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Ex aequo

versão impressa ISSN 0874-5560

Ex aequo  no.45 Lisboa jun. 2022  Epub 18-Jul-2022

https://doi.org/10.22355/exaequo.2022.45.11 

Estudos e ensaios

Jornalistas locais e condições laborais sob um olhar de género

Local Journalists and Working Conditions from a Gender Perspective

Periodistas locales y condiciones laborales desde una perspectiva de género

*LabCom, Universidade da Beira Interior (UBI), Covilhã, Portugal. Endereço postal: Rua Marquês D’Ávila e Bolama, 6201-001 Covilhã, Portugal. Endereço eletrónico:

**Universidade de Valladolid (UVa), Valladolid, Espanha. Endereço postal: Universidade de Valladolid, 47002 Valladolid, Espanha. Endereço eletrónico:

***LabCom, Universidade da Beira Interior (UBI), Covilhã, Portugal. Endereço postal: Rua Marquês D’Ávila e Bolama, 6201-001 Covilhã, Portugal. Endereço eletrónico:

****LabCom, Universidade da Beira Interior (UBI); Faculdade de Design, Tecnologia e Comunicação da Universidade Europeia (IADE-UE). Endereço postal: UBI - Rua Marquês D’Ávila e Bolama, 6201-001 Covilhã, Portugal. Endereço eletrónico:


Resumo

As desigualdades de género em contexto laboral têm sido evidenciadas por estudos em diferentes áreas. O jornalismo não é exceção, sendo que a pandemia veio agravar o cenário. Embora o trabalho dos/as jornalistas seja estudado e tenha crescido a pesquisa em torno dos media regionais, ainda pouco se sabe sobre os/as profissionais que trabalham neste campo. Mais escassos são ainda os estudos de género. Através de um inquérito a jornalistas dos media regionais do centro de Portugal, procurou-se identificar desigualdades laborais. Conclui-se que as mulheres são as mais jovens da amostra (n=91), as que apresentam menos experiência, os vínculos mais precários e revelam as piores expectativas quanto ao futuro laboral.

Palavras-chave Jornalistas; trabalho; género; media regionais; Portugal.

Abstract

Gender inequalities in the work context have been highlighted by studies in different areas. Journalism is no exception, with the pandemic aggravating the situation. Although the work of journalists has been studied and research on local media has grown, little is known about the professionals working in this field. Gender studies are even scarcer. Through a survey of journalists from local media in the central region of Portugal, we sought to identify labor inequalities. It is concluded that women are the youngest in the sample (n=91), the ones with the least experience, the most precarious bonds, and they reveal the worst expectations regarding their future employment.

Keywords Journalists; work; gender; local media; Portugal.

Resumen

Las desigualdades de género en el contexto laboral han sido destacadas por estudios en diferentes áreas. El periodismo no es una excepción, y la pandemia agravó la situación. Si bien se ha estudiado el trabajo de los periodistas y se ha desarrollado la investigación en torno a los medios regionales, poco se sabe sobre los profesionales que trabajan en este campo. Los estudios de género son aún más escasos. A través de una encuesta a periodistas de medios regionales en el centro de Portugal, buscamos identificar las desigualdades laborales. Se concluye que las mujeres son las más jóvenes de la muestra (n=91), las que menos experiencia tienen, los vínculos más precarios y las que presentan las peores expectativas en cuanto a su futuro laboral.

Palabras clave Periodistas; trabajo; género; medios regionales; Portugal.

Introdução

Nos últimos anos muito se tem falado sobre os desafios que se colocam ao campo dos media e que afetam em particular o exercício do jornalismo. As novas tecnologias, responsáveis pelo acelerar dos processos de produção e distribuição, bem como os modelos de negócio, que obrigaram a pensar em abordagens diferenciadas, surgem quase sempre no topo das questões mais discutidas, sendo por muitos consideradas como aquelas que mais transformaram o jornalismo. No entanto, a verdade é que, apesar de ser importante olharmos para a forma como a digitalização e a mercantilização afetaram o campo jornalístico, não podemos ignorar um conjunto mais vasto de problemas que afetam a profissão há vários anos e que, com o passar do tempo, não desapareceram, mas, pelo contrário, se agravaram.

Este trabalho pretende estudar uma dimensão do jornalismo muitas vezes esquecida, aquela que coloca o foco no desempenho da atividade profissional em igualdade de condições. Centramo-nos assim no estudo das condições laborais que se verificam no jornalismo, alertando em particular para a importância de se analisar esta atividade numa perspetiva de género. Conscientes de que as desigualdades entre homens e mulheres persistem na sociedade portuguesa, e que os media tanto as denunciam, como muitas vezes as reproduzem, neste estudo procuramos perceber se os órgãos de comunicação social são espaços de igualdade.

A investigação que realizámos não considera todos os media, mas detém-se em particular sobre o conjunto daqueles que, pela sua natureza, se encontram numa situação de maior fragilidade. Referimo-nos aos media regionais, aqueles que historicamente têm enfrentado os maiores desafios, nomeadamente de sustentabilidade. A escolha destes meios, e em particular daqueles que desempenham a sua atividade na região centro de Portugal, não é aleatória, mas surge no âmbito de um projeto (Re/media.Lab, 2018-2022), que procurou caracterizar as condições de trabalho dos seus profissionais.

