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Psicologia, Saúde & Doenças

versão impressa ISSN 1645-0086

Psic., Saúde & Doenças v.9 n.2 Lisboa  2008

 

Porque comemos o que comemos? Determinantes psicossociais da selecção alimentar

Isabel Silva1 *, J.L. Pais-Ribeiro2 & Helena Cardoso3

1Universidade Fernando Pessoa

2Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação, Universidade do Porto

3Hospital Geral de Santo António, Serviço de Endocrinologia e Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar, Universidade do Porto

(Investigação apoiada pela FCT: SFRH/BD/28475/2006)

 

RESUMO: Este artigo apresenta uma breve análise sobre os determinantes psicossociais do comportamento alimentar. É essencial compreendermos os factores subjacentes às escolhas alimentares dos indivíduos, isto é, compreendermos porque é que comemos os alimentos que comemos e porque comemos a quantidade de alimentos que comemos, se pretendemos intervir neste domínio, seja ao nível da promoção da saúde, seja ao nível da prevenção ou tratamento da doença. No presente trabalho, apresenta-se uma análise sobre alguns dos determinantes psicológicos e sociais da regulação do comportamento alimentar, bem como uma síntese de alguns dos modelos explicativos da selecção alimentar (Modelo Desenvolvimental e Modelo Cognitivo). Procedemos, ainda, a uma reflexão sobre a relação entre alimentos, emoções, cognições e comportamentos, assim como a uma reflexão sobre a relação entre o stress e o comportamento alimentar.

Palavras-chave: Comportamento alimentar, Determinantes psicológicos, Determinantes sociais, Hábitos alimentares.

 

Why we eat what we eat? Psychosocial determinants of food selection

ABSTRACT:This paper presents a brief analysis of the psychosocial determinants of eating behaviour. It is essential to understand the factors underlying food selection, that is to say, the factors that contribute to the individual eating, what he/she eats and how much he/she eats. In this paper, we present an analysis of some of the psychological and social factors which regulate eating behaviour, as well as some of the theoretical models that try to explain eating behaviour regulation (namely the Developmental Model and the Cognitive Model). We also discuss some issues concerning the relation between food, emotion, cognition and behaviour, and the relation between stress and eating behaviour.

Keywords: Eating behaviour, Eating habits, Psychological determinants, Social determinants.

 

A preocupação com a adopção de uma alimentação saudável e com a manutenção de um peso também ele considerado saudável é uma realidade, não só no contexto clínico, mas também quando pensamos na sociedade de uma forma geral.

A ineficácia de muitos dos programas de promoção da saúde e de prevenção/tratamento de doenças tem estimulado a necessidade de melhor compreendermos porque é que comemos o que comemos, não só tendo em consideração o tipo de alimentos que seleccionamos, como também a quantidade de alimentos que ingerimos.

Uma das justificações adiantadas para a adopção de uma dieta pobre tem sido a falta de conhecimento. Com efeito, Milligan et al. (1997) verificaram que um dos obstáculos à adopção de uma alimentação saudável, identificado por jovens australianos de 18 anos, era precisamente a falta de conhecimento sobre a composição dos diferentes alimentos. Todavia, ainda que a falta de conhecimento se encontre associada à adopção de uma dieta menos saudável, parece tratar-se de uma explicação insuficiente, não permitindo compreender o porquê do sucesso limitado das campanhas de educação para a saúde no domínio da alimentação (Brown & Ogden, 2004).

Sabemos que a decisão de comer (nomeadamente determinados alimentos em particular) varia de indivíduo para indivíduo e de situação para situação (Mela, 2001), pelo que, provavelmente, existirão distintos factores a ter em conta, conforme o indivíduo, quando pretendemos compreender os determinantes do seu comportamento alimentar.

No presente trabalho propomo-nos reflectir sobre alguns dos principais determinantes psicológicos e sociais do comportamento alimentar.

Vários têm sido os modelos teóricos desenvolvidos no domínio da Psicologia para procurar explicar os complexos factores envolvidos na escolha dos alimentos que ingerimos.

 

MODELOS EXPLICATIVOS DA SELECÇÃO ALIMENTAR

Apesar de se reconhecer a importância dos mecanismo de regulação fisiológica no comportamento alimentar, a investigação tem vindo a comprovar a também inegável importância de aspectos psicológicos, sociais e culturais nesse comportamento.

O termo escolha alimentar (food choice) é definido por Hamilton, McIlveen, e Strugnell (2000) como um conjunto de decisões conscientes e inconscientes tomadas por uma pessoa no momento da compra, no momento do consumo ou em algum momento entre estes dois.

A investigação sugere que a intervenção com objectivo de alterar as escolhas alimentares tem-se focado de forma simplista apenas na informação e na educação. Todavia, a saúde não é o único factor (e nem sequer tem de ser um aspecto valorizado pelo indivíduo) a determinar as motivações para a selecção de determinados alimentos (Crossley & Khan, 2001). Assim, o sucesso das estratégias de promoção da saúde através da adopção de estilos de alimentação saudáveis dependerá, em primeiro lugar, do reconhecimento da existência de outros factores motivadores.

Crossley e Khan (2001) procederam a uma revisão da literatura sobre os motivos subjacentes à selecção de alimentos, sistematizando da seguinte forma os factores envolvidos: factores individuais (psicológicos, implicando aspectos motivacionais, como os relacionados com os sentidos – o sabor, o hábito, controlo do peso, preocupações éticas, stress, entre outros) e factores colectivos (sociais e culturais, incluindo aspectos como a produção dos alimentos, marketing, entregas, vendas).

