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Psicologia, Saúde & Doenças

versão impressa ISSN 1645-0086

Psic., Saúde & Doenças v.11 n.2 Lisboa  2010

 

Experiências relacionais precoces, vulnerabilidade ao stress, estratégias de coping e adaptação à decisão e experiência de interrupção voluntária da gravidez

 

Maryse Guedes, Sofia Gameiro & Maria Cristina Canavarro

Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade de Coimbra, Portugal.

Unidade de Intervenção Psicológica (UnIP) da Maternidade Doutor Daniel de Matos dos Hospitais da Universidade de Coimbra, Portugal.

Departamento de Medicina Materno­-Fetal, Genética e Reprodução Humana, Portugal.

 

Contactar para E­mail: maryseguedes@gmail.com

 

Resumo

A decisão de interrupção voluntária da gravidez (IVG) constitui uma experiência emocionalmente exigente, que implica a mobilização de recursos pessoais por parte da mulher. É importante identificar os factores psicológicos que podem condicionar a forma como as mulheres se ajustam a esta resolução reprodutiva, de modo a preparar estratégias de intervenção psicológica adequadas. Este estudo prospectivo teve como objectivo investigar a relação entre a recordação dos estilos educativos dos pais, a vulnerabilidade ao stress e as estratégias de coping de 53 mulheres que procuraram a Consulta de Aconselhamento Reprodutivo da Maternidade Dr. Daniel de Matos dos Hospitais da Universidade de Coimbra entre Dezembro de 2007 e Março de 2008 para interromper a gravidez, e a sua adaptação no período da decisão e após a IVG. Os estilos educativos parentais (EMBU – Memórias da Infância) e a vulnerabilidade ao stress (23QVS) foram avaliados no período da decisão. Os estilos de coping (COPE Inventory adaptado à experiência de IVG) foram avaliados após a IVG. A adaptação (Escala de Avaliação das Emoções, Inventário de Sintomas Psicopatológicos) foi avaliada nos dois momentos do estudo. Em ambos os momentos de avaliação, a sobreprotecção materna e a vulnerabilidade ao stress revelaram associações positivas com indicadores de psicopatologia e reactividade emocional negativa, à semelhança do uso de estratégias de coping religioso, ventilação emocional e negação, no período pós-­IVG. São debatidas as implicações destes resultados para a investigação e prática clínica.

Palavras­-chave: Adaptação; decisão reprodutiva; determinantes psicológicos; interrupção voluntária da gravidez (IVG)

 

Early relational experiences, vulnerability to stress, coping styles and adjustment to the decision and experience of induced abortion

Abstract

The decision of induced abortion constitutes an emotionally exigent experience that implicates the mobilization of woman’s personal resources. In this sense, it is important to identify the psychological factors that may influence women’s adjustment to this reproductive resolution, in order to prepare appropriated psychological interventions. This prospective study aimed to investigate the relation between the memories of parental educative styles, vulnerability to stress and coping of 53 women who seeked for the Reproductive Counselling Consultation at the Maternity Doctor Daniel de Matos of the University of Coimbra Hospitals, between December 2007 and March 2008 to abort, and their adjustment during the decision period and after the abortion. Parental educative styles (EMBU – Childhood Memories) and vulnerability to stress (23 QVS) were assessed at the moment of decision. Coping styles (COPE Inventory adapted for induced abortion) was assessed after the abortion. Adjustment (Emotional Assessment Scale, Brief Symptom Inventory) was assessed in both assessment moments. In both assessment moments, maternal overprotection and the vulnerability to stress revealed positive associations with indicators of psychopathology and negative emotional reactivity, as well as the use of religious coping, emotional ventilation and negation, in the post­abortion period. The implications of these results for research and clinical practice are discussed.

Keywords: Adaptation; psychological determinants; reproductive decision; voluntary termination of pregnancy  

 

Em Julho de 2007 entrou em vigor no nosso país a legislação que enquadra a despenalização da interrupção voluntária da gravidez (IVG) por opção da mulher, até às dez semanas de gestação, em estabelecimentos de saúde oficiais ou oficial­mente reconhecidos (Lei 16/2007 de 17 de Abril). De acordo com a legislação em vigor, a mulher deve obrigatoriamente beneficiar de uma consulta médica prévia à IVG, seguida de um período de reflexão de três dias, podendo, se o desejar, solicitar acompanhamento psicológico antes, durante e após o processo de interrupção da ges­tação (Direcção Geral de Saúde, 2007).

A decisão da IVG apresenta-se, assim, como uma resolução carregada de uma forte dimensão moral e ética (Casey, Oates, Jones, & Cantwell, 2008), que ainda muito recentemente foi alvo de discussão cívica e social no nosso país. Neste con­texto, a investigação existente demonstrou que as mulheres portuguesas que se vêem confrontadas com esta decisão reprodutiva experienciam níveis elevados de ansiedade e culpa, com expressão ao nível de sintomatologia psicopatológica (somatização, an­siedade, hostilidade e depressão) (Guedes, Gameiro, & Canavarro 2010). Embora se observe uma melhoria significativa do ajustamento psicológico do período decisório para o período pós-IVG (particularmente nos indicadores de ansiedade), Guedes et al. (2010) evidenciou que estas mulheres tendem a experienciar menos felicidade e mais culpa, comparativamente com a população geral, após a IVG.

