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Faces de Eva. Estudos sobre a Mulher

versão impressa ISSN 0874-6885

Faces de Eva. Estudos sobre a Mulher  no.48 Lisboa dez. 2022  Epub 20-Fev-2023

https://doi.org/10.34619/1xqo-unle 

Estudos

A composição da “mulher-paisagem” em Les Fleurs du Mal de Charles Baudelaire

The composition of “landscape-woman” in Charles Baudelaire’s Les Fleurs du Mal

Marta Cristina Mendes Bragai 
http://orcid.org/0000-0002-7483-2753

iUniversidade NOVA de Lisboa, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, Instituto de Estudos de Literatura e Tradição (IELT), 1099-085 Lisboa, Portugal. Email: martbraga@hotmail.com


Resumo

Propõe-se, neste artigo, pensar a noção de “mulher-paisagem” no imaginário literário de Charles Baudelaire. Articuladas com as considerações do autor sobre a maldade, tal noção será analisada em diversos textos ensaísticos, nomeadamente em Notes Nouvelles sur Edgar Poe, em Le Peintre de la Vie Moderne e em Salon de 1859, como em alguns poemas de Les Fleurs du Mal, onde a mulher e a paisagem devêm uma na outra, sendo a mulher toponomizada e a natureza feminilizada, formando uma composição híbrida e indiscernível no que respeita à definição de fronteiras conceptuais.

Palavras-chave: mulher; paisagem; mal; erotismo

Abstract

In this paper, will analyze the notion of “landscape-woman” in the literary imaginary of Charles Baudelaire. In articulation with the author’s considerations on evil, such notion will be analyzed in several essayistic texts, namely in Notes Nouvelles sur Edgar Poe, in Le Peintre de la Vie Moderne and in Salon de 1859, just like in some poems from Les Fleurs du Mal, where woman and landscape become each other, being woman toponomized and the landscape feminized, forming a hybrid and indiscernible composition as far as the definition of conceptual boundaries is concerned.

Keywords: landscape; woman; evil; eroticism

Notas introdutórias

Propõe-se, neste estudo, pensar a estetização da figura da mulher em articulação com os temas da paisagem, da crueldade e da morte, em poemas seleccionados de Charles Baudelaire. Interessa-nos compreender o uso de determinadas imagens como a flor, a água e a morte enquanto símbolos de feminilidade e, ao mesmo tempo, de fragilidade, que é efectuado nesse mesmo corpus literário.

A título introdutório, refira-se que Charles Baudelaire foi, através de diversas iniciativas (onde pontifica a tradução), o principal impulsionador da obra do norte-americano Edgar Allan Poe (1809-49) em França. Autor de uma obra poética, ensaística e narrativa incontornável na modernidade, Allan Poe discorre sobre os conceitos de perversidade e de crueldade em muitos dos seus contos, tendo, com eles, influenciado a estética literária vigente. Numa das páginas de Notes Nouvelles sur Edgar Poe, publicado em 1857, Baudelaire expressa interessantes considerações sobre o pensamento deste autor. Dentre elas, faz notar que Poe “a imperturbablement affirmé la méchanceté naturelle de l’homme”, evocando a “Perversité naturelle” que faz dele um joguete de forças inconscientes. É inquestionável que Baudelaire secunda Poe na defesa do mal como algo que já nasce com o Homem:

Il est agréable que quelques explosions de vieille vérité sautent ainsi au visage de tous ces complimenteurs de l’humanité, de tous ces dorloteurs et endormeurs qui répètent sur toutes les variations possibles de ton: “Je suis né bon, et vous aussi, et nous tous, nous sommes nés bons!” oubliant, non! feignant d’oublier, ces égalitaires à contresens, que nous sommes tous nés marqués pour le mal! (Baudelaire, 1976, p. 323)

A influência das ideias de Poe na obra de Baudelaire fica patente também no título da sua obra poética Les Fleurs du Mal, onde a flor, elemento natural com uma tradição simbólica associada à beleza, surge em combinação com um valor moral negativo. As flores e as mulheres, tal como o escritor argentino Jorge Luis Borges (1899-1986) fez notar numa das conferências que deu em Harvard nos anos de 1967 e 1968, intitulada “The Metaphor”, são frequentemente usadas nos discursos poéticos em termos comparativos: “And now we will go on to something that may cause you to smile: the comparison of women to flowers, and also of flowers to women” (Borges, 2000, p. 27).

Também o filósofo francês contemporâneo Jean-Luc Nancy (1940-2021) faz uso da imagem da flor para completar a definição de “distinto”. Segundo este autor, a imagem é o distinto, é o impalpável, é “une chose qui n’est pas la chose: essentiellement, elle s’en distingue” (Nancy, 2003, p. 13). Quer isso dizer que a imagem tem de se distanciar da coisa, tem de se destacar, tem de se pôr à frente dos nossos olhos, embora não se possa descartar da coisa da qual faz parte. Consegue-se então discernir o que é a imagem como o que está “à flor da pele”: “Ce qu’il transporte donc auprès de nous, c’est son déchaînement lui-même, que la proximité n’apaise pas et qui reste ainsi à distance: juste à la distance du toucher, c’est-à-dire à fleur de peau” (Nancy, 2003, p. 20).