Este trabalho promove assim um cruzamento entre os estudos de jornalismo e os de género. A relevância da abordagem surge do facto de serem reduzidos os trabalhos que promovem esta intersecção, mas também por considerarmos que é necessário que “os temas da igualdade entre homens e mulheres e da discriminação baseada no género” deixem de “constituir preocupações menores” (Martins 2017, 117).

Jornalistas, media regionais e condições laborais

O contexto profissional dos/as jornalistas pode ser descrito como historicamente ambíguo e fragilizado (Fidalgo 2009; Waisbord 2013; Örnebring 2016). Portugal não é exceção. Podemos encontrar um indicador do ‘estado das coisas’ na resolução final do 4.º Congresso dos Jornalistas Portugueses, realizado em 2017 e 20 anos após o anterior. Concluiu-se que “as condições de trabalho - dimensão reduzida das redações com os despedimentos, precariedade, baixos salários e falta de tempo - estão a ter efeitos na qualidade do jornalismo e condicionam a independência dos jornalistas” (Oliveira e Pedroso 2018, 7). Um outro alerta remete para necessidade do efetivo cumprimento da legislação laboral, de modo a combater “os falsos estágios, os falsos recibos verdes e os falsos contratos de prestação de serviço” (ibid.).

Um estudo sobre as condições laborais dos jornalistas portugueses traçou um perfil que aponta para uma distribuição por sexo relativamente equilibrada, idade média de 40 anos e maioritariamente com formação superior em Ciências da Comunicação ou Jornalismo (Crespo et al. 2017). O rendimento médio mensal cifra-se nos 1113 euros; 81,9% afirmam não lhe serem pagas horas extraordinárias; 57,8% não progride na carreira há pelo menos sete anos; 48,8% dizem-se extremamente insatisfeitos relativamente à evolução das condições de trabalho no setor nos últimos cinco anos. Outro dado que sobressai é o de 64,2% assumir que já ponderou abandonar o jornalismo. Baixo rendimento, degradação da profissão ou condições de trabalho, precariedade contratual e stress são os motivos apresentados. Existe ainda uma maioria de inquiridos que pensa ser provável ficar desempregado (40,9%) e que nessas condições dificilmente conseguiria ter nova oportunidade no meio (67%). Regista-se também o facto de 46% afirmar ser difícil conciliar vida pessoal e profissional.

Uma outra investigação sobre jornalistas portugueses corrobora que proliferam os baixos rendimentos e os vínculos precários, um progressivo rejuvenescimento e uma maior presença de mulheres nas redações. Embora 48,2% da amostra estudada apresentasse um vínculo contratual sem termo, a realidade é que também 48,2% apresentava vínculos menos estáveis. Relativamente ao vencimento, embora 24,2% auferisse mais de 1500 euros e esta fosse a opção de resposta mais frequente, não podemos ignorar outras, como os 21,7% que referiu auferir 601-900 euros - segunda opção mais frequente - e também os 7,2% que apontou para 1-505 euros. Também não é de ignorar o facto de 7,4% ter indicado não auferir qualquer verba. “A composição eminente feminina dos conjuntos mais fragilizados insinua também um desequilíbrio inerente aos efeitos de desgaste das condições e segurança de trabalho” (Miranda e Gama 2019, 171).

As condições de trabalho dos jornalistas resultam, em certa medida, das decisões tomadas pelas empresas. Quando elas passam por despedimentos, nomeadamente nas redações, temos menos jornalistas para produzir, no mínimo, o mesmo que antes. Daqui resulta sobrecarga e stress. Com menos jornalistas, a mesma quantidade de notícias para produzir e para múltiplos suportes, bem como o mesmo tempo, a consequência é o desinvestimento e/ou a eliminação de etapas intermédias. Uma delas, essencial no jornalismo, é a de verificação de informação. Não será alheio a este facto o surgimento de projetos que se dedicam precisamente a esta etapa, como são os casos da Lupa (Brasil), Maldita (Espanha) ou Polígrafo (Portugal). Por outro lado, temos ainda o fator pandemia, que veio agravar esta situação, devido à procura de notícias. Os/as mesmos/as jornalistas passaram a ter que produzir mais, pelo menos nos meios em que foi possível manter os postos de trabalho.

Num estudo que procurou analisar precisamente as consequências da pandemia no jornalismo português (Camponez et al. 2020), verificou-se que a principal alteração ocorreu ao nível do local de trabalho. Se antes o trabalho se realizava maioritariamente nas redações (65,5%), depois foi transferido para o domicílio dos/as jornalistas (66,7%). Com isto, acentuou-se o recurso a meios próprios para o exercício da profissão, isto é, energia, Internet, telecomunicações e até a própria viatura - o uso passou de 11,5% para 33,5%. O mesmo estudo revela uma perceção de retração no mercado de trabalho, com a possibilidade de desemprego a estar mais presente junto das e dos jornalistas. Esta questão é mais notória entre as mulheres. Verifica-se ainda a possibilidade, admitida por alguns/mas jornalistas, de abandonarem a profissão (idem, 33-38).

