1. Introdução
Nas últimas três décadas, o campo dos Estudos sobre as Mulheres, de Género e Feministas (EMGF) vivenciou grandes transformações em Portugal. Conforme propusemos anteriormente (Santos et al. 2023), a trajetória da área no país pode ser pensada em três principais fases: uma primeira fase de iniciação, na década de 1980; uma segunda fase de consolidação, de 1991 a 2000; e um terceiro período de expansão, que se estende de 2001 à atualidade. Tendo emergido na década de 1980, a área enfrentou diversos desafios nos seus momentos iniciais, decorrentes, em especial, da herança devastadora deixada pela ditadura do Estado Novo. A partir de meados da década de 1990, no entanto, registou-se uma aceleração do seu processo de desenvolvimento e institucionalização, tendência esta que se aprofundou na década seguinte. A transição para o século XXI inaugurou uma nova fase dos EMGF em Portugal, caracterizada por uma significativa ampliação do seu alcance e presença nas instituições de ensino superior, dinâmica que foi acompanhada por uma “explosão” ao nível da investigação (Pereira 2013; Ferreira 2019).
Grande parte da literatura sobre a situação e as trajetórias do ensino e da investigação no campo dos EMGF em Portugal tem-se baseado em análises qualitativas e em perceções autorreflexivas (e.g. Ferreira 2001; Ferreira 2019; Pinheiro 2023). Alguns estudos ampliaram recentemente essa gama de abordagens analíticas, mobilizando métodos quantitativos - nomeadamente, a bibliometria - com o objetivo de mapear as características gerais da investigação nacional nos EMGF (Ferreira et al. 2020; Santos et al. 2023).
No presente artigo temos como objetivo explorar o modo como análises ancoradas em diferentes bases de dados bibliográficos produzem distintos retratos da produção nacional nos EMGF. Para o efeito, realizámos uma leitura comparativa dos resultados de duas análises bibliométricas da produção portuguesa nos EMGF publicada entre 1995 e 2021 e indexada em duas das principais bases virtuais de dados bibliográficos, a Web of Science (WoS) e a Scopus. No decorrer da leitura comparativa, pretendemos evidenciar algumas das tendências gerais que marcaram a produção bibliográfica portuguesa na área, publicada no decorrer de quase três décadas e, deste modo, contribuir para a interpelação de ambas as plataformas, do ponto de vista dos cuidados a ter na leitura dos dados que disponibilizam.
2. Web of Science e Scopus: caracterização e contributos de estudos comparativos anteriores
A WoS e a Scopus são bases de indexação bibliográfica líderes a nível mundial e comummente mobilizadas para a realização de análises bibliométricas (Echchakoui 2020; Zhu e Liu 2020). A WoS foi lançada em 1997, porém as suas raízes remontam à criação do Science Citation Index (SCI) por Eugene Garfield na década de 1960 (Chadegani et al. 2013). Propriedade da Clarivate Analytics desde 2016, a WoS foi durante muitos anos a única base eletrónica de citações e publicações que abrangia todos os domínios científicos. Atualmente, a Coleção Principal WoS (WoS Core Collection) conta com mais de 89 milhões de documentos, incluindo mais de 143 mil livros e cerca de 21 mil revistas peer-reviewed, publicados em todo o mundo e associados a mais de 250 matérias de todas as áreas (Clarivate 2023).
A Scopus foi criada pela editora Elsevier em 2004 como alternativa à WoS, congregando atualmente mais de 90,6 milhões de registos, incluindo cerca de 292 mil livros e mais de 26 mil revistas peer-reviewed ativas (Elsevier 2023). Os periódicos indexados na Scopus são categorizados em quatro grandes áreas (Life Sciences; Physical Sciences; Health Sciences; Social Sciences & Humanities), divididas em 27 temáticas principais, com mais de 300 categorias específicas.
As análises dedicadas à comparação das duas plataformas debruçam-se com frequência sobre a sua cobertura ao nível da procedência dos periódicos indexados por países, da diversidade de idiomas de publicação e da representação das áreas do saber. Como seria de esperar, uma tendência amplamente identificada na literatura, e que se mostra transversal a ambas as plataformas, consiste na desproporcional representação de publicações norte-americanas e europeias (Pranckute 2021). Ao explorar o modo como as dinâmicas geopolíticas e as hierarquias epistémicas globais moldam a cobertura de bases virtuais de indexação bibliográfica, Céspedes (2021) demonstra que 48% dos periódicos indexados na Scopus e 49% na WoS são publicados nos EUA ou no Reino Unido, ao passo que as revistas latino-americanas representam menos de 5% das publicações em ambas as plataformas. Tais resultados alinham-se com os de estudos anteriores (Rodríguez-Yunta 2010; Rodrigues e Abadal 2014).