A imagem de Les Fleurs du Mal corresponde a esse “distinto” de Jean-Luc Nancy, pois tal imagem é já outra coisa que se destaca da flor, mantendo-se, contudo, a ela unida. A imagem-metáfora da flor é ela mesma a expressão de uma percepção, ou seja, de compreensão do mundo enquanto acontecimento da ordem do aparente, do instável e do metamorfoseável. A efemeridade e a alteridade existenciais a que estão sujeitas estas flores contrastam com as ideias de permanência e imutabilidade essenciais da beleza artística coeva de Charles Baudelaire. O processo orgânico e dinâmico de uma flor contrasta com o processo concluído, estatuído e imutável de uma obra de arte. A flor representa por isso uma metáfora portadora de sentidos inexauríveis, que são renováveis a cada instante, correspondendo ao momento de saída de si ao outro, ao abrir-se ao mundo através da exposição do seu próprio ser, com a abertura da corola e a exibição das suas pétalas. Enuncia-se assim, nesta colectânea de poemas, a combinação de imagens que associam a beleza, a sensualidade e o erotismo femininos ao mal.

A estética baudelairiana rompe com a tradição platónica de associação entre o Bem, o Belo e o Eterno em oposição ao Mal, ao Feio e ao Efémero, a que o Cristianismo deu continuidade. Esta colectânea, como será oportunamente demonstrado, ilustra uma relação muito mais simbiótica e complexificada entre os valores do bem, do mal, da eternidade, da efemeridade, da beleza e da fealdade. A busca pelo “novo”, que também norteia a estética de Baudelaire, faz com que ele procure “extraire la beauté du Mal” (Baudelaire, 1975, p. 791). A sua obra propõe uma perspectiva inaudita de Beleza, associada a valores que, tradicionalmente, em nada se lhe associam: “Le beau est toujours bizarre” (Baudelaire, 1976, p. 578).

Do exposto, infere-se que a obra de Baudelaire não questiona apenas os valores estéticos tradicionais. Mario Richter, especialista da obra de Baudelaire, afirma que o objectivo desta colectânea é o de pôr em causa, em concomitância, os conceitos de realidade e de poesia: “En résumé, le but fondamental de l’œuvre baudelairienne consiste à montrer que ce qu’on appelle la réalité n’est pas la vraie réalité et ce qu’on appelle poésie n’est pas la vraie poésie” (Richter, 2001, p. 18).

Para chegar a atingir este estado de criação inaudito, Baudelaire constrói um laboratório poético. Deixando-se atravessar pelo espírito da época ao tomar contacto profundo com diversas e heterogéneas obras de arte suas contemporâneas (Prévost, 1964, p. 82), Baudelaire propõe-se, também ele, produzir uma impressão pessoal que expresse não só essa influência, como o processo de transformação pessoal que ocorre devido a essa mesma experiência. As emoções constituem uma parte integrante neste processo de composição artística e nele estão implicados movimentos de vida e de morte.

Embora o mal, tanto para Baudelaire como para Poe, seja imanente ao ser humano, o que se verifica mundanamente é que o mesmo é reprimido e escondido do olhar público, de acordo com os valores preconizados pelas instituições que regulam a conduta social. A inovação da poesia de Baudelaire é expor esse mal sob uma forma poética. O mal expressa-se a um só tempo através dos vícios atávicos da sociedade e como consequência da modernidade, mormente em pessoas caracterizadas como velhas, pobres, feias e cruéis, bem como em usuárias de substâncias como o álcool e o ópio.

Baudelaire encontra ainda o mal na arte moderna. Num ensaio sobre um dos seus contemporâneos, Théodore de Banville, ele afirma que a arte moderna tem uma “tendance essentiellement démoniaque” (Baudelaire, 1976, p. 168). Mas talvez a expressão máxima do mal seja a mulher sedutora, que, como se verá de seguida, está umbilicalmente ligada à Arte. Observa-se este fenómeno na primeira estrofe do poema “La Destruction” (CIX), no qual o demónio circunda o sujeito poético, aludindo a uma presença e tentação constante por parte das forças do mal e em que a mulher sedutora, forma viva do mal, é a expressão do seu grande amor pela Arte, conduzindo o sujeito poético a um movimento (vicioso) de fuga das instituições que regulam a moral (“regard de Dieu”). É o conceito de desejo associado à beleza feminina e à Arte que o arrasta para um campo alternativo de pensamento e de criação. O demónio põe o sujeito poético em marcha no meio da sempre igual a si-mesma paisagem entorpecente do tédio, onde tudo está na verdade por criar. Segundo Mario Richter, o tédio é um estado de alma provocado pela “occultation ou répression du mal” (2001, p. 36), ou seja, é a expressão do homem que tem de se reger de acordo com valores societais que reprimem os seus desejos primários, obrigando-o a viver num estado de completa insatisfação. É um campo quase vazio de sensações, onde reina a banalidade. O demónio - a femme fatale que põe em marcha o desejo e encontra equivalência na arte - dá-lhe forças para, mesmo cansado e ofegante, enfrentar esse tédio da vida quotidiana monótona.