Para além deste quadro mais geral, é importante analisar a realidade dos/as profissionais dos media regionais. Pascoal (1996, 11) apresenta-nos um raro e atual contributo: “As carências de ordem económico-financeira das empresas jornalísticas, que se encontram na base da pouca aposta no desenvolvimento dos recursos humanos (…) fazem com que a imprensa regional constitua um terreno propício ao desencadeamento de processos condicionantes à atividade jornalística”. Embora esse não seja um problema exclusivo dos media regionais, está mais presente no quotidiano destes (Miranda e Gama 2019), sobretudo por serem estruturas mais pequenas, quando comparadas com as das empresas jornalísticas de âmbito nacional. Falamos de meios com pessoas a assumirem várias funções. Só em alguns casos, nomeadamente entre os media regionais mais desenvolvidos, é que podemos encontrar uma separação por departamentos (Jerónimo 2015). O estudo de Pedro Jerónimo, de cariz etnográfico em três redações, aponta para duas onde a remuneração predominante se situa no intervalo 1000-1499 euros, enquanto na terceira se posiciona no intervalo 500-999 euros.

Independentemente do valor auferido, registamos que a maioria dos jornalistas o considera adequada às tarefas desempenhadas (…) Se considerarmos que estudos anteriores apontam para valores de remuneração média na imprensa regional de cerca de 500 euros, então verificamos que os casos estudados apresentam valores superiores (idem, 476).

Num estudo realizado junto de jornalistas de meios regionais de Castilla-La Mancha, Espanha, verificam-se alguns pontos de contacto com o já aqui abordado. Também ali se encontram desigualdades em termos salariais e a maior dificuldade das mulheres em conciliar a vida profissional e familiar (Galletero-Campos et al. 2019). São também elas que apresentam o menor grau de satisfação com a profissão, bem como perspetivas futuras.

Jornalismo e género

Analisar hoje o jornalismo - local, regional ou de qualquer outra natureza - é ter em conta, necessariamente, a sua capacidade de adaptação ao digital, facto que tem obrigado as empresas de media em geral, e as noticiosas em particular, a mudanças muito drásticas, rápidas e, em muitos casos, irreversíveis. O negócio ou serviço noticioso repensa-se e reinventa-se com cada vez menos recursos humanos e cada vez mais tarefas para cada um deles (Deuze e Witschge 2020).

Esta leitura, necessariamente economicista, tem levado a que o ‘valor’ mais procurado nos/as profissionais de jornalismo seja, essencialmente, o das competências tecnológicas e digitais (Vuyst 2020). Na prática as empresas noticiosas procuram fazer mais e ao menor custo.

Contudo, sob um ponto de vista de género, podemos colocar a hipótese de que, com esta alteração de ‘valor’, o género deixe de ser um elemento penalizador para a mulher, desfazendo os desequilíbrios históricos que existem dentro das redações. Um histórico que continua, no contexto europeu onde Portugal também se insere, a ter uma baixa taxa de mulheres em cargos de decisão e uma sub-representação como líderes nos media noticiosos (Ross e Padovani 2017).

Ainda assim, a hipótese tende a não ser validada porque, afinal, este novo ‘valor’ tem sido encontrado nos mesmos beneficiários de sempre. Basta, para tal, percebermos que as capacidades tecnológicas e digitais são associadas, maioritariamente, aos homens (European Commission 2020). Segundo o relatório Women in Digital Scoreboard 20201, apenas 18% de especialistas em TIC na União Europeia são mulheres. Ora, os cursos, cargos e empregos destas áreas são ocupados hegemonicamente por homens. E mesmo que as mulheres tenham o mesmo ‘valor’ ou ‘capital digital’, elas terão sempre “maiores dificuldades em traduzir o seu capital digital em capital simbólico” (Vuyst 2020, 48).

O que temos, então, ligado ao cenário de grande desigualdade que o passado e a atualidade do jornalismo registam, é a associação à mulher com ‘capital digital’ de um conjunto de estereótipos de género surgidos - ou acentuados - no contexto do jornalismo digital e de dados. Estaremos, portanto, a reforçar tempos de alienação simbólica da mulher nos media noticiosos (Tuchman 2000).

O jornalismo e as redações - que lhe dão espaço físico e de pertença - estão, por um lado, a criar empregos de baixa qualidade e a diminuir - tácita ou explicitamente - o papel da mulher no contexto digital, já que são, também elas, que continuam a ter, em média, os salários mais baixos (Ross e Pandovani 2017). A estas desigualdades acrescentam-se, em geral, maior dificuldade de acesso às fontes e maior dificuldade de entrada e de progressão na carreira (ibid.).

Se as redações se abriram à paridade - há mais mulheres jornalistas -, o mesmo não se pode dizer sobre a estabilidade laboral e sobre a perceção da disponibilidade das mulheres para a profissão. Para Dent (2020), a possibilidade de as mulheres serem ou poderem vir a ser mães continua a ser um elemento de avaliação negativo nas indústrias de media, ao contrário do que acontece com os homens.

Ainda assim, às mulheres tem sido menos difícil ascender na carreira no jornalismo de proximidade (local ou regional) e dentro das editorias consideradas soft, como cultura ou sociedade, porque, geralmente, são cargos menos bem pagos e/ou menos reconhecidos (Steiner 2017). Não obstante as mulheres estarem mais presentes nas redações e terem acesso a alguns cargos de liderança mais ou menos distintos, a precariedade é uma tónica crescente na atualidade do jornalismo digital, o que tende a afetar, maioritariamente, as mulheres, especialmente as mulheres mães (ibid.). Além de carreiras mais instáveis, as jornalistas, especialmente as repórteres, são alvo permanente de assédio e abuso, quer pelas lideranças, quer pelos colegas e agentes públicos noticiados (idem, 10). Com efeito, pensar o jornalismo separado das questões de género é um erro que o acompanha desde o seu advento. Concordamos, por isso, com Ruoho e Torkkola (2018, 76):

(...) vale a pena estudar o jornalismo como um campo com viés de género, com sua própria história, cultura e papéis sociais, em vez de manter género e jornalismo teoricamente separados ao conceber o jornalismo como uma tecnologia ou instituição semiótica que (entre muitas outras) reproduz representações de género.