Estes autores referem que os factores motivacionais diferem ignificativamente entre indivíduos com diferentes níveis de escolaridade e pertencentes a diferentes grupos socioeconómicos. Crossley e Khan (2001) desenvolveram um estudo em que compararam os motivos subjacentes à selecção de alimentos em dentistas e porteiros/empregados de limpeza. Concluíram que, se os porteiros/empregados de limpeza identificavam como factores motivadores dessa escolha a conveniência (por exemplo, ser fácil de preparar), o preço (por exemplo, ser barato), o humor (por exemplo, ajudar a lidar com o stress) e a familiaridade (alimentos que gostava de comer quando era criança), os dentistas identificavam como factores determinantes da sua escolha o conteúdo natural (por exemplo, não conter aditivos, conter ingredientes naturais, não conter ingredientes artificiais) e as preocupações éticas (por exemplo, serem produtos com origem em países que não violam os direitos humanos dos trabalhadores, produtos de origem claramente demarcada, utilizarem embalagens amigas do ambiente) (Crossley & Khan, 2001).

Hamilton et al. (2000) realizaram uma revisão da literatura focada nos diferentes modelos teóricos desenvolvidos com vista a explicar o processo de escolha dos alimentos, sublinhando que, apesar destes modelos terem sido alvo de várias críticas, constituem um útil ponto de partida para a avaliação dos numerosos factores envolvidos e da interacção entre estes. Estes autores destacam três modelos teóricos que procuraram categorizar as influências não só de aspectos do indivíduo, mas também dos alimentos e do próprio ambiente: o modelo proposto por Khan, em 1981, o modelo desenvolvido por Randall e Sanjur, em 1981 e o modelo apresentado por Booth e Shepherd, em 1988.

Segundo Hamilton et al. (2000), o modelo desenvolvido por Khan ilustra as distintas influências que actuam sobre o indivíduo ao nível dos seus hábitos, aceitação e preferências alimentares, ainda que seja difícil de perceber a extensão de cada uma delas na vida deste, dada a sua constante interacção. Este modelo valoriza, enquanto determinantes do comportamento alimentar, os seguintes factores:

- Factores intrínsecos: Método de preparação, características organolépticas, aspecto, textura, temperatura, cor, odor, sabor, qualidade;

- Factores pessoais: Nível de expectativa, prioridade familiaridade, influência dos outros, personalidade, humor, apetite, emoções, família, educação;

- Factores culturais e religiosos: restrições religiosas, tradições, influências culturais;

- Factores biológicos (sexo, idade), fisiológicos (mudanças, doenças) e psicológicos;

- Factores extrínsecos: Factores ambientais, factores situacionais, publicidade, variações sazonais;

- Factores sócio-económicos: Condições económicas, custo dos alimentos, segurança – hábitos passados, convencionalidade, prestígio.

Hamilton et al. (2000) apresentam, ainda, uma análise do modelo proposto por Randall e Sanjur, em 1981, que também procura categorizar os factores que influenciam a selecção de alimentos pelos indivíduos. Este modelo contempla os seguintes determinantes:

- Características do indivíduo: sexo, idade, habilitações académicas, rendimentos, conhecimentos de nutrição, competências/criatividade para cozinhar, atitudes em relação à saúde e papel dos alimentos nessas crenças;

- Características dos alimentos: sabor, aspecto, textura, custo, tipo de alimento, método de preparação, forma, época do ano, combinação de alimentos;

- Características do ambiente: Estação do ano, emprego, mobilidade, grau de urbanização, tamanho da casa, família.

Finalmente, Hamilton et al. (2000) salientam o modelo de selecção de alimentos desenvolvido, em 1988, por Boothe e Shepherd, que consideram constituir uma síntese eficaz dos dois modelos anteriormente apresentados. Neste modelo, são descritos factores de influência externos e internos na selecção de alimentos. Entre estes factores designadamente destacam os próprios alimentos e a percepção do indivíduo em relação ao momento da refeição (Hamilton et al., 2000):

- Os alimentos: os atributos relacionados com a marca e a composição são influenciados por normas culturais, padrões de compra da maioria das pessoas e por factores económicos;

- A percepção do indivíduo em relação ao momento da refeição é influenciada pela personalidade, valores, crenças, hábitos, emoções, gostos, fisiologia e regras pessoais.

Também Ogden (2003) apresenta uma reflexão e tentativa de sistematização dos diferentes modelos explicativos da selecção de alimentos, destacando, entre estes, o Modelo Desenvolvimental e os Modelos Cognitivos, que passamos a descrever.

Modelo Desenvolvimental da escolha de alimentos

Segundo Ogden (2003), a abordagem desenvolvimental salienta a importância da aprendizagem e da experiência no desenvolvimento das preferências alimentares na infância. Brown e Ogden (2004) sublinham a importância de conhecermos os padrões alimentares nesta etapa do desenvolvimento, alertando para o facto de a investigação sugerir que os hábitos alimentares adquiridos na infância persistirem ao longo da vida adulta.

Brunstrom (2005) considera que, quando escolhemos consumir determinada quantidade de alimentos, a nossa decisão é baseada em inúmeros factores (desde o sabor, a expectativa de que o alimento nos vai saciar, crenças mais gerais acerca das suas consequências para a nossa saúde, etc.). Este autor considera tratar-se de uma competência absolutamente notável esta de integrarmos os distintos factores de modo a tomarmos uma decisão em relação ao que vamos comer e em que quantidade o vamos fazer, e acrescenta que esta capacidade é adquirida ao longo do tempo, não estando presente no recém-nascido (que apenas conseguiria distinguir sabores básicos).

Brunstrom (2005) alerta para o facto da maioria (95%) dos estudos realizados sobre a aprendizagem relacionada com a selecção alimentar ter sido realizada com participantes não humanos e, por isso, ser essencial debruçarmo-nos sobre a aprendizagem e desenvolvimento subjacentes à tomada de decisão alimentar se desejarmos vir a desenvolver programas de intervenção eficazes neste domínio.