Apesar das semelhanças entre as duas bases, em termos de funcionalidades e características de cobertura, diversos estudos têm sublinhado a existência de importantes diferenças. Não obstante o enviesamento comum a ambas, no que diz respeito ao privilégio dado a publicações norte-americanas e europeias, De Moya-Anegón et al. (2007) defendem que a Scopus apresenta melhor cobertura de publicações de países em desenvolvimento, incluindo mais documentos em idiomas que não o inglês. De facto, a maior diversidade linguística da Scopus é também atestada por outros estudos (e.g. Leydesdorff et al. 2010; Zibareva e Soloshenko 2011). Moed et al. (2018), por exemplo, mostram que entre 2006 e 2016 a percentagem de artigos em revistas de língua russa na Scopus cresceu exponencialmente, passando de 4,8% para 14,8%, ao passo que na WoS essa proporção diminui de 6,5% para 3% no mesmo período. Tal quadro geral levou Vera-Baceta et al. a afirmarem que “a principal vantagem da Scopus sobre a WoS reside na sua maior cobertura de documentos em idiomas diferentes do inglês” (2019, 1807).1
No que toca à cobertura das diferentes áreas do conhecimento, diversos estudos têm mostrado que, apesar do viés das duas plataformas a favor das ciências naturais, engenharias e biomedicina, a Scopus apresenta maior cobertura que a WoS em todas as grandes áreas de investigação (Mongeon e Paul-Hus 2016; Huang et al. 2020). Além disso, outras análises sugerem que a base de dados da Elsevier tem especial vantagem sobre a WoS no que respeita à cobertura das ciências sociais e humanidades (Norris e Oppenheim 2007; Pranckute 2021). Ao analisarem a produção científica eslovena publicada em ambas as bases, Bartol et al. (2014) constataram que a Scopus liderava em número de documentos e citações em todos os campos de investigação, em especial nas áreas das ciências sociais e humanidades. Um cenário semelhante foi identificado por Archambault e Larivière (2010), na sua análise da produção canadiana.
No âmbito de estudos anteriores que abordaram, de forma comparativa, as potencialidades e limites da WoS e da Scopus para a análise da produção científica portuguesa, destaca-se o trabalho de Vieira e Gomes (2009). Inicialmente, analisaram a produção associada a instituições de ensino superior nacionais, publicada entre 2000 e 2007, tendo encontrado um número maior de registos na Scopus. Com o objetivo de explorar particularidades de cada uma das bases, Vieira e Gomes centraram-se na produção publicada em 2006 de duas universidades públicas (Universidade de Lisboa e Universidade de Coimbra). Os resultados mostram que a maior parte das publicações de cada universidade estava indexada em ambas as bases de dados. O facto de alguns documentos estarem presentes apenas em uma das plataformas foi atribuído a questões como as diferenças nas políticas de indexação e a erros cometidos na transferência da informação das revistas. Estes resultados parecem indicar que uma análise assente num escrutínio conjunto das duas plataformas pode contribuir para a superação de limitações inerentes a particularidades de cada uma delas, de modo a fomentar uma leitura mais abrangente e credível da produção científica no campo dos EMGF em Portugal.
3. Metodologia
3.1 Produção da informação
Com o objetivo de analisar a produção portuguesa específica em EMGF, publicada entre 1995 e 2021, definimos como fontes de dados bibliográficos a Coleção Principal da WoS e a Scopus. Atendendo aos objetivos do estudo, essa produção foi definida como as publicações na área de estudos (isto é, as que satisfazem os requisitos de pertença ao campo, detalhados adiante) indexadas na WoS e/ou na Scopus, e que apresentam pelo menos uma autoria associada a uma instituição nacional.
A definição do horizonte temporal da análise radicou no facto de que, a partir de 1995, na sequência da IV Conferência Mundial sobre as Mulheres e a publicação da Plataforma de Ação de Pequim (Nações Unidas 1995), a integração da perspetiva de género e a promoção da investigação sobre a temática tornaram-se partes integrantes das estratégias oficiais de promoção da igualdade entre mulheres e homens, tanto ao nível europeu como português. O lançamento do primeiro Plano Global para a Igualdade de Oportunidades em Portugal, em 1997, veio detalhar estas estratégias oficiais e estabelecer medidas transversais para promover a inclusão das questões de género no ensino e na investigação (Santos et al. 2023). Além disso, o ano de 1995 marcou a criação do primeiro programa conferente de grau em Estudos sobre as Mulheres no país (Mestrado em Estudos sobre as Mulheres na Universidade Aberta). Uma vez que as plataformas de indexação bibliográfica tendem a apresentar alguma demora na inclusão de novos registos, a produção científica referente a 2021 pode não estar toda na nossa base de trabalho.
