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Psicologia, Saúde & Doenças
versão impressa ISSN 1645-0086
Psic., Saúde & Doenças v.10 n.1 Lisboa 2009
O papel da intimidade conjugal na qualidade de vida da mulher com cancro da mama
Helena Moreira, Sónia Silva & Maria Cristina Canavarro
Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra
UnIP Unidade de Intervenção Psicológica do Departamento de Medicina Materno-Fetal, Genética e Reprodução Humana dos Hospitais da Universidade de Coimbra
(Investigação apoiada pela FCT: SFRH/BD/27704/2006, SFRH/BD/29132/2006)
RESUMO: Não obstante a multiplicidade de estudos realizados no âmbito da conjugalidade da mulher com cancro da mama, a investigação sobre a intimidade nestes casais encontra-se ainda pouco documentada. Este estudo pretende conhecer a relação entre a intimidade conjugal (nas dimensões: comunicação, validação pessoal e abertura ao exterior) e a qualidade de vida destas mulheres, em duas etapas distintas da doença. A amostra é constituída por 47 mulheres recentemente diagnosticadas com cancro da mama, 47 mulheres sobreviventes de cancro da mama e 47 mulheres saudáveis, da população geral. As mulheres com diagnóstico recente de cancro da mama apresentaram uma melhor qualidade de vida social e maior intimidade na relação conjugal na dimensão comunicação. No grupo de sobreviventes, a dimensão validação pessoal da intimidade foi um preditor significativo de melhor qualidade de vida psicológica, enquanto a dimensão abertura ao exterior mostrou-se um preditor significativo de uma melhor qualidade de vida social. De uma forma geral, uma relação conjugal íntima, pautada pela validação, compreensão e livre partilha de emoções, sentimentos e preocupações, bem como pela abertura do casal aos elementos exteriores, parece promover uma melhor qualidade de vida da mulher com cancro da mama.
Palavras-chave: Abertura ao exterior, cancro da mama, casal, comunicação, diagnóstico, intimidade, qualidade de vida, sobrevivência, validação pessoal.
The role of marital intimacy in the quality of life of women with breast cancer
ABSTRACT: Despite the multiplicity of studies concerning the conjugality of women with breast cancer, research about the intimacy of these couples remains poorly documented. This study aims to analyse the relationship between couples intimacy (in the dimensions: communication, personal validation and opening to exterior) and womens quality of life in two different phases of the disease. The sample is comprised of 47 women newly diagnosed with breast cancer, 47 breast cancer survivors, and 47 healthy women from general population. Women recently diagnosed with breast cancer presented better social quality of life and better conjugal intimacy on the communication dimension. Among breast cancer survivors, the personal validation dimension was a significant predictor of a better psychological quality of life, while the opening to exterior dimension was a good predictor of a better social quality of life. Generally, an intimate relationship, characterized by the validation, understanding and open share of emotions, feelings and concerns, as well as by the couples opening to the exterior, seems to promote a better quality of life of women with breast cancer.
Keywords: Breast cancer, communication, couple, diagnosis, intimacy, quality of life, personal validation, opening to exterior, survivorship.
O diagnóstico e tratamento do cancro da mama impõem à mulher e à sua família um conjunto de importantes desafios (Wimberly, Carver, Laurenceau, Harris, & Antoni, 2005). Constituindo-se como uma experiência adversa e potencialmente traumática, pode ter um impacto profundo em diferentes áreas de vida da mulher e dos seus outros significativos, influenciando a qualidade de vida de ambos (Breitbart & Holland, 1993; Dias, Manuel, Xavier, & Costa, 2002; Hewitt, Herdman, & Holland, 2004; Thornton & Perez, 2007). No entanto, e ainda que esta seja indubitavelmente uma experiência adversa e desafiante, não implica necessariamente um percurso emocionalmente desajustado (Ganz et al., 1996). Efectivamente, grande parte dos estudos realizados sobre a adaptação ao cancro da mama tem mostrado que a maioria das mulheres é resiliente, conseguindo adaptar-se bem ao diagnóstico e às exigências psicológicas, físicas e sociais associadas aos tratamentos (Bloom, Peterson, & Kang, 2007; Ganz et al., 1996; Helgeson, Snyder, & Seltman, 2004; Hewitt et al., 2004; Massie & Shakin, 1993; Moreira, Silva, & Canavarro, 2008).
A qualidade de vida da doente em cada fase do cancro da mama pode ser influenciada por um vasto conjunto de factores como, por exemplo, a severidade da doença, a presença de efeitos secundários decorrentes dos tratamentos, o tipo de cirurgia, a etapa do ciclo vital em que a mulher se encontra, os seus recursos pessoais para lidar com a doença, entre muitos outros (Carlsen, Dalton, Frederiksen, Diderishsen, & Johansen, 2007; Knobf, 2007). Um dos factores com maior influência neste processo de adaptação parece ser a existência de relações interpessoais significativas (Bloom, Stewart, Johnston, Banks, & Fobair, 2001; Bolger, Foster, Vinokur, & Ng, 1996; Lederberg, 1998; Michael, Berkman, Colditz, Holmes, & Kawachi, 2002; Pistrang & Barker, 1995; Wimberly et al., 2005).
Com efeito, vários estudos têm mostrado que as relações interpessoais próximas e, em particular, a relação com o companheiro, desempenham um papel determinante na forma como o indivíduo se adapta a um qualquer acontecimento de vida perturbador, incluindo o diagnóstico e tratamento de uma doença oncológica, como o cancro da mama (Bloom et al., 2001; Bolger et al., 1996; Helgeson & Cohen, 1996; Wimberly et al., 2005). Efectivamente, para alguns autores, o envolvimento numa relação interpessoal próxima é um factor suficiente para predizer um melhor ajustamento à doença (Burman & Margolin, 1992; Ross, Mirowsky, & Goldstein, 1990). De acordo com Bolger et al. (1996), a vantagem adaptativa decorrente da presença de relações significativas está relacionada com o apoio emocional e instrumental que estas relações muitas vezes proporcionam ao doente.
