1. Introdução
O espaço de opinião dos jornais oferece uma possibilidade de visibilidade e voz ativa na esfera pública com influência nos públicos (Harp, Bachmann & Loke 2014). A escrita de artigos de opinião dá às mulheres uma voz num espaço próprio para a expressão das suas ideias, o que contribui para a sua emancipação. Em Portugal, tem aumentado o número de mulheres nas redações, embora permaneçam desigualdades de género (Miranda 2014), como o fraco acesso a lugares de poder, maiores níveis de precariedade e concentração nas notícias “leves”, com histórias de “interesse humano” (Chambers, Steiner & Fleming 2004). Para mais, até ao início do século XXI o espaço de comentário continuava a ser maioritariamente masculino (Figueiras 2010).
O espaço de opinião dos jornais pode refletir a cultura dominante, mas pode também incluir vozes residuais, emergentes e oposicionistas, num contexto de liberdade argumentativa e sem os constrangimentos do jornalismo tradicional (Cerqueira, Taborda & Pereira 2023).
A relevância deste estudo fica patente pela escassez de publicações, revelada pela pesquisa booleana na base de dados EBSCO1, utilizando as palavras-chave “género” ou “mulheres” E “colunistas” ou “espaços de opinião” E “Portugal” ou “portuguesas”, em português e em inglês, que não produziu resultados. No entanto, encontraram-se noutras bases alguns estudos referenciados sobre as redações.
O objetivo deste artigo é compreender as transições e as resistências de género no espaço de opinião dos jornais Expresso e Público, considerados imprensa de referência em Portugal. Especificamente, pretende-se compreender os seguintes aspetos: 1) as diferenças nas temáticas abordadas por homens e mulheres colunistas, comparando conteúdos temáticos e discursos produzidos; e 2) as perceções das mulheres colunistas sobre as decisões editoriais. Recorreu-se ao método misto, com análise de conteúdo sobre os artigos de opinião publicados no primeiro trimestre de 2022 e entrevistas semiestruturadas a mulheres colunistas.
2. Mulheres nos jornais
2.1. Espaços de opinião como construtores de opinião pública
A importância dos espaços de opinião é revelada pelo seu aumento e pelo poder de moldar o mundo das representações coletivas e da formação de opinião nas sociedades (Jacobs & Townsley 2011). Discutem estes autores, a partir de Habermas, como a emergência do espaço público constituiu um dos eventos chave no desenvolvimento das democracias modernas, com o corolário de que os media noticiosos fornecem um enquadramento institucional para uma comunicação pública democrática, ao permitirem “um espaço de deliberação no qual os cidadãos usam as suas capacidades racionais para a) construir argumentos sobre assuntos de preocupação comum, b) construir esses argumentos em público, c) apoiar esses argumentos com boas razões, e d) defender os seus argumentos contra críticas e posições alternativas”2 (Jacobs & Townsley 2011, 7).
Cardoso et al. (2024, 6) enfatizam também como, “através da análise crítica dos acontecimentos da atualidade, os comentadores [...] desempenham um papel crucial no entendimento dos cidadãos sobre a realidade política e social”. Em Portugal aumentou o número de comentadores políticos na televisão, de 53 em 2016 para 78 em 2024, persistindo a masculinização destes espaços: em 2023, a percentagem de comentadoras era de 24% na televisão, 34% na rádio e apenas 19,6% na imprensa online, o que atesta as desigualdades persistentes e justifica o desenvolvimento de estudos sobre estes espaços numa perspetiva de género.
2.2. Transições e resistências: a segregação horizontal
Com as transições democráticas, o número de mulheres no jornalismo aumentou, embora persistam desigualdades relacionadas com a escolha para a cobertura das ditas soft news, ligadas à arte, educação e saúde, com sub-representação nas hard news - política e economia (Chambers, Steiner & Fleming 2004; North 2016). De Vuyst e Raeymaeckers (2019) evidenciaram este fenómeno de segregação horizontal na Bélgica, dominando os homens as áreas da política, economia e desporto, e as mulheres as áreas da cultura, educação, saúde e sociedade. Em Portugal, as jornalistas reconhecem diferenças de género na produção de notícias desportivas, embora tendam a desvalorizá-las (Lobo et al. 2015), sustentando que a igualdade de género foi alcançada e que o género não é critério de seleção. Contudo, as mulheres precisam de se esforçar mais para se afirmarem na profissão, destacando a assimetria de género nas redações (Silveirinha & Simões 2016). North (2016) mostrou como profissionais do jornalismo acreditavam que as mulheres tinham acesso a todas as áreas, mas reconheciam que algumas continuavam masculinas, percecionando capacidades inatas diferentes: credibilidade e objetividade para homens, e sensibilidade e calma para mulheres. As mulheres prefeririam relatar notícias mais leves, naturalizando as discrepâncias e desculpabilizando os editores, maioritariamente homens (North 2016). Embora a segregação horizontal e o sexismo sejam naturalizados, há mulheres que os desafiam, criando meios noticiosos alternativos e novos papéis liderados por elas (Chambers, Steiner & Fleming 2004).
