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Ex aequo
versão impressa ISSN 0874-5560
Ex aequo no.37 Lisboa jun. 2018
https://doi.org/10.22355/exaequo.2018.37.01
DOSSIER: A «IDEOLOGIA DE GÉNERO» E A RELIGIÃO
A «ideologia de género» da Igreja Católica
Carmen Bernabé Ubieta*, Fernanda Henriques** e Teresa Toldy***
* Facultad de Teología, Universidad Deusto, 48080, España. Endereço postal: Facultad de Teología, Universidad de Deusto, Apdo. 1. 48080 Bilbao. España.
Endereço eletrónico: bernabecarmen@gmail.com
** Universidade de Évora. Endereço postal: 2, Largo dos Colegiais, 7000 Évora. Portugal.
Endereço eletrónico: maria.mariafern@gmail.com
*** Universidade Fernando Pessoa, 4249-004 Porto/Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, 3000-995 Coimbra, Portugal. Endereço postal: Centro de Estudos Sociais, Colégio de S. Jerónimo, Apartado 3087. 3000-995 Coimbra, Portugal.
Endereço eletrónico: toldy@ces.uc.pt
A categoria de «género» é, desde o início da sua utilização, polémica. Isto é verdade tanto no quadro mais diretamente ligado aos ativismos feministas, como no contexto de ativismos antifeministas. O conflito entre interpretações sobre a validade ou o caráter nefasto da categoria de «género» é também visível no contexto académico: ela tanto é encarada como uma categoria analítica imprescindível para os estudos feministas, como é considerada um obstáculo para o desenvolvimento destes. As próprias teóricas do género têm perspetivas diferentes sobre o sentido e a oportunidade de tal categoria (Butler 1990; Braidotti 2004; Butler et al. 2007; Scott 2010).
Acontece, contudo, que, no fim da década de 1990, a expressão ideologia de género tem sido usada nos discursos da Igreja Católica como sinónimo de degradação da natureza do feminino, nefasta para as mulheres e, de alguma maneira, contrária a um são ponto de vista cristão. Esta visão, explicitada, por exemplo, em documentos como a «Carta aos bispos da Igreja Católica sobre a colaboração do homem e da mulher na Igreja e no mundo», da responsabilidade de Joseph Ratzinger, enquanto Prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé (doravante CDF), publicada em 2004 (CDF 2004), é demonstrativa, por um lado, de um ataque cego a um debate cujos contornos parecem não ser, sequer, conhecidos (não existe qualquer referência a autoras e autores que escrevem sobre as questões de género), como, por outro lado, da própria ideologia de género produzida pela Igreja há milénios.
De facto, o discurso dos documentos oficiais da Igreja Católica é, ele próprio, revelador de uma posição ideológica de poder face às mulheres – uma perspetiva construída que reivindica corresponder à «essência da mulher», definida de acordo com um plano transcendente inalterável e prescritivo (Bracke e Paternotte 2016; Graff 2016; Perintfalvi 2016) que inscreve a subalternidade das mulheres em relação aos homens na própria simbólica da relação entre Deus e os seres humanos, bem como entre Cristo e a Igreja. A partir do momento em que se estabelece um paralelo entre Deus fiel e o povo de Deus, identificando simbolicamente este último com uma mulher infiel, se não mesmo, por vezes, com uma prostituta, enuncia‑se esta assimetria entre os homens (identificados com Deus) e as mulheres (identificadas como «infiéis a Deus») enquanto imagem decorrente de um contexto patriarcal assumido e integrado para «explicar» a relação de Deus (homem, esposo) com o povo e a Igreja nos seus momentos de infidelidade a Deus.
Ora, a legitimação última desta distinção assimétrica é colocada no próprio plano de Deus, plano esse inscrito no corpo das mulheres, na sua «capacidade física de dar a vida» (CDF 2004, número 13). E toda a sociedade (note‑se a transposição de argumentos teológicos e teo‑biológicos para argumentos de estruturação da própria sociedade) deverá organizar‑se de forma a que as atividades públicas das mulheres (isto é, o seu trabalho na esfera pública) se coadunem com aquilo que se considera serem «as exigências da missão da mulher no seio da família» (número 13). Esta adequação, segundo o documento, não deverá ser só «jurídic[a], económic[ a] e organizativ[a]», mas também de «mentalidade» e de «cultura» (número 13). O lugar que, verdadeiramente, é devido às mulheres é privado – é o da família, já que «é nesta que, em primeiro lugar, se plasma o rosto de um povo; [… que] os seus membros adquirem os ensinamentos fundamentais» (número 13). Cabe, pois, à mulher, nesta perspetiva, ser a principal reprodutora (no sentido físico e social) do sistema que a submete e da ideologia que a suporta, diríamos nós. Mais: cabe à mulher «deixar‑se converter e reconhecer os singulares valores, fortemente eficazes, do amor pelo outro, de que a sua feminilidade é portadora» (número 17).