A porta de abertura a uma nova realidade artística efectua-se, no poema de Baudelaire, através das sensações que são potenciadas por experiências que incluem o contacto com obras de arte e com a mulher e o uso de estupefacientes. Estas experiências têm em comum o potencial para desencadear estados extáticos, quer ao nível das sensações, quer ao nível da consciência, que podem integrar sincretismos ou ideias inauditas, expandindo, como se verá, o mundo e as ligações e relações entre as coisas que dele fazem parte.

A construção do conceito de “mulher-paisagem”

Dentre os ensaios críticos que Baudelaire dedicou às artes plásticas, realce-se os que dedicou à pintura paisagística, um género menor, com pouco reconhecimento no domínio artístico, na sociedade parisiense dos meados do século XIX1. Aquando dos seus primeiros comentários sobre a paisagem, no “Salon de 1846”, esta representava sobretudo cenários campestres e cenários marítimos, sendo considerada mera cópia da realidade. Baudelaire denunciou em vários dos seus ensaios críticos esta arte que procedia apenas a uma imitação da natureza, retirando-lhe, no Salon de 1859, o estatuto de arte e aproximando-a da fotografia.

No que diz respeito ao tema que nos interessa, a “paisagem de fantasia”, em 1846, Baudelaire tece sobre ela poucas considerações e indica que este é um género ainda pouco cultivado nessa época. É apenas no aludido ensaio dedicado à paisagem, publicado no Salon de 1859, que são postulados alguns dos princípios mais importantes que deveriam reger a produção e a composição desta arte. No parágrafo introdutório dessa crítica, ecoam ideias expressas no texto “Le Domaine d’Arnheim” de Edgar Allan Poe, nomeadamente a ideia de que a natureza, per si, não é bela e que é necessário um processo de composição que a torne interessante. Esse texto poeano está inserido numa colectânea denominada Histoires Grotesques et Sérieuses, reunidas e traduzidas por Baudelaire em 1864, cumprindo esclarecer que “grotesco” era, nesta época, um termo da linguagem da pintura que designava o trabalho de entrelaçamento ornamental (a maior parte das vezes tirado de motivos fabulosos) de um quadro (Benjamim, 2006, p. 33). No texto de Poe, faz-se ainda alusão a um “Jardinier-paysagiste”, que procede enquanto agente desse fazer-paisagem e que sabe objectivamente como deve compor a matéria de forma a torná-la estética. É nesta linha de pensamento que se encontra Baudelaire. No primeiro parágrafo do seu ensaio dedicado à paisagem, constante no Salon de 1859, ele exprime as seguintes considerações:

Si tel assemblage d’arbres, de montagnes, d’eaux et de maisons, que nous appelons un paysage, est beau, ce n’est pas par lui-même, mais par moi, par ma grâce propre, par l’idée ou le sentiment que j’y attache. C’est dire suffisamment, je pense, que tout paysagiste qui ne sait pas traduire un sentiment par un assemblage de matière végétale ou minérale, n’est pas un artiste. (Baudelaire, 1976, p. 660)

No seguimento desta ideia, surge o pressuposto de que não existe de um lado a paisagem real e, de outro, a sua representação (imitação). Para o poeta francês, a paisagem, enquanto género, não deve ser uma imitação da natureza, mas antes uma composição entre elementos da paisagem real e da paisagem interior do artista. O labor artístico deve então pressupor uma composição de conjunto, onde os diferentes fios são cuidadosamente organizados sem se sobreporem, de forma a dar origem a uma nova paisagem. Por esse aspecto, está intrínseca uma indistinção entre a paisagem e o eu, um lugar onde o este e aquela se objectivam numa só forma.

A imaginação do artista passa então a ocupar um lugar central para este género - “‘Oui, l’imagination fait le paysage’” (Baudelaire, 1976, p. 665) -, porque é ela que vai articular essas duas dimensões distintas. A imaginação vai proporcionar que se ultrapasse o medo da morte, uma vez que ela vai dispor de todos os materiais existentes e submetê-los a um processo de devir, criando um mundo novo. Esta função “extra-humana”2 prefigura o esforço que toda a arte moderna tem de fazer para se libertar do peso das expressões realistas do quotidiano, das formas conhecidas do mundo animal e vegetal. Neste movimento, a arte torna-se um questionamento do seu próprio fazer artístico. A imagem deixa de corresponder a uma imitação e passa a constituir um acontecimento, ou seja, carrega no seu bojo a transformação do mundo, através da imaginação: “Tout l’univers visible n’est qu’un magasin d’images et de signes auxquels l’imagination donnera une place et une valeur relative; c’est une espèce de pâture que l’imagination doit digérer et transformer” (Baudelaire, 1976, p. 750).