Mesmo que as mulheres, no caso português, tenham alcançado uma presença significativa nas redações, não quer dizer que não deixem de estar sub-representadas em muitas dimensões (opinião, comentário televisivo, cargos de direção, etc.). Se a todas estas disparidades aplicarmos a análise de género, perceberemos que a carreira das mulheres no jornalismo continua a ser condicionada por “vários atributos, culturais símbolos e formas de pensar sobre o ideal de liderança e papéis de género” (idem, 77). As autoras sugerem que as análises da profissão devem ser multidimensionais, nomeadamente a partir das dimensões cultural, estrutural e prática (idem, 72), e nunca desligadas do género.

As políticas públicas para a igualdade de género em Portugal têm sido muito lentamente aplicadas, sendo, no campo dos media, bastante insuficientes (Subtil e Silveirinha 2017). A dificultar o cenário está a ausência de dados sistemáticos para a mensuração da eficácia das medidas aplicadas, por exemplo, no jornalismo português. Lobo e Cabecinhas (2018, 96) concluem que as assimetrias de género nas suas diversas representações mediáticas criam e mantêm uma significativa “‘aniquilação simbólica’ das mulheres na esfera pública”. No que respeita ao jornalismo, esta aniquilação acontece porque 1) aparecem menos no ecrã do que os homens e 2) quando aparecem, têm, na maioria das situações, papéis secundários (ibid.).

Neste período de readaptações no campo do jornalismo, voltam a ser as mulheres - que continuam a desempenhar a maior parte do trabalho não pago (responsabilidades pessoais e familiares) - a assumir mais esforços para acompanharem o ritmo das redações mais digitais. Silveirinha e Simões (2016) entendem que as mulheres têm de ‘compensar’ para equilibrar questões de género, de organização e profissionais, mesmo que o discurso dominante nas redações seja o da meritocracia, menorizando as implicações de género no jornalismo.

Este é, portanto, um desequilíbrio normalizado, e deve-se à estabilização de um conjunto de estereótipos de género, que partem de dois centrais: 1) a ideia de que as aptidões e os talentos naturais das mulheres são um complemento dos homens; e 2) o receado pink ghetto nas redações - que implicaria a redução generalizada de salários com a entrada de mais mulheres para a profissão - e a imposição de um o status quo que impede, por exemplo, a entrada de mulheres em cargos de decisão, gestão e liderança (Steiner 2012). Também Lobo et al. (2017) confirmaram estas iniquidades a partir de três perspetivas: a normalização da divisão de competências entre homens e mulheres a partir de uma cultura profissional essencialmente masculina; a aparente naturalidade de equilíbrio entre os géneros que colide com a discussão motivada pela elaboração das escalas e agendas, nomeadamente, pela exigência familiar que continua a recair mais sobre as mulheres; e a imagem corporal das mulheres jornalistas - e dos homens - que continua a ser reduto de preconceitos de género.

Em suma, enquanto as desigualdades permanecerem, a marginalização de talentos, o silenciamento de discursos e a invisibilidade de perspetivas vai continuar (Padovani e Ross 2019; Cerqueira e Cabecinhas 2018; White 2009).

Metodologia

O presente estudo, referente à componente socioprofissional, é parte de um inquérito maior, aplicado, no âmbito de um projeto, a jornalistas dos media regionais do centro de Portugal. O objetivo passa por identificar eventuais diferenças laborais entre homens e mulheres. Neste sentido, nortearam-nos as seguintes questões de investigação (Q):

  • Q1. Existem diferenças de idade, formação académica e experiência de trabalho entre as e os jornalistas?

  • Q2. Existe igualdade de remuneração e estabilidade no emprego entre as e os jornalistas?

  • Q3. As possíveis desigualdades salariais e de estabilidade ficam a dever-se a variáveis de género ou outras?

  • Q4. As diferenças de género podem afetar as expectativas em relação ao futuro na profissão?

A escolha do território justifica-se pelo facto de ser aquele com maior presença nos media regionais. O estudo ERC (2010) identifica 728 jornais regionais e locais em Portugal, sendo 41,4% apenas na região centro. Dados mais recentes (Jerónimo et al., 2020), apontam para 1061 meios regionais registados na Entidade Reguladora para a Comunicação Social, entre os quais constavam 177 jornais impressos, 416 jornais com versão online, 157 apenas online e 311 rádios. Seguindo os critérios definidos no projeto onde este estudo se insere, consideraram-se, para efeitos de seleção dos meios regionais, dois critérios essenciais: i) apenas jornais e rádios e ii) com pelo menos três jornalistas nas redações. Assim, de um universo de 284 meios (190 jornais e 94 rádios) da região centro de Portugal, chegámos a uma amostra de 42 (17 jornais e 15 rádios). Quanto aos/às jornalistas que trabalham nesta região, estima-se que sejam cerca de 600 (ibid.). Considerando os critérios referidos, a amostra final foi de 144 profissionais (99 de jornais e 45 de rádios).