Esta posição da Igreja Católica já ultrapassou o restrito âmbito religioso e confessional, uma vez que tem sido veiculada não só nos documentos do Vaticano ou das Conferências Episcopais de diversos países, mas também por grupos que fizeram da «crítica à ideologia de género» (identificada como o reconhecimento de que o género é uma construção social do sexo) uma militância com interferência na educação.1
Importa, por todas as razões apontadas, mostrar o logro em que a expressão «ideologia de género» assenta, tanto mais que o tratamento da questão do «género» tem vindo a adquirir uma relevância cada vez maior no contexto das teologias feministas de várias religiões, nomeadamente, das religiões monoteístas (por exemplo, Hussain 2015; Rivera 2015; Rahemtulla 2017).
Tendo como pressuposto que, mesmo nos Estados laicos, as simbologias religiosas desempenham um papel essencial para o estabelecimento de uma representação antropológica simétrica de mulheres e de homens (Toldy 2010; Henriques 2011; Henriques e Toldy 2012; Toldy e Santos 2014), é absolutamente relevante tratar da problemática de género também do ponto de vista dos discursos religiosos.
O presente número da ex aequo pretende, exatamente, debater esta questão e, de acordo com o respetivo apelo a contributos, pretendia‑se reunir um conjunto de artigos que permitissem uma análise aprofundada do tema, nomeadamente: (1) esclarecer a expressão «ideologia de género» e desconstruir os seus pressupostos, (2) constituir um quadro teórico que tratasse de diferentes perspetivas a categoria do «género», (3) cruzar criticamente as questões de «género» com a posição da Igreja Católica face à mesma e (4) apresentar criticamente políticas ou iniciativas existentes atualmente para uma «despolitização das escolas» focada na erradicação da chamada «ideologia de género». O conjunto de artigos agora publicados trata alguns dos temas que queríamos analisar, mas, infelizmente, não todos.
Foram selecionados seis artigos, cinco em castelhano e um em português do Brasil, três dos quais se debruçam diretamente sobre as problemáticas desenvolvidas em torno da criação da expressão «ideologia de género», dedicados essencialmente ao espaço espanhol ou da América do Sul, sendo os restantes três menos diretamente ligados ao tema, mas analisando, igualmente, formas de discriminação com base no género levadas a cabo pela Igreja Católica.
O primeiro texto do dossier, Las falacias discursivas en torno a la ideología de género, de Maricel Mena‑López e Fidel Mauricio Ramírez, como o título aponta, propõe‑se analisar a evolução do conceito «ideologia de género», bem como o seu impacto, embora circunscrito aos «fundamentalismos religiosos colombianos e latino‑americanos ».
Para cumprir os seus objetivos, o texto faz um ponto da situação em relação ao tema da ideologia de género, mostrando a sua emergência no quadro da resposta do Vaticano aos movimentos gerados pela Conferência Internacional sobre a População, de 1994, e a Conferência de Pequim, de 1995, e, também, o seu posterior desenvolvimento por setores conservadores da Igreja Católica que desenvolveram uma verdadeira cruzada contra a dita «ideologia de género», através do agitar dos fantasmas habituais: destruição da família e dos valores que a sustentam, bem como a corrupção da juventude e a ameaça do marxismo. Na sequência, Mena‑López e Ramirez analisam o impacto de todo este movimento na América Latina, com maior realce para a Colômbia, onde a cruzada contra a «ideologia de género» se vai entrosar com os interesses económicos e ideológicos instalados e que se aproveitam do poder social das igrejas para arregimentar adeptos. Por sua vez, as igrejas, sem qualquer discernimento teórico, deixam‑se aliar às forças sociais conservadoras que, pelo menos no momento, lhes servem para reafirmar as suas velhas posições sobre a assimetria antropológica.