Segundo Baudelaire, o artista compõe a paisagem através dos elementos do real combinados com os seus perceptos imaginativos e estados de espírito, resultando num “devir-paisagem”. Caracterizamos este processo de acordo com o pensamento de José Gil a propósito do Livro do Desassossego de Bernardo Soares, processo que segue várias etapas, partindo da sensação causada pela paisagem, seguindo-se o “estado de alma” que a análise da sensação suscita para, no final, o elemento intelectualizado da sensação se entrecruzar com a paisagem. Gil (1993) ressalva, no entanto, que “O texto parece construído de forma a permitir este entrelaçamento que, apesar das aparências, não resulta da metaforização das sensações pela paisagem” (p. 58). É o devir-paisagem. Quer isto dizer que, nem a paisagem é a metáfora da sensação, nem a sensação é a metáfora da paisagem, porque, no final, ambas - sensações e paisagem - são indestrinçáveis. Isto significa que “Os movimentos da vida, ou seja, os sentimentos da vida tornaram-se os movimentos das coisas da paisagem” (Gil, 1993, p. 60), em que as sensações devêm paisagem. A paisagem assemelha-se, por esse motivo, a uma cartografia das emoções. Questiona-se então como se consegue atingir esse ponto de fusão, onde um e o mesmo movimento une e prolonga o exterior e o interior. Essa expansão do movimento da alma em paisagem é o acontecimento:

É o plano do acontecimento, do movimento do verbo tornado activo, transitivo indirecto por meio da escrita de Soares. Porque é a linguagem, isto é, a imagem literária que realiza a integração do plano da emoção (alma) no plano da percepção (paisagem), não sendo a imagem literária mais do que o movimento entre emoções e percepções, pois é ela que realiza o movimento de rebatimento. Já não são portanto os termos das metáforas o que importa, mas o movimento de metaforização que se torna a própria sensação. No final, tudo se transforma em presença visual e movimento. (Gil, 1993, p. 68)

A linguagem é o movimento que une a alma à paisagem, e é por ela que se desenha a cartografia das emoções sob a forma de paisagem: “‘Todo o estado de alma é uma paisagem’”3. O acontecimento que se dá nos poemas de Les Fleurs du Mal advém desse movimento da alma que se espraia na paisagem, que nela se funde para a tornar numa outra coisa. Patrick Labarthe afirma num artigo intitulado “Locus amoenus, locus terribilis dans l’œuvre de Baudelaire” que: “si la femme se naturalise, le paysage lui-même se métaphorise en corps humain” (1999, p. 1026). Baudelaire identifica na poesia de Pierre Dupont uma ideia similar e encontra nela essa conjunção de elementos: “la femme s’embellit de toutes les grâces du paysage, et le paysage profite occasionnellement des grâces que la femme aimée verse à son insu sur le ciel, sur la terre et sur les flots” (1976, p. 174).

É em vista desta concepção que passo a interpretar o poema “Une Martyre”, de Baudelaire, onde não existe uma delimitação clara entre os limites da paisagem e da mulher, nem uma destrinça entre os movimentos de vida e os de morte.

O poema “Une Martyre - Dessin d’un Maître Inconnu” (Baudelaire, 1992, p. 278) contém elementos constituintes de um locus horrendus, ou seja, um local que evoca a morte e a decadência. Note-se que este poema se segue a “Destruction” na secção “Fleurs du Mal”, dando continuidade ao lastro da estetização da maldade (em articulação com o tédio) que ali se tinha iniciado. O subtítulo, “Dessin d’un Mâitre Inconnu”, remete para uma relação interartística entre o poema e a pintura. Nesse sentido, a leitura apresentada por Jean Prévost defende que a escrita deste poema foi sugestionada por um dos esboços de Eugène Delacroix, La Mort de Sardanapale4 (apresentado no Salon de 1827). Esta proposta de análise é indicada por Claude Pichois, editor da obra completa de Charles Baudelaire que tenho vindo a utilizar ao longo deste trabalho, nos seguintes termos:

Jean Prévost (…) suggérait que cette martyre pourrait être l’une des femmes de Sardanapale qu’une esquisse de Delacroix montre décapitée. Delacroix, La Mort de Sardanapale, fort admirée de Baudelaire, évoque la même atmosphère que La Fille aux yeux d’or (précisément dédiée à Delacroix) et Une Martyre. (Baudelaire, 1975, p. 1059)

Não existindo registos históricos que atestem a real existência de Sardanápalo, foi o autor grego Ctésias de Cnido, no século V a.C., quem primeiro o mencionou, identificando-o como sendo o último rei da Assíria. Como os seus registos se perderam, é apenas através da obra de Diodoro, no século I a.C., que ficamos a conhecer este personagem (Valesius et al., 1814, pp. 118-123). Segundo a história por ele narrada, Sardanápalo teria vivido no século VII a.C. e é retratado como uma figura decadente, entregue à ociosidade e à luxúria, tendo muito pouco em comum com o último imperador da Assíria, que manifestava grandes capacidades de liderança e era muito poderoso a nível militar. De acordo com esta versão, Sardanápalo, na iminência de cair nas mãos dos seus inimigos, mandou erigir uma pira funerária para onde levou todos os seus pertences luxuosos, bem como todos as suas amantes. Depois, encerrando-se com todos eles dentro da pira, lançou-lhes fogo e morreram todos juntos. À semelhança de outros personagens históricos, também Sardanápalo foi alvo de recriações literárias e artísticas, nomeadamente durante o Romantismo, e é nesta fase que a sua natureza decadente se acentua.