O inquérito foi aplicado entre dezembro de 2018 e fevereiro de 2019, presencialmente, mas também por telefone. No final, foram consideradas válidas 91 respostas, o que se traduz numa taxa de resposta de 63,2%. Realça-se que este valor poderia ter sido maior, não fosse o caso de o inquérito global - no qual se incluem os dados aqui analisados - apresentar um total de 58 perguntas.

Os dados obtidos foram analisados por meio do programa estatístico SPSS, obtendo-se cálculos descritivos e inferenciais. Dada a amostra moderada (n=91), era mais complicado obter resultados com significância estatística (p<0,05), por isso decidiu-se também descrever associações estatísticas com apenas uma faixa de tendência (p<0,1), embora se pudessem apontar associações e diferenças interessantes para corroborar em estudos posteriores.

Resultados e discussão

Dos 91 jornalistas inquiridos/as, 51,6% eram homens e 48,4% mulheres. Em primeiro lugar, constatou-se toda uma série de semelhanças, designadamente ao nível das qualificações e categoria profissional, sindicalização, número de horas previstas no contrato de trabalho, horas semanais efetivamente dedicadas à profissão.

Por outro lado, foi possível detetar que as jornalistas eram mais jovens do que os jornalistas, pois enquanto 24,4% deles tinham 55 anos ou mais, apenas 2,9% das mulheres tinham essa idade. Estatisticamente, essas tendências aproximaram-se da tendência significativa (p=0,103). Verificámos ainda que as jornalistas tinham menos anos de experiência. Assim, 33,3% das mulheres têm até cinco anos de experiência, face a 13,8% dos homens, enquanto 48,3% destes estão na profissão há mais de 20 anos, para apenas 30% das mulheres. Em contraste, ambos apresentaram um nível estatisticamente semelhante de formação académica (p> 0,05). Em seguida, procurou-se determinar se havia diferenças laborais entre homens e mulheres devido à variável sexo, considerando dimensões como idade, experiência de trabalho ou formação académica.

Nível de remuneração

Em primeiro lugar procurámos identificar eventuais diferenças nas remunerações entre homens e mulheres, uma vez que estas estavam um pouco acima da tendência (p=0,121), de acordo com o teste do qui-quadrado. Desta forma, mais de metade das jornalistas ganhavam menos de 700 euros, face a 37,1% dos jornalistas. Em contrapartida, 54,3% dos homens e 45,5% das mulheres recebiam 1001-1500 euros, enquanto nenhuma mulher e 8,6% dos homens recebiam mais de 1501 euros.

Fonte: Elaboração própria (n=91)

Gráfico 1 Remuneração mensal por sexo 

No entanto, esses resultados tiveram que ser interpretados considerando as restantes variáveis. Assim, detetou-se uma associação estatisticamente significativa entre a idade e a remuneração (p<0,01), estando os profissionais mais velhos associados a um nível mais elevado de rendimento. Desta forma, 78% dos/as jornalistas entre 25 e 34 anos ganhavam menos de 700 euros por mês, enquanto 70% dos/as que tinham entre 45 e 54 anos e 60% entre 55 e 64 anos recebiam entre 1001 e 1500 euros.

Também a experiência no exercício da profissão esteve associada, pelo menos tendencialmente, à remuneração mensal (p<0,1), uma vez que verificámos que 78,6% dos/as que tinham menos de cinco anos de experiência ganhavam menos de 700 euros por mês, enquanto 50% dos/as que tinham entre 6 e 20 anos de experiência, e 61% com mais de 20 anos, auferem um rendimento entre 1000 e 1500. Todos os que recebiam mais de 1500 euros encontravam-se nestas duas últimas faixas etárias.

Em relação à formação académica, esta também estava tendencialmente associada (p<0,1) à remuneração, de modo que mais formação significava uma faixa salarial mais elevada. Assim, 57,6% dos/as jornalistas com o Ensino Secundário ou Bacharelato afirmaram receber um vencimento inferior a 700 euros, enquanto esta percentagem caiu para 41,2% entre os/as licenciados/as e para 16,7% entre os/as mestres, percentual que subiu para 33,3% no caso dos/as doutorados/as.

Dada a maior juventude e menor experiência de trabalho das jornalistas, variáveis que se associaram significativamente (p<0,01) à menor remuneração, passámos a considerar a experiência de trabalho e a idade como variáveis de controlo, para verificar se as diferenças salariais entre homens e mulheres poderiam ser atribuídas a essas duas variáveis ou ao fator sexo. Dessa forma, foram calculadas tabelas de contingência entre a remuneração como variável dependente e o sexo como variável independente, tomando-se os fatores de idade e a experiência laboral como elementos de controlo.

Assim, constatou-se que não houve diferenças estatisticamente significativas entre homens e mulheres ao nível da remuneração, tomando-se como fator de nível a experiência de trabalho (χ2 (2)=3,556, p>0,05), a idade (χ2 (2)=3,967, p>0,05) ou a formação académica (χ2 (2)=3,556, p>0,05).

