1. Introdução
A IV Conferência Mundial sobre a Mulher, em Pequim, colocou em pauta a discussão sobre a escassa presença (ou quase ausência) das mulheres nos espaços de tomada de decisão. Nessa conferência, realizada em setembro de 1995, foi firmada a Declaração de Pequim, assinada por 184 governos participantes, que se comprometeram a adotar medidas efetivas para o combate às discriminações e desigualdades relativas às mulheres. Esse evento alertou as lideranças globais para a importância da participação feminina em condições de igualdade nos processos decisórios como uma exigência básica de justiça e democracia, e também como uma condição necessária para que os interesses desse grupo sejam levados em consideração (Frossard 2006, 151-258).
É possível perceber que, durante esses 26 anos, tivemos um avanço no acesso das mulheres aos cargos eletivos. O percentual de cadeiras parlamentares ocupadas por elas passou de 11,7%, em 1996 (IPU 1997), para 25,5%, em 2021 (IPU 2021). Porém, esse avanço não tem se dado de maneira uniforme entre os países. Se pensarmos na América Latina, por exemplo, 26,2% da composição dos parlamentos é feminina. Mas, se fizermos o recorte para o Brasil, apenas 15,2% do Congresso é composto por mulheres, fato que faz o país ocupar a posição número 140 no ranking referente à maior representatividade de mulheres em cargos eletivos. Os cinco países que encabeçam a lista são: Ruanda, Cuba, Emirados Árabes, Nova Zelândia e México (IPU 2021).
Sabemos com certeza que a desigualdade de gênero na política é um fenômeno complexo que envolve uma série de fatores culturais, socioeconômicos e institucionais que agem de maneira combinada, resultando em diferentes cenários. Muitas pesquisas apontam que, entre as barreiras estruturais, a falta de financiamento é o maior impedimento da entrada feminina nas elites políticas (Burrel 1985; Sacchet e Speck 2012a; Speck e Mancuso 2014; Fraga e Hassell 2020; Janusz, Barreiro e Cintron 2021). Tal percepção é compartilhada pelas candidatas que colocam a falta de investimento em suas campanhas como um fator que diminui significativamente suas chances eleitorais (Sacchet e Speck 2012a; Carroll e Sanbonmatsu 2013).
Procurando amenizar essa dificuldade enfrentada pela grande maioria das mulheres, o Supremo Tribunal Federal (STF) determinou que os partidos políticos devem conceder no mínimo 30% do total recebido do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) às candidaturas femininas. Isto foi incluído no artigo 17 da Resolução do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) nº 23.607, que “[d]ispõe sobre a arrecadação e os gastos de recursos por partidos políticos e candidatos e sobre a prestação de contas nas eleições” (TSE 2019). A mesma Resolução, em seu artigo 19, estende a regra para os recursos do Fundo Partidário, quando destinados a campanhas.
Apesar de a destinação desse dinheiro público ter como intuito a promoção de mais mulheres nos cargos eletivos, a distribuição desses recursos fica a cargo das direções nacionais dos partidos, não havendo nenhuma diretriz que indique como esse montante deve ser dividido. Nesse sentido, este artigo busca entender em que medida os partidos políticos utilizam a distribuição de recursos financeiros como um meio de seleção informal de candidaturas que acaba por minar o fomento da participação política feminina.
Para isso, utilizamos dados da distribuição dos recursos públicos de campanha nas candidaturas para a Câmara dos Deputados, coletados no Repositório de Dados do TSE (TSE 2021). Por meio de técnicas de estatística descritiva e do índice de Gini, observamos que as campanhas analisadas apresentam um perfil concentrado, sem diferença entre os grupos, tanto de homens quanto de mulheres, de todos os partidos. Mas ao focarmos nos partidos que mais elegeram mulheres, vemos o peso dos fundos públicos nas campanhas femininas e como esse recurso ficou concentrado em poucas candidaturas, especialmente em quatro dos seis partidos que mais elegeram mulheres (PT, PSDB, PR e PP).