2.3. Segregação vertical e decisões editoriais
Embora a presença de mulheres no jornalismo tenha crescido, isso não se reflete no seu empoderamento nas redações, com as mulheres concentradas nos escalões inferiores e os homens a dominar os cargos de topo, constituindo 68,8% do total destas posições (Miranda 2017). Dados do EIGE (2023) mostram como, em Portugal, os homens continuam a ocupar 67% dos mais altos quadros de decisão dos media públicos e que as mulheres não têm as mesmas oportunidades de acesso a posições de topo e poder (Figueiras 2011). Mais recentemente, Silveirinha, Lobo e Simões (2024) reforçam a permanência de práticas comuns institucionalizadas, que seguem expectativas e pressupostos de género. Assim, as redações são locais para performances como a construção comunicativa e a exibição de disposições de género, bem como reforçam as relações sociais desiguais que sustentam as relações de poder. Esta segregação vertical ou fenómeno do glass ceiling também se encontra noutros contextos (De Vuyst & Raeymaeckers 2019), com o número das jornalistas a diminuir progressivamente até às posições de maior poder. Apesar da tendência para a feminização da profissão, são os homens que ocupam os cargos mais altos, o que resulta em disparidades salariais, mesmo que as jornalistas tenham habilitações académicas superiores (Evans 2016).
Verifica-se uma relação entre a segregação vertical e a horizontal, porque a desigualdade de poder facilita o domínio masculino nas notícias de maior prestígio, ficando as mulheres limitadas às notícias leves (Tenenboim-Weinblatt & Baden 2021). As jornalistas percebem que os decisores editoriais tendem a favorecer homens para cobrir notícias de maior valor jornalístico, frequentemente pela cultura enraizada nas redações que reserva as temáticas de maior prestígio aos homens (North 2016). Enquanto tipicamente uma direção masculina incentiva competição, hierarquia e estatuto, em redações geridas por mulheres verificam-se mudanças, como maior abertura e transparência na tomada de decisões e uma comunicação mais clara entre direção e trabalhadores/as (Everbach 2006). Eddy et al. (2023) analisaram a distribuição por género a nível das posições de topo de edição numa amostra de 240 grandes meios de comunicação online e offline em 12 mercados diferentes dos cinco continentes, concluindo que apenas 22% são ocupadas por mulheres, apesar de, em média, 40% dos/as profissionais serem mulheres. Também se apurou que a maioria dos/as editores/as de topo são homens, incluindo nos países onde as mulheres superam os homens entre os/as profissionais no ativo. Mesmo em muitos países com bons resultados no Índice de Desigualdade de Género das Nações Unidas existem poucas mulheres entre os principais editores.
2.4. Mulheres no espaço de opinião
O espaço de opinião da imprensa portuguesa era dominado por homens em 2010, refletindo as desigualdades de género no jornalismo, já que, segundo Figueiras (2011), apesar de o número de comentadoras ter vindo a aumentar, 87% dos comentadores eram homens. Verificava-se igualmente uma segregação horizontal neste espaço, especialmente em assuntos políticos: 94% dos textos eram de homens e apenas 6% de mulheres, que escreviam sobre tópicos culturais e sociais, associados a assuntos mais leves (Figueiras 2010). Esta desigualdade temática não se devia apenas aos editores, mas às próprias colunistas, que reportavam ter pouco interesse em temas políticos (Figueiras 2010). Por outro lado, a predominância masculina nas posições de decisão reforça esta desigualdade, pois agindo como gatekeepers, eles privilegiavam outros homens para o espaço de opinião (Figueiras 2010).