Por outro lado, tomando o sexo como variável de controlo, identificaram-se diferenças de tendência (χ2 (4)=8,493, p<0,1) considerando a remuneração do total da amostra, com relação à experiência, as quais foram mantidas para o masculino (χ2 (4)=8,046, p<0,1) mas não para o feminino (χ2 (4)=1,676, p>0,1). Portanto, os salários dos jornalistas tendem a aumentar de acordo com os anos de exercício da profissão, enquanto o aumento salarial aparente entre as jornalistas vinculadas à experiência de trabalho não registou associação estatística.

Verificou-se que todos os jornalistas com menos experiência (0-5 anos) recebiam a faixa salarial mais baixa, enquanto apenas 45,5% dos seus colegas com 6 a 20 anos de experiência recebiam menos de 700 euros, outros 45,5% entre 701 e 1500 euros e 9,1% mais de 1500 euros. Aqueles com mais de 20 anos de profissão recebiam salários maiores. Por outro lado, a falta de associação estatística entre experiência e remuneração nas jornalistas mostrou relações menos evidentes. Assim, embora 30% das jornalistas menos experientes obtivessem um salário de segundo grau, posteriormente a melhoria salarial de acordo com o aumento de experiência foi menos acentuada do que aquela que se tinha verificado entre os homens (Tabela 1).

Tabela 1 Remuneração mensal com base na experiência de trabalho (%) 

Sexo Remuneração
(euros)
Experiência (anos) Total
0-5 6-20 >20
Masculino <700 100 45,5 21,4 41,4
701-1500 0,0 45,5 64,3 48,3
>1500 0 9,1 14,3 10,3
Feminino <700 70,0 45,5 44,4 53,3
701-1500 30,0 54,5 55,6 46,7
>1500 0,0 0,0 0,0 0,0
Total <700 78,6 45,5 30,4 47,5
701-1500 21,4 50, 60,9 47,5
>1500 0,0 4,5 8,7 5,1

Fonte: Elaboração própria (n=59). Eliminados os casos que não responderam a nenhuma das questões.

As diferenças salariais foram também detetadas quando considerada a idade, e tomando como variável de controlo o sexo, neste caso estatisticamente significativo para a amostra global (χ2 (8)=27,836, p<0,01). Novamente, essa significância na diferença de salários em função da idade foi mantida na amostra masculina (χ2 (8)=20,390, p<0,01), mas não na amostra feminina (χ2 (3)=4,914, p>0,05). Portanto, foi detetada uma associação estatística entre os salários dos jornalistas e a idade, mas não entre as jornalistas.

A amostra global mostrou que à medida que a idade aumenta, são menos os/as que recebem um salário inferior e mais os/as que recebem um salário dos dois escalões mais elevados. Esta associação era clara e de alcance estatístico para os homens, mas não tanto para as mulheres. Porém, é necessário destacar as baixas contagens em ambas as faixas etárias (Tabela 2).

Tabela 2 Remuneração mensal por faixa etária (%) 

Sexo Remuneração
(euros)
Idade (anos) Total
25-34 35-44 45-54 55-64 >65
Masculino <700 100,0 33,3 20,0 25,0 0,0 37,5
701-1500 0,0 58,3 70,0 75,0 0,0 53,1
>1500 0,0 8,3 10,0 0,0 100,0 9,4
Feminino <700 50,0 71,4 30,0 100,0 0,0 55,2
701-1500 50,0 28,6 70,0 0,0 0,0 44,8
>1500 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0
Total <700 77,8 53,8 25 40 0 45,9
701-1500 22,2 42,3 70 60 0 49,2
>1500 0 3,8 5 0 100 4,9

Fonte: elaboração própria (n=59). Eliminados os casos que não responderam a nenhuma das questões.

Por fim, também foram detetadas diferenças de tendência para a amostra global de salários em relação ao nível de formação académica, mantendo o sexo como fator de estratificação (χ2 (6)=11,768, p<0,1). Embora se tenha observado que as mulheres recebem menos para o mesmo nível de formação, de notar que essas diferenças não foram estatisticamente ou tendencialmente significativas ao realizar este cruzamento de variáveis separadamente para a amostra de homens (χ2 (6) = 7,457, p> 0,1) e mulheres (χ2 (6) = 4,299, p> 0,1). Portanto, o salário apresentava uma tendência de aumento à medida que aumentava a formação académica (Tabela 3).

Tabela 3 Remuneração mensal com base na formação académica (%) 

Sexo Remuneração
(euros)
Formação académica Total
Secundário & Bacharelato Licenciatura Mestrado Doutoramento
Masculino <700 50,0 30,0 0,0 50,0 41,4
701-1500 50,0 40,0 100,0 50,0 48,3
>1500 0,0 30,0 0,0 0,0 10,3
Feminino <700 64,7 57,1 20,0 0,0 53,3
701-1500 35,3 42,9 80,0 100,0 46,7
>1500 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0
Total <700 57,6 41,2 16,7 33,3 47,5
701-1500 42,4 41,2 83,3 66,7 47,5
>1500 0,0 17,6 0,0 0,0 5,1

Fonte: Elaboração própria (n=59). Eliminados os casos que não responderam a nenhuma das questões.

Estabilidade laboral

Em segundo lugar, detetou-se que as jornalistas tinham menos contratos por tempo indeterminado (63,3%) comparativamente aos jornalistas (86,1%). Essas diferenças mostraram-se estatisticamente significativas (χ2 (1)=4,623, p<0,05). Desta forma, os restantes 36,7% das jornalistas mantinham uma relação laboral instável, baseada em contrato temporário, freelance, remuneração por peça ou “recibos verdes”, face a um valor inferior de 13,9% dos jornalistas (Tabela 4).

