SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.11 número2Experiências relacionais precoces, vulnerabilidade ao stress, estratégias de coping e adaptação à decisão e experiência de interrupção voluntária da gravidezInterrupção da gravidez por malformação congénitica: a perspectiva da mulher índice de autoresíndice de assuntosPesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Serviços Personalizados

Journal

Artigo

Indicadores

Links relacionados

  • Não possue artigos similaresSimilares em SciELO

Compartilhar


Psicologia, Saúde & Doenças

versão impressa ISSN 1645-0086

Psic., Saúde & Doenças v.11 n.2 Lisboa  2010

 

A vivência de infertilidade e endometriose: pontos de atenção para profissionais de saúde

 

Ana Carolina Dias Vila, Luc Vandenberghe & Nusa de Almeida Silveira

Pontifícia Universidade Católica de Goiás, Brasil.

 

Contactar para E­mail: luc.m.vandenberghe@gmail.com

 

Resumo

Este estudo discute aspectos do cotidiano da paciente com endometriose. São considerados alguns hábitos de vida relacionados com a endometriose e o sentimento feminino perante o diagnóstico e o tratamento. Dados foram colhidos numa amostra de 40 mulheres com diagnóstico de endometriose, por meio de seleção de prontuários e aplicação de questionários. A frequência de exposição a substâncias químicas tóxicas na amostra foi alta. Mais da metade das participantes não praticava atividade física e a ingestão de vitaminas E, C e de fibras era insuficiente. Insegurança e ansiedade foram os sentimentos mais frequentes frente ao diagnóstico, mas, uma vez iniciado o tratamento, a maioria das participantes relatou bem-estar como sentimento predominante. As mais frequentes fontes de apego que ajudaram as mulheres durante o tratamento foram: a fé, o parceiro e a família. O profissional da saúde precisa atentar para o impacto prejudicial de preconceitos culturais e apoiar as tentativas da paciente de lidar com a insegurança, ansiedade, tristeza e o medo ao receber o diagnóstico. Precisa orientar a paciente quanto às mudanças de estilo de vida e exposição a substâncias tóxicas. Além disso, precisa amparar a resposta emocional positiva da paciente ao tratamento e estimular o apoio do companheiro no decorrer do tratamento.

Palavras­-chave: Endometriose; infertilidade; fatores ambientais; vivência feminina.

 

The experience of infertility and endometriosis: suggestions for health professional

Abstract

This study discusses aspects of the daily life of patients with endometriosis. It considers life habits related to endometriosis and the feelings of women confronted with the diagnosis and the treatment. Data were collected in a sample of 40 women with diagnosis of endometriosis, through a selection of patient files and through interviews. Exposure to toxic substances was high in this sample. More than half of the participants did not practice sufficient physical activity. The diets of many patients lacked vitamin E, C and fibras. Insecurity and anxiety were the main feelings when receiving the diagnosis, but, once the treatment started, positive emotions predominated. The most frequent sources of emotional support that helped the women to live through the treatment were: faith, the partner and the family. Health professionals need to pay attention to the destructive impact of cultural prejudices. They need to help the patient cope with her insecurity, anxiety, sadness and fear during the diagnostic process. They must provide coaching concerning life style changes and questions related to exposure to toxic substances. And they also need to help sustain both the patient’s positive emotional responses to treatment and her partner’s support during treatment.

Keywords: Endometriosis; infertility; environmental factors; feminine experience.

 