No grupo de comentadores/as, as colunistas eram frequentemente recrutadas do jornalismo, enquanto os homens vinham de esferas públicas de poder (Figueiras 2010). Com o tempo e apesar da desigualdade, alguns estudos indicam que as mulheres estão a ultrapassar os tópicos tradicionalmente femininos e a escrever sobre política e economia, embora com uma visibilidade ainda menor (Harp, Bachmann & Loke 2014), refutando a ideia de que as mulheres não se interessam por política, tendo opiniões fundamentadas e fornecendo perspetivas plurais e diversificadas.
3. Construção da agenda e decisões editoriais
3.1. Agenda-setting: seleção dos temas relevantes
Segundo a hipótese do agenda-setting, num primeiro nível os media determinam os temas a serem discutidos e estabelecem uma ordem de relevância (Shaw 1979). Constroem assim uma visão do mundo, ao selecionar, processar e filtrar informações (Valenzuela 2019). Ao direcionarem a atenção do público para aspetos específicos dos tópicos em debate, influenciam as discussões sobre cada temática (Valenzuela & McCombs 2014). O segundo nível desta hipótese relaciona-se com a teoria do framing, já que as duas abordagens centram as suas ideias na forma como os media influenciam o pensamento dos indivíduos (Valenzuela & McCombs 2014). Em contrapartida, Scheufele (2000) considerou que estas têm pressupostos distintos: enquanto o agenda-setting destaca a importância de certas questões, o framing influencia a perceção dos assuntos. Entman (1993) descreveu o framing como um processo que envolve a seleção e saliência, destacando certos aspetos da realidade para promover uma interpretação ou avaliação moral. No terceiro nível surge a necessidade de orientação para avaliações jornalísticas, uma vez que as pessoas procuram conselhos, opiniões e avaliações sobre um determinado problema e, mesmo quando já estão informadas, recorrem aos media para obter informações adicionais e perspetivas complementares (Valenzuela & McCombs 2014). Considerar que as pessoas apreendem a importância de um assunto através da ênfase mediática (Bulkow, Urban & Schweiger 2013) justifica a necessidade de analisar as publicações no espaço de opinião, para permitir a compreensão da construção da agenda temática.
3.2. Gatekeeping: processo de seleção noticiosa
O gatekeeping é entendido como o processo em que os media selecionam, moldam e transmitem notícias, atuando as/os profissionais de reportagem e edição como gatekeepers, ao filtrarem e selecionarem informações (Shoemaker et al. 2001). A seleção dos acontecimentos é influenciada por várias forças, como normas organizacionais e interesses do público, resultando numa tendência para destacar histórias sensacionais e conflituosas (Soroka 2012). Singer (2006), ao explorar os/as gatekeepers no ambiente digital, mostrou que a informação é mais suscetível de ser moldada pelas/os utilizadoras/es, o que resulta numa produção noticiosa mais interativa e colaborativa.
Numa perspetiva de género, Figueiras (2011) concluiu que a predominância masculina no espaço de opinião dos jornais se deve ao facto de os/as opinion gatekeepers serem maioritariamente homens, o que influencia os critérios de recrutamento. De facto, a função de gatekeeper torna-se relevante porque a direção dos jornais influencia a composição do espaço de opinião. Para mais, as mulheres que compõem os quadros de alta decisão são ainda poucas nas redações portuguesas (Cunha & Martins 2023). A direção escolhe colunistas com base em campos de poder, e é crucial entender o género como critério na seleção e nas temáticas.
4. Metodologia
4.1. Desenho de pesquisa e recolha de dados
Este estudo recorreu ao método misto sequencial explicativo (Creswell & Cresswell 2017), com análise de conteúdo - quantitativa - para compreender as diferenças nas temáticas abordadas por homens e mulheres colunistas. Recorreu-se, no qualitativo, a entrevistas semiestruturadas a mulheres colunistas.
4.2. Corpus
A análise de conteúdo foi realizada a um corpus constituído pelas colunas de opinião dos jornais de referência portuguesa na versão online, o Expresso (semanário) e o Público (diário), durante o primeiro trimestre de 2022. No total, foram analisados 438 artigos de opinião publicados online.
4.3. Categorias analíticas
A grelha de análise de conteúdo apresentada no Quadro 1 foi construída para perceber quais os temas e assuntos mais desenvolvidos por homens e mulheres, quem são, e como as temáticas de igualdade de género e feminismo são trabalhadas no espaço de opinião dos jornais.
