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Faces de Eva. Estudos sobre a Mulher

versão impressa ISSN 0874-6885

Faces de Eva. Estudos sobre a Mulher  no.38 Lisboa dez. 2017

 

DIÁLOGOS

Entre o Ocidente e o Oriente - Visões diplomáticas sobre as mulheres

Francisco Seixas da Costa, Zehra Akbari


 

Até o 25 de Abril de 1974, a carreira diplomática esteve, em Portugal, legalmente vedada às mulheres. Nas últimas décadas, apesar dos significativos progressos feitos no que respeita à presença de mulheres no serviço diplomático, ainda estamos longe de uma exigível paridade, particularmente nas posições de maior relevo.

Foi, precisamente, para refletir sobre esta e outras questões que o Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas, em colaboração com a Associação de Mulheres Embaixadoras[1] e o Instituto Diplomático, organizou, em outubro de 2016, a conferência Mulheres na Diplomacia. O debate abordou as várias, e divergentes, perspetivas sobre a relevância do contributo das mulheres nesta particular área de intervenção política.

Questionou-se a visão e as prioridades da política externa centrada em preocupações tipicamente masculinas, associadas a temas de defesa e segurança tradicionais, relegando para segundo plano o desenvolvimento ou a prevenção de conflitos, áreas em que uma forma diferente de fazer as coisas e competências específicas trazida pelas mulheres à diplomacia poderiam consistir numa mais-valia.

Ou será que a participação das mulheres deve aumentar, em número e importância dos postos, não por qualquer característica própria de género, mas porque são cidadãs de pleno direito e devem estar igualmente representadas e ver os seus interesses e pontos de vista refletidos em todas as áreas? Convidamos a Senhora Embaixadora do Paquistão e o Senhor Embaixador Seixas da Costa, de origem geográfica e cultural diferentes, para nos ajudarem a refletir sobre os desafios que se colocam às mulheres que optam por uma carreira diplomática, procurando respostas para questões como: As mulheres diplomatas enfrentam desafios específicos? Como podem a diplomacia e a política externa saírem reforçadas pela participação das mulheres? Ter mulheres em posições diplomáticas de relevo faz de facto a diferença? Como é que estas questões se colocam em diferentes regiões do mundo? As experiências das mulheres diplomatas são semelhantes ou diferem consoante o seu contexto social, cultural e político?

O objetivo destes Diálogos é o de responder a estas questões, através das perspetivas do Embaixador Francisco Seixas da Costa e da Embaixadora Zehra Akbari.

Sabemos que, em Portugal, só após o 25 de Abril foi possível as mulheres acederem ao cargo de embaixadoras. Como equacionar o exercício da democracia e o cargo de embaixador/a? Como se justificava esse impedimento? Como se perspetiva hoje esta questão em países como Portugal e o Paquistão?

Embaixador Francisco Seixas da Costa: O acesso das mulheres ao exercício de certas profissões mais especializadas, bem como a possibilidade de poderem ascender ao topo das respetivas carreiras, esteve limitado até muito tarde na História, na generalidade dos países. Demorou muito tempo, e obrigou a grandes lutas feministas, a superação dessa proibição. Creio que praticamente ninguém conseguirá referir o nome de uma embaixadora, representando um qualquer país, na primeira metade do séculoXX. Por isso, a ditadura portuguesa, por esse tempo, não se afastava muito do resto do mundo nesse domínio. Porém, o que é revelador do atraso que marcava já então a sociedade portuguesa é o facto de o nosso país não ter acompanhado a onda de modernidade que, no domínio do progressivo acesso das mulheres às diversas profissões, atravessou muitas sociedades a partir de então.