O quadro de Delacroix representa Sardanápalo a observar, de forma serena, a execução das suas amantes. Num dos primeiros planos, vê-se o corpo nu de uma das mulheres, de bruços. Crê-se que é este plano que pode ter servido de inspiração ao poema “Une Martyre”. Encete-se a análise do mesmo pela leitura de uma estrofe deste poema, onde Baudelaire tece uma composição inaudita ao aliar a morte, a paisagem humana e a paisagem natural, como se de uma só se tratasse:

Un cadavre sans tête épanche, comme un fleuve, Sur l’oreiller désaltéré Un sang rouge et vivant, dont la toile s’abreuve Avec l’avidité d’un pré. (Baudelaire, 1992, p. 280)

A modernidade deste poema expressa-se no repensar da noção de belo, nomeadamente através da imagem de um cadáver sem cabeça que, à semelhança de um rio, verte a sua torrente sanguínea num leito inerte. A imagem do rio, lembra-nos Jorge Luis Borges na conferência acima mencionada, é uma metáfora do tempo e, por conseguinte, do fluir dos ciclos da natureza. Note-se que Borges ilustra a metáfora do rio e de como esta representa a passagem do tempo em direcção à morte, recorrendo a uns versos de Manrique: “Nuestras vidas son los ríos/ que van a dar en la mar/ qu’es el morir” (Borges, 2000, p. 26).

No poema “Une Martyre”, a vida esvai-se como o rio passa, e os diferentes planos que constituem a mulher-paisagem interseccionam-se para ilustrar o quão a vida, a morte e a arte se inter-relacionam e interderivam entre si. Um dos exemplos do movimento que se estabelece entre os diferentes planos é o do sangue da morte da mártir, que é o mesmo que vai dotar de vida a manifestação artística: “Un sang rouge et vivant, dont la toile s’abreuve” (Baudelaire, 1992, p. 280). A tela vai assim absorver a essência de um elemento real, que é o sangue da vítima, de forma a expressar um acontecimento.

A cor é um dos aspectos fundamentais deste poema e constitui um dos denominadores comuns entre Baudelaire e Delacroix. Para o primeiro, determinadas cores evocam determinados sentimentos ou ideias, e o dever do artista é escolher as cores em função do contexto e das sensações que se pretendem exaltar. Este princípio estético é partilhado por Delacroix: “La couler n’est rien, si elle n’est convenable au sujet” (Delacroix, 1960, p. 1). Note-se ainda que Delacroix é descrito por Baudelaire através de uma metáfora, no poema VI, “Les Phares”, que evoca mais uma vez a combinação entre água e sangue - “Delacroix, lac de sang hanté des mauvais anges” (Baudelaire, 1992, p. 62).

Poder-se-á questionar o motivo pelo qual os elementos naturais da água e do sangue se mesclam no poema de Baudelaire. O processo a que o sujeito poético dá expressão, isto é, o direccionamento das moléculas de um ser vivo, o sangue, para um fenómeno natural que é o do movimento dos cursos de água, faz devir esta mulher-mártir em mulher-paisagem, através de um processo de desterritorialização. Os dois planos distintos, mulher e paisagem, não cessam de se reconstituir um sobre o outro, ou de extrair um do outro (Deleuze & Guattari, 2004, p. 343). Fazendo uso da terminologia de Deleuze e de Guattari, as partículas de um plano evadem-se para fora dos seus estratos, parasitando outros estratos adjacentes, reconstituindo e transformando os antigos em novos planos (Deleuze & Guattari, 2004, p. 347).

Uma interpretação adicional para os versos que temos vindo a analisar, nomeadamente os que recaem sobre a imagem de um corpo sem cabeça - “Un cadavre sans tête épanche, comme un fleuve” (Baudelaire, 1992, p. 280) - é dada pelo estudioso da obra de Baudelaire, Mario Richter, que considera que o objectiv

(…) c’est de montrer que la décollation de la martyre du dessin a eu lieu presque au moment précis où l’artiste inconnu a été le spectateur (réel ou imaginaire) du meurtre. (…) La tête vient d’être tranchée, mais l’exécutant du meurtre n’est pas là. Il y a pourtant un témoin implicite, inévitable (que, d’habitude, l’on tient pour imaginaire) : le témoin - réel ou imaginaire - est le “maître inconnu”, à qui s’ajoute maintenant, avec sa collaboration spécifique, le poète en tant qu’observateur du dessin. (Richter, 2001, p. 1312)

Apesar de Richter indicar que era comum, na iconografia cristã, a representação de mártires pintados no momento mais sangrento do seu martírio, o mesmo identifica que, neste preciso contexto, há uma tentativa de captar os movimentos da vida, através dos recursos de que a arte dispõe. Este movimento, que nos nossos dias seria facilmente captável e reproduzível através dos novos meios de tecnologia, foi reproduzido com o auxílio da descrição das sensações físicas, o que lhe confere uma maior realidade. A apreensão do belo dá-se na fugacidade do seu instante, e daí que o artista esteja presente para captar esse momento.