Uma das causas mais comuns de esterilidade feminina é a endometriose, uma afecção em que ocorre o crescimento anormal de tecido endometrial. As células en­dometriais possuem a capacidade de se implantar fora da cavidade uterina. Esta pa­tologia gera uma fibrose que pode encobrir os ovários a ponto de impedir a liberação do óvulo na cavidade abdominal. A oclusão das trompas de Falópio pode ocorrer nas extremidades fimbriadas ou em qualquer ponto ao longo de seu comprimento. Em ordem de frequência, a endometriose pélvica envolve: os ovários, ligamentos úte­rossacrais, fundo de saco, septo reto­-vaginal, peritônio uterovesical, cérvix, umbigo, hérnias e apêndices (Guyton & Hall, 2002; Lopez et al., 2000; Machado et al., 2001). Durante a menstruação, o tecido ectópico sangra. Principalmente nas áreas sem saída, isto pode causar dor. A sintomatologia depende da localização e extensão da doença (Giudice & Kao, 2004; Reis, 2002). Ainda é uma doença de etiopatogenia incerta apesar de ter sido estabelecido um papel importante do estresse oxidativo no cresci­mento dos tecidos endométricos (Aplay, Saed, & Diamond, 2006). O diagnóstico inicia-se na suspeita clínica, nos sintomas e no exame físico. Para a confirmação é fundamental o exame histológico, por meio da laparoscopia ou da laparotomia. O tratamento consiste em uma cirurgia, realizada por meio de anestesia geral seguida de uma incisão abdominal para a extirpação dos coágulos de endometriose.

Cada vez mais, os profissionais da saúde tendem a considerar que o sedenta­rismo e a dieta não balanceada, álcool, tabaco e outras drogas, o frenesi da vida co­tidiana>, são condicionantes das ditas doenças modernas. Este trabalho pretende situar a endometriose no contexto dessa visão. O contributo do presente artigo é de apre­sentar uma contextualização da doença e do seu tratamento na vida da paciente. Par­timos do princípio de que considerar aspectos do cotidiano e da vivência da mulher com endometriose contribui para que profissionais de saúde, inclusive os de saúde mental, possam assisti-la de maneira mais abrangente.

Primeiro são caracterizados aspectos do cotidiano das pacientes que podem estar relacionados com a doença. Em segundo lugar são descritos impactos do diagnóstico sobre a experiência subjetiva das pacientes e seu modo de lidar com estes impactos.

 

MÉTODO

Participantes

A amostra foi constituída por conveniência, por quarenta mulheres com diagnós­tico principal de endometriose, com idade entre 24 a 44 anos. Para a realização do es­tudo foi feita uma busca manual aos prontuários para a identificação de mulheres que preenchiam os seguintes critérios de inclusão: ter idade maior ou igual 18 anos; estar em tratamento ou ter sido tratada para infertilidade e endometriose em clínicas particulares da cidade de Goiânia­-GO; ter como principal diagnóstico a endometriose. Foram ex­cluídas desta pesquisa, as informantes que não atenderam aos critérios de inclusão des­critos acima, e aquelas que após a leitura e orientação quanto aos objetivos do trabalho, demonstraram e verbalizaram o não consentimento em participar.

Dezoito das mulheres participantes completaram o 3º grau e as profissões cita­das entre elas foram: professora, estudante, vendedora, odontóloga, bancária, secre­tária, psicóloga, engenheira e advogada. No momento da entrevista, as participantes declararam-se casadas (31), divorciadas (6) ou solteiras (3). Apenas cinco, entre elas referiram não seguir nenhuma religião, a maioria delas (18) sendo católica e as ou­tras espírita (9), evangélica (5) ou de outra convicção.

Todas as mulheres estavam em tratamento por não conseguirem engravidar, sendo que 25 delas nunca estiveram grávidas e quatro não conseguiram levar a ges­tação a termo. Além disso, a queixa mais frequente foi a ocorrência de cólicas, prin­cipal razão que motivou o aconselhamento médico. Outras queixas apresentadas no prontuário foram: dor abdominal, dispareunia, irregularidade menstrual ou dor ao urinar, sinais estes relacionados à endometriose segundo a literatura (Hassa al., 2004, Guidice & Kao, 2004; Reis 2002; Martin & Ling, 1999). Os exames principalmente realizados foram a histerossalpingografia (por 34 delas), ultrassonografia (por 30 delas), e a biópsia (por 20 delas). Nesta amostra 29 das mulheres apresentavam trom­pas uterinas normais e apenas 5 participantes apresentaram trompas obstruídas pro­vavelmente por coágulos. Nestes casos o diagnóstico de endometriose era devido à presença do tecido endometrial em outra parte do aparelho genital uma vez que a en­dometriose pode afetar outras estruturas do aparelho reprodutor, que não as trompas uterinas.