Da leitura do texto, fica a convicção da nebulosa que toda esta temática originou e como a opacidade da situação pode representar um retrocesso em relação ao modo como, em algumas zonas do globo, pelo menos, aquilo que parecia serem direitos adquiridos sobre as representações sociais do que é ser mulher pode estar, de novo, em risco. Não sem razão, o texto pergunta a determinada altura: «Por todo lo dicho, la pregunta que nos surge desde la actual coyuntura colombiana es ¿cómo construir paz, si las iglesias cristianas, como principales garantes de la misma, están promoviendo una verdadera guerra discursiva?»
Com o segundo texto, «Ideologia de gênero» e a política de educação no Brasil: Exclusão e manipulação de um discurso heteronormativo, de Priscila Freire, continuamos no mesmo espaço geográfico, agora com incidência no Brasil e no processo educativo.
O texto explora a polémica em torno da terceira versão da Base Nacional Comum Curricular, de dezembro de 2017, nomeadamente sobre o tema de género e orientação sexual, para evidenciar a mesma convergência, ressaltada pelo texto anterior, entre os setores mais conservadores da sociedade e das igrejas cristãs que esquecem divergências em nome de uma estratégia de luta contra a temática de género. A autora procura um quadro mais alargado de compreensão desta cruzada, pelo que o objetivo do artigo «explora como a manipulação do discurso ‘ideologia de gênero' apresenta um olhar de estranhamento para aquelas e aqueles que não se ajustam à norma heterossexual voltada para a reprodução e como esse olhar, também excludente e ideológico, está presente no documento da Base Nacional Comum Curricular». Nesse contexto, Priscila Freire faz um percurso teórico e histórico para explicitar a sua tese sobre a importância da heteronormatividade do género e de como o processo da sua imposição institucional e simbólica corresponde a um modo de olhar, de violência e de exclusão, sobre as diferenças que facilmente são assimiladas a desvios e perversões que põem em risco a segurança dos valores apresentados como figuras do bem ou da verdade. Por outro lado, a autora vai demonstrar que essa perspetiva ideológica e normalizadora ficou inscrita no documento final da Base Nacional Comum Curricular, tendo conseguido retirar toda a referência à temática de género e à sexualidade na educação.
La disputa del género en el Estado español desde el análisis del activismo católico, de Maribel Blázquez‑Rodríguez, Mónica Cornejo‑Valle e José Ignacio Pichardo‑Galán, é o terceiro texto do dossier, querendo acentuar
cómo hoy en día el género es un concepto político en disputa en nuestra sociedad, ya no tanto en el interior de la teoría feminista sino entre ciertos grupos contrarios al reconocimiento de los derechos de las mujeres y del colectivo LGTB.
O seu universo de análise é a sociedade espanhola, que tem incorporado a perspetiva de género na vida social e desenvolvido políticas de igualdade em diferentes dimensões. Nesse sentido, o texto procura articular três aspetos da questão: (1) descrever a situação espanhola sobre as temáticas da igualdade e dos direitos LGBT, apresentando‑os como dimensões institucionalmente integradas e politicamente desenvolvidas, (2) mostrar o discurso da «ideologia de género» como reação a esta situação político‑social e (3) identificar a posição de alguns católicos com um olhar crítico em relação ao dito discurso da «ideologia de género».
Embora Maribel Blázquez‑Rodríguez, Mónica Cornejo‑Valle e José Ignacio Pichardo‑Galán assinalem que a partir de 2011, com a tomada de posse do governo do Partido Popular a palavra género tenha começado a ser eliminada de todos os documentos oficiais e equivalentes, sendo substituída por mulheres ou igualdade, é na pastoral da Conferência Episcopal Espanhola, La familia, santuario de la vida y esperanza de la sociedad, de 2001, que se denuncia o perigo da «ideologia de género», que, por um lado, é apresentada como algo importado e não próprio da cultura espanhola, e, por outro, é acusada de querer impor uma liberdade sexual sem limites, bem como o direito a escolher o modelo de família a adotar e as uniões homossexuais.
O texto refere dois aspetos essenciais desta temática e que os textos anteriores também tinham posto de manifesto: por um lado, a exploração do termo «ideologia » na expressão «ideologia de género» para acordar no público em geral velhos medos e velhas recusas aos marxismos, e, por outro, semear aquilo que alguma sociologia chama «pânico moral», através do fantasma da desordem dos valores da família e afins.
Os três últimos textos deste dossier, como já se disse, não respondem diretamente ao desafio temático lançado. A sua inclusão nele prende‑se com o facto de eles ilustrarem a amplitude da discriminação sobre as mulheres feita pelo cristianismo, de que o caso da «ideologia de género» é apenas um momento.
