para a enterrar. Mas, quando voltou, a jovem ainda respirava. Ele bateu-lhe com a pá na cabeça» (CM2012_09_034, R1)].
Quanto aos motivos para a prática do crime, destacam-se os ciúmes, a obsessão, as razões passionais e/ou de vingança em 31,5% (N = 63) seguindo-se as altercações e as discussões em 24% (N = 48) dos casos. A não aceitação da separação surge em 19,5% (N = 39) das notícias como o elemento que esteve na base do crime.
As vozes sociais por detrás das narrativas mediáticas sobre o femicídio na intimidade: análise qualitativa
No que concerne às representações das vítimas, identifica-se uma tendência para a culpabilização, a estereotipificação e a rotulagem social. A conduta das vítimas é, muitas vezes, questionada, deixando dúvidas ao/à leitor/a sobre a sua idoneidade [e.g., «ela andava sempre bem-disposta e vendia felicidade» (CM2013_09_032, R1), «Eu ouvi dizer que eles estão separados. O que lhe digo é que isto, hoje em dia, é uma pouca vergonha. Estão hoje com um e amanhã já anda com outro» (CM2013_04_011, R2)]. As narrativas analisadas parecem contribuir, assim, para a desresponsabilização dos agressores e/ou minimização da culpa.
As notícias focam-se mais na justificação do ato pelos agressores do que propriamente na história de vitimação, enfatizando o arrependimento [«O marido, antes de crime, foi justificar-se. Saiu a chorar e a pedir desculpa pelo que tinha acontecido. Depois foi para casa e aconteceu o que aconteceu. É triste» (CM2011_06_006, R1)]. Não raras vezes, as notícias sugerem uma dupla representação do crime: ou o femicídio se trata de uma inevitabilidade, que, por isso, está fora do alcance das autoridades ou da ação de terceiros, ou o femicídio se trata de uma imprevisibilidade [«Porque é que ele fez isto?», «Ninguém percebe as razões para tamanha brutalidade» (CM2011_08_020, R1)], apesar de os indícios de violência previamente existentes. É patente, pois, a influência das crenças sociais conservadoras sobre a família e o casamento, alimentando-se o silêncio social em torno da violência na intimidade9.
As vítimas provocadoras e/ou negligentes
Nas narrativas mediáticas do CM, é possível identificar um discurso generalizado de culpabilização das vítimas, motivado pela conduta destas. Assim, elas são frequentemente caracterizadas como provocadoras ou negligentes. No caso dos/as vizinhos/as, por exemplo, as vítimas são muitas vezes responsabilizadas pela sua atitude em relação aos agressores [«Ela andava mesmo a provocá-lo e o homem perdeu-se», «era má para ele» (CM2014_05_043, R1)], bem como pela sua recusa em pedir ou aceitar ajuda [«Ouvíamo-la a berrar e víamos negras no corpo mas ela dizia que tinha caído» (CM2011_07_015, R1)]. Esta última perspetiva parece ser corroborada pelas autoridades policiais [«De acordo com a PSP, a mulher nunca apresentou queixa contra o marido por violência doméstica» (CM2011_06_012, R1)] e pelas famílias das vítimas [«a minha irmã nunca fez queixa porque tinha pena dele. Os filhos queriam-no internar, mas ela nunca deixou» (CM2011_09_021, R2); «Ele já dizia há muito tempo que qualquer dia a matava, que dava cabo dela, mas ela não ligava, achava que era a brincar» (CM2014_01_001, R1)].