Assim, ao longo das duas últimas décadas, os investigadores e clínicos ligados à psico-oncologia, têm vindo a enfatizar a necessidade de se perspectivar a doença, nomeadamente o cancro da mama, no contexto da família e, especificamente, da relação conjugal (Manne & Badr, 2008). Dos inúmeros estudos que, nesta sequência, têm surgido, parece ser consensual a influência da qualidade da relação conjugal na adaptação da doente ao diagnóstico e aos tratamentos do cancro da mama (Giese-Davis, Hermanson, Koopman, Weibel, & Spiegel, 2000), tendo-se verificado, frequentemente, o papel preditor de uma relação conjugal positiva neste processo de adaptação (Bloom et al., 2001; Bolger et al., 1996; Burman & Margolin, 1992; Coyne & Anderson, 1999; Pistrang & Barker, 1995; Skerrett, 1998). Outros estudos têm ainda evidenciado que a satisfação conjugal relatada por estes casais não difere significativamente da população em geral (Fuller & Swensen, 1992), constatando-se muito frequentemente uma melhoria da qualidade da relação e uma maior aproximação emocional dos dois elementos do casal após o diagnóstico da doença (Dorval, Maunsell, Taylor-Brown, & Kilpatrick, 1999; Taylor-Brown, Kilpatrick, Maunsell, & Dorval, 2000). Podendo o cancro da mama ser conceptualizado como um ponto de viragem para trajectórias individuais mais adaptativas e até para o desenvolvimento pessoal e relacional da mulher (Silva, Moreira, Pinto, & Canavarro, no prelo), pode constituir-se também como uma oportunidade para o desenvolvimento de uma relação caracterizada por níveis superiores de intimidade conjugal (Manne & Badr, 2008).
A intimidade representa um dos componentes principais de uma relação interpessoal próxima (Clark & Reis, 1988; Manne et al., 2004; Mitchell et al., 2008; Prager, 1995). Não obstante a existência de múltiplas perspectivas e definições deste conceito, a intimidade tem sido conceptualizada, pela maioria dos autores, como um constructo multidimensional, constituído por alguns elementos centrais (Berscheid, 1985; Hatfield & Rapson, 1993; Prager, 1995). Para além da presença de afecto e confiança na relação com o outro, Hook, Gerstein, Detterich, e Gridle (2003), referem que a validação pessoal e a auto-revelação constituem elementos fundamentais no estabelecimento de uma relação ou interacção íntimas, estando estes dois últimos componentes presentes na maioria das conceptualizações teóricas. Assim, de acordo com estes autores, a validação pessoal relacionase com o sentimento de que se é aceite e compreendido pelo outro, o que permite a abertura e a auto-revelação no contexto da relação. Por sua vez, a auto-revelação consiste na comunicação, verbal ou não verbal, de informação pessoal relevante a outro indivíduo, de factos, pensamentos e sentimentos (Manne & Badr, 2008; Reis & Patrick, 1996; Reis & Shaver, 1988), componente que tem vindo a ser amplamente estudada no contexto do cancro da mama (e.g. Figueiredo, Fries, & Ingram, 2004; Pistrang & Barker, 1992; Porter, Keefe, Hurwitz, & Faber, 2005). Para que se estabeleça a intimidade na relação, perante a autorevelação de um dos elementos da díade o outro deve responder empaticamente, de forma a que o primeiro se sinta compreendido e apoiado (Manne & Badr, 2008). Os dois componentes referidos são também essenciais no modelo integrador proposto por Reis e Shaver (1988) e, mais tarde, desenvolvido por Reis e Patrick (1996), segundo o qual a intimidade consiste num processo interactivo, no qual um dos elementos da díade revela informação pessoal ao outro que, por sua vez, responde de forma empática, conduzindo a que o primeiro se sinta validado, compreendido e cuidado.
Na investigação sobre a adaptação ao cancro da mama, alguns estudos têm concluído que as doentes que comunicam abertamente com o seu parceiro têm uma maior probabilidade de se adaptarem melhor à doença (Northouse, Dorris, & Charron-Moore, 1995; Pistrang & Barker, 1995), apresentando níveis inferiores de distress psicológico e uma melhor qualidade de vida (Porter et al., 2005). Também Cordova, Cunningham, Carlson, e Andrykowski (2001), constataram que as doentes que conversavam com o seu companheiro sobre os seus sentimentos relacionados com a doença relatavam níveis inferiores de depressão e melhor bem-estar psicológico. Efectivamente, a revelação de pensamentos e sentimentos pode facilitar a adaptação à doença, na medida em que proporciona ao doente uma oportunidade de validação e de encontro de um significado para a experiência (Lepore & Helgeson, 1998). Alguns estudos têm constatado que, em famílias que conseguem falar abertamente sobre a doença, os doentes reportam menos queixas físicas e psicológicas e níveis superiores de auto-estima e controlo percebido (Mesters et al., 1997). Também Spiegel, Bloom, e Gottheil (1983), observaram que um ambiente familiar no qual é encorajada a discussão aberta de sentimentos e problemas, prediz menor perturbação do humor em doentes com cancro da mama durante o primeiro ano da doença. Em suma, doentes e parceiros que são capazes de revelar os seus pensamentos e sentimentos, nomeadamente aqueles que estão relacionados com a doença, parecem apresentar uma maior intimidade, empatia e satisfação conjugal o que, por sua vez, proporciona uma melhor adaptação individual e melhor qualidade de vida perante a doença (Giese-Davis et al., 2000; Pistrang & Barker, 1995).