Salvando las ánimas. Discursos de Género y religión en las revistas de la Acción Católica Española, de Sara Martín Gutiérrez e de Gabriela de Lima Grecco, mostra, realmente, como a Igreja Católica manipulou uma «ideologia de género» assente numa leitura dogmática dos textos sagrados e erigiu em paradigma natural um constructo sociocultural – decorrente de interesses muito amplos, nomeadamente, o direito de propriedade –, como é o caso da designada «família natural», paradigma esse que necessita da aceitação acrítica de que as mulheres são, naturalmente, mães e esposas porque esse é o desígnio divino.
As autoras propõem‑se analisar o par «género‑religião » a partir de três revistas femininas editadas pela Ação Católica Espanhola, entre 1940‑1950, mais especificamente, «Volad. Revista de las Muchachas Inteligentes, dirigida a las jóvenes católicas; Para Nosotras. Revista para Obreras, destinada a las trabajadoras; y Ecclesia, orientada a un público más amplio, a mujeres y hombres católicos.»
O texto assinala duas coisas essenciais, a saber, a associação direta entre a Igreja Católica e o franquismo, tendo a Igreja assumido o papel do controlo da difusão dos valores convenientes e, entre eles, a sua conceção de género. Nesse sentido, «La Iglesia española actuó en dos frentes: por una parte, combatió la subversión del orden simbólico y, por la otra, colaboró con el Estado mediante el control de la vida de las personas en el ámbito privado.»
A despeito dos diferentes públicos a que se dirigia, a representação das mulheres e do feminino veiculada era a da doçura, da submissão e da entrega ao lar e aos filhos, contribuindo, decisivamente, para a menorização e a discriminação real e simbólica das mulheres.
Também o texto de Andrea Arcuri, Represión sexual y de género en la confesión: los manuales de confesores de la Edad Moderna (siglos XVI‑XVII), procura fazer uma incursão no passado, agora mais longínquo, pondo de manifesto a clara «ideologia de género» que o cristianismo praticou ao longo de séculos. Centrando‑se
na análise de manuais de confessores dos séculos XVI e XVII, a autora pretende experimentar a hipótese de que «a literatura confessional, em função do seu valor didático de doutrinação dos sacerdotes, [tenha sido] um instrumento prático para endurecer a condição subordinada das mulheres durante a Idade Moderna», tendo em vista que o sacramento da penitência foi um instrumento decisivo para a Igreja Católica controlar e padronizar os comportamentos sociais.
O texto inicia‑se, exatamente, com a explicitação da importância da confissão no quadro do catolicismo, lembrando o seu peso psicológico e acrescentando que «a raíz del Concilio de Trento, la confesión alcanza una importancia sin precedentes tornándose – junto a la Inquisición – en la punta de lanza de la confesionalización católica». A importância de conhecer os manuais dos confessores decorre da sua finalidade na orientação dos sacerdotes no decorrer do sacramento da penitência e, especialmente, na constituição do interrogatório que deveria ser feito a homens e mulheres, evidenciando que nele se manifestava um interesse específico pelas condutas sexuais e femininas.
O tipo de informações, conselhos e especificações que os ditos manuais patenteiam é de tal modo pormenorizado e invasivo da intimidade pessoal que, a determinada altura do texto, a autora afirma:
Ahora imaginemos el bochorno que sentía la penitente sometida a un interrogatorio en el que el ministro le preguntaba cuántas veces había pecado contra este precepto; el estado de la pareja; si tuvo tactos, besos, poluciones (despierta o durmiendo); si cometió actos sodomíticos o «bestiales»; si bailó provocativamente o envió billetes y cartas con la intención de pecar, si se perfumó con fines lujuriosos, si leyó libros «deshonestos », es decir todo un conjunto de preguntas dirigidas a investigar minuciosamente sobre las costumbres sexuales de cada feligrés.
Para além desta dimensão invasiva e controladora, o texto chama também a atenção para a representação das mulheres que esses manuais refletiam, considerando‑a a causa do pecado da luxúria por ser uma figura tentadora e de quem era necessário precaver‑se e fugir. Por outro lado, o contexto de análise do comportamento das mulheres estava totalmente subordinado aos homens e confinado à família, à maternidade ou à viuvez. Neste quadro, era reconhecido aos maridos o «direito de correção» das suas mulheres, ou seja, a possibilidade de lhes infligir castigos com finalidade pedagógica, para que elas «tengan reverencia y temor a sus maridos».