Os agressores temperamentais e/ou com psicopatologia
Os agressores são, em muitas peças noticiosas, apontados como culpados, sobretudo pelas vítimas que foram alvo de femicídio na forma tentada [«Vivi os piores dias da minha vida. Ele é um animal, queria matar-me» (CM2011_06_011, R1)] ou pelos/as seus/suas familiares e vizinhos/as [«Todos lhe reconheciam alguns problemas mentais, que o levavam a participar em episódios que o marido repudiava» (CM2011_05_006, R1)]. A culpa aparece associada ao temperamento dos agressores, à existência de problemas mentais ou ao ciúme [«Sempre a tratou muito mal, era mau para ela, estava sempre a ameaçar que a matava» (CM2011_09_021); «A Tânia não traiu o meu pai, não acredito. Ele disseme que descobriu uma carta. Mas onde é que está, afinal? Só acredito no que vejo. Ele matou-a por ciúmes» (CM2014_07_060, R1); «Ele é um homem muito perigoso» (CM2014_05_042, R1); «Era uma pessoa doente, que não andava bem da cabeça e tomava muitos medicamentos» (CM2013_09_032, R1); «Ele tinha problemas mentais e até ia a uma consulta hoje (ontem) à tarde. Mas era um bom homem, tratava bem a mulher e nunca teve atitudes violentas» (CM2011_05_010, R2); «Ele dizia-nos muitas vezes que se ia matar e que a matava também» (CM2013_02_002, R1); «Segundo o mesmo familiar de Jerónimo, Lídia era alvo de várias ameaças por parte do ex-marido, muitas delas por telefone (CM2014_11_071, R1); «Ele só me respondeu: Ela é minha mulher e traía-me. Eu tinha de a matar» (CM2013_08_029, R1); «ficava furioso se a visse a falar com outro homem na rua ou telemóvel. Não gostava nada disso, achava que era dono dela» (CM2014_12_080, R1)).
Há ainda algumas notícias que justificam o comportamento dos agressores a partir dos consumos excessivos de álcool [«tem antecedentes relacionados com violência doméstica e os vizinhos dizem que era conflituoso, sobretudo sob efeito de álcool. Quando bebia era violento, Já lhe tinha batido várias vezes. Ainda esta semana ela foi ao café com olho todo negro» (CM2014_05_044, R1), «O excesso de álcool e os ciúmes são apontados com alguns dos motivos que levaram Adelino Águas a cometer as violentas agressões» (CM2013_07_024, R5)].
A cronicidade da violência e as vizinhanças permissivas
Muitos dos casos de femicídio na intimidade surgem na sequência de histórias crónicas de violência que pareciam ser do conhecimento geral, sobretudo da vizinhança [«Segundo os vizinhos, uma relação "problemática". Eles discutiam muito, mas nunca pensámos que ele tivesse coragem para uma coisa destas» (CM2011_09_027, R1); «Os vizinhos disseram aos agentes que estavam no local que era comum haver várias discussões dentro de casa» (CM2013_07_027, R1); «Ouvi-os discutir. Ele disse «está calada, senão espeto-te um pau pela garganta abaixo!» Ela só pedia que ele a deixasse em paz»; «que também já conhecia de cor as cenas de violência» (CM2012_03_007, R1)]. Apesar de reconhecerem a violência e, em alguns casos, identificarem o risco associado, os vizinhos parecem assumir uma postura de distanciamento para com as vítimas e, por vezes, de conivência social para com os agressores.
A responsabilização do sistema
Na maior parte dos casos de femicídio relatados nas notícias, as autoridades já tinham registos formais e informais de episódios de violência antes do acontecimento [«A vítima já tinha apresentado queixa na PSP de Bragança, em Junho, por violência doméstica» (CM2014_07_016, R1); «Ainda assim, não houve intervenção no momento, culminando com a morte da mulher»]. Também é sugerido, por vezes, o envolvimento do agressor noutro tipo de crime: «o homem, que já tinha sido condenado por furto» (CM2011_05_007, R1).