Esta realidade não se limita ao nosso país. Com efeito, a literatura científica da área tem demonstrado que a decisão de IVG constitui um acontecimento de vida po­tencialmente stressante, exigindo, por isso, a mobilização de recursos pessoais por parte da mulher (Adler et al., 1992). Desta forma, é crucial identificar os factores psi­cológicos que podem condicionar a forma como as mulheres lidam com a decisão e experiência da IVG (Major et al., 2009, 2010), a fim que seja possível delinear es­tratégias de intervenção psicológica adequadas.

A literatura tem vindo a sugerir que algumas variáveis psicológicas como a recordação das práticas parentais na infância e na adolescência, os recursos está­veis de personalidade definidores de maior ou menor vulnerabilidade ao stress e os estilos de coping, ao condicionarem a forma como as pessoas lidam com si­tuações indutoras de stress, podem estar associadas a uma melhor ou pior adapta­ção (Lazarus & Folkman, 1984). No contexto específico da IVG, estas variáveis também têm sido investigadas, no entanto, os estudos têm-se focado essencial­mente no período pós­-IVG (e.g. Cozzarelli, 1993; Cozzarelli, Sumer, & Major, 1998; Major, Richards, Cooper, Cozzarelli, & Zubek, 1998), negligenciando o pe­ríodo decisório. A investigação deste período parece-nos essencial dado o cariz da decisão que a mulher tem de tomar e todas as implicações futuras que esta po­derá ter na sua vida.

As memórias das práticas parentais na infância e na adolescência têm sido re­lacionadas com diferentes formas de lidar com os acontecimentos indutores de stress e consequentemente com o ajustamento psicológico à experiência de IVG (Cozzarelli et al., 1998). De facto, os estudos empíricos têm demonstrado que as recordações das práticas educativas parentais (Gould, 1980; Payne, Kravitz, Notman, & Anderson, 1976; Speckhard, & Rue, 1992) influenciam a percepção de auto­eficácia e de apoio social da mulher e, consequentemente, a sua adaptação no período pós-­IVG (Cozza­relli et al., 1998).

De forma consistente com esta linha de raciocínio, a investigação mostrou que as mulheres que relatam memórias de rejeição parental (particularmente por parte da mãe) evidenciam níveis mais elevados de sintomatologia psicopatológica e reactividade emocional negativa no período pós­-IVG (Cozzarelli et al., 1998; Payne et al., 1976). Contrastadamente, as mulheres que recordam as figuras pa­rentais como provedoras de suporte emocional ou como sobreprotectoras tendem a apresentar melhor adaptação após a IVG (Coleman, Rue, & Spence, 2007; Coz­zarelli et al., 1998).

Definida como o sentimento ou crença de não possuir aptidões ou recursos pes­soais e sociais para lidar com as exigências criadas por uma situação (Vaz­-Serra, 2000a), a vulnerabilidade ao stress não tem sido estudada, de uma forma explícita, no seio da literatura do domínio. Contudo, a investigação da área tem identificado al­gumas dimensões estáveis de personalidade definidoras de menor “resistência” me­diante os acontecimentos indutores de stress (i.e., baixos níveis de auto­estima, optimismo e locus de controlo; sentimentos de alienação; neuroticismo) (Major et al., 2009, 2010). Estas características de personalidade tendem a conduzir a avalia­ções mais negativas do acontecimento indutor de stress e dos recursos pessoais dis­poníveis para lidar com o mesmo, traduzindo-se na mobilização de estratégias de coping menos adaptativas e, consequentemente, em níveis mais elevados de pertur­bação emocional (depressão, ansiedade, hostilidade e somatização) no período pós-IVG (Athanasiou, Oppel, Michaelson, Unger, & Yager, 1973; Cozzarelli, 1993; Major et al., 1998; Rizzardo, Magni, Desideri, Consentino, & Salmaso, 1992). Embora não exista uma correspondência conceptual perfeita, estas dimensões estáveis de perso­nalidade parecem, em certa medida, espelhar parte do perfil do indivíduo vulnerável ao stress, descrita por Vaz Serra (2000a).