 

Procedimentos

Para caracterizar a amostra foi utilizado um questionário construído pelos au­tores do trabalho que levantava informações a respeito de dados pessoais, sócio­-de­mográficos e do cotidiano das participantes, assim como condições de saúde, hábitos de vida e as principais reações apresentadas frente ao diagnóstico de endometriose.

Primeiramente foi feita uma busca de pacientes em clínicas de reprodução, lo­calizadas em Goiânia – Goiás, cujo diagnóstico principal fosse a endometriose. Esta busca foi feita a partir dos prontuários e autorizada pelos proprietários das clínicas. Um primeiro contato foi feito por telefone, convidando a paciente para participar do estudo. Caso ela aceitasse, era agendado um encontro para o fornecimento de maio­res esclarecimentos acerca da pesquisa e alguns dados eram coletados do seu pron­tuário. No encontro pessoal, que ocorria em local da preferência da paciente, ela era informada dos objetivos do estudo, convidada a ler e assinar um termo de consenti­mento autorizando o uso de informações dos seus prontuários e a responder ma­nualmente o questionário sobre aspectos do seu cotidiano. Foram assegurados às pacientes sua privacidade, sigilo das informações e seu direito de retirar-se do es­tudo a qualquer momento, sem danos de qualquer natureza. O protocolo desse le­vantamento de informações foi encaminhado ao Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Católica de Goiás, do qual obteve aprovação.

As informações retiradas do prontuário foram sobre o número de gestações, partos e abortos anteriores; principais queixas, sinais e sintomas apresentados; ante­cedentes cirúrgicos e realização prévia de exames como a ultrassonografia, biópsia e histerosalpingografia. Para análise dos dados foram utilizadas técnicas descritivas, sendo os resultados apresentados como médias e distribuição de freqüências.

 

RESULTADOS

A maioria das mulheres participantes deste trabalho (57,5%) não pratica ativi­dade física. As demais mencionaram: caminhada, academia, musculação de 2 a 3 vezes por semana. Quase todas apresentam uma incidência alta de exposição a subs­tâncias tóxicas, como desinfetantes (80%), água sanitária (72,5%), inseticidas (20%), soda cáustica (12,5%), gás de cozinha (7,5%). Duas mulheres referiram fumar ci­garros por mais de 5 anos; treze tomam café diariamente e três usam bebidas alcoó­licas socialmente. Nenhuma participante referiu usar algum tipo de droga ilícita.

Para estimar a ingestão de alimentos fontes de vitaminas E, C e de fibras foi proposto juntamente com o questionário, um recordatório de ingestão em que foram relacionados alimentos fontes desses nutrientes e anotadas as quantidades ingeridas. Desta forma foi possível observar que a maioria das participantes não ingere frequentemente alimentos ricos em vitamina C (69% delas); em vitamina E (55% delas) ou em fibras (75% delas) não alcançando as recomendações de ingestão diária des­tes nutrientes. Segundo o Institute of Medicine/Food and Nutrition (2000; 2002), a recomendação diária de ingestão desses nutrientes entre mulheres em idade repro­dutiva é de: vitamina E: 15mg, vitamina C: 75mg e fibras dietéticas: 25g.

Os sentimentos que se sobressaíram diante do diagnóstico, no relato das parti­cipantes, foram: insegurança (19 participantes), ansiedade (18 participantes), tristeza (16 participantes) e medo (13 participantes). O sentimento positivo mais relatado foi alívio (8 participantes) em tomar conhecimento de um diagnóstico que explicava sua condição.