Colocadas essas informações, na próxima seção, apresentamos uma breve discussão da importância da participação política das mulheres. Na sequência, abordamos a relação entre os recursos financeiros e o desempenho eleitoral. Na terceira seção, propomos a utilização do índice de Gini como forma de mensurar a distribuição de recursos feita pelos partidos políticos, mencionando também a centralidade que esses atores ocupam na dinâmica eleitoral feminina. Passamos então para a apresentação e discussão dos resultados obtidos e finalizamos com nossas considerações.
2. Importância da participação política feminina
A participação das mulheres nos processos políticos, especialmente como candidatas, é uma indicação-chave do progresso em direção a formação de governos mais inclusivos e democráticos, sendo considerada um indicador da força de um determinado sistema democrático ou organização política (Cigane e Ohman 2014). Sendo assim, é necessária a inclusão de membros de diversos grupos sociais nas arenas de decisão política, para que as Casas Legislativas sejam compostas por perfis e preferências representativas da diversidade dos países.
Teóricos como Robert Dahl (1989) e Arend Lijphart (1999) consideram a inclusão política feminina como um dos indicadores da qualidade democrática de uma nação, e a ausência desse grupo nas esferas de tomada de decisão como o maior ponto falho das democracias representativas. Isso porque, na maioria esmagadora dos países, as mulheres representam mais de 50% do eleitorado, como é o caso do Brasil (Vieira 2020) e dos Estados Unidos da América (G1 2020). Logo, não seria estranho esperarmos que a participação desse grupo nos cargos eletivos girasse em torno desse percentual, o que não acontece. E é justamente essa discrepância entre a composição do eleitorado e do perfil do grupo que ocupa grande parte dos assentos nos parlamentos (Kist e Tanji 2015) que denuncia um limite claro das democracias ditas representativas.
A representação política pode ser basicamente entendida como descritiva, relacionada à identidade de quem ocupa o cargo, ou como substantiva, ligada ao conteúdo dos temas que são apresentados nos espaços decisórios (Pitkin 1967; Phillips 1995; Santos, Cerqueira e Cruz 2017). Trabalhando com a representação no seu sentido descritivo, entendemos que os espaços representativos deveriam funcionar como microcosmo da sociedade, sendo uma amostra da população. E que a proposta de adoção de mecanismos institucionais que possam criar mais espaços representativos para certos grupos historicamente excluídos, além de válida, é essencial (Mansbridge 1999).
Não ignoramos que a representação descritiva não garante uma lógica entre as vontades dos/as representantes e as dos/as representados/as, como bem coloca Pitkin (1967). Porém, podemos considerá-la um passo importante do processo, lembrando que ambos os tipos de representação, descritiva e substantiva, não são excludentes, mas sim complementares na busca de um sistema mais justo, que incorpore a presença e as ideias de diferentes grupos sociais (Phillips 1995).
Em suma, a severa sub-representação política feminina não só limita a diversidade dos parlamentos, como também contradiz um dos princípios da democracia representativa (Caul 1997). Robert Dahl (2009) afirma que, além da igualdade de voto, a democracia pressupõe igualdade de influência do processo decisório. E nesse sentido, o acesso aos recursos financeiros é um fator para maiores chances de sucesso eleitoral (Arraes, Amorim Neto e Simonassi 2017) e, consequentemente, de ingresso nas instâncias de tomada de decisão.
3. Acesso a recursos financeiros e desempenho eleitoral
Assim como a participação política feminina, a relação entre dinheiro e política é um tema delicado que ganha destaque nas pautas editoriais dos mais diversos meios de comunicação, debates legislativos e também nas agendas de pesquisas acadêmicas. Segundo Zovatto (2005), o financiamento político se tornou uma questão estratégica de toda a democracia e, devido à sua complexidade, também se transformou em uma “verdadeira dor de cabeça”.
A busca pelo voto em eleitorados cada vez maiores exige uma mobilização de dinheiro que permita aos partidos políticos se estruturarem, manterem-se ativos permanentemente, relacionarem-se com a sociedade civil e promoverem suas campanhas eleitorais. Sendo assim, os recursos financeiros são essenciais para as dinâmicas democráticas atuais, como é o caso das eleições (Nassmacher 2009).