Uma das etapas mais importantes de qualquer análise bibliométrica consiste na definição da estratégia de recolha da informação, uma vez que esta afeta diretamente os resultados da investigação (Hoppen e Vanz 2023). No que toca à obtenção da informação disponível na WoS, foi definida a seguinte estratégia:
Devido ao facto de muitos estudos das ciências biológicas e da saúde utilizarem “género” como sinónimo de sexo, procedendo à mera desagregação dos resultados de estudos empíricos e clínicos segundo as categorias “homem” e “mulher” ou “macho” e “fêmea”, a pesquisa pelos termos “género” e “gender” nos títulos mostrou-se, em testes preliminares, uma importante fonte de falsos positivos, responsável por ampliar bastante - e de maneira artificial, pois tratava-se de trabalhos assentes em conceções biologizantes e descritivas do “género” (portanto, não enquadráveis nos EMGF) - a participação destas áreas nos resultados. Para superar esta limitação, optámos por uma abordagem próxima à de Hoppen (2021), de modo a integrar na nossa query de pesquisa uma condição que passou por excluir da análise documentos que tinham “género” ou “gender” nos títulos e que simultaneamente eram categorizados na WoS como pertencentes às áreas específicas das ciências biológicas e da saúde mais responsáveis pela produção de falsos positivos.
De modo complementar, partindo da lista de palavras formulada por Hoppen (2021), definimos um conjunto de 98 expressões que seriam objeto de pesquisa nos títulos dos documentos (ver Apêndice I). A opção de pesquisar as palavras-chave apenas nos títulos dos documentos teve por base a consideração de que tal presença denota a centralidade atribuída aos temas nos estudos em questão, justificando o seu reconhecimento como parte da produção científica específica da área dos EMGF. Os nossos testes preliminares evidenciaram que o alargamento dos campos de pesquisa aos resumos dos documentos produzia uma grande quantidade de falsos positivos, por nos levar para diversos estudos que mencionavam apenas tangencialmente questões associadas aos EMGF.
Para identificar trabalhos específicos de EMGF que não satisfaziam os critérios de pesquisa anteriores, levámos em conta também os 271 trabalhos categorizados como “Women’s Studies” na WoS, assim como os que tinham como Tópico (campo TS) os “gender studies”, “feminist studies” ou “women’s studies” e que eram assinados por, pelo menos, uma pessoa com filiação a uma instituição portuguesa.
Por fim, estabelecemos o recorte temporal de 01 de janeiro de 1995 a 31 de dezembro de 2021.
Inicialmente, numa pesquisa eletrónica realizada a 5 de setembro de 2022, obtivemos um conjunto de 1.588 resultados. No entanto, após uma criteriosa análise manual para excluir falsos positivos, reduzimos consideravelmente a nossa base de dados para 1.309 documentos.
A estratégia de pesquisa utilizada para a recolha de dados na Scopus teve como principal objetivo reproduzir fielmente, para os parâmetros próprios desta base, os critérios de pesquisa que foram usados na WoS. Para o efeito, recorremos às mesmas 98 expressões pesquisadas nos títulos dos documentos, estabelecemos os mesmos critérios para exclusão de falsos positivos decorrentes do uso vulgar de “género” em determinadas áreas das ciências biológicas e da saúde e definimos o mesmo período temporal de análise.
Tal estratégia conduziu-nos a um conjunto de 1.260 resultados em pesquisa realizada a 7 de outubro de 2022. Após minuciosa limpeza manual dos dados e exclusão de falsos positivos, reduzimos o corpus para 1.073 documentos.
As estratégias de pesquisa usadas para recolha de dados em ambas as plataformas não discriminaram quanto ao tipo de documentos, de modo que os conjuntos de dados resultantes consideraram todas as categoriais de registos bibliográficos da WoS e da Scopus (e.g. artigos publicados em revistas, recensões, capítulos de livros, artigos publicados em atas de eventos, entre outros).
3.2 Análise de dados
As análises centraram-se em três dimensões principais: indicadores de produtividade; indicadores de dispersão; outros indicadores bibliométricos de produção (idioma; tipo de documento; áreas de investigação; e filiação institucional de autoras/es). A análise da produtividade procurou identificar se os padrões de crescimento observados se adequam aos preceitos gerais da Lei do Crescimento Exponencial, também conhecida como “Lei de Price”, que preconiza que, em períodos normais (isto é, em contextos sem grandes disrupções políticas, económicas ou sociais que podem interferir nas dinâmicas científicas), o crescimento da produção numa determinada área do saber ocorre segundo um padrão de aumento exponencial. Neste enquadramento, Price (1986) identificou uma tendência para a duplicação da quantidade de informação existente a cada intervalo de 10 a 15 anos.