O tratamento é uma nova fase, que evoca outros sentimentos nas pacientes. De­zessete participantes referiram ter sofrido mudanças negativas na qualidade de vida após o início do tratamento, como: ganho excessivo de peso, efeitos colaterais va­riados de medicações e estresse ligado à antecipação da maternidade. Quatro mu­lheres interromperam o tratamento médico, alegando frustração com o mesmo. Mesmo assim, 31 mulheres relataram bem-estar como sentimento predominante ao enfrentar o tratamento; 5 se sentiam fragilizadas, mas apenas uma referiu a vivência como conclusivamente negativa. O sentimento positivo em relação ao tratamento está em contraste com o impacto negativo ao receber o diagnóstico.

Trinta e três mulheres referiram que o companheiro as apoiou e que estiveram mais próximos após o diagnóstico e início do tratamento. As demais referiram não terem recebido apoio dos companheiros. Houve outras fontes de apego mencionadas pelas pacientes, entre as quais se destacou principalmente a fé religiosa e o apoio da família. Mas mesmo considerando estas alternativas, a carência de apoio por parte do parceiro, foi relatada por 7 das participantes.

 

DISCUSSÃO

Hábitos de vida

Existem indicações na literatura que relacionam a endometriose com a falta de atividade física, exposição a substâncias tóxicas, baixa ingestão de vitaminas e fi­bras, aspectos que foram relatados pelas participantes dessa pesquisa.

A prática de exercícios diários melhora o sistema imunológico e por consequência, o corpo elimina com maior facilidade os coágulos de endometriose. Outro fator importante relacionado à atividade física é a diminuição da secreção do estro­gênio, o qual favorece a progressão da doença (Lorençatto et al., 2002).

Rier e Foster (2002) referem que a exposição a dióxido de carbono (CO2), hi­drocarbonetos, polihalogênicos (substâncias que estão presentes na composição de detergentes, desinfetantes e pesticidas) e outras substâncias, favorecem o apareci­mento da endometriose, pois essas substâncias se alojam nos tecidos e na corrente sanguínea, afetando o sistema imune. O uso de produtos químicos tais como solven­tes, pesticidas e hidrocarbonetos, está relacionado a um risco aumentado para o de­senvolvimento da endometriose e pode provocar alterações na fertilidade feminina (Cahill & Wardle, 2002; Joffe, 2003; Sharara, Seifer, & Flaws, 1999; Tinger, Stanford, & Dunson, 2004). Cada vez mais dados ficam disponíveis sobre a presença de gran­des variedades de químicos tóxicos no pó dentro de casas e apartamentos e em amos­tras de urina e de sangue de seus habitantes. Porém, a crença que exposição a tóxicos só é perigosa quando em grandes dosagens, continua amplamente aceita. Para uma geração de mulheres que conheceu desastres ambientais como eventos dramáticos de grande escala e que são veiculados na mídia, pode fazer pouco sentido a infor­mação de que os produtos utilizados dentro da sua casa para fins de limpeza e hi­giene possam ter efeitos tão danosos. Por isso, pesquisas atuais que evidenciam danos importantes sobre a saúde decorrentes de exposições graduais e contínuas, não pro­duzem muita repercussão sobre as atitudes das pessoas (Altman et al., 2009).

Uma vida estressante e agitada (Lorençatto et al., 2002; Hemmings et al., 2004) pode ser fator de risco para o desenvolvimento da doença. O consumo de álcool e a baixa atividade física foram os maiores preditores do desenvolvimento de endome­triose num grande estudo prospectivo (Heiler et al., 2007). O uso de cigarro atrapa­lha a maturação dos óvulos e é responsável por 13% dos casos de infertilidade feminina (Sharara, Seifer, & Flaws, 1999; Bhatt, 2000; Lindbohm et al., 2002).

A baixa ingestão de vitaminas “C”, “E” e de fibras na dieta já foi relacionada ao desenvolvimento da endometriose (Menezes, 2005). A literatura recomenda como prevenção, consumo regular de verduras, frutas e legumes, que são alimentos ricos nestes nutrientes (Lorençatto et al., 2002) ou uma suplementação a base de combi­nados de vitaminas “E” e “C” (Agarwal et al., 2005). Há dados empíricos que mos­tram uma redução significativa no risco de desenvolver a doença em pessoas com um alto consumo de verduras verdes e frutas (Parazzini et al., 2004). Além disso, foi mostrado que antioxidantes, como vitamina C e A podem evitar a evolução de pro­cessos que prejudicam o endométrio (Santanam, Kavlaradze, & Dominguez, 2003; Mier­-Cabrera et al., 2008).