A ausência ou a falha na intervenção por parte do sistema e/ou a dificuldade de resposta surgem como razões explicativas para a ocorrência dos casos. «Aqueles que deviam tê-la protegido não o fizeram, depois de várias queixas na GNR por violência doméstica» (CM2014_02_007, R1); «a mulher tinha já apresentado duas queixas contra o marido, nos últimos meses. Os episódios de violência são frequentes, mas ontem o homem foi mais longe e deu várias facadas no braço da vítima» (CM2012_04_010, R1).
Quando existe intervenção, verificam-se contudo muitas limitações na sua implementação e eficácia. São noticiados casos em que o femicídio se dá após o cumprimento de pena [«O marido saiu em liberdade, com a pena de 18 meses suspensa, até que, na passada segunda-feira, a assassinou com golpes da catana» (CM2013_07_025, R1)], mas também durante a execução da pena ou medida de coação
«O homem até usava uma pulseira eletrónica, que emitia um sinal às autoridades quando se aproximava da ex-mulher – mas ontem, porém, conseguiu cortar o dispositivo e esperou-a junto ao trabalho, disposto a matá-la. Sem hesitar, disparou contra os pneus do carro e contra a vítima, atingindo-a de raspão na cabeça» (CM2014_03_010, R1).
«Apesar dos avisos para as violações da medida de coação – estava sujeito a pulseira que apitava assim que se aproximava da ex-mulher –, o Ministério Público não mandou deter Manuel Pinto Baltazar, 59 anos» (CM2014_04_025, R1).
É de salientar, porém, que são apresentados igualmente casos em que existe uma intervenção imediata por parte das autoridades policiais no momento em que a violência é denunciada: «Rápido. Vamos levá-la daqui. Ele já matou duas e você é a próxima já a seguir» (CM2013_06_021, R1); «Os militares da GNR parti-ram para o terreno na sequência de uma denúncia, que dava conta de que a mulher era vítima de violência doméstica» (CM2013_10_041, R1).
As reações ao crime por parte dos/as diferentes intervenientes
No que concerne às reações das vítimas face ao crime, as notícias referem que na maior parte das vezes estas expressavam medo dos agressores [«ela confessou que estava com algum receio. Dizia que o marido andava muito alterado», «Ando sempre cheia de medo» (CM2011_09_021, R1)], vergonha pela situação em que se encontravam [«Há anos que era vítima de violência doméstica, mas a vergonha nunca a deixou queixar-se» (CM2012_07_023, R1)], mas ao mesmo tempo também pena dos companheiros [«Ele tinha um feitio muito complicado, mas a minha irmã nunca fez queixa porque tinha pena dele. Os filhos queriamno internar, mas ela nunca deixou» (CM2011_09_021)].
Em alguns dos casos noticiados, sobretudo em momentos de «desespero» e de «agressões violentas diariamente» por parte dos agressores, as vítimas pediram auxílio aos filhos/as, familiares, vizinhos/as e autoridades [«Quando já não aguentava mais, fui à varanda em desespero gritar por socorro» (CM2011_06_011, R1); «Mesmo agredida com três catanadas – na mão, cabeça e peito – Luísa ficou consciente. Chamou o filho e o socorro» (CM2011_12_032, R1)] e/ou tentaram proteger-se através da defesa da integridade do seu corpo ou da fuga [«A vítima tentou defender-se, mas tudo o que conseguiu foi alcançar a porta da rua e fugir para casa dos vizinhos, a quem pediu ajuda» (CM2014_08_001, R1); «Ao ver o excompanheiro a sair do carro de pistola em punho, Filomena ainda tentou fechar o vidro, mas já não conseguiu evitar os dois tiros disparados em direção à sua cabeça» (CM2013_10-037, R1)].