Em relação a esse último ponto, a literatura da Ciência Política tem mostrado o financiamento como um dos principais fatores para explicar o sucesso eleitoral das candidaturas (Lemos, Marcelino e Pederiva 2010; Speck e Mancuso 2013; Mancuso e Figueiredo Filho 2014; Mancuso 2015; Horochovski et al. 2016). Analisando essas investigações, vemos que as campanhas políticas ficam cada vez mais caras, exigindo um maior aporte de dinheiro para maiores chances eleitorais. Todavia, precisamos frisar que a relação entre dinheiro e voto também é complexa e sofre a atuação de outros fatores como, por exemplo, dos capitais político, social e familiar.
Quando analisamos o peso do financiamento de campanha na participação política feminina, notamos a existência de um desequilíbrio no acesso aos recursos financeiros entre candidatos e candidatas, o qual precisa ser amenizado para que as mulheres tenham mais chances eleitorais (Sacchet e Speck 2012b; Araújo 2013; Eduardo 2018; Sacchet 2018; Barbieri et al. 2019). Isto porque, apesar da falta de recursos afetar tanto homens quanto mulheres, estas comandam uma proporção menor dos recursos financeiros mundiais (Doss, Grown e Deere 2008) e possuem um acesso limitado às redes e grupos de financiadores (Ballington e Kahane 2015; Sacchet 2009).
Nesse sentido, os fundos eleitorais, principalmente aqueles provenientes do dinheiro público, podem ser um elemento central para uma política de igualdade, tanto da perspectiva do direito do eleitorado, de poder tomar uma decisão informada sobre em quem irá votar, quanto dos representantes, de terem a possibilidade de fazer contato com o público e assim poderem explicar suas plataformas e propostas (Sacchet 2018). Uma vez que a distribuição equilibrada de recursos entre os partidos é um ponto-chave para a qualidade das competições democráticas (Sartori 1992), o mesmo se aplica à paridade entre os gastos de campanha de homens e mulheres que competem por um cargo eletivo (Sacchet e Speck 2012b).
Dentro dessa dinâmica distributiva, os partidos políticos assumem um papel central, ficando a cargo das lideranças partidárias a decisão de como e para quais candidaturas os recursos serão direcionados. Sendo assim, para um melhor entendimento da participação política das mulheres, precisamos observar como os partidos se comportam em relação a esse grupo.
4. Ação partidária na dinâmica eleitoral feminina, recrutamento, cotas e a distribuição desigual dos recursos financeiros
Atores centrais nas dinâmicas políticas, os partidos políticos atuam como gatekeepers dos cargos eleitorais, uma vez que recrutam e selecionam as candidaturas, moldando a composição do grupo de eleitos (Janusz, Barreiro e Cintron 2021; Norris e Lovenduski 1995). Eles comandam as campanhas, podendo facilitar o acesso aos recursos financeiros, seja de doadores ou do próprio partido. Podem também disponibilizar apoio profissional nas disputas, informações sobre o processo eleitoral e sobre os adversários, além de conceder tempo de exposição midiática (Sacchet e Speck 2012b; Janusz, Barreiro e Cintron 2021).
Em relação ao recrutamento, existe uma vasta literatura que aponta uma clara preferência pela nomeação de homens, que aconteceria devido à tendência das elites partidárias, majoritariamente masculinas, de recrutarem perfis semelhantes aos seus (Lawless e Fox 2010; Sanbonmatsu 2006; Hinojosa 2012; Sacchet e Speck 2012a; Crowder-Meyer 2013; Butler e Preece 2016).
Com o intuito de alterar esse cenário buscando um aumento direto da participação feminina, surge a política de cotas que obriga os partidos a nomearem um percentual mínimo de mulheres em suas listas de candidaturas. Esse mecanismo, atualmente adotado em alguma medida por 128 países em suas eleições legislativas (IDEA 2020), levou a um aumento no número de candidatas, como esperado. Porém, seu efeito sobre o número de eleitas, além de variar significativamente entre os Estados, ainda não atingiu o resultado almejado em grande parte das democracias representativas, como é o caso brasileiro (Bjarnegård e Zetterberg 2019; Hinojosa e Vazquez 2018; Sacchet 2018).