 

Vivência do diagnostico

A teoria psicogênica da infertilidade atribuía a causa da infertilidade a conflitos in­conscientes da mulher. Esse modelo foi criticado pelo seu escasso apoio empírico (Greil, 1997). Recentemente também foi alvo de crítica por parte de psicanalistas (e.g. Giuliani, 2009; Leon, 2010) que argumentam que o psicoterapeuta prejudica a paciente quando atribui a causa do problema ao seu psiquismo. Os conflitos intrapsíquicos e turbulências interpessoais vistos em mulheres inférteis, de acordo com esses autores, resultam da in­fertilidade. A dificuldade de engravidar pode ameaçar a percepção de si como ser sexual, já que a infertilidade mantém o objetivo primitivo da sexualidade fora de alcance. Em pa­cientes que acreditam que engravidar é um aspecto essencial de ser mulher, a visão de si, que desde a adolescência abrange a possibilidade de dar a luz, pode entrar em colapso. E em decorrência disso, dúvidas sobre o que de mais profundo pode estar errado consigo, podem ser evocadas (Cousineau & Domar, 2006).

Na cultura geral, a maternidade ainda continua um aspecto importante da rea­lização da identidade feminina (Barbosa & Rocha­-Coutinho, 2007). Representações sociais da infertilidade como sendo estigmatizante para a mulher continuam podero­sas na atualidade (Trindade & Enumo, 2002) e a própria mulher pode se sentir cul­pada e envergonhada como se estivesse quebrando uma regra cultural (Clay, 2006; Conceição, 2000; Cousineau & Domar, 2006). A literatura popularizante, derivada da ideologia predominante na área de prevenção e auto-ajuda contribui para esta situa­ção, por exagerar a autonomia que o indivíduo tem em prevenir doença. A informa­ção pública pode enfatizar demasiadamente o poder de controle da mulher em relação à endometriose (Seear, 2009).

Os sentimentos negativos relatados pelas participantes em nossa pesquisa são encontrados com alta frequência em outras pesquisas (Ardenti et al., 1999; Domar & Dreher, 1997; Moreira et al., 2005). Estas reações são esperadas porque a endome­triose afeta áreas tão diversas da vida, como o preenchimento dos papéis sociais, se­xualidade, vitalidade, preocupação com aparência, isolamento social e preocupação com as próprias filhas. Além disso, o encontro com os profissionais de saúde, às vezes sugere o trivial dos sintomas e das perdas envolvidas na doença (Cox et al., 2003; Jones, Jenkinson, & Kennedy, 2004). Por outro lado, obter uma explicação clara para as dores e outros sintomas, às vezes depois de uma longa busca de diagnóstico, é uma fonte de alivio compreensível (da Matta & Muller, 2006).

 

Vivência do tratamento

Exames e tratamentos podem gerar estresse considerável e resultados negati­vos, por sua vez, constituem uma nova perda (Moreira et al., 2005; Cousineau & Domar, 2006). Porém, o tratamento pode também gerar esperança a respeito do con­trole da endometriose (da Matta & Muller, 2006), e assim se tornar uma fonte de bem-estar. Ardenti et al. (1999) referem existência de sentimentos positivos como a determinação e o desejo de conseguir sucesso com o tratamento, apesar de ser mui­tas vezes invasivo, doloroso e incerto.

O apoio do parceiro, da família e dos amigos é importante e sua ausência pode favorecer transtornos emocionais (Carvalho & Carvalho, 2004; Cunha et al., 2008). Os parceiros, em muitos casos também passam por sentimentos de ansiedade, de­samparo e um processo de luto. Alguns deles também relatam que as situações pelas quais passam por causa da doença, promovem aceitação e crescimento no relaciona­mento (Fernandez, Reid & Dziurawiec, 2006).

