O Poetry Slam é simultaneamente uma prática artística popular e uma competição de poesia falada. Segue, normalmente, as seguintes regras: ser autoral; falada em três minutos; na sua apresentação, para uma audiência, não são permitidos adereços; um público como júri pontua de 0 a 10 a performance. A designação slam deriva da forma como a audiência tem poder para elogiar ou criticar um poema e o estilo de atuação de quem usa da palavra. O slam realiza-se em qualquer local que o acolha - livrarias, cafés, bares, escolas, parques - criando espaços de fala e escuta, e sociabilização em torno da palavra.
O Poetry Slam populariza a poesia e expressa a palavra que pode ser apropriada por todas as pessoas (independentemente da idade, género, sexo, raça, classe, educação, ...), possibilitando expressão e reflexão sobre qualquer assunto. Pelo seu conjunto de características, grupos não hegemónicos como mulheres, pessoas negras e LGBTQIA+ têm aderido a este movimento, até porque a poesia falada, por ser considerada informal e não convencional, é uma forma acessível de fazer poesia. Através do Poetry Slam, as pessoas sentem-se empoderadas, posicionam-se social e espacialmente, e as poesias refletem as suas identidades e lutas.
É neste contexto, que mulheres poetas encontram no Poetry Slam a possibilidade de romper com silenciamentos e invisibilização a que têm sido historicamente submetidas. As suas poesias incidem particularmente em temas que focam as relações de género, identidade, sexualidade, raça, classe e nacionalidade. É através do movimento slam que a sua poesia se torna uma ferramenta de expressão, denúncia, resistência e contraposição às situações quotidianas, permeadas pelo machismo, sexismo e misoginia.
É precisamente pelo seu potencial disruptivo, pela inquietação e denúncia explícita, que destacamos a poesia “Sou Mulher” da autoria da atriz, encenadora e professora, Maria Caetano Vilalobos. A artista representou o coletivo Poetry Slam Amadora, em 2020/2021 e 2022, nos festivais nacionais de Poetry Slam, o Portugal Slam, uma plataforma que, desde 2014, dinamiza eventos locais desta natureza em Portugal (https://portugalslam.com/).
Em “Sou mulher” é abordado o domínio do corpo feminino e as agressões e restrições a que se sujeita, desde a violência física (assédio e violação) até à violência psicológica (culpabilização e silenciamento). Maria Caetano argumenta que as mulheres são invariavelmente castradas: “Ser capaz de sofrer sem som”, além de que as suas lutas sociais são desaconselhadas. A sua poesia falada diz que as corporeidades e espacialidades das mulheres são controladas por uma estrutura social que (re)produz tal domínio.
A artista versa sobre o receio de “viver a cidade” e de transitar com segurança pelos seus diferentes espaços, sobretudo durante a noite. As relações de poder e as hierarquias na cidade são restritivas e opressivas, não acomodam o seu corpo, necessidades e desejos. O controlo parental inscreve o perigo e sugere o receio, mapeia os espaços do medo na cidade. Maria argumenta, ainda, que o corpo da mulher é entendido como disponível ao prazer de quem o deseja, criando desconforto e impedindo-a de viver uma vida independente na cidade. Denuncia os homens que não respeitam os direitos femininos e invadem os seus corpos, violentando-os e provocando o medo que persegue as meninas e as mulheres quotidianamente. Mais ainda, expressa a perplexidade sobre como a sociedade atribui a culpa da violência sofrida à própria mulher porque “com quem anda”, e “como se expressa” são convites à violação. Afinal, não se deve desafiar a ordem patriarcal, pois as consequências podem ser nefastas.
A partir do Poetry Slam, Maria Caetano Vilalobos aponta as desigualdades de género na sociedade portuguesa que também são reproduzidas em outras partes do mundo. A artista não está livre de sofrer opressões por se expressar, mas segue a sua luta e demonstra a potência da poesia e da arte na denúncia das assimetrias sociais e na reivindicação pela equidade de género. A poesia de Maria denuncia o equívoco e o falhanço da ideia de cidade, a que promete liberdade, mas que afinal se pode tornar uma armadilha para as mulheres.
A poesia falada não é apenas uma plataforma poderosa para interpretar os privilégios, disparidades e desigualdades da sociedade, mas uma oportunidade (de esperança e promessa) de empoderamento e mudança social. Expressões feministas de resistência como esta poesia expõe, convidam a visões transformadoras e alternativas de organizar a vida pessoal e o cuidado na cidade para que esta possa cumprir o seu desígnio: reconhecer a autonomia, as intersecções de privilégios e de opressão, fomentar as relações de cuidado, e convidar à solidariedade e ao contacto entre pessoas e comunidades.