No que diz respeito às reações dos agressores antes do crime, constatamos que alguns avisaram os/as filhos/as ou familiares da vítima de que iriam assassiná-la [«Antes de matar Maria Glória, o homicida ligou ao filho a dizer que ia cometer o crime junto à igreja de S. Paio de Oleiros» (CM2011_08_019, R2)]. Após o crime, as reações dos agressores podem dividir-se, grosso modo, em dois grandes grupos: (i) os que assumem o crime e (ii) os que recusam ter cometido o crime. Dentro do primeiro grupo, encontram-se os agressores que confessam o crime e põem-se em fuga das autoridades [«”Cuidem da minha neta. Acabei de matar a minha mulher” e pôs-se em fuga» (CM2011_03_003, R1)], os que ameaçam cometer suicídio [«Após matar a mulher, Armando foi a pé até à aldeia vizinha de Alfonge, onde confessou aos populares que matara Ermelinda e ameaçou atirar-se a um poço» (CM2011_05_010, R1)], os que optam por entregar-se às autoridades [«chamou o INEM e polícias para se entregar. Bastante colaborante, contou calmamente como tudo se passou e mostrou logo o local onde tinha guar-dado a faca, já lavada» (CM2011_09_025, R1)], os que demostram sentimentos de arrependimento pelo ato [«Deixa-me, a minha vida está perdida. Não me denuncies à GNR» (CM2014_04_028, R1)] e os que aceitam a culpa [«Sei que tenho de pagar pelo que fiz» (CM2014_05_045, R1)]. No segundo grupo, dos que recusam ter cometido o crime, encontram-se agressores que negam as acusações [«Confrontado com as acusações, o homem negou e chegou a ameaçar a vítima com uma faca» (CM2011_11_029, R1)], outros que alegam não saber o que se passou [«o homem disse às autoridade que não se lembrava de nada do que tinha acontecido, mas que ao acordar se deparou com a mulher morta e decidiu ir ter com a polícia» (CM2014_05_044)], e outros ainda que encenam e reescrevem a história do crime [«Disse que não era sua intenção agredir a mulher, justificando que escorregou e caiu para cima dela, atingindo-a com a faca que segurava» (CM2012_09_028, R1)].
Em alguns casos particulares existem agressores que, depois de cometer o crime, prestaram socorro à vítima [«Foi o próprio marido que, depois do ataque, levou a mulher ao Centro de Saúde de Monção» (CM2011_07_014, R1)] ou pediram socorro [«Ele apareceu aqui aos gritos a pedir ajuda. Dizia: “Chamem os bombeiros que a Fernanda está desmaiada”» (CM2013_03_007, R1)].
O «estado de choque», de surpresa e de incredulidade face ao sucedido é várias vezes citado tanto pelos/as familiares como pelos/as vizinhos das vítimas, apesar do conhecimento prévio da situação de vitimação [«Vi logo que ele era malandro, nunca pensei é que fosse assassino» (CM2011_08_018, R1); «A família está em choque e não percebe o que aconteceu. Ultimamente achava-o muito estranho» (CM2012_03_004, R1); «Inconformado, começou a agredir a mulher […] Chamava-a deficiente por ela ter retirado um peito, devido a um cancro» (CM2013_05_016, R1)].
As estratégias de intervenção que os familiares e vizinhos utilizam para prevenir o femicídio passam, numa fase anterior, pela tentativa de prevenção do crime [«os vizinhos ligaram a Patrícia a avisar para que se encontrasse o pai que fugisse dele, porque receavam que José Dinis pudesse matar mais alguém» (CM2011_08_020, R1)], e, numa fase posterior, pela tentativa de remediação do problema [«tentou interceder, mas foi ameaçado. Eu pensei que fosse um assalto, mas quando vi o sangue assustei-me e perguntei-lhe o que tinha feito. Ele só me respondeu: Ela é minha mulher e traía-me. Eu tinha de a matar» (CM2013_08_029, R1)].