Não obstante a multiplicidade de estudos realizados no âmbito da relação conjugal da mulher com cancro da mama e de alguns aspectos relacionados com a intimidade terem vindo a ser abordados, a investigação deste conceito enquanto constructo integrador e global, no contexto específico desta população, não tem sido alvo de atenção de muitos investigadores. Apenas Manne et al. (2004) procuraram estudar este constructo de forma global, tentando validar o modelo anteriormente referido (Reis & Patrick, 1996; Reis & Shaver, 1988), numa amostra de casais em que a mulher tinha cancro da mama. Dada a escassez de estudos realizados em Portugal que incidam sobre esta temática, este estudo foi elaborado com o objectivo de analisar a relação entre a intimidade conjugal e a qualidade de vida de uma amostra de mulheres sobreviventes ou recentemente diagnosticadas com cancro da mama. Especificamente, o presente trabalho pretende: (1) conhecer e comparar a qualidade de vida de mulheres em fases distintas do cancro da mama (diagnóstico e sobrevivência); (2) analisar e comparar a qualidade da relação e diferentes dimensões da intimidade conjugal de mulheres em diferentes fase da doença; (3) explorar o papel preditor da intimidade na qualidade de vida de mulheres com cancro da mama ou sobreviventes desta doença.
MÉTODO
O presente trabalho foi desenvolvido no âmbito de um projecto longitudinal mais amplo, designado Adaptação ao cancro da mama e aos seus tratamentos: Influência de factores individuais e interpessoais1, conduzido por elementos da Unidade de Intervenção Psicológica (UnIP), dos Hospitais da Universidade de Coimbra (HUC), com a aprovação da Comissão de Ética deste hospital.
Participantes e Procedimento
A amostra é constituída por um total de 141 mulheres, distribuídas por três grupos distintos. Neste estudo apenas foram incluídas mulheres casadas ou a viver em união de facto, ou ainda as que pertencendo a outro estado civil mantinham um relacionamento amoroso no momento em que participaram no estudo.
Deste modo, um grupo de 47 mulheres recentemente diagnosticadas com cancro da mama (grupo diagnóstico) foi recrutado no serviço de Ginecologia C dos HUC, aquando o seu internamento para realização de cirurgia da mama (mastectomia ou cirurgia conservadora). Foram utilizados os seguintes critérios de inclusão: idade igual ou superior a 18 anos, ausência de história pessoal de cancro da mama, tempo máximo de diagnóstico da doença de 4 meses e não realização anterior de qualquer tratamento neoadjuvante. As doentes foram convidadas a participar no estudo durante o período em que estavam internadas, tendo-lhes sido explicados, numa entrevista individual, os objectivos da investigação, o papel do investigador e as normas de confidencialidade subjacentes ao estudo. Nesta entrevista, conduzida preferencialmente no primeiro dia de internamento, eram preenchidos o consentimento informado e a ficha de dados sócio-demográficos, dadas as instruções de preenchimento dos questionários e esclarecidas quaisquer dúvidas relacionadas com estes. O protocolo de avaliação era preenchido posteriormente pela doente e entregue aos investigadores, preferencialmente antes da cirurgia. A informação clínica das doentes foi obtida através da consulta dos respectivos processos clínicos hospitalares. Todas as doentes tinham já conhecimento prévio do seu diagnóstico e a sua inclusão no estudo era do conhecimento da equipa médica responsável.
Da amostra faz também parte um grupo de 47 mulheres sobreviventes de cancro da mama (grupo sobreviventes), recrutadas no mesmo serviço dos HUC e nas várias extensões do Movimento Vencer e Viver, do núcleo regional do centro da Liga Portuguesa Contra o Cancro, associação constituída por mulheres sobreviventes de cancro da mama, que prestam apoio a outras mulheres com a mesma doença. As participantes que foram recrutadas no serviço de Ginecologia (n = 27) encontravam-se internadas para realização de cirurgia reconstrutiva da mama, tendo a recolha dos dados seguido o procedimento anteriormente descrito. As participantes pertencentes à associação de voluntariado (n = 20) foram contactadas pessoalmente pelos investigadores aquando a realização da reunião mensal da extensão a que pertencem, tendo-lhes sido explicados os objectivos do estudo, o papel do investigador e as normas de confidencialidade subjacentes ao mesmo. Os protocolos de avaliação, bem como a ficha de dados sócio-demográficos e clínicos, o consentimento informado e um envelope endereçado e selado, foram entregues na sede de cada extensão, tendo sido posteriormente devolvidos por correio. Para participarem no estudo, estas mulheres deveriam ter finalizado qualquer tratamento de quimioterapia ou radioterapia há pelo menos um ano, sendo a sua situação clínica estável e indicadora de remissão total da doença.
Utilizou-se ainda um grupo de controlo, constituído por 47 mulheres pertencentes à população geral, com idade igual ou superior ao limite inferior de idade dos grupos clínicos e ausência de história pessoal de doença oncológica. A todas as respondentes foram explicados os objectivos do estudo e entregue o protocolo de avaliação e o consentimento informado. As características sócio-demográficas da amostra encontram-se no Quadro 1.
Quadro 1
Características sócio-demográficas da amostra
Como se pode observar no Quadro 1, os grupos que constituem a amostra apenas diferem significativamente na variável situação profissional, [χ²(6, N = 136) = 40.77; p = .000], sendo que a maioria das sobreviventes encontra-se já reformada, enquanto que as restantes participantes estão ainda, na sua maioria, activas profissionalmente. Nas restantes características sociodemográficas os grupos não apresentaram diferenças estatisticamente significativas entre si, nomeadamente, na idade média [F(2, 133 = 2.99, p = .05] e entre as diferentes categorias de idade [χ²(2, N = 136) = 1.37; p = .51], no estado civil [χ²(6, N = 140) = 5.01; p = .54], na duração média da relação [F(2, 115) = 1.24; p = .29] e na escolaridade [χ²(6, N = 140) = 9.66; p = .14].