Até 1974, embora algumas mulheres já fizessem parte dos quadros técnicos do Ministério dos Negócios Estrangeiros português, não lhes era reconhecida a possibilidade de integrarem a categoria “nobre” da casa a carreira diplomática. Foi Mário Soares, em novembro desse ano, enquanto ministro dos Negócios Estrangeiros da jovem democracia, quem decidiu abrir a diplomacia às mulheres, acabando com essa ridícula limitação. Por coincidência, foi também esse o concurso de admissão em que eu próprio ingressei na carreira, pelo que tenho sempre um grande orgulho em dizer que faço parte desse primeiro grupo misto de diplomatas portugueses. Repito: essa foi também uma vitória permitida pelo 25 de Abril. Nos dias de hoje, as mulheres têm uma importante presença no contingente diplomático português, ocupando postos e cargos de chefia da maior relevância, como foi o caso, até há pouco, do lugar mais elevado da hierarquia diplomática portuguesa o de Secretário-Geral do Ministério dos Negócios Estrangeiros. A completa igualdade de géneros que hoje vigora na diplomacia portuguesa é também provada pelo facto de não caberem às mulheres apenas postos externos com vida menos penosa. Com efeito, muitas diplomatas ocuparam já no passado, e hoje também, postos com um quotidiano muito difícil, em locais remotos, em total igualdade de circunstâncias com os seus colegas masculinos. Creio que, nos dias de hoje, as diplomatas femininas apenas não são designadas para alguns países islâmicos onde as mulheres são ainda objeto de fortes limitações no seu quotidiano. Esperemos que também isso possa mudar um dia.

Embaixadora Zehra Akbari: In Pakistan, we have seen women making to the high position of diplomacy in the early years of our creation. Begum Raana Liaqat Ali Khan was a staunch believer and fighter for the rights of women. She was Pakistan's Ambassador to Netherlands, Tunisia and Italy in the early 1950s. Begum Shaista Ikramullah represented Pakistan in the UN on a number of occasions. She was Pakistan's Ambassador to Morocco from 1964-67.

In recent years, we have seen a significant increase in the number of women serving in the diplomatic field. Female Ambassadors have become more prominent and they have gained more visibility. Currently women constitute 23% of the total officer strength of the Foreign Service of Pakistan. Although the number is not high enough, there is indeed improvement in the visibility and the space gained by women diplomats over the years. The gender imbalance is there but efforts are also underway to bridge the gap. In more recent batches induction of female officers in the diplomatic service is almost 50%. Several senior lady officers are serving as Ambassadors and others are holding senior positions in the Ministry. They are holding important assignments at the Missions in New York and Geneva and also at Vienna, Brussels, The Hague and several other capitals. Ms Hina Rabbani Khar was the Foreign Minister in the last government and Ms. Tehmina Janjua is the current Foreign Secretary of Pakistan. There is now a larger recognition of merit and impartiality in nominations and appointments for key diplomatic positions.

Existe uma associação de mulheres embaixadoras em Portugal. Poder-se-ão encontrar algumas particularidades no exercício feminino/masculino do cargo de embaixadora/embaixador? Haverá perceções diferentes de acordo com os países onde são exercidas as funções?

Embaixador Francisco Seixas da Costa: Acho muito interessante a existência de uma associação que junte as diplomatas estrangeiras que, em Lisboa, exercem funções de chefia de missão. É importante potenciar o diálogo no seio da “condição feminina” em diplomacia. Isso permitirá comparar experiências, revelar as “melhores práticas”, criar um “networking” que permita, por exemplo, ajudar a fazer evoluir a consciência à escala global, tentando alterar a circunstância de, em alguns países, a atribuição de postos de embaixador a mulheres ser ainda hoje uma raridade.

Quanto à “especificidade” do trabalho feminino na diplomacia, da minha experiência de quase quatro décadas no setor, metade das quais com responsabilidades de governo ou de chefia de missões como na ONU ou em França, tendo trabalhado também em países tão diferentes como a Noruega ou Angola, a Áustria ou o Brasil, passando por Londres, vou confessar algo que pode desiludir alguns leitores: não encontro caraterísticas específicas que qualifiquem, positiva ou negativamente, o exercício de funções diplomáticas por mulheres. Encontrei diplomatas femininas excecionalmente competentes e outras bastante incompetentes, algumas com elevada sensibilidade e outras sem um mínimo de abertura à diversidade cultural dentro das sociedades onde atuavam, enfim, encontrei boas e más diplomatas exatamente tal como os seus colegas com que me cruzei. Obviamente que certas sociedades e postos motivam, uns mais outros menos, o interesse dos diplomatas, mas, uma vez mais, não encontro diferenças entre as mulheres e os homens nessa atividade. Mas posso ser eu quem está a ver mal as coisas...