Esta profunda alteração da estética da recepção da obra artística é retratada no poema “Une Martyre”, se considerarmos que o desenho não se oferece à contemplação de um indivíduo ou de um pequeno grupo de pessoas, mas se pode ampliar a um público mais vasto, não só através da sua reprodução técnica como através da sua reprodução em outros suportes. Esta expansão, proporcionada em parte pela possibilidade da reprodução técnica, mas também pela tendência emergente de dar a conhecer a obra de arte às massas (Benjamin, 2006, p. 230), conduz a que um acontecimento da esfera privada passe a constituir um espectáculo para massas.

Note-se ainda que, neste poema, há uma esteticização de um tema não elevado - o crime passional violento - mais próximo das esferas jornalística e sensacionalista do que da poesia. No entanto, esta proximidade do artista com o quotidiano, com a violência citadina, é um traço de modernidade. O artista encontra-se entre os homens, capta assuntos do quotidiano e regista-os, estando implícita uma valorização do instante - o crime acabou de ser cometido - porque esse é o tempo do acontecimento imprevisível. O captar do acontecimento é efectuado pelo artista, que depois o reproduzirá. Está implícita ainda nesta captação do momento presente uma crítica a grande parte dos artistas contemporâneos de Baudelaire, que tendiam a negar a beleza do seu tempo, procurando-a no passado.

Note-se ainda como o uso da violência imagética é importante no poema “Une Martyre”, onde a composição de uma mulher-paisagem põe em questão, não só os conceitos de belo e de arte mimética, como a perdurabilidade da obra de arte. A representação de um corpo feminino decepado simboliza a ruptura com os principais cânones da estética da tradição, vigentes durante séculos. A beleza mórbida que se encontra neste poema só pode ser compreendida à luz do ensaio de Baudelaire intitulado “Le Beau, la Mode et le Bonheur”. Neste texto, o autor deixa claro como o conceito de belo é complexo e subjectivo, dependente de inúmeros factores circunstanciais, mas mantendo um fundo eterno e universal:

Le beau est fait d’un élément éternel, invariable, dont la quantité est excessivement difficile à déterminer, et d’un élément relatif, circonstanciel, qui sera, si l’on veut, tour à tour ou tout ensemble, l’époque, la mode, la morale, la passion. (Baudelaire, 1976, p. 685)

Estes dois tipos de elementos estão expressos em “Une Martyre”, que é também uma interpretação de uma obra artística, se considerarmos como válida a tese de Prévost, que o relaciona com o quadro de Delacroix. Por conseguinte, este poema traduz a impressão deixada pela observação de um desenho, que, depois de filtrada e reelaborada pela memória do poeta, expressa-se numa multiplicidade de planos, que resulta na criação de uma mulher-paisagem. A imagem de violência expressa por um corpo físico aberto e que se esvai em sangue mostra a abertura forçada do ser ao mundo, a sua cisão, a violação da sua intimidade que resulta na sua morte:

S’il n’y a pas d’image sans déchirure d’une intimité fermée ou d’une immanence non déclose, et s’il n’y a pas d’image sans plongée d’une profondeur aveugle - sans monde et sans sujet -, alors il faut admettre aussi que non seulement la violence, mais la violence extrême de la cruauté rôde au bord de l’image, de toute image. (Nancy, 2003, p. 52)

A quem se endereça? Ou antes, quem é que retira prazer da observação da violência das imagens? De acordo com Jean-Luc Nancy, é a pessoa cruel e violenta que quer ver o sangue de outrem derramado, que dessa forma visualiza a força vital do Outro posta assim a descoberto (Nancy, 2003, p. 52).

No poema de Baudelaire em análise, “Une Martyre”, o objectivo da imagem da violência é o de questionar a posição da mulher na sociedade e na arte. Segundo o filósofo alemão Walter Benjamin, as mulheres constantes em Les Fleurs du Mal representam a classe das prostitutas; assim, se se aceitar esta interpretação, poderá considerar-se que existe neste poema a denúncia da exploração mercantil do corpo da mulher, não só na sociedade como também na arte. Apesar de prevalecer aqui um culto de beleza, este assenta, porém, em elementos como a morte, a decomposição do corpo e o sangue, que evidenciam em simultâneo a característica precária destas mulheres. Existe uma subversão das formas com que essa beleza se apresenta: a beleza da morte ou a beleza da composição da mulher a partir dos seus elementos decompostos constitui uma nova forma de arte da modernidade. A corrupção dos corpos pelo materialismo e pelo capitalismo altera a percepção de beleza até ali mantida. A própria natureza não escapa incólume a essa mudança, sendo arrastada pelos movimentos de destruição e de desconfiguração a que a modernidade obriga.