Relativamente às características clínicas da amostra, o tipo de cancro mais frequente, em ambos os grupos, foi o Carcinoma Ductal Invasivo (CDI), tendo sido diagnosticado em 83% dos casos no grupo de diagnóstico e em 67.9% dos casos no grupo de sobreviventes. Não foram encontradas diferenças estatisticamente significativas na distribuição dos casos pelas diferentes categorias de diagnóstico [χ²(4, N = 73) = 5.433; p = .246]. No que diz respeito ao tempo decorrido desde o diagnóstico, as mulheres sobreviventes receberam o seu diagnóstico, em média, há 81.98 meses (DP = 65.81), enquanto as pertencentes ao outro grupo clínico foram diagnosticadas, em média, há 1.43 meses (DP = 0.6). Dentro do grupo de sobreviventes, a grande maioria realizou mastectomia (84.4%), tendo o tratamento conjunto de quimioterapia e radioterapia sido o mais frequentemente realizado (44.4%).
Instrumentos
Personal Assessment of Intimacy in Relationships PAIR (Schaefer & Olson, 1981; Versão Portuguesa: Moreira & Canavarro, 2007). Este questionário de autoresposta, cotado numa escala de resposta de zero (discordo totalmente) a quatro (concordo totalmente), pretende medir o grau de intimidade numa relação diádica. A versão portuguesa (Moreira, Amaral & Canavarro, 2008) é constituída por 3 factores: (1) Validação Pessoal pretende avaliar o sentimento de validação de opiniões e sentimentos e de aceitação por parte do companheiro num conjunto de diferentes áreas; (2) Comunicação avalia a capacidade e possibilidade de expressão de opiniões, sentimentos e desejos na relação; (3) Abertura ao Exterior avalia a abertura da díade conjugal aos outros e a partilha de amigos comuns. Este instrumento engloba ainda uma escala de Convencionalidade, que tem como objectivo avaliar a desejabilidade social presente nas respostas do indivíduo. A consistência interna dos três factores do instrumento, analisada através do alpha de Cronbach, nos três grupos que constituem a presente amostra é, de uma forma geral, boa. No grupo de controlo, verificaram-se valores entre .74 e 92; no grupo de diagnóstico entre .72 e .93; e, por último, no grupo de sobreviventes entre .85 e .90.
Versão breve do World Health Organization Quality of Life para Português de Portugal WHOQOL-Bref (WHOQOL-Group, 1998; Versão Portuguesa: Canavarro et al., 2006; Vaz Serra et al., 2006). Este instrumento é constituído por 26 itens e constitui uma medida genérica, multidimensional e multicultural da avaliação subjectiva da qualidade de vida. A versão portuguesa deste instrumento apresenta boas propriedades psicométricas (Vaz Serra et al., 2006) e é constituída por uma faceta geral, que avalia a percepção geral de qualidade de vida e a percepção geral de saúde, e por 24 facetas específicas, que avaliam aspectos específicos da qualidade de vida (e.g.: actividade sexual, relações sociais, apoio social, dor e desconforto, etc.). As 24 facetas distribuem-se por 4 domínios distintos: Físico, Psicológico, Relações Sociais e Ambiente. Nos três grupos que constituem a presente amostra, o instrumento apresentou, de uma forma geral, valores razoáveis a bons de consistência interna para cada domínio. No grupo de controlo, verificaram-se valores de alpha de Cronbach entre .61 e .84; no grupo de diagnóstico entre .65 e .89 e, por último, no grupo de sobreviventes, entre .72 e .86.
Escala de avaliação subjectiva da qualidade da relação. A qualidade da relação estabelecida com o companheiro foi avaliada através da questão Como avalia a qualidade da sua relação?, cotada numa escala de resposta de zero (extremamente má) a dez (extremamente boa).
Ficha de dados sociodemográficos e clínicos. Foi utilizada uma ficha de dados sociodemográficos e clínicos, que permitiu obter informações relevantes sobre o contexto social e demográfico do indivíduo e dados clínicos relacionados com a doença, cirurgia e tratamentos, tais como a duração da doença, o tipo de cirurgia e o tipo de tratamentos efectuados.
Análises Estatísticas
O tratamento estatístico dos dados foi realizado recorrendo ao pacote estatístico SPSS, versão 15. Para a caracterização da amostra recorreu-se à estatística descritiva (frequências relativas, médias, desviospadrão). Utilizou-se o teste do qui-quadrado e a análise de variância univariada (ANOVA) para análise das diferenças entre as características sócio-demográficas e clínicas dos grupos. Para a análise das diferenças de médias nos factores de intimidade e domínios de qualidade de vida entre os três grupos, efectuou-se uma análise de variância multivariada (MANOVA). Observada a significância multivariada, procedeu-se à análise da variância univariada para cada variável dependente, prosseguindo-se com o teste post-hoc de Tukey HSD para detecção das diferenças entre os pares de médias.
Com o objectivo de testar se os diferentes factores da intimidade são bons preditores dos vários domínios da qualidade de vida nos dois grupos clínicos estudados, foram efectuadas análises de regressão linear múltipla (método enter). Apenas foram testadas as variáveis preditoras que se correlacionavam a um nível significativo com as variáveis dependentes em estudo. Quando a duração e/ou a qualidade da relação se correlacionavam significativamente com as variáveis dependentes, eram igualmente introduzidas no modelo, de forma a controlar estatisticamente a sua influência. Neste caso, as regressões hierárquicas eram realizadas em 2 blocos, para cada variável dependente: (1) qualidade e/ou duração da relação; (2) validação pessoal, comunicação e abertura ao exterior. Quando a duração e/ou a qualidade da relação não se correlacionavam com as variáveis dependentes, os três domínios da intimidade eram introduzidos simultaneamente no modelo, em apenas um bloco.