A eficácia das cotas está relacionada a arranjos institucionais que podem promover ou retardar o aumento no número de mulheres legisladoras, como o tipo de sistema eleitoral e o tipo de lista na qual as cotas são aplicadas, o tamanho das cotas, ou seja, o percentual mínimo reservado a um dos sexos, e a existência e a força de mecanismos de enforcement, ou sanções para os partidos que não cumpram a lei (Schwindt-Bayer 2009; Eduardo, Souza e Angeli 2019).
Nesse sentido, muitas pesquisas têm mostrado a debilidade dos partidos no cumprimento das cotas, devido, principalmente, a brechas nas leis que possibilitam essa atitude sem grandes (ou até mesmo nenhuns) danos (Hinojosa e Piscopo 2013; Wylie e dos Santos 2016; Bjarnegård e Zetterberg 2019; Gatto e Wylie 2021). Além da dificuldade do preenchimento da lista com um percentual mínimo obrigatório de mulheres, quando esse requisito é cumprido, ainda pode acontecer uma outra manobra partidária que seria a nomeação de candidatas somente para o preenchimento das cotas, as chamadas “candidaturas laranjas”. Lembramos que os homens também podem ser enquadrados nesse tipo de manobra, porém o percentual de casos é muito menor nesse grupo (Wylie, dos Santos e Marcelino 2019).
Outra medida que tem o objetivo de aumentar a participação feminina na política é a alteração da Lei dos Partidos Políticos feita em 2009 (Art. 44, inciso 5). Ela define que no mínimo 5% do total do Fundo Partidário deve ser destinado para a “criação e manutenção de programas de promoção e difusão da participação política das mulheres” (Brasil 1995). O intuito é não apenas promover a participação feminina nos processos eleitorais, mas também nas estruturas e instâncias dos partidos mudando seu carácter predominantemente masculino. Mas esta medida perdeu sua força 10 anos após sua aprovação, com a lei que anistiou os partidos que não cumpriram o valor mínimo determinado, deixando em torno de R$70 milhões sem serem investidos na formação de mulheres (Nexo 2019).
Além dessas atitudes, que indicam uma ausência de compromisso dos partidos com o fomento da participação política feminina, outra ação partidária danosa às mulheres é a distribuição desigual dos recursos financeiros entre os gêneros dentro dos partidos (Sacchet e Speck 2012a; Sacchet 2018; Janusz, Barreiro e Cintron 2021). A alocação desses recursos fica a cargo das lideranças partidárias (Janusz, Barreiro e Cintron 2021), ou seja, são elas que escolhem para quais campanhas o dinheiro será direcionado.
Esse fato ganha mais peso no cenário das eleições de 2018 no Brasil, em que grande parte do montante utilizado nos pleitos foi proveniente de fontes públicas, ficando as elites partidárias livres para administrarem o dinheiro da maneira mais conveniente, com uma exceção - o direcionamento de um percentual mínimo de 30% dos fundos públicos para as candidaturas femininas. A Resolução do Tribunal Superior Eleitoral n.º 23.607 (TSE 2019) não possui uma diretriz que indique como esse valor deve ser dividido, ficando a distribuição desses recursos a cargo das direções nacionais dos partidos.
Para observarmos como os partidos realizaram a divisão dos fundos públicos de campanha, ou seja, do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) e do Fundo Partidário, construímos um banco com os dados disponíveis no Repositório de Dados do TSE (TSE 2021). Nele, foram coletadas informações referentes às declarações individuais de 8.588 candidaturas aptas, para a Câmara dos Deputados, no ano de 2018. Esse grupo foi composto de 2.767 mulheres (32%) e 5.821 homens (68%), distribuídos em 35 partidos. Nesses dados, estabelecemos um recorte dos partidos que mais e menos elegeram parlamentares mulheres para averiguar como distribuíram os recursos públicos de campanha dentro de suas listas partidárias. Usamos como ferramenta de mensuração o índice de Gini, que mede o grau de concentração de renda em determinado grupo (Wolffenbüttel 2004). Seu valor varia de zero a um, sendo que quanto mais próximo de zero, mais igualitário é o cenário. Ao contrário, quanto mais próximo de um, maior a desigualdade de distribuição, ou seja, maior é a concentração.
Na próxima seção, apresentamos um breve panorama dos montantes públicos mobilizados nas eleições de 2018 para a Câmara dos Deputados, juntamente com o desempenho partidário na distribuição desses recursos, com a utilização do índice de Gini.