Estudos desenvolvidos nas décadas de 20 e 30 do século XX, sugeriam já que as crianças possuem um mecanismo regulador inato que lhes permite seleccionar uma alimentação saudável, desde que esta se encontre disponível. No entanto, tal não invalida que as preferências alimentares das crianças mudem ao longo do tempo e de acordo com a experiência destas (Ogden, 2003).

Drewnoski (1997) refere que as preferências alimentares nos primeiros anos de vida são determinadas por dois factores – a familiaridade e a doçura – e que a preferência por gordura pode ser adquirida precocemente na vida. Este autor alerta, porém, para o facto da preferência pelo sabor doce e o consumo de açúcar declinarem entre a adolescência e a idade adulta, ainda que a evidência desse fenómeno seja apenas indirecta, uma vez que os estudos desenvolvidos têm sido de natureza essencialmente transversal, não acompanhando o mesmo grupo de participantes ao longo do tempo.

Uma revisão da literatura realizada por Ogden (2003), levou esta autora a concluir que o que é inato é a capacidade das crianças aprenderam acerca das consequências da alimentação, uma vez que são capazes de associar a ingestão de alimentos às suas consequências, o que contribui para que aprendam a controlar a ingestão de alimentos.

Segundo Drewnoski (1997), uma das provas de que existem preferências que vão sendo adquiridas e alteradas com a idade é a preferência por alimentos como o café, a cerveja, as bebidas alcoólicas e pimenta.

Ogden (2003) considera que, para compreendermos o desenvolvimento de preferências alimentares, devemos ter em conta a exposição, a aprendizagem social e a aprendizagem por associação.

A exposição. A aquisição de padrões de aceitação de alimentos parece ser caracterizada pela resposta à exposição repetida de alimentos e à experiência alimentar repetida, sendo que esta exposição e experiência começam ainda no útero, continuando, depois, logo que o bebé começa a mamar (Birch, 1999; Fisher & Birch, 2002). Fisher e Birch (2002) verificaram que o leite materno apresenta sabores que resultam da alimentação da própria mãe. Por exemplo, o odor de alho, do álcool e de estrato de baunilha ingerido pela mãe estão presentes no seu leite. Assim, a exposição a estes sabores vai-os tornando familiares para a criança.

Fisher e Birch (2002) consideram também que o comportamento alimentar da família constitui um dos determinantes das preferências alimentares em crianças e da selecção alimentar que estas fazem. Estes autores referem que a investigação sugere que a exposição repetida a novos alimentos, mesmo que durante o aleitamento materno, aumenta a aceitação da criança por alimentos semelhantes.

Holland e Petrovich (2005) defendem que os processos de aprendizagem associativa desempenham, também, um papel importante no consumo alimentar. No nosso dia-a-dia, somos bombardeados com pistas relacionadas com a comida (de que é um excelente exemplo a publicidade nos meios de comunicação social). Estas pistas podem influenciar o acto de comer de diferentes formas – desde o facto de constituírem reforços condicionados para comportamentos instrumentais, até à indução de estados emocionais normalmente associados ao acto de comer, que ultrapassam as normais pistas para a saciedade e levam ao aumento do tamanho da refeição. Estes autores, a partir da revisão da literatura que efectuaram, sugerem que a iniciação da refeição é mais baseada no hábito e na conveniência do que na necessidade aguda de energia.

Ogden (2003) refere que os seres humanos necessitam de uma alimentação variada, para que esta seja equilibrada. No entanto, é frequente sentirem receio de alimentos novos e evitá-los (neofobia). A investigação tem revelado que a mera exposição a alimentos novos pode alterar as preferências da criança e que existe uma relação directa entre a exposição aos alimentos e as preferências alimentares, o que significa que, quanto mais frequente for a exposição da criança a esses alimentos, maior será a sua preferência por eles, sendo que será necessária a exposição 8 a 10 vezes, no mínimo, para que as preferências comecem a mudar (Birch & Marlin, 1982).

Segundo Ogden (2003), a neofobia é mais frequente nos homens do que nas mulheres, diminuindo com a idade; corre nas famílias; e revela ser mínima em crianças a quem está a ser introduzida uma alimentação sólida, mas maior em crianças em idade pré-escolar. Uma das explicações que tem sido apresentada na literatura é a da “segurança aprendida”, segundo a qual as preferências aumentam porque a ingestão de alimentos não resultou em quaisquer consequências negativas (Ogden, 2003).

Por outro lado, alguns estudos sugerem que a mera exposição visual a novos alimentos não é suficiente para aumentar as preferências e que é essencial provar esses alimentos (Horne et al., 2004). Para além disso, as consequências negativas têm de ocorrer dentro de um período de tempo relativamente curto após a criança provar o alimento (Pliner & Leowen, 1997).

A aprendizagem social. À medida que a criança faz a transição para a alimentação do adulto característica da sua cultura, é exposta a uma vasta informação sobre o significado dos alimentos e do acto de comer. As crianças recebem informação sobre os locais e momentos do dia em que é aceitável comer, sobre a forma mais adequada de comer os alimentos e sobre o tipo de alimentos que são culturalmente considerados adequados para determinado momento do dia (Birch, 1998; Brown & Ogden, 2004; Cutting, Fisher, GrimmThomas, & Birch, 1999; Fisher & Birch, 2002).

É possível que, pela observação do comportamento alimentar dos seus pais, as crianças adoptem comportamentos semelhantes. O acto de comer é um acontecimento social, sendo que as outras pessoas que se encontram a comer à nossa volta podem servir de modelos (Cutting et al., 1999).

A aprendizagem social, também designada por modelagem, está precisamente relacionada com a aprendizagem pela observação do comportamento de outras pessoas. Vários são os estudos que sugerem que as preferências alimentares mudam quando observamos os outros indivíduos a comer (Addessi, Galloway, Visalberghi, & Birch, 2005; Birch, 1999; Ogden, 2003).