No que toca aos indicadores de dispersão, para identificarmos em detalhe o padrão de distribuição dos artigos portugueses em EMGF por revistas científicas e explorarmos algumas características das principais publicações indexadas em cada uma das plataformas, procedemos à análise dos dados, à luz da Lei de Bradford. Esta lei, também conhecida como lei da dispersão, preconiza que, numa determinada área ou tópico de investigação, um pequeno conjunto de periódicos concentra grande parte dos artigos (o chamado “núcleo de periódicos”), ao passo que a restante publicação na área está dispersa por grande número de outras publicações (Tsay e Li 2017; Hoppen 2021; Martínez-Heredia et al. 2021).
Os restantes indicadores bibliométricos, como o idioma, tipo de documento, áreas de investigação e instituições de filiação, foram analisados em termos da sua frequência nos resultados recolhidos em cada base de dados.
Os software usados para realização das análises foram: Bibexcel (Persson n.d.), para cálculo dos indicadores bibliométricos de frequência; VosViewer (Van Eck e Waltman 2010), para construção dos mapas de colaboração e identificação de clusters; e Microsoft Excel, para limpeza e padronização manual dos dados, conversão de dados para formatos compatíveis com demais software e criação de gráficos e tabelas de síntese.2
Dado o facto de cada uma das plataformas utilizar diferentes padrões de categorização de documentos quanto às suas áreas de investigação, foi necessário proceder a uma padronização, de modo a viabilizar uma análise comparativa dessa dimensão. Seguindo os procedimentos de Vera-Baceta et al. (2019), realizámos a tradução das subject areas presentes na Scopus para as cinco áreas disciplinares gerais utilizadas na WoS: Arts & Humanities; Life Sciences & Biomedicine; Physical Sciences; Social Sciences; e Technology. Pode consultar-se a descrição detalhada do processo de reclassificação no Apêndice II.
4. Resultados e discussão
4.1 Produtividade em crescimento exponencial, mas mais rápida do que preconiza a Lei de Price
O Gráfico 1 apresenta o número de publicações portuguesas em EMGF indexadas na WoS e na Scopus, por ano, entre 1995 e 2021. Os resultados evidenciam uma tendência, comum a ambas as bases de dados, de crescimento consistente do número de publicações na área, em especial a partir do início da década de 2010. Em números totais, a WoS apresenta alguma vantagem, indexando 1.309 documentos, face a 1.073 na Scopus.
No sentido de aferir se os dados registados se ajustam a um modelo exponencial recorreu-se à análise de regressão de estimação de curva (ver Gráficos 2 e 3). Com coeficientes de regressão (R2) expressivos (respetivamente, 0.722 e de 0.737) e valores de probabilidade significativos (p<0.001) para ambas as bases de dados, os resultados fortalecem a conclusão de que o modelo exponencial é uma representação sólida do crescimento observado nas publicações entre 1995 e 2021. Essa modelagem explica uma percentagem significativa da variação (respetivamente, cerca de 72% e 74%), sugerindo uma trajetória exponencial consistente com o aumento das publicações ao longo do período analisado.
O cálculo do período de duplicação é importante para avaliar se os dados estão em consonância com os princípios da Lei do Crescimento Exponencial de Price, atrás referida. Ambas as bases de dados evidenciam taxas de crescimento anuais3 robustas (respetivamente, 33,3% e 32,2%), o que aponta para um aumento constante nas publicações ao longo do período considerado. O período de duplicação4 na WoS é de aproximadamente 2,1 anos, enquanto na Scopus é de cerca de 2,2 anos, sugerindo que o número de publicações nestas plataformas duplica num período marcadamente mais curto do que o previsto pela Lei de Price. Estas conclusões parecem reforçar a constatação de que a área dos EMGF vivenciou, a partir de meados da década de 2000, um período de excecional crescimento em Portugal (Pereira 2017; Santos et al. 2023). Tal fenómeno expressou-se não apenas numa crescente recetividade e interesse em relação aos EMGF na academia portuguesa, como também na criação de programas de formação pós-graduada e de grupos e centros de investigação na área (Santos et al. 2022). O facto de cerca de 90% dos documentos presentes em ambas as bases de dados terem sido publicados entre 2011 e 2021 deve ser, portanto, interpretado à luz dessa transformação ampla do “clima” em relação aos EMGF na academia portuguesa, que teve lugar na primeira década do século XXI.