Por fim, as estratégias de coping, mobilizadas pelas mulheres no período pós­-IVG, têm sido descritas como determinantes proximais do ajustamento pós-­IVG (Major et al., 1998). Com efeito, as mulheres que recorrem preferencialmente a es­tratégias de evitamento e negação ou à ventilação emocional tendem a apresentar ní­veis mais elevados de ansiedade e depressão após a IVG; por sua vez, as mulheres que lidam com as emoções despoletadas pela IVG, com recurso as estratégias de con­fronto activo, aceitação e reenquadramento positivo ou de procura de apoio instru­mental ou emocional apresentam maior bem-estar e satisfação, bem como níveis mais diminutos de perturbação emocional, no período pós-­IVG (Cohen, & Roth, 1984; Dagg, 1991; Major et al., 1998). Embora relativamente infrequente entre as mulhe­res que enveredam por esta resolução reprodutiva, Major et al. evidenciaram que o coping religioso parece associar-se a reduzida satisfação com a decisão de interrup­ção, embora não sejam notórias diferenças significativas ao nível do ajustamento psi­cológico.

A presente investigação teve como principal objectivo o estudo da relação entre os estilos educativos parentais na infância e na adolescência, a vulnerabilidade ao stress, os estilos de coping pós-IVG e a adaptação da mulher. A adaptação da mulher em ambos os momentos de avaliação foi operacionalizada em relação a dois eixos: a reactividade emocional e a sintomatologia psicopatológica.

De forma mais específica, investigámos a relação entre: (1) a recordação de prá­ticas educativas de suporte emocional, rejeição e sobreprotecção por parte do pai e da mãe e a adaptação da mulher, no período decisório e após a IVG; (2) a vulnerabi­lidade ao stress e a adaptação da mulher, no período decisório e após a IVG; (3) os estilos de coping (i.e. estratégias de procura de suporte emocional, procura de su­porte instrumental, ventilação emocional, negação, distracção mental, aceitação, reen­quadramento positivo, coping religioso) avaliados no período pós-IVG e a adaptação da mulher após a IVG.

Deste modo e tendo em conta a revisão apresentada, hipotetizamos que as mu­lheres que percepcionam maior rejeição na infância e na adolescência (particular­mente por parte da figura materna) e que se auto-descrevem como mais vulneráveis ao stress, tenderão a apresentarem níveis aumentados de reactividade emocional ne­gativa e psicopatologia, no momento da decisão e após esta experiência reprodutiva. Por outro lado, esperamos que as mulheres que percepcionam maior suporte emo­cional na infância e na adolescência (particularmente por parte da mãe) e que se auto­descrevem como menos vulneráveis ao stress, tenderão a experimentar níveis mais baixos de reactividade emocional negativa e psicopatologia, no momento da decisão e após esta experiência reprodutiva. Hipotetizamos também que as mulheres que mo­bilizam estratégias de ventilação emocional e negação tenderão a experimentarem níveis aumentados de reactividade emocional negativa e psicopatologia, após a IVG. Esperamos ainda que as mulheres que mobilizam estratégias de aceitação e reen­quadramento positivo ou procura de suporte emocional e instrumental tenderão a ex­perimentar níveis mais baixos de reactividade emocional negativa e psicopatologia, após a IVG.

 

MÉTODO

Participantes

A amostra foi constituída por 53 mulheres que procuraram a Consulta de Acon­selhamento Reprodutivo da Maternidade Doutor Daniel de Matos dos Hospitais da Universidade de Coimbra para interromper a gravidez, entre Dezembro de 2007 e Março de 2008. 105 mulheres foram recrutadas consecutivamente para colaborar no presente estudo, tendo-lhes sido feito um pedido de colaboração voluntária. Destas, 53 (taxa de não resposta de 49.5%) acederam participar no estudo no primeiro momento de avaliação. Das 53 mulheres que acederam colaborar no momento da decisão, 21 (39.6%) também concordaram participar no período pós-IVG.

 

Quadro 1

Dados sócio­-demográficos da amostra

 

As idades das participantes oscilavam entre os 17 e os 43 anos (M = 26.68, DP = 5.57), observando-se uma preponderância de mulheres (43.4%) com idade com­preendida entre os 25 e os 29 anos (n = 23). Relativamente ao estado civil, 54.7% eram solteiras (n = 29), 30.2% eram casadas/unidas de facto (n = 16) e 15.1% eram separadas/divorciadas (n = 8). A maioria das participantes (71.7%) residia numa área predominantemente urbana (n = 38) e no distrito de Coimbra (83.0%; n = 44). No que diz respeito às habilitações literárias, 41.5% apresentava um nível de escolaridade equivalente ao ensino secundário (n = 22), 32.1% ao ensino básico (n = 13), 24.5% ao ensino superior (n = 8). Relativamente à situação profissional, mais de metade das participantes (54.7%) estava envolvida numa actividade profissional (n = 31), sendo que das restantes 24.5% eram estudantes (n = 13), 15.1% estavam desempre­gadas (n = 8) e 1.9% não tinha actividade profissional (n = 1). De acordo com a ca­tegorização de Simões (1994), cerca de metade das participantes (51.9%) apresentava um nível sócio­-económico baixo (n = 28), sendo que as restantes participantes (47.2%) auferiam um nível sócio­-económico médio (n = 25).