Ogden (2003) reviu estudos desenvolvidos na década de 30 do século XX sobre o impacto da sugestão social nas escolhas alimentares de crianças relativamente a alimentos que habitualmente não ingeriam. Entre os modelos utilizados encontravam-se outra criança não conhecida, um amigo, um adulto desconhecido e um herói de ficção. Estes estudos permitiram verificar que o adulto desconhecido não tinha qualquer impacto nas preferências alimentares das crianças, sendo que a maior mudança na preferência das crianças ocorreu quando o modelo utilizado era outra criança, um amigo ou um herói de ficção.

Num estudo realizado por Birch (1980), este autor constatou que as crianças mudavam a sua preferência por diferentes vegetais quando observavam, por quatro dias consecutivos, outra criança a ingerir um vegetal diferente do que eles inicialmente preferiam.

Ogden (2003) refere que o mesmo se verifica quando se utiliza a modelagem através do uso de vídeos de outras crianças mais velhas comendo entusiasticamente alimentos que as crianças em estudo rejeitavam, sendo que, nessa situação, ocorre uma mudança nas preferências e um consequente aumento do consumo de fruta e de vegetais por estas últimas.

Horne et al. (2004) desenvolveram um programa de intervenção que visava o aumento do consumo de vegetais e fruta, e que consistiu, numa fase inicial, na apresentação de vídeos em que os heróis travavam uma batalha e eram vistos, depois, a apreciar estes alimentos, que recebiam como recompensa. Para além, disso era utilizado o reforço ao longo do período de manutenção do programa (ex. através da oferta de canetas, lápis, estojos, borrachas e certificados com a imagem dos heróis dos vídeos), bem como cartas de incentivo e encorajamento. O programa revelou ser eficaz, sendo que os participantes passaram a ingerir maior quantidade de vegetais e fruta do que as crianças que não participaram neste programa.

As atitudes parentais em relação aos alimentos e às escolhas alimentares também são essenciais no processo de aprendizagem social, directa e indirectamente, através dos alimentos que os pais compram e que têm em casa, e pela exposição aos hábitos e preferências destes (Brown & Ogden, 2004; Ogden, 2003).

Todavia, nem sempre existe acordo entre mães e filhos. Klesges, Stein, Eck, Isbell, e Klesges (1991) constataram que as crianças seleccionam alimentos diferentes quando estão a ser observadas pelos seus pais e quando não o estão. Por sua vez, num estudo realizado por Alderson e Ogden (1999), verificou-se que as escolhas das mães eram mais motivadas pelas calorias, custo, tempo e disponibilidade quando se referiam a si mesmas, mas pelos cuidados nutricionais e pela saúde quando as escolhas diziam respeito aos seus filhos. Este estudo sugere, ainda, que as mães que se encontravam a fazer dieta tendiam a alimentar os seus filhos dando-lhes mais dos alimentos de que se estavam a privar.

A aprendizagem social também está associada ao impacto da televisão e da publicidade relacionada com alimentos. São muitos os exemplos associados aos meios de comunicação social – por exemplo, a informação que foi transmitida sobre a BSE e a gripe das aves e que teve como consequência a diminuição do consumo de carne de vaca e de aves, respectivamente.

Os meios de comunicação social têm um considerável impacto no que as pessoas comem e no que estes pensam sobre os alimentos. Por exemplo, Carmo (1999) refere um estudo realizado por um grupo de investigadores do Porto, em que foram analisados os efeitos da publicidade televisiva em jovens adolescentes entre os 12 e os 24 anos. Quando analisados os anúncios a um determinado refrigerante, verificaram que um quarto dos jovens, confrontados com estes, considerava que esse refrigerante conferia coragem às crianças, 11% considerava que as pessoas conhecidas bebiam esse refrigerante e 2% pensava que esse refrigerante fazia crescer.

Todavia, Ogden (2003) refere que o público não se limita a responder passivamente aos meios de comunicação social, exercendo julgamento sobre as mensagens relacionadas com a saúde e com a segurança da sua alimentação, colocando essa informação numa perspectiva mais ampla do seu contexto de vida.

Aprendizagem associativa. A aprendizagem associativa refere-se ao impacto de factores contingentes no comportamento, factores esses que podem ser considerados reforçadores (Birch, 1999; Ogden, 2003). A investigação tem-se debruçado sobre a exploração do impacto do emparelhamento de pistas relacionadas com alimentos com aspectos do ambiente, nomeadamente do alimento emparelhado com uma recompensa, do alimento utilizado como recompensa e do alimento emparelhado com consequências fisiológicas.

Alguns estudos debruçaram-se sobre o reforço da ingestão de determinados alimentos. Muitos de nós já ouvimos dizer “Se comeres tudo, fico muito contente contigo”. Por exemplo, Birch, Zimmerman, e Hing (1980b) constataram que a atenção positiva de um adulto associada a um alimento, aumenta a preferência de crianças por este. Também Drewnoski (1997) refere que a preferência pelo gosto do café, cerveja, bebidas alcoólicas e pimenta é resultado da associação entre um estímulo que, muitas vezes, é desagradável com consequências pós-ingestão desejáveis.

No entanto, os alimentos também podem ser utilizados em si mesmos como recompensa. Não é raro ouvirmos expressões como “Se te portares bem, dou-te um gelado”. Birch, Zimmerman, e Hing (1980a) apresentaram alimentos a crianças como se fossem uma recompensa (um lanche) ou em situações não sociais (de controlo), tendo observado que ocorre um aumento da aceitação dos alimentos fornecidos como recompensa, mas não dos alimentos apresentados na outra situação, o que levou os autores a concluírem que o uso dos alimentos como reforço aumenta a preferência das crianças por esses alimentos.