4.2 A produção muito concentrada num reduzido número de periódicos segue a Lei de Bradford
Na Tabela 1 vê-se que a dispersão dos artigos portugueses em EMGF por periódicos segue, tanto na Scopus quanto na WoS, os padrões previstos pela Lei de Bradford, no sentido de que “poucos produzem muito e muitos produzem pouco”. No que respeita aos dados da Scopus, a Zona I (núcleo) é composta por 34 periódicos que correspondem a 7,8% das revistas e publicaram 33% do total de artigos. Nesta zona, temos que cada periódico publicou, em média, 7,7 artigos. Os resultados referentes à WoS evidenciam padrões de concentração similares: os 43 periódicos componentes da Zona I (8,9%) concentram 33% do total, sendo que cada revista publicou, em média, 6,4 artigos.
Scopus | WoS | ||||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
Zonas | Nº de Periódicos |
% |
Nº de artigos publicados | % | Zonas | Nº de Periódicos |
% |
Nº de artigos publicados |
% |
I | 34 | 7,8% | 261 | 33% | I | 43 | 8,9% | 277 | 33% |
II | 144 | 33,0% | 259 | 33% | II | 161 | 33,5% | 276 | 33% |
III | 258 | 59,2% | 258 | 33% | III | 277 | 57,6% | 277 | 33% |
Total | 436 | 100% | 778 | 100% | Total | 481 | 100% | 830 | 100% |
Fonte: Elaboração própria.
A procedência nacional dos periódicos que compõem a Zona I na WoS e Scopus é muito díspar. Os resultados da WoS indicam que a produção de pesquisa portuguesa na área dos EMGF está claramente voltada para públicos internacionais, com foco em periódicos dos EUA e do Reino Unido como os principais canais de publicação, com um peso respetivamente de 35% e 26% nas 43 revistas que mais publicam. Os periódicos brasileiros estão representados no “núcleo” por seis títulos (correspondendo a 14% do total), destacando-se como o terceiro tipo de veículo mais utilizado para publicações de artigos com filiação portuguesa nesta área. Por outro lado, a presença de periódicos nacionais é exígua, com apenas três revistas editadas em Portugal a figurar nas 43 principais.
Tais resultados contrastam, em diversos aspetos, com os da Scopus. Regista-se uma menor ocorrência de revistas dos EUA (sendo 10 das 34 principais, i.e. 29%). Constata-se igualmente o aumento da participação de veículos nacionais, que passam a responder por 23% (8 revistas) dos periódicos do núcleo, figurando assim, juntamente com as publicações britânicas, como o segundo principal tipo de veículo de publicação de artigos em EMGF. Cabe também sublinhar que, nos dados da Scopus, as duas revistas mais produtivas são nacionais (ex æquo e Análise Social). Refira-se ainda o facto de a ex æquo, apesar de ter sido indexada recentemente na Scopus (a partir de 2018), figurar já como a revista que mais publicou artigos portugueses em EMGF entre 1995 e 2021, tendo publicado 29 documentos, número superior a qualquer outra revista indexada tanto na Scopus quanto na WoS.
4.3 Outros indicadores bibliométricos de produção
4.3.1 Internacionalização procurada pela publicação em inglês
Observamos uma clara predominância da língua inglesa em ambas as bases de dados, seguida, com uma representação muito menor, da portuguesa. Como mostra a Tabela 2, os resultados da WoS revelam uma presença reduzida de publicações em português, sendo praticamente metade da observada na Scopus (10,8% na WoS vs. 20% na Scopus). Tal resultado alinha-se com estudos anteriores, que constataram uma maior tendência da WoS para a indexação de publicações em inglês (Vera-Baceta et al. 2019). Apesar deste viés da WoS, importa ressaltar que as publicações portuguesas em EMGF foram redigidas em sete idiomas diferentes (inglês, português, espanhol, francês, italiano, galego e coreano), ao passo que os registos na Scopus abrangem apenas cinco idiomas (inglês, português, espanhol, francês, italiano).
Base de dados | Idioma de publicação | N | % |
---|---|---|---|
WoS | Português | 142 | 10,8% |
Inglês | 1.123 | 85,8% | |
Outros | 44 | 3,4% | |
Scopus | Português | 215 | 20,0% |
Inglês | 858 | 80,0% | |
Outros | 32 | 3,0% |
Fonte: Elaboração própria.
A presença de publicações portuguesas na área dos EMGF em português era, até 2006, nula na WoS e mínima na Scopus. O Gráfico 4 apresenta a evolução anual dos valores absolutos e relativos a partir de 2007. Observam-se duas tendências divergentes: aumento relativo no número de publicações em português (mais notável na Scopus), e uma diminuição da representação desse idioma no conjunto de publicações portuguesas em EMGF. Esses dados indicam, portanto, que a investigação portuguesa neste campo tem progressivamente privilegiado outros idiomas (em especial, o inglês), quadro que pode ser interpretado como sintomático de uma procura crescente de internacionalização, de certo modo imposto pelos critérios de avaliação da produção científica. Confrontámos os nossos resultados com os do estudo de Hoppen e Vanz (2020), baseado em fontes de dados semelhantes, e que teve como objeto toda a produção científica internacional autointitulada como gender studies até 2017 presente na Coleção Principal da WoS. As autoras observaram que 74,6% das publicações eram em inglês, uma participação ligeiramente menor do que a observada no caso da produção portuguesa presente nas duas bases de dados em apreço.