O profissional deve validar estas fontes de resiliência como valiosos recursos que ajudarão a mulher a superar a fase difícil pela qual está passando. A carência de apoio por parte do parceiro, sentido por várias das participantes deste estudo como também na amostra de mulheres inférteis de Cunha et al. (2008) é particularmente preocupante quando se considera que todas as pacientes estavam passando por um tra­tamento incerto e emocionalmente carregado, na tentativa de poder engravidar. Isto sugere que há um papel para o profissional de saúde em promover e estimular a par­ticipação ativa do parceiro.

Pontos que merecem destaque em nossa discussão dos hábitos de vida das pa­cientes com endometriose são a falta de atividade física, a alta frequência de exposi­ção direta a produtos tóxicos e a carência de vitaminas e fibras na dieta. Estes dados devem ajudar os profissionais na orientação das pacientes. Condizem com a literatura em geral e são intuitivamente aceitos pelas leigas.

As pacientes relataram emoções negativas profundas ao receber o diagnóstico de endometriose. Seguindo nossa revisão de literatura cogitamos que o impacto do diagnóstico pode evocar o estigma cultural da infertilidade e a atribuição irracional de culpa à paciente por não ter prevenido a doença. As tendências contemporâneas na teoria psicanalítica e as críticas sociais revistas na discussão podem subsidiar um acompanhamento psicológico mais adequado da mulher infértil. De qualquer forma, o profissional de saúde deve estar preparado para o impacto emocional do diagnós­tico na paciente e levá-lo em conta no acompanhamento.

O próprio tratamento também traz efeitos negativos para várias mulheres, sendo que algumas abandonam o mesmo. Aqui novamente, percebe-se a necessidade de um bom acompanhamento, com transparência e apoio humano da parte do profis­sional. Adicionalmente, os nossos dados também permitem ver outro lado dos senti­mentos envolvidos: o relato da maioria das pacientes mostra que o tratamento também pode representar uma vivência positiva. E este é um aspecto do processo que não pode ser desqualificado pelo profissional, negligenciando a importância da esperança, e o tamanho do investimento emocional que a paciente faz ao iniciar o tratamento.

A maioria das nossas participantes relatou receber apoio emocional do parceiro, um elemento de notória importância para que a paciente supere bem as dificuldades en­contradas durante o diagnóstico e o tratamento. É enfim, um ponto que deve ser levado em conta pelos profissionais de saúde que precisam valorizar este apoio e envolver o parceiro de maneira ativa no acompanhamento da paciente durante todo o tratamento.

 

REFERÊNCIAS

Agarwal, A., Gupta, S., & Sharma, R. K. (2005). Role of oxidative stress in female reproduction. Reprodução. Biology and Endocrinology, 14, 3­28.

Altman, R. G., Morello­-Frosch, R., Brody, J. G., Rudel, R., Brown, P., & Averick, M. (2009). Pol­lution comes home and gets personal: Women`s experience of household chemical expo­sure. Journal of Health and Social Behavior, 49, 417­435.

Aplay, G., Saed, G. M., & Diamond, M.P. (2006). Female infertility and free radicals: Potential role in adhesions and endometriosis. Journal of the Society for Gynecologic Investigation, 13, 390–398.

Ardenti, R., Campari, C., Agazzi, L., & La Sala, G. B. (1999). Anxiety and perceptive functioning of infertile women during in­-vitro fertilization: exploratory survey of an Italian sample. Human Reproduction, 14(12), 3126­3132.

Barbosa, P. Z., & Rocha­-Coutinho, M. L. (2007). Maternidade: Novas possibilidades, antigas vi­sões. Psicologia Clínica, 19(1), 163­185.        [ Links ]

Bhatt, R.V. (2000). Environmental influence on reproductive health. International Journal of Gy­necology and Obstetrics, 70, 69­75.