Porém, esta relação entre a utilização de alimentos como reforço e as preferências alimentares em crianças não parece ser tão simples, sendo que, vários estudos revelaram que essa preferência pode diminuir (Ogden, 2003). Ogden (2003) ilustra esta relação da seguinte forma: “Se comeres os vegetais, podes comer a sobremesa”. Segundo esta autora, este tipo de estratégia utilizada pelos pais para estimular a criança a ingerir mais vegetais, ainda que possa resultar a curto prazo, pode resultar num aumento da sua preferência pela sobremesa e numa diminuição ainda mais marcada da preferência por legumes.

Estes resultados aparentemente contraditórios têm vindo a ser atribuídos por alguns autores a diferenças metodológicas, ao facto de se tratarem de estudos de carácter laboratorial e, por isso, não realizados em contexto de vida real, de avaliarem um único momento do tempo e não ao longo do tempo (Ogden, 2003).

A análise dos vários aspectos metodológicos relacionados com os distintos resultados apresentados por diferentes estudos, permite concluir que a preferência alimentar pode ser aumentada se for oferecida uma recompensa pelo consumo de determinado alimento, desde que o contexto simbólico do reforço seja positivo e não indique que comer o alimento alvo é uma actividade de baixo valor (Ogden, 2003).

A investigação também sugere que a proibição do consumo de determinados alimentos pelos pais não é eficaz, tornando esses alimentos ainda mais atractivos para as crianças (Fisher & Birch, 1999; Ogden, 2003). Fisher e Birch (1999) verificaram que a ingestão de alimentos restringidos pelas mães prediz positivamente a ingestão desses alimentos por crianças de sexo feminino. Assim, quanto mais as mães restringem o acesso a esses alimentos, mais as crianças os ingerem.

Um outro aspecto relevante a salientar na aprendizagem por associação é a relação entre o consumo de alimentos e as suas consequências fisiológicas, sendo que as crianças tendem a evitar ingerir alimentos quando, após a sua ingestão anterior ocorreram consequências gastrointestinais negativas (Ogden, 2003).

Limitações do Modelo Desenvolvimental das escolhas alimentares. Segundo Ogden (2003), uma limitação apresentada pelo Modelo Desenvolvimental é o facto da maioria dos estudos em que este se suporta terem sido desenvolvidos em contexto laboratorial, sendo difícil a sua generalização aos diferentes contextos reais da vida dos indivíduos.

Esta autora aponta, também, como limitação o facto de o modelo contemplar apenas os alimentos do ponto de vista da conquista de um reforço, destes constituírem o próprio reforço e de serem agradáveis ou desagradáveis. Ogden (2003) considera que os alimentos e o comportamento de ingestão estão associados a um conjunto muito diverso de significados (como, por exemplo, poder, sexualidade, religião, cultura), pelo que se trata de um modelo explicativo pobre.

Ogden (2003) refere, ainda, que este modelo não valoriza a relação entre a ingestão dos alimentos e a imagem corporal, negligenciando preocupações como o aumento do peso corporal, a atractividade e a imagem corporal. Finalmente, na sua análise crítica, sublinha que, ainda que este modelo contemple o papel das cognições na motivação para o comportamento de ingestão, fálo de uma forma meramente implícita.

Modelos Cognitivos da escolha de alimentos

Os Modelos Cognitivos da escolha alimentar focam essencialmente o papel das cognições do indivíduo na predição e explicação do seu comportamento alimentar, não contemplando apenas essas cognições de um ponto de vista implícito, mas também explícito. Vários têm sido os estudos que sugerem a importância das crenças relacionadas a saúde no comportamento alimentar dos indivíduos.

Dentro dos modelos cognitivos têm-se destacado o Modelo de Crenças da Saúde, o Modelo da Motivação Protectora, o Modelo da Acção Planeada, entre outros. Ainda que apresentem algumas características específicas, estes modelos apresentam como aspecto central o facto de incorporarem os seguintes aspectos (Ogden, 1999, 2003; Ribeiro, 1998): atitude em relação a determinado comportamento, percepção do risco (vulnerabilidade), percepção da gravidade do problema, custos e benefícios de um determinado comportamento, auto-eficácia e percepção de controlo do comportamento, comportamento passado e normas sociais.

A investigação neste domínio tem-se centrado na predição do consumo de determinados alimentos – como, por exemplo, a extensão em que as cognições se relacionam com a intenção de comer determinados alimentos (ex. bolachas, pão, vegetais orgânicos) (Ogden, 2003). Alguns destes estudos têm, de forma geral, apoiado a ideia de que as intenções comportamentais não são boas préditoras do comportamento em si, o que levou os investigadores a explorar o hiato entre a intenção e o comportamento.

No entanto, as atitudes têm revelado ser boas préditoras do uso de sal de mesa; comer em restaurantes de fastfood; frequência do consumo de leite magro; alimentação saudável, conceptualizada enquanto elevado consumo de fibras, vegetais e fruta, e baixos níveis de gordura (Ogden, 2003).

Por outro lado, a investigação tem enfatizado a importância da percepção de controlo e de autoeficácia na predição do comportamento, particularmente no que respeita à perda de peso e à alimentação saudável (Milligan et al., 1997; Ogden, 2003). Wamsteker et al. (2005) desenvolveram um estudo com indivíduos obesos holandeses, tendo constatado que a perda de peso em programas de tratamento para a obesidade está positivamente associada à percepção de auto-eficácia e negativamente relacionada com a crença de que a obesidade tem uma causa física e de que não está sob controlo comportamental por parte do indivíduo. Estes resultados levaram os autores a concluir que será fundamental ter em consideração as crenças dos indivíduos, assim como a percepção de auto-eficácia destes quando se concebem programas de intervenção neste domínio.

Em contrapartida, a investigação tem sugerido que as normas sociais (isto é, a percepção de que determinados grupos têm determinados hábitos alimentares) e a percepção de apoio social são fracas preditoras do comportamento alimentar (Ogden, 2003).