 

Material

No primeiro momento de avaliação, para efeitos de caracterização amostral, in­cluímos uma ficha de dados sócio-demográficos  e clínico. Recorremos igualmente ao EMBU – Memórias da Infância para avaliar as memórias das práticas educativas pa­rentais ocorridas durante a infância e a adolescência. De facto, além de ser um dos questionários mais referidos na literatura para avaliar esta variável, as dimensões por ele contempladas (suporte emocional, rejeição e sobreprotecção) de forma separada para o pai e para a mãe são também aquelas que têm merecido a atenção dos inves­tigadores que se têm debruçado sobre a relação entre a recordação dos estilos edu­cativos parentais e a adaptação à IVG. Para avaliar a vulnerabilidade ao stress, incluímos o 23 QVS, uma vez que este instrumento de avaliação proporciona uma medida global sumária da vulnerabilidade ao stress de um indivíduo. Além disso, as diferentes subescalas do 23QVS avaliam um conjunto de dimensões (e.g. percepção de controlo, tolerância à frustração, auto­a-firmação, perfeccionismo, emocionalidade, etc.) que tendem a corresponder às dimensões de personalidade definidoras de maior ou menor resistência ao stress (e.g. auto­estima, optimismo e locus de controlo, etc.) apontadas na literatura.

No segundo momento de avaliação, recorremos a uma versão do COPE Inven­tory, especificamente adaptada à experiência de IVG, de modo a contemplar os esti­los de coping mais comummente identificados (i.e. procura de apoio emocional, procura de apoio instrumental, ventilação emocional, negação, distracção mental, aceitação, reenquadramento positivo, coping religioso) entre esta população clínica, no período pós-IVG.

Em ambos os momentos de avaliação, para avaliação da adaptação das partici­pantes, recorremos à Escala de Avaliação das Emoções – Emotional Assessment Scale e ao Inventário de Sintomas Psicopatológicos – Brief Symptom. Com efeito, a deci­são e experiência de IVG têm sido conceptualizadas como acontecimentos indutores de stress, susceptíveis de gerar uma vasta constelação de manifestações de reactivi­dade emocional positiva e negativa, com expressão ao nível da sintomatologia psi­copatológica.

De seguida, apresentamos sumariamente os instrumentos de avaliação, incluí­dos no nosso protocolo de investigação:

­Ficha de dados sócio-demográficos  e clínicos: é uma ficha informativa cons­tituída por um conjunto de itens singulares, destinados a avaliar: (1) as característi­cas sócio-demográficas  da mulher (idade, estado civil, habilitações literárias, situação profissional); (2) a história médica da mulher (problemas médicos/psicológicos an­teriores, acompanhamento psicológico/psiquiátrico prévio); (3) o percurso reprodu­tivo da mulher (número de gestações/filhos anteriores; idade da menarca; idade de início da vida sexual activa; número de companheiros sexuais até ao momento; pro­blemas/complicações ginecológicos/obstétricos anteriores; contracepção prévia; his­tória de IVG anteriores).

­EMBU – Memórias da infância (Perris, Jacobsson, Lindstrom, Von Knorring, & Perris; 1984; Versão Portuguesa: Canavarro, 1996): é uma escala de auto-­resposta que pretende avaliar a percepção dos adultos acerca das práticas educativas parentais (sobreprotecção, rejeição, suporte emocional) na infância e adolescência, em relação ao pai e à mãe separadamente. Para cada um dos 23 itens que compõem a escala, o sujeito deve posicionar-se numa escala de tipo Lickert (desde “não, nunca” a “sim, a maior parte do tempo”), assinalando a opção que mais se adequa ao seu caso. A versão portuguesa da escala (Canavarro, 1996) apresenta, no seu conjunto, níveis adequados de consistência interna, embora os valores de alpha se encontrem ligeira­mente abaixo do indicado, quer para o total dos itens (.54 para o pai e .66 para a mãe), quer para os itens considerados individualmente (entre .50 e .56 para o pai e entre .64 e .69 para a mãe). Foram igualmente encontrados dados abonatórios de boa estabilidade temporal e validade de constructo.

­23 QVS (Vaz Serra, 2000): é um instrumento de auto­avaliação constituído por 23 itens, que se destina a avaliar a vulnerabilidade que um determinado indiví­duo tem ao stress, de forma global e em função de sete dimensões (perfeccionismo e intolerância à frustração; inibição e dependência funcional; carência de apoio so­cial; condições de vida adversas; dramatização da experiência; subjugação; depriva­ção de afecto e rejeição). Para cada um dos itens, o sujeito deve posicionar-se numa escala de Lickert (desde “concordo em absoluto” a “discordo em absoluto”), assina­lando a opção que mais se aproxima da sua maneira de ser habitual. Os estudos psi­cométricos da escala (Vaz Serra, 2000b) revelaram que a escala apresenta níveis adequados de consistência interna, com um valor de alpha para todos os itens de .82 e um coeficiente de teste­reteste de .82. Foram igualmente encontrados dados abo­natórios da validade de constructo e da validade discriminativa do instrumento.