5. Resultados
Nas eleições de 2018, a quantia de dinheiro público destinado para o financiamento de campanhas foi de R$ 2,5 bilhões. Este valor foi dividido, ficando a maior parte com o FEFC, pouco mais de R$ 1,7 bilhão, e o valor remanescente, de aproximadamente R$ 800 milhões, para o Fundo Partidário. É importante destacar que nesse pleito a maior fonte de dinheiro foram os recursos públicos, visto que a Lei nº 13.165 (Brasil 2015) já estava em vigor, não permitindo doações de pessoas jurídicas. Os dados obtidos nas declarações de receita das candidaturas em disputa para os cargos da Câmara do Deputados mostram que, do valor total declarado, a parte oriunda dos fundos públicos corresponde a 76%.
Ainda antes de passarmos para a análise por partidos, achamos importante frisar que, por meio do uso de técnicas de estatística descritiva, podemos notar diferenças entre as candidaturas femininas e masculinas em relação às fontes da receita declarada. A principal é que mesmo os recursos públicos tendo sido os centrais em ambos os gêneros das candidaturas, no caso das mulheres eles representam aproximadamente 90% do total arrecadado, enquanto nas declarações dos homens são em torno de 73%.
A observação dos dados deixa clara também a diferença de investimento de recursos próprios nas campanhas. No grupo das mulheres, esse tipo de fonte equivale a apenas 4% do valor total; já no dos homens representa 11%. Este dado é relevante para mostrar a importância e maior centralidade dos recursos públicos para as candidaturas femininas. Isto porque, na quase totalidade dos casos, as mulheres têm menos bens do que os homens (Doss, Grown e Deere 2008). Sacchet e Speck (2012b) também destacam que, no uso da renda, elas tem inclinação para uma visão “familiar” ou mais coletiva, com menos uso dos recursos para fins pessoais. Outro ponto apresentado por Lawless (2015) relacionado ao autofinanciamento é o da auto-seletividade, pois de acordo com a autora elas ainda têm maior tendência para duvidar de suas chances de serem eleitas do que seus pares masculinos.
Optamos por trabalhar com os seis partidos que mais elegeram parlamentares mulheres - PT, PSL, PSDB, PR, PP e PSOL - e os cinco que elegeram ao menos um parlamentar homem e nenhuma mulher - DC, PATRI, PHS, PMN, PPL e PSC1. Devido ao grande número de partidos (35), buscamos facilitar a visualização dos dados com essa redução, que se justifica pelo fato de o nosso interesse de análise ser justamente as agremiações que se mostraram mais (in)capazes de promover o acesso feminino aos cargos eletivos.
Elencados os partidos de análise, passamos para a averiguação de como foi feita a distribuição dos recursos públicos de campanha dentro das listas partidárias na competição para a Câmara dos Deputados por meio do índice de Gini. Achamos importante frisar que, no geral, as campanhas analisadas apresentam um perfil concentrado, sem diferença entre os grupos femininos e masculinos, já que o valor do índice de Gini tanto para o grupo de todos os homens de todos os partidos é 0,86 assim como para o grupo das mulheres de todos os partidos. Porém, a análise feita por partidos mostra peculiaridades escondidas pelos números totais.
Quatro dos seis partidos que mais elegeram mulheres apresentam uma concentração na distribuição de recursos dentro desse grupo. No caso do PT, vemos que a diferença é baixa; porém, nos partidos PSDB, PR e PP, podemos notar uma centralização de recursos maior entre as candidatas do que entre os candidatos, indicando que menos mulheres tiveram mais acesso aos recursos públicos. Isto pode nos mostrar que nesses partidos houve menos candidaturas femininas consideradas viáveis, em comparação às masculinas, e também que os partidos pulverizaram menos os seus recursos entre as mulheres do que entre os homens. Lembrando que, como nesse primeiro momento, não estamos analisando o perfil das candidaturas, mas somente fazemos uma leitura da distribuição quantitativa dos fundos públicos, fica fora do nosso debate a estratégia partidária que pode ter sido adotada nessa distribuição.