RESULTADOS
A qualidade de vida nas fases de diagnóstico e de sobrevivência do cancro da mama
Começou por se comparar os diferentes grupos no que respeita à sua qualidade de vida, considerando os diferentes domínios e faceta geral do WHOQOL-bref. Os resultados, apresentados no Quadro 2, mostram que os grupos apenas diferem entre si nas relações sociais [F(2, 137) = 4.12, p < .05]. Neste domínio, são as mulheres recentemente diagnosticadas com cancro da mama que apresentam, em média, uma qualidade de vida superior, distinguindo-se significativamente dos restantes dois grupos.
Quadro 2
Pontuações médias de qualidade de vida: comparação entre grupos
Whoqol-bref | Diagnóstico (1) | Sobreviventes (2) | Controlo | F | p | Posthoc* |
| Média (DP) | Média (DP) | Média (DP) |
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Faceta Geral | 58.97 (14.59) | 65.16 (17.28) | 63.56 (14.59) | 1.79 | .171 | --- |
Domínios |
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Físico | 65.53 (14.60) | 66.03 (17.46) | 70.74 (16.81) | 1.45 | .239 | --- |
Psicológico | 71.83 (13.87) | 73.49 (13.83) | 69.59 (14.25) | 0.92 | .401 | --- |
Relações Sociais | 80.25 (13.98) | 72.34 (17.03) | 71.63 (16.91) | 4.12 | .018 | 1>2,3 |
Ambiente | 65.15 (13.50) | 63.16 (15.50) | 62.57 (14.97) | 0.39 | .676 | --- |
Roy's Largest Root = .139; F(5, 134) = 3.73, p = .003; Potência = .93
*Tukey HSD
A análise das diferenças nas facetas que compõem este domínio (Relações Pessoais, Apoio Social e Actividade Sexual), revelou que os três grupos não se distinguem entre si na faceta actividade sexual [F(2, 137) = 1.42, p = .250], tendo sido encontradas diferenças estatisticamente significativas nas relações pessoais [F(2, 137) = 4.769; p = .010] e no apoio social [F(2, 137) = 9.44; p ≤.001]. Em ambas, observaram-se pontuações superiores no grupo de diagnóstico, que se distinguiu significativamente da população geral, mas não do grupo de sobreviventes.
A qualidade da relação e a intimidade conjugal nas fases de diagnóstico e de sobrevivência do cancro da mama
Foram analisadas as diferenças entre as pontuações médias da qualidade da relação entre os grupos de diagnóstico (M = 8.51; DP = 1.84), sobreviventes (M = 8.42; DP = 2.01) e população geral (M = 7.72; DP = 1.95), não tendo sido encontradas diferenças significativas entre os grupos [F(2, 119) = 2.15, p = .290].
Procedeu-se à análise da variância multivariada para testar eventuais diferenças entre os grupos, relativamente aos diferentes factores da intimidade e à escala de convencionalidade do PAIR. Tal como é possível observar no Quadro 3, os três grupos diferem significativamente entre si nos factores validação pessoal [F(2, 137) = 3.41, p < .05], comunicação [F(2, 137) = 5.53; p < .05] e na escala de convencionalidade [F(2, 137) = 3.79; p < .05]. Através do teste posthoc de Tukey, verificou-se que as mulheres recentemente diagnosticadas com cancro da mama apresentam pontuações superiores no factor comunicação, diferindo significativamente dos restantes dois grupos. Relativamente ao factor validação pessoal, ainda que tenha sido detectado um efeito significativo na análise da variância, a comparação múltipla de médias não evidenciou diferenças significativas entre os grupos. Por fim, na escala de convencionalidade, observouse que as mulheres do grupo de diagnóstico apresentam uma maior desejabilidade social nas suas respostas, quando comparadas com as sobreviventes, mas não com a população geral.
Quadro 3
Pontuações médias de intimidade: comparação entre grupos
PAIR | Diagnóstico (1) | Sobreviventes (2) | Controlo | F | p | Posthoc* |
| Média (DP) | Média (DP) | Média (DP) |
|
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Validação pessoal | 40.21 (9.33) | 35.33 (10.62) | 35.74 (10.13) | 3.41 | .036 | --- |
Comunicação | 30.00 (7.79) | 24.93 (7.58) | 25.87 (8.12) | 5.53 | .005 | 1>2,3 |
Abertura ao exterior | 13.77 (3.62) | 12.43 (4.49) | 12.02 (4.06) | 2.36 | .099 | --- |
Convencionalidade | 16.52 (4.77) | 14.09 (4.85) | 14.44 (4.80) | 3.79 | .025 | 1>2 |
Roys Largest Root = .082; F(4,135) = 2.76, p = .031; Potência = .75
*Tukey HSD
A Intimidade como preditora da qualidade de vida em diferentes fases do cancro da mama?
Com o objectivo de explorar o papel preditor das diferentes dimensões da intimidade na qualidade de vida do grupo de mulheres recentemente diagnosticadas e do grupo de sobreviventes, procedeu-se à realização de diferentes regressões múltiplas. Previamente, foram analisadas as correlações entre as variáveis em estudo (c.f. análises estatísticas).
No Quadro 4 são apresentadas as correlações entre os domínios da qualidade de vida, a duração e qualidade da relação conjugal e os factores de intimidade, nos dois grupos clínicos.