­COPE Inventory adaptado à experiência de IVG (Carver, Scheier & Wein­traub, 1989; Versão Adaptada: Major et al., 1998; Tradução: Carvalho & Maia, 2007): É um questionário de auto­-resposta, constituído por 33 itens, adaptado do original de Carver et al. (1989), para a experiência de IVG. Avalia as estratégias de coping dos indivíduos no período pós-IVG, de acordo com oito subescalas (procura  de apoio emocional, procura de apoio instrumental, ventilação emocional, nega­ção, distracção mental, aceitação, reenquadramento positivo, coping religioso) e um item referente ao abuso de substâncias, organizados em função de cinco di­mensões (procura de apoio, ventilação, evitamento/negação, aceitação/reenqua­dramento e coping religioso). Os respondentes devem indicar a forma como cada um dos 33 comportamentos descritos os tem ajudado a lidar com a IVG, numa es­cala de tipo Lickert (desde “definitivamente eu não fiz isto” a “fiz isto muitas vezes”). As características psicométricas da versão original e da versão portuguesa da escala adaptada à experiência de IVG não foram explicitadas pelos respectivos autores.

­Escala de Avaliação das Emoções [EAS; Emotional Assessment Scale] (Carl­son et al., 1989; Versão Portuguesa: Moura­-Ramos, Araújo Pedrosa, & Canavarro, 2005): É uma escala de auto-­resposta que tem como principal objectivo medir a reactividade emocional, sendo especialmente útil na medida de níveis momentâneos e de mudança de emoções. Esta escala é constituída por 24 itens que correspondem a descrições de emoções consideradas fundamentais (medo, felicidade, ansiedade, culpa, cólera, surpresa e tristeza). Para cada um dos descritores indicados, o indi­víduo deve posicionar-se no local da escala analógica visual (“o menos possível” ao “o mais possível”) que melhor representa a forma como se sente no momento actual. A versão portuguesa apresenta boas características psicométricas (Moura­-Ramos, 2006), sendo sensível a variações na reactividade emocional em populações não clínicas. A análise factorial evidenciou sete dimensões principais, relacionadas com sete emoções fundamentais (ansiedade, felicidade, medo, culpa, cólera, sur­presa e tristeza), com valores de alpha entre os .73 (cólera) e os .88 (felicidade), abonatórios de boa consistência interna. A escala revelou igualmente boa validade de constructo.

­Inventário de Sintomas Psicopatológicos [BSI; Brief Symptom Inventory] (Derogatis, 1993; Versão Portuguesa: Canavarro, 1999): É um inventário de auto­resposta, constituído por 53 itens, que avalia sintomas psicopatológicos em termos de nove dimensões de sintomatologia (somatização, obsessões­-compulsões, sensibili­dade interpessoal, depressão, ansiedade, hostilidade, ansiedade fóbica, ideação para­nóide e psicoticismo) e três índices globais (índice geral de sintomas, total de sintomas positivos, índice de sintomas positivos), que funcionam como avaliações su­márias de perturbação emocional. A avaliação da sintomatologia psicopatológica, através deste inventário, restringe-se a um período temporal específico, devendo o su­jeito assinalar “a forma como aquele problema o afectou nos últimos sete dias”, numa escala de tipo Lickert, cujas alternativas se dividem entre os extremos “Nunca” (0) e “Muitíssimas vezes” (4). Os estudos psicométricos efectuados na versão portuguesa (Canavarro, 1999) revelaram que a escala apresenta níveis adequados de consistên­cia interna para as nove escalas, com valores de alpha entre .62 (psicoticismo) e .80 (somatização) e coeficientes de teste­reteste entre .63 (ideação paranóide) e .81 (de­pressão). Foram igualmente encontrados dados abonatórios da validade de constructo e da validade discriminativa do instrumento.

 

Procedimentos

Este estudo foi aprovado pela Comissão de Ética do Conselho de Administra­ção dos Hospitais da Universidade de Coimbra. Previamente à recolha de dados foi pedida a colaboração voluntária no estudo, sendo explicado às participantes a natu­reza e os objectivos do estudo, garantida a confidencialidade e anonimato das res­postas e assinado o consentimento informado.

Procedemos à recolha de dados em dois momentos de avaliação distintos: o pri­meiro, no momento da decisão de IVG, coincidente com a primeira Consulta de Aconselhamento Reprodutivo; o segundo, duas a quatro semanas após a experiência de IVG, na terceira Consulta de Aconselhamento Reprodutivo.

Tendo em conta as contingências da lei em vigor, o acesso às utentes foi feito indirectamente, com a colaboração das funcionárias da secretaria da Maternidade Doutor Daniel de Matos e dos médicos obstetras que constituem a equipa da Consulta de Aconselhamento Reprodutivo deste estabelecimento de saúde. Assim, a recolha de dados foi realizada através da entrega dos protocolos correspondentes, em envelope fechado, por parte das funcionárias da secretaria, a todas as utentes que procuravam este serviço de saúde. A entrega dos protocolos preenchidos pelas participantes era feita no gabinete médico no final da consulta, ou por correio, num envelope selado e endereçado para o efeito, caso não tivessem concluído o seu preenchimento durante a consulta.