Já quando analisamos os índices dos partidos que não elegeram mulheres, é interessante notar que nos três casos em que o valor de concentração feminina foi maior que a masculina (DC, PMN e PSC), a diferença entre os gêneros é muito baixa. Ou seja, nesses partidos houve preferência por poucas candidaturas femininas; porém, o mesmo pode ser observado nos casos masculinos, havendo um acesso semelhante aos recursos entre homens e mulheres. Salientamos que o partido Democracia Cristã apresentou uma menor concentração de distribuição geral de fundos públicos que os outros dois citados.
Nessa lógica de análise, apenas o PSOL fica fora ao ter maior concentração de recursos nos homens, porém com o mesmo resultado de candidatas eleitas. Isso pode ser explicado pelos demais capitais eleitorais que têm peso na disputa, para além dos recursos monetários, como é o caso da influência que figuras políticas partidárias podem agregar nos votos do partido.
Salientamos que o índice utilizado, como todo mensurador quantitativo, possui suas limitações e, apesar de contribuir no debate do subfinanciamento feminino nas campanhas, mostra-se insuficiente para uma explicação mais ampla dos resultados eleitorais atingidos pelos partidos analisados, como é o caso das siglas PATRI, PHS e PPL. Apesar de a concentração de recursos ter sido menor no grupo feminino, ou seja, mais mulheres tiveram acesso ao dinheiro público, nenhuma deputada foi eleita. Nesse sentido, seriam necessárias mais informações, como o total do montante destinado para cada grupo e a receita média de cada candidatura, para um melhor entendimento.
No caso do PSL a situação foi um tanto quanto atípica. O partido teve um salto em sua bancada na Câmara, devido a forte influência do então candidato à Presidência, Jair Bolsonaro. A legenda, que antes possuía um único deputado federal, passou a compor a segunda maior bancada da Casa, com 52 cadeiras (Câmara dos Deputados 2021). Esse impulso dado pela figura de Bolsonaro às competições proporcionais diminuiu o efeito do dinheiro nas mesmas. Isso explicaria o alto número de vagas conquistadas mesmo com um baixo montante de recursos públicos mobilizados na disputa em análise (R$ 5.977.862), em comparação com os demais partidos. O PT e o PSDB, por exemplo, tiveram acesso a R$ 87.651.338 e R$ 81.850.296 dessa fonte, respectivamente.
Como já mencionado, esta investigação inicial propõe uma análise da atuação partidária na distribuição de recursos públicos de campanha, porém não aborda os perfis das candidaturas “privilegiadas”. No entanto, achamos pertinente ressaltar que, em se tratando da tomada de decisão das lideranças partidárias na alocação de recursos, a preferência por certas candidaturas é muitas vezes explicada pela existência ou não de experiência política prévia (Janusz, Barreiro e Cintron 2021), o que mostra a perpetuação de um ciclo vicioso no qual a maioria esmagadora das mulheres permanece marginalizada. Isto porque a exclusão política feminina, que remonta à história da humanidade, persistindo até mesmo no início dos processos democráticos modernos, impossibilitou que esse grupo acumulasse esse capital durante muito tempo2.
Isso é mais agravado quando pensamos na utilização de dinheiro público que é investido justamente com o intuito de garantir mais equidade entre aqueles que competem e possuem recursos limitados, como é o caso de grande parte das mulheres. Epstein (1981) já pontuou que as aspirantes a candidatas têm mais dificuldade na obtenção de suporte financeiro e acabam não acessando grandes somas de recursos, ficando marginalizadas nessa rede de distribuição.
Apoiar uma mulher para a eleição, mesmo que seja para um cargo de moderada importância, é geralmente considerado um mau investimento. Os líderes do partido conseguem levantar fundos e adquirir poder, apoiando candidatos vencedores e, em seguida, negociando suas obrigações por meio de patronagem. Uma vez que as mulheres não são vistas como vencedoras, capazes de produzir um retorno àqueles que fizeram algum tipo de investimento, poucos chefes políticos estão dispostos a patrociná-las, exceto quando eles sabem que o investimento não será custoso. (Epstein 1981, 139).
