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Faces de Eva. Estudos sobre a Mulher

versão impressa ISSN 0874-6885

Faces de Eva. Estudos sobre a Mulher  no.43 Lisboa jun. 2020

https://doi.org/10.34619/7nqx-0865 

PIONEIRAS

Dina Pedro

Pioneira nas artes marciais em Portugal

Indira Leão*

* Investigadora. Universidade NOVA de Lisboa, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, Centro Interdisciplinar de Ciências Sociais, Faces de Eva. Estudos sobre a Mulher 1069-061 Lisboa, Portugal indiravicenteleao@gmail.com


 

 

 

Dina Pedro, conhecida como Dinamite, nasceu a 9 de dezembro de 1976 e é uma atleta profissional nas artes marciais, nomeadamente em muay thai e kickboxing. Com uma carreira marcante no desporto, consagrou-se campeã mundial de kickboxing em 1999 e 2001. Foi bicampeã mundial de thai boxing de 2004 a 2005 e campeã mundial de muay thai em 2007.

Dos 33 combates a título profissional, contam-se duas derrotas e 31 vitórias, duas delas por nocaute (quando o oponente fica incapaz de lutar). Com uma carreira invejável para qualquer atleta, Dina Pedro tem a particularidade de ser uma mulher inserida num tipo de desporto ainda muito conotado com o masculino. Fundou a Dinamite Team, uma escola de muay

thai com uma secção localizada em Lisboa e outra em Mafra, nas quais treina vários atletas para campeonatos europeus e internacionais. Nos estranhos tempos que correm de distanciamento social, Dina Pedro teve a amabilidade de responder às nossas questões sobre a sua experiência profissional e pioneirismo nas artes marciais em Portugal, via e-mail.

De onde vem a sua paixão pelas artes marciais?

A minha paixão pelas artes marciais surgiu em criança, penso que por influência dos filmes.

E quando era criança, tinha alguma(s) figura(s) de referência ligada(s) às artes marciais?

Em criança tinha como referência o Bruce Lee, mas na altura praticava atletismo e era fã da Rosa Mota.

Teve a influência de algum familiar para a prática das artes marciais?

Não, nem nas artes marciais, nem no desporto em geral.

Sempre se imaginou a fazer das artes marciais a sua vida?

Não, a partir de certo momento comecei a sonhar com isso, mas confesso que não achava possível.

Quando é que se apercebeu de que queria seguir profissionalmente nas artes marciais?

Penso que foi mais ou menos três ou quatro anos depois de iniciar. Pensei: “Vou ser boa nisto”; acordava a pensar em treinar e adormecia a pensar nos treinos.

Como foi a reação da sua família à paixão e decisão de seguir uma carreira profissional nas artes marciais?

Eles achavam que devia seguir outros caminhos profissionais, por preocupação financeira, o que entendo perfeitamente. Viam o mesmo esforço diário, e parecia que os frutos nunca iriam chegar. Conseguir viver exclusivamente do muay thai foi uma luta dura. Tive outros trabalhos em paralelo até conseguir.

Pedi à família que me deixasse tentar, e eles deixaram; esse apoio foi fundamental.

Pode elucidar-nos, a nós, pessoas leigas no que respeita às artes marciais, sobre o que são o muay thai, o kickboxing e o thai boxing?

O muay thai é originário da Tailândia e permite o uso de pernas, joelhos, punhos e cotovelos, o corpo a corpo. O thai-boxing é aquilo que os europeus, há uns anos, chamavam quando se combatia muay thai sem o uso do cotovelo.

O kickboxing surge na década de 70, nos Estados Unidos, e em grande parte deriva do karaté. Aqui só é válido o uso de pernas e punhos. Nos últimos anos surgiu uma variante chamada K1, em que se pode usar também o joelho.

Em que arte marcial começou o seu percurso, e quando?

Em 1996, em kickboxing.

Como se deu a sua passagem por três artes marciais (muay thay, kickboxing e thai boxing)?

O thai boxing é muay thai; na Europa chamam thai boxing quando se tira o uso dos cotovelos. A passagem do kickboxing para o muay thai ocorreu de uma forma natural: eu treinava numa escola onde inicialmente se ensinava kickboxing e que gradualmente passou para muay thai.

Em 2001 veio um treinador tailandês para Portugal, e tive a oportunidade de treinar com ele durante um ano. E a partir daí passei a ter uma paixão maior pelo muay thai.

Descreva-nos o seu impressionante percurso profissional no muay thay, kickboxing e thai boxing com as suas vitórias internacionais.

O meu percurso profissional começou em 1996, e nesse mesmo ano sagrei-me campeã da Europa; em 1997 consegui o mesmo feito, e em 1999 fui campeã do mundo. Em 2001 voltei a ser campeã do mundo.