A diversidade que se expressa nos idiomas é também observável nos tipos de documentos que compõem a produção nacional em EMGF indexada em ambas as plataformas. O formato mais recorrente em ambas as bases é o artigo publicado em revistas científicas, que corresponde a 63,4% dos registos na WoS e 72,5% na Scopus.
4.3.2 As Ciências Sociais em destaque na produção científica em EMGF
Uma vez que cada plataforma utiliza diferentes padrões de categorização de documentos quanto às suas áreas de investigação, reclassificámos as subject areas presentes na Scopus com base nas cinco áreas disciplinares gerais utilizadas na WoS (ver o descritivo dos critérios de reclassificação no Apêndice II). Dado que um documento pode ser classificado em múltiplas áreas de investigação, a soma das frequências relativas das áreas em ambas as plataformas é superior a 100%.
Registamos a clara predominância das Ciências Sociais na produção indexada em ambas as bases de dados. No entanto, enquanto na Scopus as Artes e Humanidades figuram com a segunda maior participação, na WoS a mesma ocupa apenas a terceira posição, sendo superada pelas Ciências da Vida e Biomedicina.
A interdisciplinaridade, característica fundamental dos EMGF enquanto área de investigação e ensino, está maioritariamente circunscrita ao diálogo entre disciplinas das Ciências Sociais. Nesse sentido, é possível validar tendências sugeridas em análises anteriores (Santos et al. 2023), de que a produção nacional em EMGF é marcada por uma “interdisciplinaridade estreita” (Huutoniemi et al. 2010), isto é, envolve disciplinas concetual e metodologicamente compatíveis e agrupáveis num mesmo domínio amplo. A exígua presença das Tecnologias e das Ciências ditas exatas (Matemática, Química, Física, etc.) sugere o fraco nível de interpenetração dos EMGF em áreas que continuam a ter menos mulheres nos seus corpos de docência, de investigação e estudantis (European Commission 2021; PORDATA 2023).
4.3.3 Produção por instituições
A Tabela 3 apresenta as cinco instituições de ensino superior portuguesas que mais publicaram em EMGF entre 1995 e 2021, segundo registos na WoS e na Scopus. São apresentados os valores descritivos absolutos, que não ponderam a dimensão das instituições em termos de pessoal docente e de investigação.
WoS | Scopus | ||||
---|---|---|---|---|---|
Nº | % | Nº | % | ||
Universidade de Lisboa | 209 | 16,0% | Universidade do Porto | 184 | 17,1% |
Universidade de Coimbra | 206 | 15,7% | Universidade de Lisboa | 164 | 15,3% |
Universidade do Porto | 197 | 15,0% | ISCTE IUL | 163 | 15,2% |
ISCTE IUL | 163 | 12,5% | Universidade de Coimbra | 143 | 13,3% |
Universidade do Minho | 133 | 10,2% | Universidade do Minho | 130 | 12,1% |
Restantes | 440 | 33,5% | Restantes | 335 | 31,3% |
Fonte: Elaboração própria.
As mesmas cinco instituições surgem representadas, tanto na WoS como na Scopus, como as líderes na produção nacional na área dos EMGF com um peso à volta dos dois terços, com pequenas variações percentuais.
A Universidade de Lisboa - líder em produção na WoS e vice-líder na Scopus - é a maior universidade portuguesa e conta com uma sólida e longeva atividade de investigação e ensino na área dos estudos de género. A sua posição de destaque em ambas as bases de dados deve-se ao facto de a instituição concentrar investigação especializada em EMGF no seu Centro Interdisciplinar de Estudos de Género (CIEG, criado em 2012), o único desta natureza no país, e em torno de dois programas conferentes de grau na área, um dos quais em associação com a Universidade Nova de Lisboa (Doutoramento em Estudos de Género).
A posição ocupada pela Universidade do Porto - líder em número de publicações na Scopus e terceira principal instituição na WoS - relaciona-se, em especial, com a extensa produção de investigadoras/es associadas/os à instituição sobre a temática das sexualidades e à forte interlocução que promove com as áreas da saúde, integrando especialistas da medicina, da biologia e da psicologia clínica.