Notamos que passados 40 anos dessa afirmação, a postura partidária em relação às mulheres candidatas se mantém a mesma. Tudo indica que os líderes dos partidos não utilizam os recursos públicos para estimular uma maior participação feminina, mas sim concentram esses valores em poucas candidaturas, sejam de homens ou de mulheres, visando apenas a maximização de ganhos de cadeiras, o que exemplifica a lógica e influência do jogo político-partidário.
Por fim, é necessário destacar que não se ignora a necessidade de um debate interseccional da participação política feminina, que aprofunde a discussão abordando fatores como a raça, a classe social, a identidade sexual, as diferenças regionais, entre outros. Isso, porém, extrapola os limites propostos por esta investigação inicial, uma vez que os achados prévios relacionados à raça, por exemplo, mostram que homens negros com candidaturas consideradas não competitivas apresentaram uma arrecadação geral menor do que as mulheres negras na mesma condição (Barbieri et al. 2019). O que evidencia como a complexidade desse processo não pode ser explicada apenas com dados quantitativos.
6. Considerações finais
A pesquisa buscou agregar dados empíricos para debater a diferença de distribuição de recursos públicos entre as campanhas de homens e mulheres. Partindo do fato de que no Brasil só é possível candidatar-se via partidos políticos, estes, além de determinarem os tipos de candidaturas, por meio do recrutamento e da nomeação, agem diretamente na seleção dos perfis que serão eleitos, por meio da distribuição de recursos, vista a forte relação mencionada entre dinheiro e voto. Mesmo com a existência de medidas afirmativas como as cotas, que fazem com que as listas partidárias tenham mais nomeações de mulheres, os partidos continuam sabotando sistematicamente as chances de vitória feminina por não destinarem recursos a essas campanhas.
Sabemos que existem estratégias partidárias de alocação de recursos e que estes não serão distribuídos igualmente entre todas as candidaturas, pois caso o fossem, ficaria praticamente inviável para o partido o acesso aos cargos eletivos. Porém, esta análise inicial mostra que as lideranças partidárias dão mais acesso a diferentes candidaturas masculinas do que às femininas, reforçando o status quo através da exclusão das mulheres desses espaços, tal como apontado pelos estudos de gênero.
O problema é intensificado quando há indícios de que o recurso público - que deveria ser investido na garantia de equidade de gênero na política, promovendo a participação de mais mulheres - é usado pelos partidos de forma concentrada apenas em poucas candidaturas que avaliam ter chance de sucesso eleitoral. Isso comprova o que a literatura já aponta, nomeadamente que, no grupo das candidaturas eleitas, não há diferença de arrecadação entre os gêneros: mulheres angariam tanto (ou até mais) recursos financeiros quanto os homens e ocupam uma posição de centralidade na rede de financiamento de campanhas (Junckes et al. 2015; Horochovski et al. 2016). Ou seja, as poucas mulheres que conseguem transpor todos os obstáculos estabelecidos em uma sociedade machista e adentram no campo político, têm uma performance eleitoral muito parecida com a de seus pares masculinos.
A falta de promoção da participação feminina na política é vista não só no período eleitoral, mas também no modus operandi dos partidos pela ausência de campanhas e programas que estimulem e preparem as mulheres para as disputas políticas. Legalmente, as siglas deveriam destinar um mínimo de 5% dos recursos do Fundo Partidário para essa finalidade (Brasil 1995). Porém, em maio de 2019, entrou em vigor uma lei que anistiou os partidos que não cumpriram com a determinação. O valor que deixou de ser investido na formação de mulheres foi de aproximadamente R$ 80 milhões (Nexo 2019).
Por fim, destacamos a ainda permanente necessidade de mais pesquisas que desvelem esses padrões que perpetuam a sub-representação de mulheres na política, levantando as diferenças não só entre países, mas também entre partidos. Igualmente importante é a necessidade de as análises agregarem um olhar interseccional em que variáveis como raça, classe, orientação sexual, entre outras, também sejam mobilizadas. Assim como investigações que abordem a atuação partidária no fomento da participação política das mulheres no período anterior às eleições. Entender as dinâmicas internas dessas instituições pode nos ajudar e pensar em meios que estimulem uma prática mais inclusiva dentro dos partidos, e também pode funcionar como uma maneira de conscientização das lideranças partidárias para a importância da real integração desse grupo nas esferas de decisão.