Considerações finais
O femicídio é um dos fenómenos que mais tem vindo a ser analisado pelas Ciências Sociais nas últimas décadas (Boira et al. 2015). Este estudo, em particular, permitiu-nos fazer uma aproximação à realidade do femicídio na intimidade e, concomitantemente, compreender os discursos mediáticos sobre o crime produzidos pelo Correio da Manhã. É evidente a magnitude deste flagelo em Portugal, bem como a severidade da violência com que habitualmente é praticado, muitas vezes com recurso a armas (Campbell et al. 2007; Almeida 2012; Agra et al. 2015), enredando nas suas dinâmicas não apenas as vítimas, mas também familiares (Pagelow 1984; Branco 2007; Caridade 2011).
Muito embora a visibilidade, a profundidade e o destaque das notícias tenham vindo a aumentar nos últimos anos, humanizando-se a presença dos agentes envolvidos na dinâmica criminal, particularmente a das vítimas, o facto é que estas tendem a ser caracterizadas como provocadoras ou negligentes, reforçandose a sua culpabilização e, por consequência, a desresponsabilização dos agressores. Tal como sugere Taylor (2009), os elementos que servem o propósito do julgamento moral das vítimas, geralmente promotores da sua condenação social, são exacerbados em detrimento de outros que poderiam servir para um melhor entendimento em torno dos mecanismos estruturais que legitimam a violência.
A introdução do tópico «femicídio na intimidade» na agenda mediática não corresponde assim à desocultação do problema da violência contra as mulheres a partir de um enquadramento de género, como seria expectável, tendo em conta a conceptualização política e social, nacional e internacional, que as instâncias governamentais e não-governamentais têm vindo a fazer do fenómeno.
A estereotipagem e a rotulagem das mulheres, processos fortemente marcados pela herança da ordem de género (Connell 1995), sugerem uma visão centrada nos défices das vítimas, bem como nas suas incapacidades pessoais e sociais para cumprir os papéis que socialmente lhes estão destinados, inclusivamente o de resistir e pôr cobro à vitimação de que são alvo. Aliada a esta visão, os media alimentam uma outra, orientada para a empatia para com os agressores. Ora retratados como sujeitos temperamentais, portadores de patologias ou dependentes de álcool e outras substâncias, ora caracterizados como adultos expostos a traumas infantis ou homens feridos na sua dignidade masculina, os femicidas figuram frequentemente nas notícias como aqueles que cedem ao imediatismo, à impulsividade e ao descontrolo, o que parece mitigar a sua culpa e atenuar a sua responsabilidade. Tal leitura é suportada pelos depoimentos dos vizinhos e das autoridades policiais que exibem uma postura de justificação e, por vezes, de resignação perante o comportamento dos agressores.
De acordo com os resultados da análise das notícias, verificamos que um dos motivos principais para a prática do femicídio é o ciúme (Almeida 2012), a par de uma conceção tradicional da família e das relações sociais de género. Sendo estes considerados fatores de risco para a prática deste crime, é imperativo que as narrativas mediáticas sejam construídas à luz dos princípios da formação e da informação, ou seja, dando relevo a elementos que possam munir as vítimas de ferramentas de prevenção e de procura ativa de apoio. A utilização de uma abordagem centrada nas vítimas, através da promoção do empowerment e da segurança, é recomendável, assim como a diversificação das fontes e a inclusão de visões cientificamente fundamentadas de especialistas da área.
Na realidade, a reação dos/as vizinhos/as, que confessam muitas vezes ter conhecimento das histórias de violência na intimidade, parece revelar a presença de uma dupla representação do femicídio, a qual assenta num aparente paradoxo. Por um lado, a ideia da sua inevitabilidade, a qual facilita a identificação do risco e, em alguns casos, motiva a procura de ajuda; por outro lado, a tese da sua imprevisibilidade, que faz com que diante da consciência do risco, se subestime a sua gravidade, isto é, o seu potencial de letalidade e não se aja no sentido da denúncia.
O provérbio popular «Entre marido e mulher, ninguém mete a colher» parece, pois, aplicar-se a alguns/algumas cidadãos/ãs que consideram ainda ser esta uma questão do foro privado. A ineficácia do sistema aos mais variados níveis, somada a este descomprometimento social, deixa as vítimas numa situação de vulnerabilidade acrescida.