Tabela 4 Tipo de vínculo contratual dos/das jornalistas 

Masculino Feminino Total
Sem termo 86,1% 63,3% 75,8%
Outros 13,9% 36,7% 24,2%

Fonte: Elaboração própria (n=66). Eliminados os casos que não responderam a nenhuma das questões.

Ao contrário do que aconteceu com a remuneração, o tipo de contrato não refletiu uma associação estatística com a idade (χ2 (3)=1,362, p>0,05), experiência de trabalho (χ2 (2)=2,668, p>0,05) ou formação académica (χ2 (4)=0,344, p>0,05). Assim, no caso da idade, os maiores percentuais de vínculo permanente foram igualmente entre os/as mais velhos/as e os/as mais novos/as (85,7%), 72% dos jornalistas entre 35 e 44 anos e 68,4% entre 45-54 anos. Tampouco havia uma relação, nem mesmo aparente, entre formação e estabilidade laboral, uma vez que tanto os/as jornalistas com menor escolaridade, quanto aqueles/as que possuíam maior grau académico, tinham os menores percentuais de contratos permanentes. Além disso, jornalistas com Bacharelato e Mestrado apresentaram o mesmo percentual (75%).

Apesar da mencionada falta de associação estatística, a estabilidade laboral mostrou uma relação pelo menos aparente com a experiência, de modo que os/as jornalistas mais velhos/as tiveram um contrato permanente em maior número de ocasiões do que os/as jornalistas com menos experiência. Enquanto apenas 60% daqueles/as com menos de cinco anos de profissão foram contratados/as por tempo indeterminado, essa percentagem sobe para 63,2% entre os de 6 a 20 anos e 82,6% para os/as mais veteranos/as.

Portanto, optou-se por tomar a experiência de trabalho como variável de controlo para detetar se as diferenças observadas no tipo de contrato eram realmente devidas ao género, encontrando uma tendência de associação (χ2 (1)=2,198, p<0,1) entre o sexo e tipo de contrato. Assim, a estabilidade laboral dos jornalistas aumentou de acordo com a experiência, passando de 50% dos contratos sem termo entre os que trabalham há pelo menos cinco anos, para 77,8% entre os que têm entre 6 e 20 anos e 92,9% entre aqueles que já desempenham a atividade há mais de 20 anos. Por outro lado, não houve melhoria entre as jornalistas, pois, embora 66,7% das menos experientes já tivessem vínculo permanente, esse valor desce para 50% na segunda etapa (6-20 anos) e volta para 66,7% entre as mais veteranas (Tabela 5).

Tabela 5 Vínculo contratual com base na experiência (%) 

Sexo Tipo de contrato 0-5 anos 6-20 anos >20 anos Total
Masculino Sem termo 50 77,8 92,9 81,5
Outros 50 22,2 7,1 18,5
Feminino Sem termo 66,7 50 66,7 60
Outros 33,3 50 22,2 40
Total Sem termo 60 63,2 82,6 71,2
Outros 40 36,8 17,4 28,8

Fonte: Elaboração própria (n=52). Eliminados os casos que não responderam a nenhuma das questões.

Por outro lado, as jornalistas declararam ter estado desempregadas mais vezes (20,5%) do que os jornalistas (4,3%), o que representa uma diferença estatisticamente significativa (χ2 (1)=5,612, p<0,05). Ter estado desempregado/a alguma vez não mostrou associação estatística com a idade (χ2 (3)=1,182, p>0,05), experiência de trabalho (χ2 (2)=1,764, p>0,05) nem formação académica (χ2 (3)=1,422, p>0,05). Uma relação aparente pode ser observada com as duas últimas variáveis, de modo que menos jornalistas afirmaram ter estado desempregados/as conforme a sua experiência aumentava (28,6% na faixa 0-5 anos e 13,6% entre os/as mais velhos/as) ou a sua formação académica (20% entre o Ensino Secundário e o Bacharelato, 12% entre licenciados/as e mestres e 0% entre doutorados/as).

Usando cada uma dessas três variáveis (idade, experiência e formação) como variáveis de controlo, a maior percentagem de vezes que as jornalistas estiveram desempregadas continuou a ser estatisticamente significativa. Assim, a percentagem de jornalistas com experiência de desemprego é maior do que a dos jornalistas, em todas as faixas etárias (χ2 (1)=7,540, p<0,01), experiência (χ2 (1)=7,385, p<0,01) e formação (χ2 (1)=8,264, p<0,01).

Além disso, as mulheres que estavam desempregadas ficaram mais tempo nessa situação, embora, devido ao baixo número de casos, essas relações não sejam estatisticamente significativas (χ2 (1)=2,037, p>0,05). Enquanto todos os homens estiveram desempregados menos de 6 meses, 55,6% das mulheres estiveram desempregadas mais de um ano.