Embaixadora Zehra Akbari: In Portugal, the Association of Women Ambassadors (AWA) is very active. Such associations are not unique to Lisbon. In my pervious postings as well, there were such groups equally active and dynamic. I must add, however, the Women Ambassadors Group in Lisbon is extremely privileged because of the support, patronage and encouragement from His Excellency the President of Republic, Professor Marcelo Rebelo de Sousa who is a proponent of equality in diplomacy and a great feminist. Under the high patronage of President of the Portuguese Republic, AWA organised two conferences: “Women in Diplomacy “in 2016 and “Women in Leadership” in 2017. Both the events provided an opportunity to discuss and understand the role of women in diplomacy, in leadership and in various aspects of life. Dialogues of this nature are helpful in knowing the circumstances in other countries and also relating your own experiences with them.

As regards specific tasks according to gender, I do not think, there are different perceptions regarding the work according to country where the Ambassador is accredited. Generally speaking, role of the Ambassador whether male or female is to promote interest of his or her country and work for expanding ties in various fields. The Foreign Service of Pakistan makes no distinction between women and men Ambassadors. Both are expected to contribute towards building Pakistan's ties with host country while serving as Ambassadors abroad. Performance evaluation criteria for both male and female ambassadors is the same and both are equally judged by the same yardstick.

Nos últimos tempos, vários países muçulmanos têm sido representados em Portugal por embaixadoras. Esta tendência repete-se em outros países de Europa? Articula-se com a necessidade de desfazer estereótipos europeus face às realidades vividas pelas mulheres em outras sociedades?

Embaixador Francisco Seixas da Costa: Não tenho elementos que me permitam fazer uma leitura comparada das várias situações. Diria, no entanto, que é um sinal encorajador da evolução de muitas sociedades, onde o papel da mulher tem sido persistentemente subalternizado, ver esses Estados hoje já representados por diplomatas femininas. Será uma tentativa de melhorar a imagem exterior desses países? Não creio, sou tentado a pensar que se trata de um reflexo da evolução interna desses países. Mas, ainda que houvesse um objetivo deliberado de colocar mulheres como embaixadoras apenas para dar do país uma ideia diferente, isso significaria já a existência de uma consciência de que esse é o caminho do futuro, o que já seria em si um facto positivo.

Embaixadora Zehra Akbari: I cannot speak for Ambassadors from other Muslim countries. What I can say for Pakistan is that we have a system of posting and transfers, which the Ministry of Foreign Affairs follows, taking into account the career plan of the officers. Posting of Ambassadors is governed by a certain criteria of procedure and expertise.

I have served in different capitals in Asia, Oceania, Europe, and North America. I have seen women diplomats representing in different countries with complete ease and efficiency. Women diplomats have been posted in different regions and countries, including most prized or difficult posts. They would not shy away from taking challenging assignments as it is part of their training to deal with all situations. It is for substance and not for creating any impression that women Ambassadors are sent to any post.

Na carreira diplomática há um incentivo à participação feminina e a possibilidade de conciliar família e carreira? Ou existem dificuldades pessoais e familiares acrescidas para as mulheres ao optarem pela diplomacia?