Quadro 1 Categorias da análise de conteúdo
| Categorias | |
|---|---|
| 1. Jornal | 7. Enfoque3 |
| 2. Género da/o colunista | 8. Base dos argumentos utilizados |
| 3. Tema | 9. Personagens mencionadas em primeiro lugar |
| 4. Referente | 10. Personagens mencionadas em segundo lugar |
| 5. Área profissional da/o colunista | 11. Presença do termo “igualdade de género” |
| 6. Periodicidade da/o colunista | 12. Presença do termo “feminismo” |
Fonte: Correa & Harp 2011; Harp, Bachmann & Loke 2014.
4.4. Participantes
O painel apresentado no Quadro 2 inclui mulheres colunistas dos jornais Expresso e Público, que escreveram artigos de opinião durante o primeiro trimestre de 2022. Recorreu-se à lista de colunistas dos sites dos jornais, entrando em contacto via e-mail, ou através das redes sociais. Foram contactadas 12 mulheres, mas apenas três de cada jornal responderam e foram entrevistadas.
De forma a garantir os pressupostos éticos da presente investigação, foram utilizados nomes fictícios, preservando o anonimato.
4.5. Dimensões do guião de entrevista
Para compreender as perceções das colunistas sobre as decisões tomadas no espaço de opinião e identificar constrangimentos de género, o guião foi inspirado noutros estudos (Lobo et al. 2015; Silveirinha & Simões 2016). As principais dimensões incluíram: a) trabalho individual, relacionado com as temáticas abordadas e com a experiência na produção destes artigos; b) questões de género, relativas à atribuição das temáticas a homens ou mulheres e ao tratamento de assuntos sobre igualdade de género e feminismos; c) perceções sobre decisões editoriais, considerando as escolhas e eventuais constrangimentos. Acrescenta-se que, por motivos éticos, não se perguntou qual o montante salarial das entrevistadas.
4.6. Análise dos dados
Para o tratamento dos dados da análise de conteúdo foi utilizado o software IBM SPSS, realizando-se análise descritiva e bivariada.
Para a análise interpretativa das entrevistas o quadro analítico funcionou como um conjunto de códigos organizados em categorias, desenvolvido conjuntamente pelas investigadoras para gerir e organizar os dados. Este quadro criou uma estrutura e, para maior incisividade, as citações das entrevistadas foram encurtadas, embora continuem a incluir a essência dos seus discursos.
5. Resultados
5.1. Conteúdos produzidos no espaço de opinião
O Público foi o jornal que publicou mais artigos de opinião no período considerado (61%) - ver Tabela 1. Os homens mantêm a dominância neste espaço, com 81% dos artigos, contra apenas 19% das mulheres em ambos os jornais. No entanto, do total, no Expresso, 35% dos artigos foram escritos por homens e apenas 3% por mulheres, enquanto no Público houve menor discrepância: 46% de homens e 16% de mulheres.
A política foi o tema mais abordado (64%), seguido da sociedade (22%) e do desporto (8%), enquanto a economia e a cultura foram os temas menos abordados (5% e 2%, respetivamente). Do total, as colunistas escreveram 12% dos artigos sobre política - contra 53% escritos por homens - e 6% sobre sociedade, contra 16% escritos por homens. As mulheres não produziram artigos sobre desporto, tema abordado por 8% dos homens colunistas.
Durante o primeiro trimestre de 2022, houve dois assuntos que predominaram no espaço de opinião: a Guerra na Ucrânia e as eleições legislativas (24% e 21%, respetivamente). As mulheres abordaram mais estas eleições (5%), seguidas pelo conflito na Ucrânia e dramas sociais (3% cada) e casos insólitos (2%). Os homens focaram-se mais na Guerra na Ucrânia (20%) e nas eleições (17%), além de temas jurídicos e de partidos políticos (6% cada).
No cruzamento das variáveis “Tema”, “Género do/a colunista” e “Referente”, os assuntos mais abordados na política, por homens e mulheres, foram as eleições legislativas de 2022 e a Guerra na Ucrânia. Na economia, as mulheres abordaram mais assuntos relacionados com o estado (5%) e dramas sociais (15%) e os homens a banca/finanças (40%) e a Guerra na Ucrânia (25%). Já na sociedade, as mulheres abordaram mais dramas sociais (7%) e insólitos (8%), e os homens assuntos jurídicos (cerca de 17%), dramas sociais (14%) e religião (8%).
Para compreender a importância das questões de género no espaço de opinião, analisou-se a presença dos termos igualdade de género e feminismo(s) e constatou-se que apenas 4% dos artigos abordaram o primeiro e 2% o segundo.