Os estudos desenvolvidos neste domínio têm-se debruçado, também, sobre o papel da ambivalência na predição do comportamento alimentar, parecendo apontar para o facto de, quando se sente de forma ambivalente em relação a um alimento (por exemplo, comer chocolate é positivo e negativo), isso torna mais difícil que a atitude geral em relação a esse alimento se traduza numa intenção de o ingerir (Ogden, 2003).

Urland e Ito (2005) defendem que o processo contrário também se poderá verificar. Assim, a adopção de comportamentos de restrição alimentar pode alterar as atitudes do indivíduo em relação aos alimentos, alterando as suas motivações comportamentais.

Limitações dos Modelos Cognitivos de selecção de alimentos. A abordagem cognitiva da selecção de alimentos tem sido criticada pelo facto de valorizar extremamente o papel de variáveis a um nível individual (descurando aspectos como, por exemplo, hábitos alimentares da família, disponibilidade dos alimentos) e por pressupor que o mesmo conjunto de cognições é necessariamente relevante para todos os indivíduos.

Ogden (2003) aponta, como uma das grandes limitações destes modelos, o facto de se basearem essencialmente na utilização de métodos quantitativos e questionários desenvolvidos com base nos modelos teóricos existentes, pelo que as cognições estudadas são seleccionadas pelo próprio investigador, não sendo necessariamente relevantes para cada um dos indivíduos estudados.

Ogden (2003) vai mais longe, alertando para o facto de estes modelos pressuporem que o comportamento é consequência de pensamentos racionais, ignorando, consequentemente, o papel dos afectos, apesar de emoções como medo (do aumento de peso, de doenças), prazer e culpa (por exemplo, por ter comido em excesso) poderem contribuir para a selecção de alimentos.

Os aspectos sociais são, também, desvalorizados. Ainda que os modelos cognitivos considerem a visão dos outros sob a forma de “normas subjectivas”, parece não ser suficiente para contemplar todos os complexos aspectos sociais envolvidos no comportamento social de comer (Ogden, 2003). A capacidade preditora destes modelos revela ser insuficiente, deixando uma considerável variância para ser explicada por factores não definidos (Ogden, 2003).

 

ALIMENTOS, EMOÇÕES, COGNIÇÕES E COMPORTAMENTOS

Perdese no tempo a ideia de que de que “somos o que comemos”, ou seja, de que aquilo que comemos influencia a nossa saúde física e mental (Christensen & Brooks, 2006).

Patel e Schlundt (2001) verificaram que o humor positivo e o humor negativo estão associados a uma maior ingestão de alimentos do que o humor neutro.

De acordo com Christensen e Brooks (2006), a investigação tem vindo a demonstrar de forma consistente que a nossa dieta tem impacto no nosso humor. Todavia, estes autores sugerem que esta relação, mais do que unidireccional, deverá ser percebida como bidireccional, uma vez que não só os alimentos determinam o nosso humor, como também o nosso humor determina aquilo que comemos.

Abdul-Missagh, Marini, Jabalourwala, e Steiger (1999) verificaram que é frequente, os indivíduos com comportamento alimentar disfuncional apresentarem perturbação afectiva sazonal, com queixas de alterações significativas ao nível do sono, actividades sociais, humor, nível de energia, peso e apetite.

Num estudo realizado por Wells, Read, Laugharne, e Ahluwaklia (1998) constatou-se que, no final do primeiro mês, os participantes que foram submetidos a uma dieta pobre em gordura apresentavam um aumento do nível de raiva-hostilidade, alteração que não ocorria nos participantes que mantinham uma dieta mais rica em gordura. No entanto, os dois grupos de participantes não se distinguiram quanto ao nível de tensão/ansiedade. Estes resultados levaram os autores a concluir que uma dieta pobre em gordura poderá ter um efeito adverso no humor.

A literatura demonstra que determinados alimentos específicos tendem a ser consumidos pelos indivíduos com a intenção de melhorar estados de humor negativos ou como forma de lidar com o stress, sendo a ingestão desses alimentos utilizada como uma estratégia de auto-regulação do humor (Christensen, 1993; Dallman, Pecoraro, & Fleur, 2005). O consumo de determinados alimentos (frequentemente de alimentos doces) parece assumir o papel de uma “automedicação”, isto é, algumas pessoas consomem alimentos doces com o objectivo de aliviar os sintomas (Christensen, 2001).

Christensen (2001), partindo de uma análise de resultados que sugerem que indivíduos com perturbação afectiva sazonal, indivíduos obesos, mulheres com síndroma pré-menstrual e indivíduos com depressão unipolar apresentam compulsão por hidratos de carbono doces e alimentos ricos em gordura, levantou a hipótese de existir uma relação cíclica entre os alimentos e o humor negativo. Este autor considera que o distress emocional (particularmente os sintomas de depressão e fadiga) conduz à compulsão por hidratos de carbono doces e ricos em gordura (como, por exemplo, gelados e chocolates). Christensen (2001) adianta, ainda, que, em situações em que o indivíduo apresenta humor negativo, não se verifica apenas a compulsão pelos alimentos doces e ricos em gordura, mas ocorre também um consumo destes alimentos em maior quantidade.

Christensen (2006) sugere que a compulsão por este tipo de alimentos resulta numa melhoria temporária do humor, a que se segue um retorno ao humor negativo, reiniciando-se o ciclo novamente. Por esta razão, sugere que, para quebrar este ciclo, os indivíduos devem melhorar o seu humor (por exemplo, através de psicoterapia ou do uso de psicofármacos, ainda que alerte para o facto de alguns anti-depressivos possam aumentar a compulsão por doces).