A investigação em EMGF na Universidade de Coimbra - que ocupa, na WoS e na Scopus, respetivamente, a segunda e quarta posição -, tem-se concentrado desde meados da década de 1990 nas Humanidades e nas Ciências Sociais, tendo como um dos marcos iniciais da sua formalização institucional a criação, na Faculdade de Letras, ainda em 1995, do GREF - Grupo de Estudos Feministas (Abranches 1998). A instituição foi pioneira em Portugal na criação de um Doutoramento em Estudos Feministas (em funcionamento desde 2008). Além disso, conta, em várias das suas unidades orgânicas, com bastantes docentes e investigadoras/es nacionais e internacionais da área dos estudos de género, com ligação sobretudo às Ciências da Educação, História, Sociologia, Economia e Estudos Literários e Culturais. O Centro de Estudos Sociais tem sido um polo dinamizador dos EMGF nesta instituição.
A produção em EMGF no ISCTE, por sua vez, está associada às áreas da sociologia, da antropologia e da psicologia social. Desde 2000, esta instituição acolheu 40 projetos de investigação que tinham o género como tema principal.5 A génese dos EMGF na Universidade do Minho - em quinto lugar em ambas as bases - remonta ao início da década de 1990, no Departamento de Estudos Ingleses e Norte-Americanos da instituição (Macedo e Pereira 2015).
Por fim, os dados permitem identificar uma tendência de concentração da investigação portuguesa em EMGF no subsistema universitário e público.
4.3.4 Redes de colaboração interinstitucional
Para mapear as principais redes nacionais de colaboração interinstitucional utilizámos o software VosViewer, no qual estabelecemos parâmetros para visualizar os mapas de coautoria das instituições donde provinham ao menos 15 publicações entre 1995 e 2021. Um total de 14 instituições satisfaziam este critério na WoS, e 15 na Scopus. A Figura 1 permite-nos visualizar as instituições e suas redes de cooperação: a frequência de colaboração é indicada pela espessura das linhas que ligam os pontos (quanto maior a espessura, maior é a frequência de colaboração entre instituições), e a produtividade de cada instituição é expressa pelo tamanho dos pontos. Em paralelo, as cores indicam clusters, isto é, grupos de colaboração.
A análise das redes de colaboração na WoS identificou oito diferentes clusters, sendo o maior composto por quatro instituições e o menor por uma: (1) o verde reúne a Universidade de Lisboa e o ISCTE; (2) o vermelho, a Universidade do Porto e a Universidade do Minho; (3) o roxo é constituído pela Universidade do Algarve, Universidade Nova de Lisboa, Universidade de Évora e Universidade Católica Portuguesa; (4) o laranja mostra o isolamento da Universidade de Aveiro; (5) o rosa, o da Universidade Lusófona; (6) o amarelo associa a Universidade da Beira Interior e o ISPA; (7) o castanho e (8) o azul evidenciam o isolamento, respetivamente, da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro e da Universidade de Coimbra.
Os padrões de colaboração das cinco instituições mais produtivas são fortemente influenciados por fatores geográficos: a Universidade de Lisboa e o ISCTE, duas grandes instituições localizadas em Lisboa (cluster verde); a Universidade do Porto e a Universidade do Minho, ambas no norte do país (cluster vermelho). A Universidade de Coimbra, localizada na região centro do país, por sua vez, forma um cluster unitário, indicando que o fator geográfico parece contribuir para o seu relativo “isolamento” em relação às demais instituições mais produtivas na área.
Quadro similar é desenhado pelos dados da Scopus. Nesta base de dados foram identificados seis diferentes clusters, sendo três deles compostos por três instituições e três por duas instituições. A composição dos clusters confirma os padrões de cooperação anteriormente observados entre as cinco instituições portuguesas que mais publicam na área dos EMGF. Refletindo a tendência de relativo “isolamento” identificada na WoS, a Universidade de Coimbra não estabelece consistentes redes de cooperação com as outras quatro principais universidades. As motivações quer destas associações quer do isolamento de algumas instituições não se restringirão a fatores de ordem geográfica, mas o seu escrutínio exigiria uma investigação aprofundada de natureza qualitativa que está fora do âmbito do presente estudo.
5. Conclusões
O objetivo do presente artigo foi explorar os diferentes retratos da produção nacional em EMGF, construídos a partir da informação identificada em duas das principais plataformas de indexação bibliográfica. Tal leitura comparativa permite-nos validar interpretações de estudos anteriores, centrados em apenas uma plataforma de indexação, consolidando a ideia de que as tendências comuns à WoS e à Scopus não decorrem de vieses associados a uma base de dados em particular, mas efetivamente refletem características da produção académica com filiação parcial ou total em instituições nacionais na área dos EMGF. De modo complementar, a análise das discrepâncias entre os resultados obtidos a partir da WoS e da Scopus permite tematizar enviesamentos inerentes a cada uma das plataformas e, de maneira mais geral, evidenciar o papel decisivo que o processo de seleção de fontes de dados pode ter nas conclusões de análises bibliométricas. À luz dos resultados obtidos, é possível deduzir uma relativa vantagem da Scopus sobre a WoS na cobertura do que se produz em Portugal na área dos EMGF. Tal vantagem decorre, em especial, das suas características ao nível dos idiomas, da procedência nacional dos periódicos indexados e da sua cobertura diferencial de áreas de investigação.