 

Tratamento estatístico dos dados

Numa primeira fase, para a caracterização sócio-­demográfica da amostra e dos diferentes grupos que a compõem recorremos à estatística descritiva (frequên­cias relativas, médias, desvios-­padrão). Com o objectivo de averiguar a associação entre as variáveis em estudo, que são de natureza contínua, calculámos coeficien­tes de correlação de Pearson e de Spearman (quando as variáveis em análise não se­guiam uma distribuição normal), considerando um nível de significação igual ou inferior a 0.05. Para o tratamento estatístico e análise dos resultados, utilizámos a versão 15.0 do programa estatístico SPSS (Statistical Package for the Social Science).

 

RESULTADOS

Estilos educativos parentais na infância e na adolescência e adaptação da mulher no momento da decisão e após a IVG

No momento da decisão de IVG, verificámos correlações positivas entre a so­breprotecção materna e com as dimensões de culpa, medo, ansiedade, cólera e sur­presa da reactividade emocional. Ao nível da sintomatologia psicopatológica, observámos uma associação positiva entre a rejeição paterna e a ideação paranóide, enquanto o suporte emocional paterno revelou correlacionar-se negativamente com a mesma dimensão de sintomatologia psicopatológica (cf. Quadro 2).

 

Quadro 2

Associação entre os estilos educativos parentais na infância e na adolescência e o ajustamento psicológico, no momento da decisão

 

No período pós-IVG, destacaram-se os estilos educativos maternos, particular­mente a sobreprotecção, que revelou associar-se positivamente com as dimensões de ansiedade, surpresa, culpa e medo da reactividade emocional. Do mesmo modo, a rejeição materna evidenciou correlações positivas com as dimensões de ideação pa­ranóide, psicoticismo e sensibilidade interpessoal da sintomatologia psicopatológica, enquanto o suporte emocional materno revelou associações negativas com as mesmas dimensões de sintomatologia psicopatológica.

No que respeita aos estilos educativos paternos, a rejeição revelou associações positivas com alguns indicadores de reactividade emocional negativa (tristeza e an­siedade) e associações negativas com a dimensão de felicidade da reactividade emo­cional. Do mesmo modo, a sobreprotecção paterna evidenciou correlações positivas com as dimensões de ansiedade da reactividade emocional e da sintomatologia psi­copatológica (cf. Quadro 3).

 

Quadro 3

Associação entre os estilos educativos parentais na infância e na adolescência e o ajustamento psicológico, no período pós-IVG

 

Vulnerabilidade ao stress e adaptação da mulher no momento da decisão e após a IVG

No momento da decisão de IVG, não observámos associações significativas entre a vulnerabilidade ao stress e a reactividade emocional. No que diz respeito à sintomatologia psicopatológica, verificámos correlações positivas entre a vulnerabilidade ao stress e o ín­dice geral de sintomas e total de sintomas positivos, bem como com todas as dimensões de sintomatologia psicopatológica, à excepção da ansiedade (cf. Quadro 4).

 

Quadro 4

Associação entre a vulnerabilidade ao stress e o ajustamento psicológico, no mo­mento da decisão e no período pós-IVG

 

No período pós-IVG, não observámos associações significativas entre as di­mensões da reactividade emocional e a vulnerabilidade ao stress. No que diz respeito à sintomatologia psicopatológica, verificámos associações positivas entre a vulnera­bilidade ao stress e as dimensões de sensibilidade interpessoal e ideação paranóide (cf. Quadro 4).

 

Estratégias de coping e adaptação da mulher à IVG

No período pós-IVG, destacaram-se as estratégias de coping religioso e de ventila­ção emocional que revelaram associações positivas com várias dimensões de reactivi­dade emocional negativa (ansiedade, cólera, culpa medo). Ao nível da sintomatologia psicopatológica, observámos correlações positivas entre o coping religioso e o índice geral de sintomas, o total de sintomas positivos e as dimensões de ansiedade fóbica, psi­coticismo e ideação paranóide, enquanto a ventilação emocional revelou associar­se po­sitivamente com o índice geral de sintomas e a dimensão de hostilidade (cf. Quadro 5).

 

Quadro 5

Associação entre as estratégias de coping e o ajustamento psicológico pós-IVG

 

DISCUSSÃO

Os resultados do presente estudo demonstraram que existem factores psicoló­gicos que podem condicionar a forma como as mulheres lidam com a decisão e ex­periência de IVG e, consequentemente, a sua adaptação a esta experiência. Mais especificamente, a recordação de práticas educativas maternas de rejeição e sobre­protecção, a vulnerabilidade ao stress e o recurso ao coping religioso, à ventilação emocional e à negação estão associados a uma pior adaptação à IVG, quer durante o período da decisão, quer após a IVG.