Cahill, D. J., & Wardle, P. G. (2002). Management of infertility. BMJ Journal, 325, 28­32. Carvalho, C. A., & Carvalho, W. D. P. (2004). Apoio psicológico ao casal infértil em reprodução humana. In: J.W. Barros Leal (Org.). Reprodução Humana, Rio de Janeiro: Revinter.

Clay, A. R. (2006). Battling the self-­blame of infertility: The frustration of infertility. Monitor on psychology, 37(8), 44­45.

Conceição, S. C. (2000). A infertilidade no feminino. In: Dossiê do IV Congresso Português de So­ciologia. Coimbra: APSIOT.

Cousineau, T. M., & Domar, A. D. (2006). Psychological impact of infertility. Best Practice and Research in Clinical Obstetrics and Gynaecology, 21, 293­308.

Cox. H., Henderson, L., Anderson, N., Cagliarini, G., & Ski, C. (2003). Focus group study of en­dometriosis: Struggle, loss and the medical merry­-go-­round. International Journal of Nur­sing Practice, 9(1), 2­9.

Cunha, M. C. V. da., Carvalho, J. A., Albuquerque, R. M., Ludermir, A. B., & Novaes, M. (2008). Infertilidade: Associação com transtornos mentais comuns e a importância do apoio social. Revista Psiquiatria do Rio Grande do Sul, 30(3), 201­210.

Domar, A. D., & Dreher, H. (1997). Equilíbrio mente­-corpo na mulher: uma abordagem holística para administrar o estresse e assumir o controle de sua vida. Rio de Janeiro: Campus.

Fernandez, I., Reid, C., & Dziurawiec, S. (2006). Living with endometriosis: The perspective of male partners. Journal of Psychosomatic Research, 61(4), 433­438.

Giudice, L. C. & Kao, L. C. (2004). Endometriosis. The lancet, 364, 1789­1799.

Giuliani, J. (2009). Uncommon misery: Modern psychoanalytic perspectives on infertility. Jour­nal of the American Psychoanalytic Association, 57, 215­226.

Greil, A. L. (1997). Infertility and psychological distress: A critical review of the literature. Social Science in Medicine, 45, 1679­1704.

Guyton, A. C., & Hall, J. E. (2002). Tratado de fisiologia médica. 10. ed. Rio de Janeiro: Guana­bara Koogan.

Hassa, H., Tanir, H. M., & Uray, M. (2004). Symptom distribution among infertile and fertile en­dometriosis cases with different stages and localizations. European Journal of Obstetrics & Gynecology and Reproductive Biology, 119, 82­86.

Heiler, J. F., Donnez, J., Nackers, F., Rousseau, R., Verougstraete, V., Rosenkranz, K., Donnez, O., Grandjean, F., Lison, D., & Tonglet, R. (2007). Environmental and host­-associated risk factors in endometriosis and deep endometriotic nodules: a matched case­-control study. Environmental Research, 103, 121­129.

Hemmings, R., Rivald, M., Olive, D., Poliquin­-Fleury, J., Gagné, D., Hugo, P., & Gosselin, D. (2004). Evaluation of risk factors associated with endometriosis. Fertility and Sterility, 81(6), 1513­1521.

Institute of Medicine/Food and Nutrition Board (2000). Dietary reference intakes for vitamin C, vitamin E selenium and carotenoids. Washington, National Academy Press. 529p.

Institute of Medicine/Food and Nutrition Board (2002). Dietary reference intakesfor energy, car­bohydrate, fiber, fat, fatty acids, cholesterol, protein and amino acids. Washington, Natio­nal Academy Press. Partes 1 e 2.

Mier­-Cabrera, J., Genera-­García, M., De la Jara­-Díaz, J., Perichart­-Perera, O., Vadillo­-Ortega, F., & Hernández­-Guerrero, C. (2008). Effect of vitamins C and E supplementation on perip­heral oxidative stress markers and pregnancy rate in women with endometriosis. Interna­tional Journal of Gynecology and Obstetrics, 100 (3), 252­256.

Joffe, M. (2003). Invited commentary: the potential for monitoring of fecundity and the remai­ning challenges. American Journal of Epidemiology, 157, 89­93.