Quadro 4
Matriz de correlações entre os factores relacionais e a qualidade de vida
Diagnóstico | Geral | QFísica | Qualidade de Vida Psicológica | Relações Sociais | Ambiente |
Duração da relação | .25 | -.09 | -.04 | -.46** | -.24 |
Qualidade da relação | .38* | .04 | .48** | .23 | .37* |
Intimidade |
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Validação Pessoal | .18 | .26 | .46** | .33* | .47** |
Comunicação | .20 | .16 | .46** | .46** | .49** |
Abertura ao Exterior | .08 | .07 | .33* | .37* | .33* |
Sobreviventes |
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Duração da relação | .32 | -.11 | -.05 | -.01 | -.01 |
Qualidade da relação | -.10 | -.01 | .34* | .36* | .07 |
Intimidade |
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Validação Pessoal | .13 | .22 | .57** | .66** | .34* |
Comunicação | .07 | .29* | .49** | .67** | .34* |
Abertura ao Exterior | .26 | .23 | .38** | .61** | .29* |
*p < .05; **p < .01
Relativamente ao grupo de diagnóstico, pode observar-se que relações mais duradouras estão significativamente associadas a uma menor qualidade de vida no domínio relações sociais. No que diz respeito à qualidade da relação, esta associa-se positiva e significativamente com a qualidade de vida geral e com os domínios psicológico e ambiente. Quanto às dimensões de intimidade, maiores níveis de intimidade em todos os factores deste constructo associam-se a pontuações mais elevadas nos domínios psicológico, relações sociais e ambiente da qualidade de vida.
O padrão de associações entre as variáveis encontrado no grupo de sobreviventes apresenta algumas diferenças relativamente ao grupo de diagnóstico. Assim, a duração da relação não se encontra significativamente associada com nenhum domínio da qualidade de vida. Por sua vez, a qualidade da relação associa-se significativa e positivamente com a qualidade de vida psicológica e social. A intimidade, nas suas três dimensões, correlaciona-se significativamente com uma melhor qualidade de vida nos domínios psicológico, relações sociais e ambiente.
Apesar da qualidade da relação e dos factores de intimidade apresentarem correlações significativas com vários domínios da qualidade de vida no grupo de diagnóstico, nenhum demonstrou ser um preditor significativo destas variáveis. Apenas no grupo de sobreviventes foram encontrados modelos significativos. Os resultados são apresentados no Quadro 5.
Quadro 5
Intimidade como preditora dos domínios Psicológico e Relações Sociais da qualidade de vida, na fase de sobrevivência Domínios Qualidade de vida βp Psicológico
Comparando a contribuição da qualidade da relação e das três dimensões de intimidade no domínio psicológico da qualidade de vida das sobreviventes, observou-se que, apesar de todas as variáveis se correlacionarem significativamente com este domínio (cf. Quadro 4), apenas a validação pessoal surge como um preditor significativo (p < .05), num modelo que explica 32.7% da variância total [F(4,42) = 5.10, p < .01]. As dimensões da intimidade contribuiram para a explicação de 25.8% desta variância.
Relativamente ao domínio relações sociais, o modelo encontrado [F(4,42) = 11.89, p ≤.001] contribuiu para 53.1% da variância total explicada, sendo que 44.2% desta é explicada pelas dimensões de intimidade. Ainda que todas as variáveis introduzidas no modelo se correlacionem significativamente com este domínio, apenas a dimensão abertura ao exterior mostrou ser um preditor significativo (p < .05). Note-se que, quando são introduzidas no segundo bloco as dimensões da intimidade, a qualidade da relação deixa de predizer significativamente este domínio da qualidade de vida.
No que diz respeito ao domínio ambiente, ainda que as correlações entre este e as dimensões da intimidade sejam significativas, o modelo preditor encontrado não se revelou estatisticamente significativo [F(3, 43) = 2.17, p = .11].
DISCUSSÃO
O presente trabalho teve como principal objectivo contribuir para um maior conhecimento da forma como a experiência adversa e, simultaneamente, desafiante que é o cancro da mama influencia a qualidade de vida da mulher, bem como da forma como a intimidade na relação com o seu companheiro influencia a sua qualidade de vida, em duas etapas distintas da doença. Assim, pretendeu-se conhecer a relação estabelecida entre a qualidade de vida e as diferentes dimensões da intimidade, explorando simultaneamente o papel preditor destas dimensões em duas etapas da doença: o diagnóstico e a sobrevivência. O presente estudo assume-se como pioneiro em Portugal, representando um contributo importante para a evolução do conhecimento na área.
A partir da análise dos resultados foi elaborado um conjunto de reflexões importantes, apresentadas de seguida.
Relativamente às pontuações médias obtidas para cada domínio e faceta geral da qualidade de vida, em cada etapa da doença, os resultados mostraram resultados muito semelhantes entre os grupos na maioria dos domínios. Relativamente ao grupo de diagnóstico e, tendo em linha de conta todas as mudanças que caracterizam esta fase (Barraclough, 1999; Veach, Nicholas, & Barton, 2002), seria, à partida, de esperar resultados inferiores, nomeadamente nos domínios físico e psicológico, tal como tem sido reportado em outros estudos (Bloom et al., 1987; Bloom, Kang, Petersen, & Stewart, 2007; Ganz et al., 1996; Maguire, Lee, & Bevington, 1998; Morris, Greer, & White, 1977). Contudo, é importante verificar que este grupo de mulheres tinha recebido o seu diagnóstico muito recentemente, não apresentando ainda, na sua maioria, sintomas físicos negativos decorrentes da sua doença, o que pode explicar a ausência de diferenças entre os grupos no domínio físico da qualidade de vida. No que diz respeito ao domínio psicológico, o facto de não se verificarem pontuações médias inferiores neste grupo pode ser, em parte, explicado pela satisfação com as relações pessoais e com o apoio social recebido, que poderão actuar como importantes factores protectores, como será explicado posteriormente. Contudo, outros estudos seriam fundamentais para esclarecer estes resultados, identificando outros potenciais factores protectores intervenientes nesta fase da doença. Os resultados obtidos no grupo de sobreviventes vão ao encontro do que é comummente referido na literatura, ou seja, de que a qualidade de vida nesta fase da doença é comparável à da população geral (Dorval, Maunsell, Deschenes, Brisson, & Masse, 1998; Kornblith et al., 2007; Moreira et al., 2008; Tomich & Helgeson, 2002) ou até mesmo superior (Ganz, Rowland, Desmond, Meyerowitz, & Wyatt, 1998; Peuckmann et al., 2007).