Alguns estudos têm procurado compreender a influência do consumo de determinados alimentos no estado de humor dos indivíduos, analisando em particular os efeitos do consumo de cafeína, de hidratos de carbono e do chocolate (para uma revisão mais detalhada, consultar Benton, Greenfield, & Morgan, 1998; Cartwright & Stritzke, 2007; Cartwright, Stritzke, Durkin, Houghton, Burke, & Beilin, 2007; Christensen, 1993; Drewnowski, 1997; Macht & Dettmer, 2006; Ogden, 2003; Räikkönen, Peasonen, Järvenpäa, & Strandberg, 2004).

 

STRESS E COMPORTAMENTO ALIMENTAR

A relação entre o stress e o comportamento alimentar é complexa e os resultados da investigação neste domínio são usualmente contraditórios.

Alguns estudos têm sugerido que o stress está associado a uma diminuição dos alimentos ingeridos (Stone & Brownell, 1994). Todavia, outros estudos referem um aumento da quantidade de alimentos ingerida em momentos de stress, nomeadamente em indivíduos obesos. Para além disso, em alturas de stress, os estudantes referem diminuir as refeições tradicionais, aumentando as refeições ligeiras (snacks). A investigação sugere, ainda, que os períodos de maior sobrecarga de trabalho estão associados a um maior consumo de energia, gorduras saturadas e de açúcar (Ogden, 2003).

Oliver e Wardle (1999) estudaram um grupo de estudantes, tendo concluído que aproximadamente metade referia aumentar a quantidade de alimentos ingeridos durante os períodos de stress e a outra metade referia uma diminuição dessa quantidade. O denominador comum aos dois grupos revelou ser a diminuição da ingestão de alimentos “tipo refeição” (ex. fruta, vegetais, carne, peixe) e um aumento da ingestão de alimentos ”tipo-snack” (refeições ligeiras).

Ogden (2003) considera que, às vezes, o stress diminui a quantidade de alimentos ingerida, enquanto outras vezes pode aumentá-la. Esta relação contraditória tem vindo a ser designada, na literatura, como o “paradoxo stress/ingestão” (Stone & Brownell, 1994).

Spillman (1990) considera que o stress estimula a utilização da ingestão alimentar como estratégia de coping. Por exemplo, Macht, Haupt, e Ellgring (2005) verificaram que, no período que antecede os exames, os estudantes tendem a comer de forma mais emocional e a utilizar a ingestão alimentar como forma de se distraírem do stress. Bradley (1985), no mesmo sentido, alerta para o facto do stress poder contribuir para o aumento de peso em adultos e crianças.

Os indivíduos que apresentam perturbação de ingestão compulsiva também revelam níveis de stress superiores aos dos indivíduos que não apresentam este diagnóstico, assim como maior humor negativo e menor humor positivo, sendo que quer o humor, quer o stress parecem anteceder o comportamento de ingestão (Wolff, Crosby, Roberts, & Wittrock, 2000).

A investigação sugere a existência de diferenças entre os dois sexos no que diz respeito ao comportamento alimentar como resposta ao stress. Por exemplo, Ogden (2003) reviu vários estudos em que os autores constataram que o stress relacionado com os exames está associado a um aumento da quantidade de alimentos ingeridos nas raparigas, mas não nos rapazes. Por sua vez, Stone e Brownell (1994) desenvolveram um estudo longitudinal que lhes permitiu constatar que é mais provável os homens sob stress tenderem a comer menos do que tenderem a ingerir maior quantidade de alimentos. Estes autores verificaram, ainda, que as mulheres sob níveis de stress extremamente elevados, também tendem a comer menos.

Um aspecto que tem revelado ser importante nesta relação entre stress e comportamento alimentar é o facto dos indivíduos se encontrarem ou não a fazer dieta, sendo que o stress só parece levar a um aumento da quantidade de alimentos ingerida em indivíduos que se encontram a fazer dieta (Ogden, 2003).

Porém, uma vez mais, os resultados da investigação não são coerentes. Ogden (2003) alerta para a existência de outros estudos que não encontraram quaisquer diferenças significativas quanto à relação stress e comportamento alimentar entre os dois sexos, nem quando se considerou o facto dos indivíduos se encontrarem ou não a fazer dieta.

Alguns autores têm analisado os aspectos fisiológicos que poderão mediar esta relação entre níveis de stress e ingestão de alimentos. Um dos aspectos que tem sido valorizado prende-se com os níveis de cortisol – após uma situação de stress experimentalmente induzida, aumentam os níveis de cortisol, que, por sua vez, revelam estar associados a uma maior ingestão alimentar (Björntorp, 1995; Chrousos, 2000; Epel, Lapidus, McEwen, & Brownell, 2001; Peeke & Chrousos, 1995).

As situações de stress podem levar a uma maior libertação de cortisol. De acordo com Carmo (2002), uma resposta exagerada de cortisol provoca deposição de gordura, sobretudo no abdómen.

Este domínio necessita, sem dúvida, de ser objecto de pesquisa mais aprofundada.

 

OUTROS DETERMINANTES DAS ESCOLHAS ALIMENTARES

Glanz, Basil, Maibach, Golberg, e Snyder (1998) verificaram, num estudo realizado com a população americana, que as escolhas alimentares, mais do que serem determinadas pelo conhecimento dos benefícios, são determinadas por variáveis tão distintas quanto a história pessoal e familiar, o envolvimento cultural, o paladar, o preço, o aspecto, a facilidade em preparar os alimentos e a publicidade.

Também Lennernas, Fjellstrom, Becker, Giachetti, Schmit, e Winter (1997), num estudo realizado em países da Comunidade Europeia, verificaram que os factores que mais influenciavam as escolhas alimentares eram (por ordem decrescente): a qualidade e frescura; o preço; o paladar; o desejo de uma alimentação mais saudável; e as preferências familiares.

Kayman (1989) acrescenta, ainda outros determinantes como: a influência dos parceiros e amigos, a publicidade, a embalagem e a disposição nas prateleiras das lojas.