Ao nível da recordação de práticas educativas parentais, os resultados apresenta­dos corroboram apenas parcialmente as hipóteses de investigação estabelecidas. Com efeito, verificámos que as mulheres que recordam práticas de rejeição materna apresen­tam níveis mais elevados de sintomatologia psicopatológica ao nível interpessoal (idea­ção paranóide, sensibilidade interpessoal e psicoticismo), particularmente no período pós-IVG. As associações negativas verificadas entre o suporte emocional materno e os mesmos indicadores de psicopatologia parecem reforçar a ideia de que as práticas edu­cativas parentais poderão ser factor protector (quando são suportivas) ou de risco acres­cido (quando se caracterizam pela rejeição) para a adaptação das mulheres após a IVG, não parecendo, no entanto, influenciar o momento da decisão.

Contudo, observámos também que as mulheres que relatam memórias de sobre­protecção materna (i.e. com memórias de contacto excessivo e intrusividade por parte da figura materna na infância e na adolescência; Canavarro, 1996) tendem a experien­ciar maior reactividade emocional negativa, quer no período decisório, quer no período pós-IVG. Sugerimos que, ao condicionar a aquisição/promoção da autonomia (Cana­varro, 1996), a sobreprotecção materna pode contribuir para que a mulher se percep­cione como mais dependente dos outros e como provida de menos recursos pessoais para lidar autonomamente com os acontecimentos indutores de stress, associando-se, por isso, a maior reactividade emocional negativa perante a decisão e experiência de IVG. Do mesmo modo, estas mulheres podem experienciar maior dificuldade no pro­cesso gradual de integração do significado da decisão de IVG nos esquemas cognitivos pré­-existentes (Horowitz, 1986), experienciando maior reactividade emocional nega­tiva, no confronto imediato com este acontecimento indutor de stress.

No entanto, ressalvamos a necessidade de análises mais específicas da relação entre estas variáveis, para confirmar esta associação e possibilitar o estabelecimento de um nexo de causalidade entre elas. Do mesmo modo, convém realçar que os esti­los educativos parentais são avaliados retrospectivamente, estando sujeitos a envie­samentos da memória, e as reacções parentais a esta decisão reprodutiva podem ter uma influência sobre essa avaliação. Desta forma estes resultados devem ser anali­sados com a devida reserva.

A vulnerabilidade ao stress tem sido comummente associada a níveis acresci­dos de sintomatologia psicopatológica (Vaz­-Serra, 2000b), pelo que os resultados ob­tidos eram altamente expectáveis tendo em conta a situação vivenciada por este grupo de mulheres, corroborando a hipótese de investigação estabelecida. Embora não seja possível estabelecer nexos de causalidade, a vulnerabilidade ao stress mostrou ser especialmente importante no momento da decisão, estando associada a diferentes formas de sintomatologia psicopatológica, o que sugere que este momento poderá ser especialmente exigente. No período pós-IVG, as associações mais fortes verificaram-se em relação às dimensões de ideação paranóide e sensibilidade interpessoal, sugerindo uma reacção a um ambiente social e cultural adverso (e.g. receio de es­tigma/condenação social) que circunda esta decisão reprodutiva (Major & Gramzow, 1999), numa fase ainda muito próxima à alteração da legislação que enquadra a IVG por opção da mulher em Portugal, que se revelou polémica e geradora de opiniões marcadamente divergentes.

Relativamente às estratégias de coping, o recurso à negação e à ventilação emo­cional associaram-se a pior ajustamento psicológico no período pós-IVG, corrobo­rando a hipótese de investigação estabelecida. Todavia, o coping religioso revelou ser a estratégia de coping com associações mais fortes com indicadores de reactividade emocional negativa e de sintomatologia psicopatológica. Embora contrastem com a investigação existente ao nível das formas de lidar (Major et al., 1998), estes resul­tados parecem reforçar a relevância da religiosidade ao nível do ajustamento psico­lógico pós-IVG destacada pelos autores da área (Adler, 1975; Congleton, & Calhoun, 1993; Osofsky, & Osofsky, 1972; Payne et al., 1976). Todavia, ressalvamos a neces­sidade de análises mais específicas da relação entre estas variáveis, para confirmar esta associação e possibilitar o estabelecimento de um nexo de causalidade entre elas.

Apesar dos resultados apresentados destacarem as estratégias de coping desa­daptativas, nenhuma forma de lidar revelou associar­se com indicadores de melhor ajustamento psicológico. De facto, embora tenhamos observado associações negati­vas entre os índices de reactividade emocional negativa e psicopatologia e as estra­tégias de coping de aceitação e reenquadramento positivo, estas correlações não atingiram significância estatística na nossa amostra. Apesar de reflectirem formas de processamento cognitivo e emocional facilitadoras do ajustamento à experiência de IVG (Major et al., 1998), a aceitação e o reenquadramento positivo implicam um processo de integração gradual dos significados desta experiência reprodutiva nas grelhas anteriores de leitura da realidade da mulher (Horowitz, 1986). Sugerimos assim que as variáveis temporais (i.e. tempo decorrido desde a IVG) podem influen­ciar a observação dos efeitos salutares destas estratégias de coping, ao nível do ajus­tamento psicológico. Nesse sentido, os efeitos benéficos destas estratégias de coping poderão apenas ser visíveis a médio e longo prazo.