Perspetivas de emprego

As jornalistas mostraram uma opinião mais pessimista sobre o futuro da profissão do que os jornalistas. Assim, enquanto 46,8% dos homens afirmaram que retomariam a profissão, apenas 36,4% das mulheres o fizeram - esta diferença não foi estatisticamente significativa (χ2 (1)=1,019, p>0,05). Acresce a este dado o facto de 61,4% das mulheres concordarem que a remuneração dos/as jornalistas diminuiria no futuro, face a 44,7% dos homens. Essas diferenças foram próximas da tendência (χ2 (2)=4,065, p=0,131). Por fim, mais de metade das jornalistas (54,5%) afirmou que no futuro o jornalismo seria praticado a tempo parcial, por pessoas que teriam como fonte de rendimento outros tipos de trabalho, face a cerca de um terço dos jornalistas (36,2%). Essas diferenças foram estatisticamente significativas (χ2 (2)=5,983, p<0,05).

Conclusão

Olhar para as condições laborais dos/as jornalistas que trabalham nos media, procurando identificar possíveis desigualdades, era o objetivo deste estudo. Neste sentido e em resposta à Q1, foi possível observar como as jornalistas do centro de Portugal são mais jovens, com menos experiência e com formação académica semelhante à dos jornalistas. Embora nos dados totais se tenha detetado que as mulheres ganham menos que os homens, não foram encontradas diferenças de salário entre homens e mulheres para o mesmo nível de experiência, formação académica ou idade, que atingissem o nível de significância estatística (p<0,05).

Ao contrário, constatou-se que os salários variam em função da experiência profissional, idade e formação académica. Assim, em resposta às Q2 e Q3, podemos afirmar que não existem diferenças salariais entre jornalistas, mas que as diferenças salariais detetadas se devem a outro tipo de fatores, como os anos de exercício da profissão, a idade e a escolaridade. Portanto, o facto de as jornalistas serem mais jovens e, portanto, menos experientes do que os seus colegas homens, ajuda a justificar que os seus salários sejam mais baixos.

No entanto, um primeiro fator de desigualdade laboral foi observado pelo facto de as mulheres possuírem vínculo permanente em percentagem inferior ao dos homens e a diferença nesse vínculo não estar relacionada com a idade ou formação académica, mas sim com a experiência de trabalho. Explorando esses dados, verificámos ainda que os jornalistas veem o seu contrato melhorar à medida que aumenta a sua experiência de trabalho, o que não acontece com as jornalistas.

Em segundo lugar, constatou-se que as mulheres ficaram mais vezes desempregadas do que os homens, independentemente da sua faixa etária, experiência e formação académica. Além disso, as jornalistas apresentam um período de desemprego mais longo do que os jornalistas. Com esses dados, as mulheres revelam piores expectativas de emprego do que os homens, em alguns dos indicadores analisados (Q4).

Como principal condicionante deste estudo, devemos destacar o número de jornalistas que respondeu ao inquérito, o que limitou o escopo estatístico de algumas das diferenças apontadas. É neste contexto que se propõe que as investigações futuras sobre esta temática procurem ampliar a amostra, mas também os meios e territórios, procurando dessa forma aferir os resultados aqui apresentados.

1Consultado em https://ec.europa.eu/digital-single-market/en/women-digital, a 13 de março de 2021.

Financiamento

O presente artigo foi desenvolvido no âmbito dos projetos Re/media.Lab (CENTRO-01-0145-FEDER031277) e MediaTrust.Lab (PTDC/COM-JOR/3866/2020), bem como da colaboração internacional no âmbito do programa de Mobilidade de Investigadores UVa-Banco Santander 2020.

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Recebido: 05 de Junho de 2021; Aceito: 31 de Outubro de 2021

Pedro Jerónimo. Investigador do LabCom - Comunicação e Artes, unidade de investigação da Universidade da Beira Interior, onde é responsável pelo MediaTrust.Lab - Laboratório de Media Regionais para a Confiança e Literacia Cívicas. Coeditor da revista Estudos de Jornalismo (SOPCOM), é revisor e autor de artigos publicados em revistas nacionais e internacionais. Interessa-se pelos estudos de jornalismo de proximidade, media digitais e desinformação.

Carlos A. Ballesteros Herencia. Professor da Licenciatura em Jornalismo e do Mestrado em Investigação em Comunicação da Universidade de Valladolid. Doutor em Ciências da Informação e licenciado em Jornalismo e em Ciências do Desporto. Tem participado em projetos de I+D+i subsidiados pelo Governo de Espanha e conta com mais de 15 anos de experiência como jornalista em meios e gabinetes de comunicação. Interessa-se por estudos de género, enquadramento informativo e digital engagement.

Sónia de Sá. Professora Auxiliar Convidada na Universidade da Beira Interior e investigadora do LabCom - Comunicação e Artes. Coordenadora regional do projeto “Academia de Leitura do Mundo: o jornalismo, a comunicação e eu”, financiado pela Fundação Calouste Gulbenkian. Interessa-se por estudos televisivos, media e género, comunicação estratégica, que motivaram a sua participação em diversos projetos de investigação.

Ricardo Morais. Doutor em Ciências da Comunicação e Mestre em Jornalismo pela Universidade da Beira Interior (UBI). Atualmente é Professor Auxiliar no IADE - Faculdade de Design, Tecnologia e Comunicação da Universidade Europeia e Professor Auxiliar Convidado na UBI. É membro da unidade de investigação LabCom - Comunicação e Artes e investigador do projeto Re/media.Lab - Regional Media Lab & Incubator. Desde 2019 é Coordenador-adjunto do GT de Comunicação e Política da SOPCOM.

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