Relativamente à dimensão dos artigos, 90% tem entre 500 e 1500 palavras. Os artigos de maior dimensão (mais de 1500 palavras) apenas foram escritos por homens. A maioria dos artigos apresenta um enfoque negativo. Quanto aos argumentos, a maioria dos homens recorreu a análise dos acontecimentos e a fontes (35% e 30%, respetivamente). O mesmo acontece com as mulheres, apesar de haver uma repartição mais equitativa - 6% das colunistas recorreram a fontes ou à análise dos acontecimentos.
No que concerne às personagens principais, na temática política as colunistas incluíram líderes políticos (6%), partidos políticos (3%), celebridades (2%) e órgãos de estado (2%). Os homens incluíram mais líderes políticos (28%), partidos políticos (15%), órgãos de estado (5%) e organizações governamentais (5%). Relativamente ao tema sociedade, as colunistas incluíram celebridades (8%), pessoas anónimas (3%) e mulheres (3%). Os homens incluíram mais pessoas anónimas (12%), figuras da Igreja Católica (8%), líderes políticos (6%) e advogados (6%). No que diz respeito às personagens secundárias, as colunistas incluíram mais líderes políticos (3%), organizações governamentais (3%) e partidos políticos (2%).
Tabela 1 Características dos artigos de opinião por género de colunista
| Género do/a colunista | |||||
|---|---|---|---|---|---|
| Feminino | Masculino | ||||
| N | % | N | % | ||
| Jornal | Público | 70 | 84,3% | 200 | 56,3% |
| Expresso | 13 | 15,7% | 155 | 43,7% | |
| Tema | Política | 51 | 61,4% | 230 | 64,8% |
| Sociedade | 26 | 31,3% | 69 | 19,4% | |
| Desporto | 0 | 0% | 34 | 9,6% | |
| Economia | 4 | 4,8% | 16 | 4,5% | |
| N.º palavras | 0-499 | 2 | 2,4% | 21 | 5,9% |
| 500-999 | 41 | 49,4% | 238 | 67,0% | |
| 1000-1499 | 39 | 47,0% | 79 | 22,3% | |
| 1500-1999 | 0 | 0% | 10 | 2,8% | |
| Enfoque | Negativo | 76 | 91,6% | 298 | 84,2% |
| Positivo | 4 | 4,8% | 37 | 10,5% | |
| Neutro | 3 | 3,6% | 19 | 5,4% | |
| Base dos argumentos | Análise histórica | 27 | 32,5% | 151 | 42,7% |
| Fontes | 27 | 32,5% | 130 | 36,7% | |
| Estatística | 11 | 13,3% | 33 | 9,3% | |
| Relatos pessoais | 3 | 3,6% | 21 | 5,9% | |
| Outros exemplos | 10 | 12,0% | 10 | 2,8% | |
| Analogia | 5 | 6,0% | 9 | 2,5% | |
| Personagens mencionadas | Líderes políticos | 27 | 32,5% | 122 | 34,4% |
| Partidos políticos | 14 | 16,9% | 66 | 18,6% | |
| Órgãos de estado | 8 | 9,6% | 22 | 6,2% | |
| Organizações governamentais | 1 | 1,2% | 22 | 6,2% | |
| Celebridade | 9 | 10,8% | 10 | 2,8% | |
| Clube desportivo | 0 | 0% | 18 | 5,1% | |
| Pessoa anónima | 3 | 3,6% | 13 | 3,7% | |
| Advogados/tribunais | 0 | 0% | 13 | 3,7% | |
| Igreja Católica | 0 | 0% | 12 | 3,4% | |
| Perito/a | 0 | 0% | 9 | 2,5% | |
| Estudantes | 3 | 3,6% | 4 | 1,1% | |
| Mulheres | 4 | 48% | 2 | 0,6% | |
| Jornalistas | 2 | 2,4% | 2 | 0,6% | |
| Presença “feminismo” | Sim | 5 | 6,0% | 3 | 0,8% |
| Não | 78 | 94,0% | 352 | 99,2% | |
| Presença “igualdade de género” | Sim | 7 | 8,4% | 10 | 2,8% |
| Não | 76 | 91,6% | 345 | 97,2% | |
| Profissão | Académica | 17 | 20,7% | 104 | 30,5% |
| Direito | 27 | 32,9% | 49 | 14,4% | |
| Escritor/a | 0 | 0% | 46 | 13,5% | |
| Media | 0 | 0% | 38 | 11,1% | |
| Cronista | 0 | 0% | 32 | 9,4% | |
| Política | 4 | 4,9% | 27 | 7,9% | |
| Quadros superiores | 15 | 18,3% | 12 | 3,5% | |
| Jornalismo | 13 | 15,9% | 4 | 1,2% | |
| Colunista | 0 | 0% | 13 | 3,8% | |
Nota: não são apresentados valores ≤ 2.5%.