Jones, G., Jenkinson, C., & Kennedy, S. (2004). The impact of endometriosis upon the quality of life: A qualitative analysis. Journal of Psychosomatic Obstetrics and Gynecology, 25(2), 123­133.

Leon, I. (2010). Understanding and treating infertility: Psychoanalytic considerations. The Jour­nal of the American Academy of Psychoanalysis and Dynamic Psychiatry, 38, 47­75.

Lindbohm, M. L., Sallmén, M., & Taskinen, H. (2002). Effects of exposure to environmental ta­bacco smoke on reproductive health. Scandinavian. Journal of Work Environment Health, 28(2), 84­96.

Lopez, A. C. S., Santos, L. L. R., Ramos, J. F. D., Yatabe, S. Lopes, R. G., & Lippi, U. G. (2000). Tratamento videolaparoscópio de endometriomas ovarianos. Revista Brasileira de Gine­cologia e Obstetrícia, 22(10), 615­618.

Lorençatto, C., Vieira, M. J. N., Pinto, C. L. B. P., & Petta, C.A (2002). Avaliação da frequência de depressão em pacientes com endometriose e dor pélvica. Revista da Associação Médica Brasileira, 48(3), 217­221.

Machado, M.T., Giuseppe, R. Di, Barbosa, C. P., Borrelli, M., & Wroclawski, E. R. (2001). En­dometriose vesical: aspectos diagnósticos e terapêutico. Revista da. Associação Médica Brasileira, 47(1), 37­40.

Martin, D.C., & Ling, F.W. (1999). Endometriosis and pain. Clinica Obstetrica e Gynecologica, 42(3), 664­86.         [ Links ]

Matta, A. Z. da, & Muller, M. C. (2006). Uma análise qualitativa da convivência da mulher com sua endometriose. Psicologia, Saúde e Doenças, 7(1), 57­72.         [ Links ]

Menezes, A. (2005). Saúde da mulher. In: VOGT, C. Ciência e cultura. São Paulo: Imprensa ofi­cial. cap.1, 15­16.

Moreira, S.N.T, Lima, J. G. de, Sousa, M. B. C. de, & Azevedo, G. D. de (2005). Estresse e fun­ção reprodutiva feminina. Revista Brasileira de Saúde Materno Infantil, 5(1), 119­125.

Parazzini, F., Chiaffarino, F., Surace, M., Chatenoud, L., Cipriani, S., Chiantera, V., Benzi, G., & Fedele, L. (2004). Selected food intake and risk of endometriosis. Human Reproduction, 19, 1755­1759.

Reis, P.A.S. (2002). Relação da aparência, extensão e localização das lesões com o tipo e severi­dade da dor em pacientes com endometriose. Revista Brasileira de Ginecologia e Obste­trícia, 34 (6), 419­420.

Rier,S., & Foster,W.G.(2002).Environmentaldioxinsandendometriosis.Toxico­logicalSciences,70,161­170.

Santanam, N.K., Kavlaradze, N., & Dominguez, C. (2003). Antiocidant supplementation reduces total chemokines and inflamatory cytokines in women with endometriosis. Fertility and Sterility, 8, 32­33.

Seear, K. (2009). Standing up to the beast: Contradictory notions of control, un/certainty and risk in the endometriosis self-help literature. Critical Public Health, 19(1), 45­58.

Sharara, F. I., Seifer, D. B. & Flaws, J. A. (1999). Environmental toxicants and female reproduc­tion. Fertility and Sterility , 71, (4), 775­776.

Tinger, C., Stanford, J. B. & Dunson, D. B. (2004). Methodologic and statistical approaches to studying human fertility and environmental exposure. Environmental Health Perspecti­ves, 112 (1). 87­93.

Trindade, Z. A., & Enumo, S. R. F. (2002). Triste e incompleta: Uma visão feminista da infertili­dade feminina. Psicologia USP, 13, 151­182.

 

Recebido em 29 de Setembro de 2009/ Aceite em 1de Novembro de 2010