Embaixador Francisco Seixas da Costa: A profissão diplomática do passado era muito simples: os homens assumiam as funções diplomáticas

e as mulheres eram as esposas, “donas-de-casa”, para deixar as coisas aqui com todas as letras. A chegada das mulheres à vida diplomática não foi fácil, porque as sociedades não estavam preparadas para adequar as responsabilidades profissionais de uma mulher diplomata com o equilíbrio no casal das tarefas domésticas e de acompanhamento dos filhos. Foi preciso haver uma mudança de mentalidades, nomeadamente pela evolução do papel familiar dos cônjuges homens, para se chegar ao ponto a que hoje se chegou, mais equitativo na distribuição de tarefas extraprofissionais. Mas não nos iludamos: há ainda um longo caminho a percorrer. Uma nota curiosa que gostaria de deixar é o facto de algumas carreiras diplomáticas terem vindo a tentar compatibilizar a situação de diplomatas casados, procurando tendencialmente colocá-los em postos próximos, por forma a permitir uma vida mais fácil para ambos. No caso português, não havendo nenhuma regra escrita sobre a forma de tratar este assunto, o bom senso tem permitido, algumas vezes, resolver o problema, em alguns tempos da carreira de ambos.

Embaixadora Zehra Akbari: In Pakistan, we follow a system of recruitment of civil servants through competitive examinations which are held annually. Allocation for Foreign Service is made on the basis of merit and the preferences of the applicant, irrespective of gender.

The Ministry of Foreign Affairs of Pakistan maintains a family friendly policy and gives due consideration to family needs on case to case basis. But that cannot be expected as a rule. Particularly, at senior level, it becomes challenging for the Ministry to accommodate such requests. The Foreign Service lady officers are balancing demands of the professional life and requirements of the family which, of course, is not always easy. Since the profession of diplomacy is essentially itinerant, the family of a diplomat has to make sacrifices or adjustments. They have to encounter many challenges including problems of languages, children's education, job of the spouse, adjustment to strange customs and climatic conditions. These factors assume special importance in the case of women diplomats. These problems are universal and not confined to one culture or geography.


Sobre que outras questões gostariam de refletir neste diálogo entre uma mulher e um homem cuja função é idêntica, embora representantes de países tão distintos, quer geográfica, quer culturalmente?

Embaixador Francisco Seixas da Costa: Acho que é muito importante continuar a discutir, no âmbito internacional, a questão do pleno acesso da mulher, não apenas às carreiras diplomáticas, mas, principalmente, aferir se as mulheres ascendem de facto, nas estruturas hierárquicas dos respetivos países, aos lugares de direção e chefia de topo, no seio dos respetivos ministérios. Avaliar comparativamente as práticas dos diversos países, sem ter receio de fazer um “name and shame” dos casos mais negativos, pode ajudar muito a garantir a prevalência e a progressiva generalização da desejável igualdade de oportunidades.

Embaixadora Zehra Akbari: Discussion on the status of women is essential because it is an extremely misunderstood subject. Historically, the global society has been patriarchal and male dominated. While many societies, particularly in the west, have evolved over the time and brought improvement in the lot of the women, but much is still required. Gender gap persists everywhere, we see few women represented in national parliaments. There are very few organizations which have female CEOs. This reflects the mindset which evolved over a period of centuries and has not yet changed fully. At the same time, women's backwardness is also a function of economic conditions, which influence the status of women in the society, particularly in less developed societies.

Pakistan is a progressively modern Muslim country on the path of economic progress and development. As in other countries of the world, the debate on the role and status of men and women continues in Pakistan also. There is now larger participation of women in all walks of life and they are joining all professions including the diplomatic service. Successive governments and the civil society in Pakistan have brought significant improvement in the women's lot.

 

[1] A Associação de Mulheres Embaixadoras em Portugal surgiu, em 2014, por iniciativa da embaixadora paquistanesa Leena Salim Moazzam, reunindo 23 embaixadoras de todos os continentes: Paquistão, Emirados Árabes Unidos, Cabo Verde, Moçambique, África do Sul, Nigéria, Timor-Leste, Austrália, Reino Unido, Finlândia, Irlanda, Suécia, Cuba, Panamá, Marrocos, Turquia, Letónia, Hungria, Tunísia, Argélia, Chipre, China e Andorra.