A metáfora para a exploração do corpo feminino mostra-se aquando do derramamento de sangue, proveniente do corpo degolado, e que serve de pano de fundo à tela. Note-se que é neste exercício de transposição de planos que o vocábulo “mártir” ganha mais sentido, uma vez que se pressupõe que, para dar vida à obra, é necessário que alguém morra por ela. Por extensão de sentidos, identifica-se ainda uma crítica às escolas de arte do tempo de Baudelaire, bem como dos seus modelos e imagens, com fins meramente decorativos.

Importa ainda questionar a presença do erotismo neste poema, que surge enquanto gatilho desencadeador da morte desta mártir. O erotismo constitui aqui uma representação da floração da “mulher-paisagem”, no sentido em que corresponde a um movimento de saída de si, da exposição da beleza ao outro. A floração pressupõe o risco da sua desfloração, da violação da sua unidade. A motivação que conduz ao desfecho trágico não é dada abertamente a conhecer ao leitor. Contudo, o sujeito poético aponta alguns indícios que levantam a suspeita sobre a possibilidade de ter sido o desejo erótico o principal responsável pela morte desta mulher anónima, ao fazer a analogia com a “matilha” para referir a animalidade do desejo:

Elle est bien jeune encor! - Son âme exaspérée Et ses sens par l’ennui mordus S’étaient-t-ils entr’ouverts à la meute altérée Des désirs errants et perdus? (Baudelaire, 1992, p. 282)

Esta estrofe é demonstrativa de como a natureza do desejo pode ser violenta, sobretudo quando se ultrapassam as barreiras do interdito. O tédio foi combatido por “errantes desejos”, e esses expressam a violência de um ser racional que sucumbe ao movimento que ele mesmo já não consegue controlar e que já não é racional. Por mais que o homem viva de acordo com os limites definidos pela sociedade e pela sua própria razão, há um movimento que subsiste dentro de si e que o leva a excedê-los. De acordo com Georges Bataille, o trabalho conduziu o homem ao refreamento dos seus instintos mais básicos e à canalização da sua energia vital para um objectivo definido - o trabalho -, tal como expressa na sua obra Erotismo. Dessa forma, o homem deixou de ser comandado pela violência do desejo e passou a ser refreado pela disciplina a que o trabalho obriga, deixando, para os momentos de pausa, os movimentos que caracterizam o estado de festa. Quer isso dizer que a organização do trabalho nas sociedades teve uma grande importância na regulação dos interditos da violência e da morte. Por esse motivo, Baudelaire aponta o dedo à natureza, indiciando-a como culpada de tudo o que de “mau” existe:

(...) nous verrons que la nature n’enseigne rien, ou presque rien, c’est-à-dire qu’elle contraint l’homme à dormir, à boire, à manger, et à se garantir, tant bien que mal, contre les hostilités de l’atmosphère. C’est elle aussi qui pousse l’homme à tuer son semblable, à le manger, à le séquestrer, à le torturer ; car, sitôt que nous sortons de l’ordre des nécessités et des besoins pour entrer dans celui du luxe et des plaisirs, nous voyons que la nature ne peut conseiller que le crime. (…) La nature (qui n’est pas autre chose que la voix de notre intérêt) nous commande de les assommer. (Baudelaire, 2015, p. 62)

Realce-se que Charles Baudelaire indica que, quando o homem já não tem necessidade de se preocupar com a sua subsistência, está mais atreito ao mal. A ociosidade e o tédio despertam no homem instintos naturais que o conduzem ao crime. Por conseguinte, só se tornou bom à custa do refreio racional dos seus instintos imediatos, o que permite ler esta citação de Baudelaire à luz das considerações de Georges Bataille. Um outro aspecto que importa realçar é o facto de o trabalho constituir o adiamento do prazer, contrastando com o ócio, que é, de uma forma geral, a afirmação do primado do presente5. O flâneur6, bem como a prostituta, o bêbedo e o poeta, figuras que povoam os poemas de Les Fleurs du Mal, partilham todos eles o mesmo tipo de modus vivendi caracterizado pela luxúria e pelo vício. Estes personagens estão totalmente afastados da automatização decorrente da produção capitalista e vivem de acordo com os seus instintos naturais.