Fonte: Elaboração própria.
Quanto à profissão exercida por colunistas, 25% dos homens são académicos, enquanto as mulheres se destacam nas áreas de direito, académica, quadros superiores e jornalismo (6%, 4%, 6% e 3%, respetivamente). Através da análise multivariada às variáveis “Tema”, “Profissão” e “Género da/o colunista” constatou-se que as mulheres que escrevem sobre política vêm de campos do direito e de quadros superiores (7% e 5%, respetivamente). Os homens vêm de campos académicos (cerca de 23%), da área dos media (13%) e de direito (13%). Na área da economia, as colunistas vêm de profissões académicas (20%) e os homens da área académica (70%), política (5%) e quadros superiores (5%). Na área da cultura, as mulheres vêm do jornalismo (13%) e medicina (13%), enquanto os homens são cronistas (38%), escritores (25%), ou da área dos media (13%).
5.2. Perceção das colunistas sobre as decisões editoriais
Verificou-se que a maioria das entrevistadas começou a exercer este trabalho recentemente, tendo uma periodicidade fixa no jornal, escrevendo diariamente ou semanalmente. Apenas uma não tinha uma coluna fixa no jornal.
Sobre quais os assuntos que abordam, as colunistas realçam a liberdade de escolha:
Nunca senti da parte do jornal pressão de escrever sobre isto ou sobre aquilo. (Constança)
Muitas referem que escrevem sobre assuntos ligados à sua área de formação, variando entre saúde, direito e economia. Interessam-se também por assuntos humanitários:
Tento dar voz em relação a situações de racismo, sobre feminismo, sobre questões da atualidade. (Leonor)
Relevam, ainda, que escrevem sobre assuntos que “interessam a mulheres”, não se imiscuindo “em coisas técnicas” (Elsa). Sobre o que gostaria de abordar futuramente, Teresa aponta a política nacional, a política digital e a igualdade de género.
As entrevistadas revelaram não terem sentido limitações ao nível da produção ou escolha temática. Afirmam não experimentarem alterações substanciais nos seus artigos e que “o trabalho de edição é muito pequeno, é, às vezes, mudar um tempo verbal, uma vírgula” (Constança).
Sobre a existência de assuntos mais abordados por colunistas em função do género, verificou-se ser difícil uma conclusão. Sandra considera que “há poucos homens que pegam em assuntos mais de igualdade de género”.
Leonor considera que o aborto, tal como outros assuntos tipicamente femininos, é mais abordado por mulheres. Por outro lado, “não há muitas mulheres a falar sobre política” (Elsa); “os homens sempre tiveram mais vontade no que toca ao comentário político” (Teresa). Teresa considera que isto se deve ao facto de as mulheres se limitarem a escrever apenas sobre aquilo em que se sentem realmente confiantes, referindo a síndrome do impostor.
[H]á temas que as pessoas ainda esperam que sejam falados por homens [...]. É sempre muito bonito quando eu escrevo sobre maternidade, porque parece que estou sempre a escrever no sítio certo. Às vezes, eu escrevo sobre outras coisas e recebo comentários completamente misóginos e tolos. (Constança)
Já Rita considera que as mulheres cobrem mais determinados assuntos, “porque se sabe que elas têm na sociedade determinado tipo de posicionamento, sobre determinados assuntos”.
Constança, por outro lado, focou-se na questão dos números:
[U]ma coisa que me perturba profundamente: ontem, no jornal, tu tinhas no site 40 artigos de opinião, quatro escritos por mulheres, 36 por homens.
Rita observou a mesma situação, no site, ao revelar que
eram dez artigos de opinião só de homens, sobre os mais diversos assuntos [...] são poucas as mulheres que lá chegam […]. Chegam, normalmente, porque estão envolvidas em determinados organismos, ou porque são figuras públicas, ou porque tomam um posicionamento público sobre determinadas causas.