No que respeita à evolução do número de publicações ao longo do tempo, as informações em ambas as plataformas de indexação adequam-se, em linhas gerais, aos padrões previstos pela Lei do Crescimento Exponencial de Price, corroborando o entendimento de que o campo dos EMGF, em Portugal, sofreu um crescimento considerável e consistente, desde meados da década de 1990, tendência que foi reforçada, em especial, a partir de 2010. Em sintonia com a literatura produzida anteriormente sobre o tema, associa-se este recente boom dos EMGF portugueses (Pereira 2017; Santos et al. 2023) a uma conjunção de múltiplos fatores, dos quais se destaca a expansão da presença institucional da área (nomeadamente, pela ampliação da oferta formativa pós-graduada), as transformações na estrutura e nos modelos de financiamento do ensino superior público português, a emergência de oportunidades de financiamento de investigação orientadas para os EMGF e a influência das políticas europeias para a ciência e investigação, como as do Horizonte 2020 (Pereira 2017; Sixto-Costoya et al. 2022).
Tal como estudos anteriores já mostraram, a WoS demonstrou ter uma cobertura centrada em publicações de língua inglesa, com especial ênfase nas revistas dos EUA (Leydesdorff et al. 2010). A Scopus, por seu turno, apresentou uma cobertura mais abrangente de documentos publicados em português, assim como uma maior diversidade de periódicos de diferentes países. Para além disso, importa sublinhar que os resultados de ambas as plataformas sugerem que a dispersão da produção portuguesa em EMGF entre periódicos segue o padrão preconizado pela Lei de Bradford, no que diz respeito ao facto de uma parcela considerável dos artigos se concentrar num número restrito de revistas. A presença exclusiva da revista ex æquo, uma das duas revistas portuguesas interdisciplinares dos EMGF, na Scopus, é outro fator que nos permite inferir a relativa vantagem desta base em relação à WoS, na cobertura da produção nacional na área. Não obstante, a ausência, em ambas as plataformas, da revista Faces de Eva, a outra revista portuguesa dedicada aos EMGF, exclui do alcance das análises bibliométricas um volume considerável de publicações portuguesas no campo.
A distribuição da produção por diferentes áreas disciplinares indica uma clara concentração de publicações nas ciências sociais e a baixa representatividade de outras áreas científicas, como as conotadas com as ditas ciências exatas, denotando que a investigação nos EMGF em Portugal é feita sobretudo em campos do saber onde se concentram mais mulheres, quer como docentes e investigadoras, quer como estudantes. As diferenças entre os resultados apurados a partir da WoS e da Scopus, relativamente à participação de áreas disciplinares, também parecem refletir algumas particularidades das bases de dados que favorecem a plataforma da Elsevier, a qual apresenta uma cobertura consideravelmente maior das áreas das ciências sociais e humanidades (conforme também Bartol et al. 2014; Mongeon e Paul-Hus 2016).
As nossas análises sobre as instituições indicam que grande parte da produção nacional em EMGF se concentra num número restrito de universidades públicas, sendo que as redes de cooperação estabelecidas entre elas são essencialmente influenciadas por fatores geográficos.
Apesar das posições de liderança ocupadas pela WoS e pela Scopus, é de notar o surgimento recente de bases de dados alternativas, das quais se destaca a Google Scholar. Nesse sentido, estudos futuros que ampliem o leque de bases de indexação estudadas poderão avaliar de modo mais abrangente os pontos fortes e fracos de novas bases. Será desta forma possível identificar especificidades e potenciais enviesamentos da cobertura de cada uma, que se refletirão nos resultados de estudos realizados. Os estudos bibliométricos permitem-nos compreender aspetos quantitativos da produção publicada numa dada área, o que representa necessariamente uma análise limitada do trabalho científico realizado no campo em apreço. Por essa razão, para a análise de conteúdo dos EMGF, de autoria com filiação parcial ou total em instituições portuguesas, seria importante realizar uma análise sistemática, de pendor também semântico e hermenêutico, incluindo outros descritores das publicações que abranjam os objetivos, as metodologias e os quadros teóricos privilegiados nas investigações desenvolvidas.