O erotismo é, segundo Bataille, a actividade sexual do homem porque é consciente, porque há mecanismos que não são da ordem do animal, como a fantasia e o desejo, que entram nele. No entanto, é possível que a actividade sexual do homem não seja erótica e seja animal, ou antes, é possível que resida nela um fundo de animalidade, de desregramento, que aproxime esse acto à natureza. O termo “matilha”, utilizado na estrofe em análise para caracterizar desejos sensuais, denuncia a violência da desordem sexual que abre para a experiência da morte. Atente-se na expressão de Baudelaire que se pode encontrar em “Journaux intimes”: “Moi, je dis: la volupté unique et suprême de l’amour gît dans la certitude de faire le mal. - Et l’homme et la femme savent dès la naissance que dans le mal se trouve toute volupté” (Baudelaire, 1975, p. 652).

A estrofe seguinte reforça, uma vez mais, as considerações de Bataille sobre a violência e o desejo erótico:

L’homme vindicatif que tu n’as pu, vivante, Malgré tant d’amour, assouvir, Combla-t-il sur ta chair inerte et complaisante L’immensité de son désir? (Baudelaire, 1992, p. 282)

Nesta estrofe, existe uma situação de necrofilia que visa compensar um amor que não se conseguiu consumar em vida. A paixão que conduz à morte é explicada por Bataille, que refere que o amante, se não puder possuir o ser amado, prefere matá-lo a perdê-lo (1988, p. 15). Para além desse aspecto da exclusividade amorosa, Bataille identifica ainda um “halo de morte” que pende sobre a cabeça dos amorosos, pelo facto de a sua união conduzir à morte da individualidade (1988, p. 15).

Para terminar este estudo, retorne-se ao oximoro efemeridade/imortalidade fazendo uma leitura aparelhada do fim do poema “Une Martyre” com alguns versos de “Une Charogne”. Eis o fecho do primeiro destes dois poemas:

Ton époux court le monde, et ta forme immortelle Veille près de lui quand il dort; Autant que toi sans doute il te sera fidèle, Et constant jusques à la mort. (Baudelaire, 1992, p. 283)

A captação da imortalidade de um corpo morto aqui expressa reitera-se no desfecho do poema “Une Charogne”:

Alors, ô ma beauté! dites à la vermine Qui vous mangera de baisers, Que j’ai gardé la forme et l’essence divine De mes amours décomposés! (Baudelaire, 1992, p. 104)

Nos dois poemas, a beleza e a juventude de ambas as mulheres são eternizadas numa forma através da memória artística. A arte permite que essa forma efémera, esse corpo físico, alcance uma imortalidade que não é um perdurar no espaço e no tempo, mas uma imortalidade que é experienciada como um acontecimento no tempo da vida. Os dois poemas - “Une Martyre” e “Une Charogne” - colocam-nos face a face com a morte, ou seja, com o cadáver que em breve se deteriorará, que será comido pelos vermes e restituído à natureza. À semelhança da paisagem natural, a mulher está exposta a diversos elementos que provocam a sua desintegração formal e a sua metamorfose. Este corpo não desaparecerá aquando da sua morte, mas retornará à natureza que, por sua vez, engendrará outras formas de vida que cumprirão os seus ciclos. Nesta circularidade se assemelha a arte com a vida, que retoma formas antigas e cria formas novas a partir delas. Não há repetições puras, nem na vida nem na arte, mas antes criação e recriação a partir de elementos existentes, de restos e de partes que se amalgamam, que se compõem e se dispõem de acordo com combinações ilimitadas.

Referências bibliográficas

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1 De acordo com Patrick Labarthe, no seu ensaio “Locus amoenus, locus terribilis dans l’œuvre de Baudelaire”, “Dans les Salons (1845, 1846, 1859), la place du paysage reste apparemment celle que lui réservait la tradition, c’est-à-dire celle d’un genre bas, venant après le tableau d’histoire (que le sujet en soit religieux, strictement historique ou mythologique), et le portrait” (1999, p. 1022).

2 “Ma fonction est extra-humaine!”, expressão constante no artigo dedicado a “Théophile Gautier”, publicado em Œuvres Complètes de Charles Baudelaire (1976), Vol. II, pp. 127-128.

3 Frase de Fernando Pessoa ortónimo (apudGil, 1993, p. 9).

4 Pensa-se que esta obra foi, por sua vez, influenciada pela peça de teatro Sardanapale escrita por Lord Byron. De acordo com Baudelaire, no seu ensaio intitulado “L’œuvre et la vie de Delacroix”: “Delacroix fut le traducteur émouvant de Shakespeare, de Dante, de Byron et d’Aristote” (Baudelaire, 1976, p. 746).

5 Georges Bataille, no seu ensaio sobre Baudelaire em A literatura e o mal, realça como a negação do Bem em Baudelaire corresponde exactamente a uma afirmação do primado do presente (1998, p. 48).

6Flâneur é o termo usado por Baudelaire para designar os indivíduos que gostam de passear e de observar os ritmos da cidade.

Recebido: 20 de Julho de 2021; Aceito: 05 de Dezembro de 2022

Marta Cristina Mendes Braga. Doutorada em Línguas, Literaturas e Culturas. Universidade NOVA de Lisboa, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, Instituto de Estudos de Literatura e Tradição (IELT), Portugal.

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