Entendemos que estudos desta natureza estimulam a compreensão dos discursos sociais sobre o crime e as suas implicações nas representações e práticas quotidianas. No futuro, seria pertinente desenvolver estudos comparativos usando-se diferentes meios de comunicação (e.g., televisão, rádio), com o intuito de perceber se existem diferenças nos discursos mediáticos, quer na forma, quer nos conteúdos.
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Notas
Sofia Neves. Professora Auxiliar e investigadora no Instituto Universitário da Maia (ISMAI) e membro integrado do Centro Interdisciplinar de Estudos de Género (CIEG, ISCSP-ULisboa). O seu principal interesse é a Violência de Género, tendo sido reconhecida como perita na área pelo European Institute for Gender Equality, em 2013.
Sílvia Gomes. Investigadora de pós-doutoramento (SFRH/BPD/102758/2014). É investigadora integrada no Centro Interdisciplinar em Ciências Sociais – Polo da Universidade do Minho (CICS-UMinho) e professora auxiliar convidada do Instituto Universitário da Maia. O seu trabalho de investigação está relacionado com os media e crime, criminalidade, desigualdades sociais, etnicidades, género, reinserção no pós-reclusão, reincidência e desistência criminal.
Dircelena Martins. Licenciada em Psicologia e mestre em Psicologia da Justiça pelo Instituto Universitário da Maia (ISMAI). A sua tese de Mestrado versou sobre a relação entre o femicídio na intimidade e as narrativas mediáticas da imprensa escrita portuguesa.
1 A imprensa popular ou «tabloide» é aquela que concede relativamente pouca importância à política, economia e sociedade e uma importância relativamente maior a diversões, a escândalos e a entretenimento popular; além disso, dá uma atenção particular a aspetos da vida pessoal e privada das pessoas (Sparks in Carvalho 2007). No campo jornalístico, o CM representa o pendor mais «comercial», privilegiando as notícias «sensacionalistas» (Bourdieu 1994) e, como tal, recorre a uma linguagem coloquial em que o vocabulário enfatiza o emocional e o implícito (Katz 1987). Igualmente, na imprensa popular, a tendência para abordar temáticas ligadas à criminalidade é superior (Carvalho 2007; Gomes 2013).
2 Segundo a Associação Portuguesa para o Controlo de Tiragem e Circulação (APCT), o CM é o jornal com maior tiragem a nível nacional. Este disponibiliza um mapa nacional de homicídios (http://www.cmjornal.xl.pt/mortes_violentas.html).
3 A grelha de registo poderá ser consultada em Martins (2015).
4 Nos restantes 76% dos casos, não era dada informação sobre a situação das vítimas.
5 Adotou-se uma codificação das peças noticiosas por ano, mês e número da notícia.
6 Os títulos informacionais são fundamentais para se ter uma primeira ideia do conteúdo da notícia. Segundo Lorenzo Gomis (in Carvalho 2007, 57), os títulos das notícias cumprem três objetivos: anunciar e resumir a informação contida na notícia, persuadir do interesse do seu conteúdo e serem inteligíveis por si próprios, sem que o/a leitor/a tenha de ler a notícia para conhecer o seu conteúdo. Podem existir dois níveis de titulação: o primeiro título – título informacional primário –, geralmente mais curto, focando o considerado mais importante, e o segundo título – título informacional secundário –, geralmente mais comprido que o anterior e que o complementa.
7 A chamada de capa é a referência breve a notícias consideradas importantes na edição do jornal na primeira página – capa do jornal (Caleiro 2008).
8 A manchete corresponde ao título principal da primeira página, sendo o mais importante dos títulos do jornal (Caleiro 2008).
9 Recorde-se que a violência doméstica é um crime público em Portugal desde o ano 2000.