No que respeita aos/às editores/as poderem escolher colunistas de acordo com o género, Teresa considera não acontecer. Elsa afirma ter algumas dúvidas. Sandra e Leonor revelam que, nos seus casos, foi uma das razões que levou a serem escolhidas para colunistas, para maior “diversidade”. Sobre se os editores escolhem mais vezes políticos homens do que mulheres, Constança observa que o problema se deve ao facto de os homens estarem nos lugares de topo, havendo poucas mulheres com estas funções. Por outro lado, Elsa considera que jornalistas que passaram a editores/as, e que fazem, atualmente, a seleção de colunistas, tendem a usar as agendas que têm, estando sobretudo homens nestas agendas.
Sobre constrangimentos das colunistas no espaço de opinião, a maternidade e a família foram consensuais.
[S]ou mãe solteira, tenho dois filhos, uma coisa que eu noto é que tenho muito menos disponibilidade de tempo do que alguns colegas homens, porque eu estou sozinha. (Constança)
Teresa considera que o acesso ao espaço de opinião é difícil para as mulheres:
[S]e tu não conheceres ninguém, não é, como é que tu chegas, mesmo que até tenhas muito talento, que os teus artigos sejam muito bons, como é que chegas a poder ter essa oportunidade?
Também Rita concorda, acrescentando que, uma vez garantido o acesso, já não enfrentarão dificuldades pelo facto de serem mulheres:
[M]ais facilmente nós encontramos mulheres que, chegadas a essas plataformas, têm mais coragem de dizer o que entendem, do que homens.
Sandra considera que “o espaço de opinião não tem constrangimento absolutamente nenhum, após a entrada das mulheres nesta plataforma”. O mesmo acontece com Elsa, que não vê constrangimentos por ser mulher.
Relativamente à possibilidade de correção das decisões editoriais sobre pessoas escolhidas para o espaço de opinião, Elsa aponta a questão da diversidade, de “sair da agenda”. Para além disto, referem que “podia haver era um esforço maior para ir incluindo mais autores femininos” (Teresa).
Todas as entrevistadas consideram que existe assimetria de género no espaço de opinião:
A minha página são seis cronistas, seis crónicas […]. Tem uma mulher lá num canto. (Elsa)
Os jornais não estão ainda muito preocupados com questões de paridade. (Rita)
Leonor enfatiza, ainda, que as colunistas têm de enfrentar uma maior “pressão” e que “uma mulher tem de ser ultracompetente para comentar, enquanto um homem pode ser medíocre”.
Em relação ao futuro das colunistas, a “persistência”, o “não desistir”, “não vergar às críticas” são apontados por Constança como aspetos-chave. Teresa foca, ainda, a questão da “confiança”. Rita enfatiza o facto de as mulheres terem de se “unir mais, proteger mais, porque os homens também o fazem”.
Sobre a relação entre a maior presença de mulheres nas colunas de opinião e em órgãos de chefia, referem:
[Q]uantas mais mulheres chegarem ao lugar de direção, mais mulheres conhecem, mais mulheres vão buscar. (Elsa)
[É] um caminho que ainda se insere numa luta maior, que é a luta pela verdadeira igualdade de género, que esperemos um dia chegar lá. (Leonor)
6. Discussão de resultados
Através da análise de conteúdo foi possível caracterizar o espaço de opinião como marcadamente masculino, o que corrobora o estudo de Figueiras (2010), verificando-se pouca evolução, como demonstrado em Cardoso et al. (2024). Este predomínio pode dever-se à direção dos jornais ser ainda dominada por homens, privilegiando normas e valores masculinos, bem como a uma maioria de leitores homens, o que poderá influenciar a escolha dos editores (Figueiras 2011). Ainda assim, o Público tem uma menor discrepância no número de mulheres e homens colunistas, o que por outro lado refuta o estudo de Figueiras (2010), em que o Expresso e o Público tinham, em 2005, quatro vezes mais homens do que mulheres. As assimetrias de género foram sentidas pelas entrevistadas, embora afirmassem que o género não é considerado no processo de seleção como colunistas. Esta ideia já tinha surgido (Lobo et al. 2015), quase nunca considerando o género como critério de seleção de comentadores/as.