Sendo pioneiro no nosso país, este estudo não se encontra isento de limitações, que implicam alguns cuidados na interpretação dos resultados apresentados.

Das utentes que procuraram este serviço de saúde no período referenciado, apenas cerca de metade (50.5%) aceitou colaborar no nosso estudo. Do mesmo modo, verificámos uma elevada taxa de atrito experimental (60.4%) no segundo momento de avaliação. Além de condicionar o tamanho do subgrupo (n < 30) con­siderado no segundo momento de avaliação, esta elevada taxa de atrito experi­mental limitou as análises estatísticas passíveis de serem realizadas e pode ter in­fluenciado os resultados obtidos. No entanto, não observámos diferenças signifi­cativas entre as respondentes que colaboraram em ambos os momentos de avaliação e as que participaram apenas no primeiro momento de avaliação, ao nível das ca­racterísticas sócio-demográficas  e do ajustamento psicológico no momento da de­cisão. Desta forma, os resultados referentes ao período pós-IVG parecem-nos válidos e representativos do grupo de mulheres que opta pela IVG, neste estabele­cimento de saúde.

Por outro lado, a recolha da amostra restringiu-se às utentes de um único esta­belecimento de saúde nacional, na sua maioria oriundas do distrito de Coimbra, o que compromete a generabilizidade dos resultados, a nível nacional.

Por último, embora a natureza prospectiva do estudo tenha permitido investigar o papel das variáveis em estudo em dois momentos distintos, o período temporal de­corrido entre o primeiro e o segundo momento de avaliação não foi definido com base em critérios fixos e pré-­definidos. Com efeito, a avaliação no período pós-IVG foi determinada em função da marcação da consulta médica de controlo (i.e. duas a quatro semanas após a IVG), o que pode ter condicionado os resultados obtidos no segundo momento de avaliação.

Não obstante estas limitações, o presente trabalho reveste-se de algumas im­plicações para a investigação e prática clínica. Embora os nossos resultados tendam a ser consistentes com a literatura da área, consideramos que estes dados necessi­tam de replicação em virtude dos constrangimentos resultantes do tamanho da nossa amostra. Assim, consideramos que as investigações futuras devem averiguar a in­fluência directa e interactiva destas e outras variáveis psicológicas na adaptação à decisão e à experiência de IVG. Entre elas, destacamos a saúde mental prévia, o processo de tomada de decisão, os recursos de personalidade prévia (considerando as dimensões de auto­-estima, locus de controlo e optimismo) e a auto­eficácia, des­tacada como moderadora das relações entre o apoio social, os recursos de perso­nalidade, as estratégias de coping e o ajustamento psicológico no período pós-IVG (Major et al., 1998). De igual forma, consideramos que maior atenção deve ser dada pela investigação ao período decisório, de forma a optimizar e definir estra­tégias de intervenção dirigidas para este período que facilitem o processo de to­mada de decisão.

Ao nível da prática clínica, as fortes associações entre a vulnerabilidade ao stress e a sintomatologia psicopatológica observadas não apenas no período pós-IVG, mas também no período decisório evidenciam a necessidade de conceptualizar o momento da decisão como um período exigente e, por isso, igualmente merecedor de atenção clínica. Tendo em conta que o contacto dos profissionais da área da Psicologia com as mulheres que procuram esta resolução reprodutiva se encontra restringido pelos termos da lei em vigor, parece-nos importante fomentar a colaboração com as equi­pas médicas responsáveis pelas Consultas de Aconselhamento Reprodutivo dos es­tabelecimentos de saúde nacionais e de as sensibilizar para as questões de saúde mental e da sua relevância no contexto específico da IVG.

A intervenção psicológica, no momento específico da decisão da IVG, o pro­cesso decisório deverá ser trabalhado através de estratégias adequadas (e.g. resolu­ção de problemas), de forma a possibilitar que estas mulheres tomem decisões informadas e coerentes com o seu sistema de valores. Esta intervenção poder­-se­-á tornar especialmente pertinente nos casos em que os profissionais de saúde identifi­quem factores que podem complicar a adaptação, neste momento específico (e.g. vulnerabilidade ao stress e recordação de práticas educativas parentais de sobrepro­tecção).

Consideramos que uma intervenção precoce no momento da decisão de IVG de­verá contribuir para uma melhor adaptação no momento pós-IVG. Contudo, é também importante atender à recordação de práticas educativas parentais de rejeição materna e à utilização de estratégias de coping religioso, ventilação emocional e negação, como potenciais factores de risco para dificuldades de adaptação no período pós-IVG.

 

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Recebido em 14 de Setembro de 2009/ Aceite em 3 de Setembro de 2010