Também o contexto social e cultural revela ser determinante na selecção do tipo de alimentos e quantidades ingeridas. Por exemplo, Herman e Polivy (2004), e Patel e Schlundt (2001) verificaram que ingerimos maior quantidade de alimentos quando comemos acompanhados do que quando comemos sozinhos. Por sua vez, Castro, Bellisle, Feunekes, Dalix, e Graaf (1997) compararam os comportamentos alimentares de estudantes universitários franceses, americanos e alemães e constataram que existem marcadas diferenças entre estas culturas quanto à quantidade, composição, ritmo diurno e padrão de ingestão alimentar entre as distintas culturas. Por exemplo, em comparação com os franceses e os americanos, os alemães comem uma maior quantidade de alimentos, mas fazem um maior número de pequenas refeições ao longo do dia, separadas por curtos intervalos de tempo.

A insatisfação com a imagem corporal tem sido analisada enquanto factor que pode desempenhar um papel relevante na motivação da pessoa para adoptar determinado tipo de comportamentos alimentares (tais como restringir o consumo de gorduras e o consumo calórico). Heinberg, Thompson, e Matzon (2002) consideram que essa insatisfação poderá ser útil e necessária para motivar o indivíduo a adoptar comportamentos saudáveis. Por sua vez, Erickson e Gerstle (2007) constataram que a preocupação e insatisfação com o peso e imagem corporal constituem importantes determinantes do comportamento alimentar adoptado, mesmo em jovens.

Também a auto-regulação tem revelado constituir um importante determinante do comportamento alimentar. De acordo com Herman e Polivy (2004), a auto-regulação opõese à regulação, isto é, a autoregulação ocorre quando os nossos processos normais de regulação não nos permitem atingir aquilo que desejamos, constituindo uma tentativa de resolução do problema. Tangney, Baumeister, e Boone (2004) definem-na como a capacidade de ultrapassar ou mudar as próprias respostas internas, bem como de interromper tendências comportamentais indesejáveis ou impedir que estas passem ao acto. Por exemplo, quando não nos sentimos satisfeitos com o nosso peso corporal ou com a nossa saúde, podemos optar por resistir ao impulso de comer o que desejamos e adoptar uma alimentação mais pobre em calorias, seleccionando determinado tipo de alimentos que acreditamos serem mais seguros e evitando os restantes.

Diferentes níveis de auto-regulação pressupõem diferentes níveis de motivação. A motivação intrínseca é o protótipo da actividade autónoma – quando as pessoas estão intrinsecamente motivadas, são, por definição, auto-determinadas. Pelo contrário, a actividade extrinsecamente motivada é menos autónoma. Herman e Polivy (2004) consideram que inúmeros factores podem minar a capacidade de auto-regulação do comportamento alimentar (a capacidade ou motivação para “resistir à tentação”), como, por exemplo, a pressão dos amigos ou experimentar um alimento específico.

Por outro lado, a auto-regulação pressupõe que o indivíduo possa avaliar o seu progresso em relação a um objectivo específico. Quando o objectivo geral é perder ou manter o peso, os objectivos específicos passam por evitar determinados alimentos e evitar comer em determinada quantidade. Herman e Polivy (2004) consideram que é muito difícil, se não mesmo impossível, um indivíduo que deseje perder peso avaliar o seu progresso em relação a um objectivo negativo ou a um não-objectivo (por exemplo, não comer ou não comer tanto), o que poderá dificultar a sua auto-regulação. Para além disso, a maior parte das pessoas que se encontra a fazer dieta não vê a possibilidade de compensar ou corrigir erros ou fracassos, acreditando que depois de violado o princípio, jamais poderão recuperar, o que também poderá pôr em causa a sua capacidade de auto-regulação (Herman & Polivy, 2004).

Hofmann, Rauch, e Gawronski (2007) verificaram que, quando os recursos de auto-regulação são pobres, o consumo de alimentos doces é predito pelas atitudes automáticas do indivíduo, mas quando os recursos de auto-regulação são elevados, são as metas estabelecidos pelo indivíduo que determinam a ingestão desses alimentos.

A investigação tem destacado outras variáveis como o perfeccionismo. Por exemplo, Macedo et al. (in press) analisaram a relação entre o perfeccionismo e o comportamento alimentar, tendo constatado que, em estudantes universitários portugueses, o perfeccionismo está relacionado com as atitudes em relação à alimentação.

 

COMENTÁRIOS FINAIS

São vários os modelos que têm vindo a ser desenvolvidos na tentativa de contribuir para uma maior compreensão do comportamento alimentar e da escolha de alimentos, com o objectivo último de perceber porque é que as pessoas comem o que comem e a forma como poderão ser encorajadas a ter uma alimentação mais saudável. A utilização de um modelo integrado, que contemple os aspectos desenvolvimentais, cognitivos, sociais, ambientais e psicofisiológicos contribuirá, sem dúvida, para uma compreensão mais profunda deste tão complexo domínio.

Em suma, o processo de selecção do tipo e quantidade de alimentos que ingerimos no nosso dia-a-dia é extremamente complexo, sendo influenciado por importantes determinantes fisiológicos, psicológicos, sociais, culturais e contextuais. Assim, qualquer esforço de avaliação, compreensão ou intervenção no domínio das escolhas alimentares deverá ter em consideração cada um destes distintos factores.

Frequentemente observamos que as pessoas envolvidas em programas de perda ou controlo de peso (autogeridos ou geridos por profissionais), os próprios profissionais de saúde e, mesmo, a população em geral atribuem a dificuldade ou fracasso na gestão do peso corporal a uma questão de mera “falta de força de vontade”. A motivação e a capacidade de auto-regulação constituirão sem dúvida, factores determinantes das nossas opções alimentares, mas se descurarmos todos os outros determinantes, o sucesso a longo prazo das intervenções neste domínio poderá ser posto em causa.

 

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Recebido em 20 de Dezembro de 2007 / aceite em 7 de Novembro de 2008

 

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