Das fontes consultadas, a autora salienta a obra de Bartolomeu de Medina como a mais rica em pormenores e também a mais misógina, dando conta evidente daquilo que designámos desde o início como a «ideologia de género» que a Igreja Católica difundiu desde há séculos.
Por sua vez, o texto que escolhemos para fechar este dossier, Intimidad humana: ciencias de la vida, neuroteología fundamental y ciberfeminismo, de Montserrat Escribano‑Cárcel, procura realizar um adentramento no futuro, centrando‑se na investigação da neuroteologia fundamental, que, como diz a autora, «es un espacio reflexivo donde se cruzan las neurociencias, los estudios religiosos, las tecnologías y las teologías». De uma maneira muito clara, Montserrat Escribano‑Cárcel explicita as três finalidades centrais do seu artigo, que são, (1) por um lado, chamar a atenção para a necessidade de se pensar teologicamente a partir dos caminhos abertos pela invasão das tecnologias da informação e da comunicação que revolucionam a forma tradicional de nos vermos, de vermos o mundo e de nos relacionarmos humanamente, e, portanto, de nos situarmos perante qualquer tipo de transcendência; (2) por outro lado, orientar esse pensar para o diálogo com as neurociências de modo a evidenciar que, embora com a novidade do prefixo «neuro», o seu paradigma continua a ser a clássica perspetiva masculinista que toma os modelos tradicionais como padrão, além de se desenvolverem, a outros níveis, em quadros paradigmáticos convencionais, como é o caso do dualismo corpo‑mente e da exclusão dos contextos culturais, sociológicos e históricos no campo da investigação; (3) finalmente, constituir uma instância crítica em relação ao imperialismo das neurociências que pode materializar‑se numa tecnocracia em relação ao humano e ao seu viver em comum, determinando decisões políticas perniciosas não só para as mulheres mas também para grupos mais vulneráveis.
Por isso, a autora insiste em que a necessidade de um pensamento neuroteológico fundamental não tem nada que ver com uma resposta terminológica, mas, sim, com a criação de uma racionalidade teológica crítica que enfrente e questione os marcos epistemológicos fundamentais manejados pelas neurociências e pelas biotecnologias, constituindo alternativas de resposta e de compreensão. Ou seja, o texto mostra que perante a mudança qualitativa que vivemos hoje, tanto pessoal como coletivamente, há que construir uma racionalidade teológica efetivamente nova e capaz de responder aos atuais desafios abertos pelas ruturas científicas e tecnológicas.
Referências bibliográficas
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Carmen Bernabé Ubieta
Profesora Titular de Nuevo Testamento en la Universidad Deusto, donde enseña desde 1990. Doctora en Teología. Estudios de especialización en Jerusalén y en USA. Directora de la Asociación Bíblica Española. Ha sido Presidenta de la Asociación de Teólogas Españolas (2010‑16). Directora de la colección Aletheia. Perteneció al Consejo de Redacción de Cuadernos Teología Deusto, colección que dirigió entre 2006‑2009. Autora de vários libros y artículos.
Fernanda Henriques
Professora Emérita da Universidade de Évora. Doutorada em Filosofia. Foi membro do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida. Cofundadora da Associação Portuguesa de Teologias Feministas. Últimas publicações: 2016: Filosofia e Género. Outras narrativas sobre a tradição ocidental (autora). Marginalidade e Alternativa. (co‑ed.); Feminist Explorations of Paul Ricoeur's Philosophy, (co‑ed.). 2015: «Philosophie et literature chez Paul Ricoeur» e «Kant – un des ‘proches' de Paul Ricoeur». 2013: Études Ricoeuriennes/Ricoeur Studies.
Teresa Martinho Toldy
Professora Associada com Agregação em Estudos Sociais na Universidade de Fernando Pessoa (Porto), onde leciona Ética. Doutorada em Teologia pela Philosophisch‑Theologische Hochschule Sankt Georgen (Frankfurt) e pós‑doutorada pelo Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, onde é investigadora e cocoordenadora do POLICREDOS. Presidente da Associação Portuguesa de Teologias Feministas. Com várias obras publicadas na área da religião e dos estudos feministas.
Nota
1 Veja‑se, por exemplo, «Do not mess with my kids: No to gender ideology» (https://www.dejusticia.org/en/do-not-mess-with-my-kids-no-to-gender-ideology/) e ainda «What is gender ideology » (https://www.youtube.com/watch?v=3LZUAaSNW2Q).