A única diferença significativa foi encontrada no domínio relações sociais, no qual as mulheres que tinham recebido recentemente o seu diagnóstico exibiram pontuações médias superiores, distinguindo-se significativamente dos restantes dois grupos. Importante será igualmente de realçar que, na análise das facetas que constituem este domínio, as diferenças encontradas situaram-se apenas ao nível das relações pessoais (avaliada pela questão: Até que ponto está satisfeito(a) com as suas relações pessoais?) e do apoio social (avaliada pela questão: Até que ponto está satisfeito(a) com o apoio que recebe dos seus amigos?), mas não da actividade sexual (avaliada pela questão: Até que ponto está satisfeito(a) com a sua vida sexual?). Estes resultados, que mostram um nível elevado de satisfação com as relações pessoais e com o apoio recebido por parte dos amigos, conduzem a algumas reflexões importantes, espelhando, de certa forma, a importância que, na fase de diagnóstico, as relações interpessoais e a activação das redes de apoio social têm no confronto com a doença. Embora não seja possível, apenas a partir destes resultados, retirar conclusões sobre o papel das redes sociais de apoio na adaptação à doença, estes dados parecem ir ao encontro do que tem sido encontrado em outros estudos, nos quais se tem verificado a frequente activação das redes de suporte social e enfatizado o papel, na adaptação a esta etapa da doença, do apoio social e da qualidade das relações estabelecidas com os outros (Helgeson & Cohen, 1996; Northouse, 1988; Reynolds & Perrin, 2004; Schroevers, Ranchor, & Sanderman, 2003). Perante os resultados de qualidade de vida encontrados, que não diferenciam, na maioria dos domínios, o grupo de diagnóstico dos restantes grupos estudados, denotando, deste modo, uma boa qualidade de vida durante esta fase da doença, pode levantar-se a hipótese de que o apoio social recebido e a satisfação com esse mesmo apoio, poderão ter aqui um papel importante, funcionando como um importante mecanismo protector. Estudos futuros seriam necessários e fundamentais para averiguar esta possível relação, não explorada no âmbito deste trabalho.
No que se refere à avaliação da qualidade da relação com o companheiro, não foram encontradas diferenças significativas entre os grupos, à semelhança de outros estudos, como o de Northouse, Templin, e Mood (2001), no qual se observou que os níveis de satisfação conjugal, tanto da mulher como do companheiro, eram comparáveis aos encontrados numa amostra da população normal. Estes resultados contribuem, assim, para a desmistificação da crença comum e não empiricamente sustentada, de que o cancro da mama contribui para o afastamento e, até, para a ruptura do casal, bem como para uma diminuição da satisfação e da qualidade da relação. Nesta linha, vários estudos têm também procurado evidenciar que, após a experiência de cancro da mama, o casal permanece unido, reportando níveis de satisfação com a relação idênticos ou até mesmo superiores aos da população geral (Dorval et al., 1999; Lewis & Hammond, 1992; Taylor-Brown et al., 2000).
Já no que diz respeito à intimidade, encontraram-se diferenças significativas entre os grupos em duas dimensões: na comunicação e na validação pessoal. Relativamente à primeira dimensão, foram as mulheres com diagnóstico recente de cancro da mama que apresentaram resultados superiores, tendo-se distinguindo significativamente dos outros dois grupos. Este factor da intimidade está relacionado com a capacidade e possibilidade de expressão de opiniões, sentimentos e desejos no contexto da relação e com o sentimento de que se é compreendido e aceite pelo companheiro (Moreira et al., 2007). Efectivamente, numa fase de grande vulnerabilidade, como é a fase de diagnóstico de uma doença oncológica, parece ser fundamental a comunicação de sentimentos, pensamentos, medos e preocupações. Esta partilha, que tem habitualmente lugar no contexto da relação conjugal, na medida em que o companheiro é o elemento da rede social da doente mais frequentemente escolhido como confidente (Figueiredo et al., 2004; Harrison, Maguire, & Pitceathly, 1995), é perspectivada pelos doentes como bastante útil, contrariamente às conspirações de silêncio, encaradas por estes como bastante perturbadoras (Spiegel et al., 1983). No que diz respeito à segunda dimensão de intimidade validação pessoal ainda que se tenha verificado um efeito estatisticamente significativo na análise da variância, posteriormente não se conseguiram detectar diferenças entre pares de médias pelo teste de comparação múltipla de médias. Sendo estes testes menos potentes que a análise da variância, futuramente será importante replicar este estudo numa amostra de maior dimensão de modo a reduzir a probabilidade de erro de tipo II nas comparações múltiplas de médias (Steel & Torrie, 1980).
Um dos principais objectivos deste trabalho consistiu em analisar a relação e o possível papel preditor das várias dimensões de intimidade na qualidade de vida das mulheres recentemente diagnosticadas e sobreviventes de cancro da mama.