A política foi o tema mais abordado no espaço de opinião, por homens e mulheres. Apesar de terem uma presença reduzida, as colunistas escrevem sobre temas de relevância, o que corrobora o estudo de Harp, Bachmann e Loke (2014). Contraria, porém, Figueiras (2010), cujo estudo indicava que as mulheres se centravam em questões culturais e sociais. As entrevistas mostraram uma perceção errónea da maioria das colunistas sobre não haver muitas mulheres a falar de política, já que a análise de conteúdo mostrou o oposto. Também no estudo de Harp, Bachmann e Loke (2014) já tinha sido concluído que as mulheres participam em trocas de opiniões sobre assuntos políticos. No entanto, as entrevistadas percecionam uma subvalorização da sua opinião sobre política e, inversamente, aprovação do público quando escrevem sobre temas considerados femininos, porque estariam na sua área de aptidão. A ideia de que o público espera que as mulheres abordem certos temas pode ainda influenciar a decisão dos editores. Para mais, o desporto continua a ser um tema apenas abordado por homens neste estudo. North (2016) já tinha concluído que os assuntos de desporto continuavam a ser cobertos nos jornais maioritariamente por homens.
A teoria do gatekeeping (Shoemaker et al. 2001) ajuda a compreender a persistência de uma masculinização nos espaços de opinião, construída por decisores de topo nos meios informativos que funcionam como gatekeepers do privilégio dos homens nestes espaços. Apesar desta forma de controlo, já relativamente à construção da agenda pela definição temática neste espaço que permite selecionar, processar e filtrar informações (Valenzuela 2019), as entrevistadas afirmaram decidir os temas, podendo direcionar a atenção do público para os tópicos pretendidos. Também se verificou que, considerando o segundo nível desta teoria de enquadramento ou framing (Entman 1993), enquanto processo de seleção e saliência, as colunistas não detetaram censura, sentindo-se livres para destacar certos aspetos e podendo promover uma interpretação ou avaliação moral.
Embora alguns estudos mostrem que as mulheres colunistas são, na maioria, jornalistas com uma longa carreira (Harp, Bachmann & Loke 2014), neste espaço as mulheres advêm de quatro áreas: direito, académica, quadros superiores e jornalismo, relacionadas com áreas de conhecimento e poder.
Nos artigos analisados, a presença dos termos “igualdade de género” e “feminismo” foi reduzida, tal como noutros contextos (Harp, Bachmann & Loke 2014), mas também em Portugal (Cerqueira, Taborda & Pereira 2023). Estes são assuntos ainda pouco comentados no espaço de opinião, mas, nos poucos casos em que são abordados, verificaram-se diferenças na forma como são produzidos, porque as colunistas apresentam dados concretos.
Para as colunistas, a vida familiar e a maternidade constituem uma limitação ao desempenho da atividade, o que corrobora estudos anteriores (Lobo et al. 2015). Por outro lado, as entrevistadas compreendem que têm de produzir conteúdos de extrema qualidade, enquanto um homem pode ser medíocre, o que corrobora também o estudo de Silveirinha e Simões (2016). No entanto, se no presente estudo as mulheres não constataram desigualdades de género, parece haver uma consciencialização, porque as entrevistadas reconheceram a existência de assimetrias de género a resolver no espaço de opinião, o que corrobora ainda o estudo de Silveirinha, Lobo & Simões (2024).
7. Conclusões
O espaço de opinião continua marcadamente masculino, designadamente no tema desporto, com os artigos de maior dimensão assinados por homens. A política é a temática mais abordada, em oposição aos temas relacionados com o género.
As colunistas verificaram assimetrias de género no espaço de opinião e, embora não percecionem restrições à produção dos seus artigos, identificaram como maior problema o acesso e como grande constrangimento a conjugação entre a vida pessoal e profissional. A falta de perceção de restrições pode ser compreendida pela cultura organizacional, que permanece normalizadora de assimetrias, patentes no baixo número de mulheres nestes espaços.
Uma lacuna identificada neste estudo é a não inclusão de perguntas que pudessem abordar o posicionamento ideológico, mas é uma pista para investigações futuras, nas quais seria também importante estudar decisores/as e editores/as para compreender melhor os processos de gatekeeping e de tomada de decisão. Por outro lado, e do ponto de vista da aplicação, parece ainda importante desenvolver abordagens práticas e de formação que permitam a tomada de consciência sobre as assimetrias de género e a importância do desenvolvimento de artigos sobre questões de género nestes espaços.
Concluímos que persistem desigualdades de género, com segregação vertical e horizontal, num espaço socialmente relevante de construção de opinião. Enquanto os assuntos políticos mantêm o destaque, as questões feministas e de igualdade de género mantêm a invisibilidade. Embora se verifiquem transições, com inclusão de mais mulheres colunistas, continuam a ser uma minoria nestes espaços, assim como continuam a existir resistências de género.