No ano de 2001 tive a oportunidade de praticar com um treinador tailandês, que estava a viver em Portugal. Nesse ano fui à Tailândia pela primeira vez e combati lá, vencendo dois combates.

Em 2004 e 2005 sagrei-me campeã mundial de thai boxing e em 2007, de muay thai.

Qual foi a sensação de competir pela primeira vez fora de Portugal?

Não é uma sensação, mas o que mais queria era mostrar o valor dos portugueses.

Pode contar-nos mais sobre a sua experiência em competição internacional?

A nível profissional só fiz um combate com uma atleta portuguesa, os restantes foram todos com atletas estrangeiras. Mas a nível internacional já tenho mais experiência como treinadora do que como atleta.

O que mais fica nas experiências internacionais é o respeito que ganhamos e as amizades espalhadas pelo mundo.

Quando começou a sua carreira, era talvez a única mulher inserida no meio. Fale-nos sobre essa experiência.

Já existiam algumas mulheres praticantes e até competidoras, mas muito poucas. Sempre fui bem-recebida pelos colegas homens, que sempre me trataram como colega de treino de igual forma.

Em algum momento se sentiu descredibilizada ou sentiu que tinha de ultrapassar mais obstáculos por ser mulher?

Descredibilizada nunca me senti, penso que consegui o respeito de todos pelo meu esforço. No entanto ainda hoje as mulheres recebem menos do que os homens por combate do mesmo nível, e há mais dificuldade na rodagem competitiva.

Quando iniciou a sua carreira, não existiriam talvez muitas mulheres a competir. Fazendo uma retrospetiva, crê que existem mais mulheres atualmente a interessarem-se pelas artes marciais e a competir? Se sim, na sua opinião quais as razões que levam a este interesse feminino por um desporto culturalmente tão conotado com o masculino?

Atualmente existem muitas mulheres a treinar e a competir, o que me deixa muito feliz, e a tendência é que esse número continue a aumentar. Penso que cada vez mais vai desaparecendo o rótulo de desportos para homens. Acho que há mais conhecimento da modalidade e as mulheres percebem que não se vão magoar por a praticar.

As razões que levam cada vez mais mulheres a praticar artes marciais, é o facto de ser um desporto supercompleto, para manter o corpo e a mente sãos; é uma superação constante e possível para todos. Dá-nos autoconfiança, que é tão importante para tudo na vida.

Pode dizer-nos como é ser atleta de artes marciais em Portugal? Quais as dificuldades e quais os pontos positivos e negativos da modalidade no país.

Na realidade é muito difícil. Não há apoios, e a maioria dos atletas trabalha para conseguir ser atleta. Não temos muitos eventos profissionais, e faltam-nos mais seguidores. Tenho alguns atletas que são mais reconhecidos no estrangeiro do que em Portugal.

Quando é que decidiu deixar a competição? E por que motivos?

Decidi deixar a competição para me dedicar cem por cento à atividade de treinadora. Na altura já começava a ter alunos com um bom nível competitivo, e era impossível conseguir ser boa atleta e boa treinadora num nível de exigência alto. Foi em 2007, e nesse ano ganhei pela primeira vez o prémio de treinador do ano.

Fale-nos sobre o seu projeto Dinamite Team.

A Dinamite Team surgiu em 2001, quando comecei a levar os primeiros atletas a competição, ainda muito como uma brincadeira.

Hoje em dia, é a equipa em Portugal com mais atletas profissionais e com mais títulos internacionais. Quarenta por cento dos nossos praticantes são mulheres.

Ensinamos e cuidamos de todos, sejam atletas de manutenção ou competição. Queremos que todos possam aprender e apaixonar-se pelo muay thai.

Setenta e cinco por cento dos nossos praticantes são de manutenção, vinte e cinco por cento de competição. Todos eles treinam juntos num espírito de interajuda; dessa forma conseguimos que cresçam como atletas e como pessoas.

Considera-se uma referência desportiva para todas as meninas que sonham ser atletas?

Como atleta, fui uma referência para muitas atletas, que agora são essa referência para estas meninas.

Neste momento sinto que sou uma referência para novos treinadores/ as. Mostrei que, com trabalho e mesmo sem apoios, é possível elevar a fasquia, e estarmos em grandes eventos pelo mundo fora.

Infelizmente, existem alguns estereótipos com os quais crescemos como é o caso de “o desporto não é para meninas”. Tem alguma mensagem de encorajamento para as meninas que querem tornar-se atletas profissionais nas artes marciais?

Não existem desportos para homens nem para mulheres; existe o desporto com o qual a pessoa se identifica, e esse é o seu desporto. Fazer a diferença depende de nós.

Quando se tem a capacidade de sonhar, tem-se a capacidade de realizar.