O padrão de associações encontrado entre as variáveis, em ambos os grupos clínicos, parece evidenciar uma tendência para uma melhoria da qualidade de vida nos domínios psicológico, relações sociais e ambiente, à medida que a intimidade na relação é também superior nos seus diferentes factores. Especificamente, em ambas as fases da doença parece ser fundamental a percepção por parte da mulher de que o companheiro valida e compreende as suas emoções, sentimentos e preocupações, bem como a livre partilha de pensamentos e sentimentos no contexto da relação e a abertura do casal ao exterior. Efectivamente, tem-se verificado, em diferentes estudos, que a revelação de pensamentos e sentimentos pode facilitar a adaptação à doença, através da oportunidade que cria para a validação e para o processamento cognitivo e emocional e, desta forma, para a construção de um significado para a experiência que conduza à sua aceitação emocional (Lepore & Helgeson, 1998; Manne, Dougherty, Veach, & Kless, 1999). Assim, ainda que a maior parte dos estudos não se tenha dedicado à análise específica da relação entre a qualidade de vida e a intimidade conjugal, de uma forma geral, tem-se verificado que uma relação conjugal mais positiva, pautada por uma maior coesão, intimidade e satisfação, está associada a um melhor ajustamento individual perante a doença (Giese-Davis et al., 2000; Pistrang & Barker, 1995).
Quando se procedeu à análise do papel preditor dos factores de intimidade na qualidade de vida em cada fase da doença, verificou-se, curiosamente, que apenas na sobrevivência estas variáveis assumiam um papel significativo. Na fase de diagnóstico, não obstante o importante papel da intimidade conjugal na adaptação ao cancro da mama, outras variáveis parecem concorrer para a explicação do ajustamento a esta etapa da doença. Outros estudos seriam fundamentais para averiguar esta questão. Na fase de sobrevivência, a validação pessoal surge como um preditor significativo da qualidade de vida psicológica, reflectindo, deste modo, a importância que a aceitação do companheiro e a validação de sentimentos, pensamentos e opiniões têm na adaptação psicológica da sobrevivente. Como seria de esperar, para a qualidade vida social é a dimensão abertura ao exterior da intimidade que sobressai como preditor significativo, mostrando que a abertura da díade conjugal aos outros e a partilha de redes sociais similares podem promover uma maior satisfação com as relações interpessoais e com o apoio recebido a partir destas.
Apesar do contributo deste estudo para o estado actual do conhecimento na área das relações interpessoais e, especificamente, da intimidade conjugal, no contexto do cancro da mama, é importante assinalar algumas limitações inerentes a este trabalho. Em primeiro lugar, os três grupos que constituem a amostra englobam um número reduzido de indivíduos, sendo, por isso, importante, em estudos futuros, aumentar o tamanho da amostra. Em segundo lugar, os participantes foram recrutados segundo um processo de amostragem por conveniência (Hill & Hill, 2005), o que limita a generalização dos resultados a outros indivíduos. Assim, o grupo de sobreviventes é maioritariamente constituído por mulheres submetidas a mastectomia e várias a cirurgia reconstrutiva da mama, o que impossibilita a generalização das conclusões a mulheres que realizaram cirurgia conservadora da mama e a outras que, mesmo tendo efectuado mastectomia, optaram pela não realização da cirurgia reconstrutiva. Por outro lado, o facto de parte das sobreviventes pertencerem a uma associação de voluntariado pode influenciar positivamente a sua adaptação psicossocial, não reflectindo a realidade da população global de sobreviventes. Seria, portanto, fundamental, alargar este grupo clínico e aumentar o tipo de situações nele incluído. Em terceiro lugar, é importante referir que o procedimento de recolha de amostra adoptado junto do grupo de sobreviventes pertencentes à associação de voluntariado (preenchimento do protocolo sem a presença dos investigadores para o esclarecimento de eventuais dúvidas e impossibilidade de consulta do processo clínico da doente), não possibilitou a recolha completa de algumas informações clínicas e sócio-demográficas importantes, tendo-se verificado, em alguns casos, um elevado número de missings. Em quarto e último lugar, trata-se de um estudo transversal, não possibilitando, deste modo, a formulação de conclusões mais esclarecedoras sobre os processos dinâmicos de adaptação ao longo do tempo. Estudos futuros deverão ter um carácter longitudinal, repetindo a análise das mesmas variáveis em diferentes fases da doença, de forma a ampliar a compreensão actual sobre a influência da intimidade conjugal na adaptação ao longo do curso da doença. Ainda em termos de pistas para futuras investigações, seria interessante que estudos posteriores contemplassem os dois elementos do casal, de forma a permitir uma compreensão mais alargada da temática estudada, nomeadamente da influência recíproca de cada parceiro na adaptação de cada elemento ao cancro da mama.
Importa ainda e, por último, apontar algumas implicações clínicas que derivam do presente trabalho. Este estudo aponta para a necessidade de se fomentar, em ambas as fases da doença, uma maior intimidade conjugal, nas suas diferentes dimensões. Na fase de diagnóstico parece ser especialmente importante a criação de um espaço de diálogo entre os elementos do casal, que permita à mulher partilhar livremente os seus medos, preocupações, pensamentos e emoções. Já na fase de sobrevivência, parece ser particularmente relevante ajudar o casal a abrir-se ao exterior e a construir uma relação onde a mulher se sinta aceite e validada pelo companheiro. Assim, parece ser claro que, em termos psicoterapêuticos, mais do que trabalhar apenas com a mulher na promoção de uma melhor qualidade de vida, importa envolver o seu companheiro em todo o processo, para que de uma forma eficaz se consiga promover uma relação conjugal mais íntima e, desta forma, contribuir para trajectórias mais adaptativas da mulher.
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1. Mais informações sobre este projecto poderão ser encontradas na página: http://www.fpce.uc.pt/saude/cm.htm
Enviado em 12 de Março de 2009 / Aceite em 25 de Junho de 2009
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