Somos mortais em nossa manifestação aparente, imortais
na substância. Somos o círculo de infinitos discretos,
a diferença entre o máximo e mínimo, esse quê de extensão
e duração que em sua cantabile continuidade persiste
suspenso na mais dolorosa voz. Somos a roda no instante
do naufrágio, a partida em si já um regresso: de tudo
precisamos até do inferno quando o tempo se esgota como
simulacro da memória. Somos o planeta, terra não isenta
de lamento nem o coração do susto. Somos a circunferência;
sabemos: o que morre tem tantas vidas quantas as estrelas.
Escondemo-nos numa elipse e assim tocamos o limiar das
extremidades, conscientes de que o amor não é preservação
nem cativeiro e o prazer tem a forma de uma carta escarlate.
Somos o anel, sete vezes aberto, sete vezes fechado, a melodia
depois da agonia, assombro, desvio submerso. Somos a prudência
e o excesso, o bruxedo e o feitiço, o tacto, veloz ou lento, depois
do sol poente; a imaginação do que nunca foi. Somos isto e o seu
contrário, causa primeira de um teatro animado. Somos
a reminiscência de um quarto pelo qual dançamos até morrer.
Fonte: Gastão (2004).